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Notas

1167 - Telmesso é uma cidade da Lícia onde a arte dos arúspices estava muito florescente.
1168 - Treskeyein, imitar os trácios, e daí exercer o seu culto supersticioso.
1169 - Ler: "Esse ar tista, com efeito, observou perfeitamente bem e representou o que vários dos seus amigos e sucessores procuraram imitar depois, a saber, sua maneira de apresentarse, etc." Vide a Vida de Pirro, cap. XV.
1170 - O Pancrácio: explicamos alhures em que consistia essa espéci e de combate.
1171 - Oco.
1172 - Ele dava a si mesmo o nome de Fénix, a Alexandre o de Aquiles, etc.
1173 - Sete mil e oitocentos escudos, — Amyot. 60.684 libras francesas.
1174 - Na costa do mar Egeu, entre Anfípolis e Acanto, n a parte da Macedónia chamada Calcídica situada ao pé da cidade de Mieza, onde ainda existem assentos de pedra que Aristóteles mandou construir em aldeias cobertas de árvores para passea rem à sombra.
1175 - Quer dizer: Estão publicados, e assim não o são. — Amyot. Tanto poderia estar essa tradução no texto como em nota, pois é o sentido exato do grego.
1176 - Ek toy nárthekos. Querem alguns que essa passagem se refira ao rico cofre encontrado entre as j oias de Dário, dentro do qual Alexandre quis que se guardassem os livros de Homero. — Amyot. Vide as Observações.
1177 - Seu verdadeiro nome é Onesícrito. Acompanhou Alexandre na expedição à Pérsia e escreveu-lhe a história. Era piloto de seu navio. Alexandre enviou-o junto aos chamados filósofos brâmanes, da índia. Sua história foi acusada, pelos antigos, de muitas infidelidades; Plutarco alude a isso na continuação da Vida de Alexandre.
1178 - Ambos floresciam na 95ª olimpíada.
1179 - Trinta mil escudos. — Amyot. 233.437 libras francesas.
1180 - Eram ambos filósofos hindus, aos quais Ones ícrito fora enviado. Vieram, em seguida, encontrar Alexandre na Pérsia, onde Calano, pondo termo à vida, queimou-se voluntariamente à vista dos persas e dos macedônios. Vide Estrabão, 2. XV, pág. 1.042 e seguintes. Aquele a quem Plutarco ch ama aqui Dandamis é chamado Mandanis por Estrabão, Ibid., e pelo próprio Plutarco nesta Vida de Alexandre, final.
1181 - Havia na Trácia, perto da Macedónia, ao pé do monte Pangeia, uma província chamada Média por todos os antigos. Os habitantes denominavam-se me dos, do nome de um príncipe ilírico chamado Medo, segundo ápio. Esse povo costumava invadir a Macedónia, sobretudo quando alguma expedição dali fazia sair os reis. Se nunca ningué m os chamara de medários, é o que aparentemente sabia Plutarco, ou seus copistas. Mas esse conhecimento não chegou até nós.
1182 - Ilíria.
1183 - Acrescentar, de acordo com o grego: durante sua ausência.
1184 - 336 A. C.
1185 - Ilíria.
1186 - No segundo ano da centésima-undéci ma olimpíada. 335 A. C.
1187 - É o Cínico.
1188 - É aparentemente Libetra, na Tessália, porto da qual estava o túmulo de Orfeu. Havia também uma fonte da mesma denominação, derivando daí o nome das musas Libétrides, se bem que Pausânias pareça fazer, derivar esse epíteto da montanha e da fonte da Beócia, que trazia o mesmo nome.
1189 - Quarenta e dois mil escudos. — Amyot. 326.812 libras francesas.
1190 - Cento e vinte mil escudos. — Amyot, 933.750 libras francesas.
1191 - Grego: a Minerva e aos heróis.
1192 - Que corre através da Frigia e da Mísia menores e se lança na Propôntida.
1193 - No mês Désio.
1194 - Artemísio.
1195 - Grego: Clito, cognominado o Negro, como se lê em Arrieno em Diodoro; pois houve outro cognominado o Branco.
1196 - É preciso ler, segundo alguns manuscritos: deixou descobertas as pontas da rocha, etc.
1197 - Acrescentar, conforme ao grego: que já era morto.
1198 - Perto da Panfília.
1199 - Seu verdadeiro nome é Píndaro.
1200 - De Mitilente, historiador que Plutarco cita várias vezes na Vida de Alexandre e que parece ter sido contemporâneo desse prín cipe.
1201 - Uma das cidades mais célebres da Ásia, na parte da Síria chamada Celessíria, perto" do monte Líbano.
1202 - Barsina.
1203 - Ler: corrompido.
1204 - Ele assim, a adotou de certo modo, dando-lhe esse nome em sinal de respeito.
1205 - A história de sua vida, escrita em forma de jornal p or Èumenes de Cárdia e Diodoro de Eritreia. Surpreende-me que o sábio Vóssío, em seus Historiadores Gregos, ponha em dúvida se esses dois personagens florescem nessa época: pois Êume nes é o capitão de Alexandre, tornado tão famoso depois dele e cuja vida foi escrita por Plutarco.
1206 - Grego, dez mil dracmas. 7.682 libras francesas.
1207 - Na Cilicia, entre os montes Tauro e Amano.
1208 - A Fenícia fica ao longo do Mediterrâneo, descendo da Cilicia. Tiro fica na costa; ficava numa ilha, ao tempo de Alexandre, e distante 40 estádios do continente, segundo Quinto Cúrclo, ou 700 passos, segundo Plínio. As obras empreendidas por Alexandre a reuniram ao continente. A antiga Tiro, chamada Palétiro, ficava no continente, a 30 estádios da ilha.
1209 - Parte do Líbano, do lado da Arábia deserta.
1210 - No mar Mediterrâneo, ao sul de Áscalon, na Palestina.
1211 - Ilíada, 1. V, v. 340. Na tradução de Carlos Alberto Nunes, edição de Pasquale Petraccone: ‘"Escorreu, logo, o licor da deidade imortal, sangue que corre nas veias de todos os deuses eternos".
1212 - Construída depois da tomada de Tróia por Teucro, filho de Telamônio, que lhe deu esse nome, por causa da ilha de Salamina, ma pátria.
1213 - Nas festas de Baco, pediu a Alexandre, etc.
1214 - Escarféia fica no golfo Malíaco, na Lócrida, cognominada Epicnemidiana, entre os lóc rios cognominados ozolos no poente os lócrios opuntianos no oriente, diante de Eubéia.
1215 - Seis mil escudos. — Amyot. 46.687 libras francesas.
1216 - Seis milhões de escudos. — Amyot. 46.688.500 libras francesas.
1217 - Os outros exemplares dão: ao medo, tó phobos. Amyot.
1218 - Faltam nesse trecho algumas linhas do original grego— Amyot.
1219 - Vinte e quatro milhões, de ouro. — Amyot. 186.750.000 libras francesas.
1220 - Parece que se trata de lãs, tintas de púrpura. A melhor encontrada na Europa era a de Hermíona, ci dade da Lacònia. — Amyot. Hermíona não ficava na Lacônia, mas na Argólida entre os golfos argólico e sarônico. Mas não é a púrpura de Hermíona de que fala Plínio, e sim a da Lacônia, por ele gabada em várias passagens; e pode-se julgar, pela décima-oitava ode do segundo livro de Horácio, a que ponto era estimada em Roma.
1221 - Pai de Clitarco, que acompanhou Alexandre em suas expedições e escreveu a história desse conquistador. Assim, vivia Dínon na época de Oco, rei da Pérsia. Cornélio Nepos seguialhe a autoridade no que concernia à Pérsia. Entretanto, vê-se, por Plínio que sua obra não estava isenta da mistura de fábulas.
1222 - Três mil escudos. — Amyot. 23.342 libras francesas.
1223 - Sessenta mil escudos. — Amyot. 4.668.775 libras francesas.
1224 - Teio, cidade da Iònia, diante da ilha de Quio: é a pátria Anacreonte.
1225 - Mas nós faremos de sorte que, por meio de presentes, etc.
1226 - Duzentos mil escudos. — Amyot.
1227 - No grego, três mil e três estádios e meio., a 24 estádios por légua 337 500 lib ras francesas que perfazem 137 léguas.
1228 - Axatres. segundo Quinto Cúrcio e Díodoro da Sicília.
1229 - Há, no grego um erro de cópia, ocasionado pela semelhança dos nomes. Felipe é um historiador cuja época não é conhecida. Ele escreveu sobre a história da Caria, sua pátria; porque ele era da cidade de Teangelo, Plutarco chama-o de Teangeliano, Teangueleús, nome que os copistas trocaram por eisangueleús, lsen gelo, epíteto dado, duas linhas acima, a Cares e que designa entre os reis a função de introdutor.
1230 - Cidade da Macedónia.
1231 - Dimno em Quinto Cúrcio e em Diodoro da Sicília.
1232 - Cidade da Macedónia.
1233 - Quinto Ciircio o chama de Cebalino.
1234 - Chamado Metron, segundo Quinto Cúrcio,
1235 - Leia-se: foram dizendo tudo às claras.
1236 - Povo da Acarnânia, vizinho do s etólios.
1237 - Ariston, segundo Quinto Cúrcio e Arrieno.
1238 - Quinto Cúrcio diz que Alexandre saiu da mesa e foi se pôr no ve stíbulo escuro, pelo qual todos os convidados deveriam passar, à saída, e Clito saindo por último, ele o matou, depois de lhe ter perguntado pelo nome.
1239 - Cidade d a Trácia.
1240 - Odiavam também a Calístenes.
1241 - Eurípides, Bacchantes, v. 267.
1242 - Da cidade de Esmima, vivia no tempo de Ptolomeu Evergeto I.
1243 - Ilíada, 1. XXI, v. 107.
1244 - Na Hircânia.
1245 - Não é ela conhecida com outro nome. Foi aí que Alexandre desposou Roxana. Estava na Bactriana.
1246 - Há várias cidades com esse nome. Esta é nas Índias, entre os rios Cofene e Indo.
1247 - Seiscentos mil escudos. — Arayot. 4.668.775 li bras francesas.
1248 - Alexandre.
1249 - Leia-se: tendo ordenado a Ceno que fizesse o mesmo à direita, assim, etc. Veja as Observações.
1250 - Leia-se: a batalha tendo começado de manhã, os bárbaros foram vencidos, com dificuldade, à oitava hora do dia. Veja as Observações.
1251 - Potamon, o Lesbiano, ensinou em Roma no tempo de Tibério o que marca também a época de Socion, o Histor iador, que não deve ser confundido com Socion, o Filósofo, que vivia no tempo de Ptolomeu Filometor, sexto sucessor de Alexandre.
1252 - Plutarco os chama gandaritas, bem como Estrabão. Os presianos são chamados tabresianos por Diodoro da Sicília .
1253 - Os maliano s e os oxídracos habitavam perto da confluência do Indo com o Hidaspes.
1254 - Quinto Cúrcio o chama de Timeu.
1255 - O ferro da flecha: Plutarco não quis dizer que ela não era guarnecida de ferro, mas que era de madeira, em vez de ser de caniço.
1256 - Eu prefiro outra versão: que gloriosamente morresse.
1257 - Ciluta, segundo Arrieno que a coloca na embocadura do Indo.
1258 - Fazem parte da Gedrosia, ou com ela limitam-se.
1259 - A Carmânia limita-se com a Gedrosia. Estes países es tão ao ocidente do Indo na direção do mar Eritreu. Estrabão fala dos ictiófagos que limitam com os oritas e se nutrem de peixes, eles e seus rebanhos.
1260 - Os vasos tericleanos.
1261 - Nos limites da Síria e da Arábia, perto do Eufrates.
1262 - Um milhão e oitocentos mil escudos. — Amyot. 14.006.225 libras francesas.
1263 - Em grego, uma peça de ouro.
1264 - Seis milhões de ouro, menos setenta e oito mil escudos. — Amyot. 40.687.750 libras francesas.
1265 - Perto do monte Oronte, cidade cuja origem remonta pelo menos, segundo Heródoto, a Dejoces, rei da Média, isto é, pela 21.» olimpíada, no ano 58 de Roma. Muito antes, segundo Diodoro da Sicília; muito depois, segundo Plínio, que certamente está enganado. Havia uma outra cidade com esse nome na Pérsia e uma na Síria.
1266 - É o seu nome, entre outros escritores, mas Plutarco os chama de Cusseanos. Julgavamnos ao orient e de Susa, segundo Plínio; limítrofes com a Média, segundo Arriano. É preciso então colocá-los às portas de Susa.
1267 - Sete milhões de ouro. — Amyot. 46.68T.750 libras francesas.
1268 - Em grego, no mês Daésio. Veja as Observações.

Fontes   >    Grécia Antiga

Vidas Paralelas: Alexandre o Grande, de Plutarco

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Busto de Alexandre o Grande. Descoberto em Alexandria. Século 2-1 a.C. 37 cm de altura. Museu Britânico. N° 1872,0515.1

Sobre a fonte

Alexandre III (356-323 a.C.), comumente conhecido como Alexandre, o Grande ou Alexandre Magno, foi rei do reino grego antigo da Macedônia. É considerado um dos maiores conquistadores da história, tendo liderado o exército que conquistou o Império Persa quando tinha apenas 25 anos. A biografia de Alexandre faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Alexandre foi comparado ao conquistador romano Júlio César.

I. Plutarco propõe-se escolher na vida de Alexandre e César os traços mais próprios para permitirem o julgamento do espírito e da coragem de ambos

I. Tendo-me proposto escrever neste livro as vidas do rei Alexandre, o Grande, e de Júlio César, que derrotou Pompeu, pelo número infinito de coisas que se apresentam diante de mim, não usarei de outro prólogo senão o de pedir aos leitores que não me repreendam por não expor tudo amplamente e por miúdo, mas sumariamente, abreviando muitas coisas, mesmo nos seus principais atos e feitos mais memoráveis ; pois é preciso que se lembrem de que não me pus a escrever histórias, mas vidas somente; e as mais altas e gloriosas proezas nem sempre são aquelas que mostram melhor o vício e a virtude do homem; ao contrário, muitas vezes uma ligeira coisa, uma palavra ou uma brincadeira põem com mais clareza em evidência o natural das pessoas do que derrotas onde tenham morrido dez mil homens, ou grandes batalhas, ou tomadas de cidades por sítio ou assalto. Portanto, exatamente como os pintores que retratam ao vivo procuram as semelhanças só ou principalmente na face e nos traços do rosto, nos quais se vê como que a imagem impressa dos costumes e do natural dos homens, sem preocupar-se com outras partes do corpo, assim também nos deve ser concedido que procuremos sobretudo os sinais da alma e formemos desse modo um retrato natural da vida e dos costumes de cada um, deixando que os historiadores descrevam as guerras, batalhas e outras grandezas tais.

II. Diversas tradições sobre o nascimento de Alexandre

II. É coisa tida como inteiramente certa que Alexandre, o Grande, pelo lado paterno, descendia da raça de Hércules através de Carano, e pelo lado materno provinha do sangue dos Eácidas, por Neoptólemo. E dizem que o rei Felipe, seu pai, quando adolescente, enamorara-se de sua mãe Olímpia, também ainda menina e órfã de pai e mãe, na ilha de Samotrácia, onde foram ambos recebidos na confraria da religião do lugar, e que depois ele a pediu em casamento a um irmão, Arimbas, que consentiu; mas, na noite anterior àquela em que se encerraram juntos dentro do quarto nupcial, a esposa sonhou que um raio lhe caíra no ventre e que do golpe surgira um grande fogo, o qual se desfez em várias chamas que se espalharam por toda parte; e Felipe, seu marido, sonhou também, mais tarde, que selava o ventre da mulher, sendo a gravura da sela a figura de um leão. Interpretaram os adivinhos que tal sonho o admoestava de que devia zelar cuidadosamente a mulher; mas Aristandro de Telmesso1167 achou que isso significava que a mulher estava grávida: "Porque, disse ele, não se sela um vaso onde não há nada dentro, e assim ela estava grávida de um filho que teria coração leonino". Dizem também que uma vez, quando ela dormia, apareceu-lhe no leito uma grande serpente que se lhe estendeu toda ao lado e foi causa principal, pelo que se presume, de arrefecer o amor que lhe dedicava e as carícias que lhe fazia o marido, de maneira que ele, ao contrário do que antes se acostumara, já não ia com tanta frequência deitar-se com ela, ou porque receasse que a mulher o enfeitiçasse, ou porque se reputasse indigno de sua companhia, julgando-a amada e gozada por algum deus.

III. Isso é ainda contado de outra maneira: é que as mulheres dessa geração em toda a antiguidade são ordinariamente tomadas pelo espírito de Orfeu e pelo furor divino de Baco, sendo por isso chamadas Clódones e Mimálones, Como quem diz furiosas e belicosas, e fazem várias coisas semelhantes às mulheres Edômas e Trácias, que habitam ao longo da montanha de Emo; de modo que parece que essa palavra Trescevino1168 que em língua grega significa curiosa e supersticiosamente dedicar-se às cerimonias do serviço dos deuses, derivou-se delas; e Olímpia, amando tais inspirações e furores divinos, exercendo-os mais barbaresca e excessivamente do que as outras, atraía para si em suas danças grandes serpentes, as quais, deslizando muitas vezes por entre as heras com que as mulheres se cobrem em tais cerimonias, e fora das cirandas sagradas que transportam, e enrodilhando-se à volta dos dardos que seguram nas mãos e dos chapéus que trazem à cabeça, espantavam os homens.

IV. Não obstante, depois que teve essa visão, Felipe enviou Queronte de Megalópolis ao oráculo de Apolo em Delfos, para indagar o que seria aquilo e o que devia fazer; e ali lhe foi respondido que sacrificasse a Júpiter Âmon e o reverenciasse acima de todos os outros deuses"; mas perdeu um dos olhos, aquele que pusera no buraco da fechadura do quarto, quando viu esse deus em forma de serpente deitado junto com sua mulher. E Olímpia, segundo escreve Eratóstenes, dizendo adeus ao filho, quando este partiu para a conquista da Ásia, depois de lhe ter revelado, a ele somente em segredo, de quem e como o concebera, pediu-lhe e aconselhou-lhe que tivesse coragem digna daquele que o gerara. Dizem outros, ao contrário, que ela detestou essa história, falando: "Não cessará Alexandre de tornar-me suspeita à deusa Juno, fazendo-a ter ciúmes de mim?"

V. Alexandre vem ao mundo no dia do incêndio do templo de Diana de Éfeso

V. Como quer que seja, nasceu Alexandre no sexto dia de junho, que os Macedônios chamam de Lous: exatamente no dia em que se incendiou o templo de Diana na cidade de Éfeso, como o testemunha Hegésias de Magnésia, que faz disso uma ocorrência tão fria que teria sido suficiente para extinguir o incêndio do templo. "Não admira — diz ele — que Diana tenha deixado incendiar-se seu templo, porque ela estava impedida, como parteira, pelo nascimento de Alexandre"; mas a verdade é que todos os presbíteros, adivinhos e profetas que então se achavam em Éfeso, estimando que o incêndio do templo era presságio certo de algum outro inconveniente, correram como possessos para a cidade batendo nos próprios rostos, gritando que naquele dia tinha nascido alguma grande desgraça e alguma grande peste para a Ásia. E, pouco depois de haver Felipe tomado a cidade de Potideia, recebeu ele ao mesmo tempo três grandes notícias: uma, que Parmênion derrotara os Esclavônios numa grande batalha; outra, que ele ganhara o prémio de corrida singular de cavalos nos jogos Olímpicos; e a terceira, que sua mulher lhe dera um filho, que era Alexandre; e, tendo ficado muito contente com esta última notícia, os adivinhos aumentaram-lhe ainda mais a alegria, prometendo que esse filho assim nascido, com três vitórias anunciadas ao mesmo tempo, seria no futuro invencível.

VI. Constituição física de Alexandre

VI. Ora, quanto à forma de toda a sua pessoa, as imagens feitas pela mão de Lisipo são as que a representam melhor ao natural. Por isso, não quis que outro estatuário o esculpisse senão ele1169, pois vários dos seus sucessores e amigos o imitaram muito mais tarde, mas esse artista foi, acima de todos os outros, aquele que lhe observou com perfeição e representou a maneira de inclinar o pescoço um pouco para o lado esquerdo, e também a doçura do olhar e dos olhos. Mas, quando Apeles o pintou segurando o raio na mão, não lhe representou a cor ingénua, mas o fez mais moreno e mais escuro do que era de rosto; pois ele era naturalmente branco, e a brancura da pele se misturava com uma vermelhidão que lhe aparecia principalmente na face e no estômago. E lembro-me de ter lido nos comentários de Aristóxeno que sua carne cheirava bem e que o seu hálito era muito doce, e lhe saía de toda a pessoa um odor muito suave, de tal modo que as roupas que lhe tocavam a carne eram como que todas perfumadas, do que a causa possível era a temperatura e compleição do seu corpo muito cálido e queimante como fogo, porque o doce odor resulta do calor que coze e digere a umidade, segundo estima Teofrasto: daí vem que as regiões mais secas e partes da terra mais queimadas pelo calor do sol são as que dão mais e melhores especiarias, porque o sol tira a umidade supérflua dos corpos, como matéria própria de putrefação: e parece que esse calor natural tornava Alexandre sujeito a beber e também corajoso.

VII. Qualidades morais por ele reveladas na infância

VII Desde quando era ainda menino, tornou-se evidente que seria continente quanto às mulheres: pois que, sendo impetuoso e veemente em todas as outras coisas, era difícil de se comover com os prazeres do corpo, aos quais se entregava com muita sobriedade; mas, ao contrário, sua cobiça de honra era acompanhada de firmeza de coragem e magnanimidade mais constantes do que a idade aparentava; pois não lhe apetecia toda espécie de glória, procedente de todas as coisas indiferentemente, como fazia o pai, o qual gostava de mostrar eloquência, como teria feito um retórico, e gravava em moedas as vitórias obtidas nas corridas de cavalos e carros nos jogos Olímpicos: antes, como alguns, um dia, lhe perguntassem se desejaria aparecer na festa dos jogos Olímpicos, para tentar ganhar ali o prêmio da corrida, porque era muito disposto e maravilhosamente ágil: "Sim, respondeu, se os que correm fossem reis"; segundo universalmente se diz, ele detestava todos esses combatentes em jogos de prémios: pois que, tendo por várias vezes promovido festas onde conferia prémios aos atores de tragédias e de comédias, aos cantores, músicos, tocadores de flautas e de cítaras, e até aos poetas, e onde semelhantemente mandava fazer caças diversas de todo género de animais, e combates de bastão, nunca teve prazer em ordenar a esgrima de punhos nem outra esgrima1170 em que os combatentes se ajudam com tudo quanto podem. Recebeu uma vez embaixadores do rei1171 da Pérsia, enquanto o pai tinha saído para qualquer viagem fora do reino, e, privando com eles, os conquistou pela cortesia de que usou e pela boa hospedagem que lhes proporcionou; e, como não lhes perguntasse nada de pueril nem de insignificante, mas os interrogasse sobre as distâncias existentes entre um lugar e outro, e sobre a maneira pela qual se ia mais depressa às altas províncias da Ásia, e sobre o próprio rei da Pérsia, como ele se portava com os inimigos, e que forças e poderio tinha, ficaram eles grandemente satisfeitos e mais ainda maravilhados; de maneira que não estimaram mais a eloquência e a vivacidade de espírito de Felipe, da qual se fazia tanta conta, em comparação com o instinto para todas as altas empresas e grandes feitos que prometia o natural de seu filho. Assim, todas as vezes que chegavam notícias de que o pai tomara alguma cidade importante ou ganhara alguma grande batalha, ele não gostava muito de ouvi-las, mas dizia a seus iguais em idade: "Meu pai tomará tudo, meninos, e não deixará para mim nada de belo nem de magnífico que fazer e conquistar convosco". Não amando a volúpia nem o dinheiro, antes a virtude e a glória, achava que quanto mais o pai lhe deixasse de grandes e gloriosas conquistas, tanto menos lhe ficaria de bom para fazer por si mesmo; e, portanto, vendo que o estado de seu pai e seu império ia crescendo todos os dias cada vez mais, cuidava que tudo o que havia de belo para fazer no mundo se deveria consumar inteiramente nele, e preferia receber dele uma senhoria onde houvesse ocasiões de grandes guerras, grandes batalhas e muita matéria que proporcionassem honra, era lugar de grandes tesouros, delícias ou meios de viver confortavelmente.

VIII. Dos que se encarregaram de sua educação

VIII. Ora, havia ao redor dele, como se pode imaginar, várias pessoas habilitadas a orientá-lo e educá-lo: governadores, camaristas, mestres e preceptores. Mas Leônidas era quem tinha a superintendência acima de todos os outros, como homem austero por natureza e parente da rainha Olímpia, embora odiasse o nome de mestre ou preceptor e conquanto seja esse belo e honroso cargo; de modo que os outros o chamavam de governador e condutor de Alexandre, por causa da dignidade de sua pessoa e porque ele era parente do príncipe. Aquele que tinha o lugar e o título de mestre era Lisímaco, natural de Acarnânia, o qual não tinha nada de bom nem de gentil em si mesmo; mas, porque a si mesmo desse o nome de1172 Fénix, a Alexandre o de Aquiles e a Felipe o de Peleu, tinha o segundo posto depois do governador.

IX. Alexandre domina o cavalo chamado Bucéfalo

IX. Como Filonico de Tessália tivesse levado ao rei Felipe o cavalo Bucéfalo para lho vender, pedindo por ele treze talentos1173, desceram eles às carreiras para experimentá-lo e picá-lo. Foi achado tão rebelde e tão feroz que os escudeiros disseram que nunca se poderia obter dele nenhum serviço, porque não permitia que o montassem, nem mesmo que com ele endurecesse a voz e a palavra qualquer dos gentis-homens ao redor de Felipe, mas se levantava contra todos, de modo que Felipe se aborreceu e mandou que o levassem de volta como animal vicioso, selvagem e de todo inútil. E isso teria sido feito se Alexandre, que estava presente, não tivesse dito: "Ó deuses! Que cavalo rejeitam, não sabendo servir-se dele por falta de destreza e de ousadia". Felipe, tendo ouvido essas palavras, a princípio se mostrou indiferente; mas, como ele as fosse repetindo várias vezes entre os dentes ao redor dele, mostrando-se desgostoso porque iam mandar o cavalo de volta, disse-lhe afinal: "Repreendes os que têm mais idade e experiência do que tu, como se entendesses disso mais do que -eles e soubesses melhor do que eles conduzir um cavalo à razão". Alexandre respondeu-lhe: "Pelo menos este eu manejaria melhor do que eles. "Mas, replicou Felipe, se não puderes fazê-lo, como com eles aconteceu, que multa queres pagar por tua temeridade?" "Ficarei contente, respondeu Alexandre, de perder tanto quanto vale o cavalo". Todos puseram-se a rir dessa resposta, e foi entre ambos apostada certa soma em dinheiro. E então Alexandre correu para o cavalo, tomou-o pela rédea e virou-lhe a cabeça para o sol, tendo percebido, creio eu, que o cavalo se atormentava ao ver a própria sombra, a qual surgia e movia-se diante dele à medida que marchava; depois, acariciando-o um pouco com a voz e a mão, até o ver resfolegante de raiva, deixou enfim cair docemente o manto no chão e, levantando-se rapidamente de um salto, montou com segurança e, esticando a rédea sem a tocar nem fatigar, acalmou-o convenientemente; depois, quando viu que ele abandonara seu furor e que apenas desejava correr, deixou-o sair a toda a brida, apressando-o ainda com voz mais áspera que de ordinário e estimulando-o com os calcanhares. Felipe, no começo, olhou-o com grande receio de que ele se machucasse, mas sem dizer palavra. Todavia, quando o viu guiar direito o cavalo até ao ponto de início da carreira, todo orgulhoso de se ter saído bem, enquanto os outros assistentes gritavam de admiração, mas o pai em lágrimas, segundo dizem, tamanha era a alegria de que se achava tomado, quando ele desceu do cavalo, lhe disse beijando-lhe a cabeça: "Ó meu filho, é preciso procurar-te um reino que seja digno de ti, pois a Macedônia não to poderia dar".

X. Felipe contrata. Aristóteles para educar o filho

X. Considerando que sua natureza era difícil de manejar, porque se obstinava em não querer ser forçado a nada, mas como por advertência fosse facilmente conduzido à razão, ele próprio tratou sempre de assim persuadi-lo do que desejava que ele fizesse, em lugar de dar-lhe ordens. E, não se fiando demais na educação do filho pelos mestres de música e de literatura, que pusera junto dele para ensinar-lhe, irias estimando que era encargo de maior alcance que o deles, e que ele tinha necessidade, como diz Sófocles. De vários freios e timões diversos, mandou buscar Aristóteles, o mais famoso e mais sábio filósofo da época, pagando-lhe condigno salário pela educação do filho. Após devastar e destruir a cidade de Estagira1174, da qual era natural, reconstruiu-a depois em favor dele e para ali enviou de novo os habitantes que haviam fugido ou que haviam sido reduzidos à servidão, ordenando-lhe para moradia e sede dos estudos a casa de recreio.

XI. As ciências que Alexandre aprendeu de Aristóteles

XI. Assim me parece que Alexandre não aprendeu com ele somente as ciências morais e políticas, mas também ouviu as outras mais secretas, mais difíceis e mais graves doutrinas, que os discípulos de Aristóteles chamavam propriamente de acroamáticas ou epópticas, como quem diz especulativas, que é preciso ter ouvido o mestre para entendê-las, ou reclusas atrás do conhecimento vulgar. Tais ciências eles não publicavam nem comunicavam a todos, de maneira que Alexandre, já tendo seguido para a Ásia, ao ouvir que Aristóteles produzira e publicara alguns livros, escreveu-lhe a esse respeito uma carta em honra da filosofia, do teor seguinte: — "Alexandre a Aristóteles, saúde. — "Não fizeste bem em publicar teus livros de ciências especulativas, porque não teremos nada acima dos outros se o que nos ensinaste em segredo é publicado e comunicado a todos. Desejo que saibas que eu preferiria superar os outros no conhecimento das coisas elevadas e sublimes, e não em poder. Adeus". Ao que Aristóteles, para atenuar esse ambicioso descontentamento, respondeu-lhe que os tais livros não tinham sido publicados1175 nem o seriam; pois, na verdade, em todo o tratado que ele chama de metafísica, como se dissesse ciência segundo a natureza, não há nenhuma evidente instrução e expressão que possa ser útil, nem para ser aprendida por si, nem para ser ensinada a outrem, de maneira que foi escrito para aqueles que já são sábios e foram instruídos desde o começo. E me parece também que foi Aristóteles, mais que qualquer outro, quem o fez tomar gosto e afeição pela arte da medicina, pois desta ele não apreciava somente a inteligência e a teoria, mas exerceu-lhe também a prática socorrendo os amigos quando ficavam doentes, e compôs algumas receitas de medicamentos e alguns regulamentos de vida, como se pode verificar por suas cartas missivas. Por natureza, era ele homem estudioso e gostava de ler.

XII. Sua predileção pela Ilíada de Homero

XII. Quis também ter a Ilíada de Homero na correção de Aristóteles, que se chama a correta1176, como tendo passado sob a verga, e a punha sempre com seu punhal debaixo da cabeceira da cama, estimando-a e chamando-lhe nutrição ou entretenimento da virtude militar, como escreveu Onesícrates1177. Quando esteve nas altas províncias da Ásia, não podendo obter prontamente outros livros, escreveu a Harpalo, para que lhos enviasse. Ele enviou-lhe as histórias de Filisto, com várias tragédias de Eurípides, Sófocles e Esquilo, e alguns hinos de Telesto e Filóxeno1178. Assim honrou e amou desde o começo a Aristóteles, não menos que ao próprio pai, como dizia, porque de um recebera o viver e do outro o bemviver; mas depois o teve um pouco suspeito, não a ponto de causar-lhe desgosto, mas somente deixando de lhe fazer tão amigáveis e afetuosas carícias, como antes aprendera, o que se presumiu ser sinal de alguma alienação da vontade. Todavia, nem por isso lhe saíram da alma o desejo e o amor da filosofia, que desde a infância lhe impregnara o coração e que com a idade lhe cresceram, como testemunharam mais tarde a homenagem que prestou ao filósofo Anaxarco e os cinquenta talentos1179 que mandou a Xenócrates, do mesmo modo que a Dandamis e Calano1180, os quais teve em grande conta.

XIII. Primeiras façanhas de Alexandre

XIII. Tendo Felipe partido para a guerra contra os da cidade de Bizâncio, e ele na idade de dezesseis anos ficado na Macedônia como lugar-tenente e guarda do seu segredo, ali dominou e subjugou os medários1181, que se haviam rebelado; e, tendo-lhes tomado de assalto a cidade, dali expulsou os bárbaros habitantes, alojando em seu lugar outros de várias nações e dando à cidade o nome de Alexandrópolis, isto é, a cidade de Alexandre. Também esteve, com o pai, na batalha de Queronéia, contra os gregos, onde se diz ter sido o primeiro que combateu dentro da chamada praça sagrada dos tebanos; e até ao meu tempo ainda se via ali um velho carvalho que os do país chamavam comumente de carvalho de Alexandre, porque o seu pavilhão estava estendido debaixo dele; e não longe dali está o carneiro no qual foram enterrados os corpos dos macedônios mortos na batalha.

XIV. Desinteligência com Felipe

XIV. Por aquelas coisas, o pai, como se pode imaginar, amava-o unicamente, e era fácil ouvir os macedônios chamarem rei a Alexandre e capitão a Felipe. Mas as perturbações que desde então lhe ocorreram em casa por causa de suas novas núpcias e novos amores, deram motivo a grandes divergências e pesadas disputas entre eles, porque o mal da dissensão e ciúme das mulheres chegou ao ponto de partir os corações dos próprios reis, tendo sido disso causa principal a rude natureza de Olímpia. Mulher ciumenta, colérica e vingativa por natureza, irritava Alexandre e aumentava as queixas que ele tinha do pai. Todavia, a mais aparente ocasião foi a que lhe deu Átalo, nas núpcias de Cleópatra, que Felipe desposou solteira, tendo se tornado, fora de idade e de estação, amoroso dela. Átalo que era tio da recém-casada, embriagou-se no festim das núpcias e assim embriagado, admoestou os outros senhores macedônicos, que estavam também no festim, a pedirem aos deuses que de Felipe e de Cleópatra pudesse nascer um herdeiro legítimo para suceder ao reino da Macedônia. Sentindo-se magoado, Alexandre deu-lhe um golpe na cabeça, dizendo-lhe: "E eu, traidor, que és, parece-te então que eu seja bastardo?" Vendo isso, Felipe levantou-se subitamente da mesa, empunhando a espada, mas, por sorte de ambos, como estivesse perturbado pela cólera e pelo vinho, caiu por terra. E então Alexandre, zombando dele, disse: "Aí está aquele que se preparava para passar da Europa à Ásia, desejando somente passar de um leito a outro, e agora se deixa cair de comprido. Após esse grande escândalo, tomou sua mãe Olímpia e levou-a de volta para o Épiro, passando pela Esclavônia1182.

XV. Demarato induz Felipe a reconciliar-se com o filho

XV. Mas, nesse ínterim, Demarato de Corinto, sendo hóspede de Felipe e privando muito francamente com ele, foi vê-lo e, após as primeiras carícias da saudação, como Felipe lhe perguntasse como iam os gregos entre si, respondeu-lhe: "Na verdade, Sire, assenta-te bem preocupar-te e indagar da" concórdia dos gregos, visto como encheste tua própria casa com tão grandes disputas e tantas dissensões". Essas palavras pungiram tão vivamente a Felipe, e ele o fez reconhecer suas faltas, de maneira que mandou chamar Alexandre por intermédio desse Demarato, que ele enviou para persuadi-lo de que deveria regressar.

XVI. Felipe impede que ele se case com a filha de Pexodoro, príncipe da Caria

XVI. E como Pexodoro, príncipe da Caria,desejando por meio da aliança de casamento entrar em liga ofensiva e defensiva com Felipe, apresentasse sua filha mais velha em casamento a Arideu, filho de Felipe, e tivesse enviado à Macedônia seu embaixador Aristócrito, para tratar e manejar esse negócio, os familiares de Alexandre e sua mãe começaram outra vez a fazerlhe novos relatórios e a meter-lhe na cabeça novas suspeitas de que Felipe queria em seu prejuízo, com esse grande casamento, dar acesso a Arideu e fazê-lo seu sucessor no reino.

Desgostoso com isso, Alexandre mandou que Tessalo, ator de tragédias, procurasse Pexodoro na Caria e lhe dissesse que ele devia ali deixar Arideu, que era bastardo e não tinha juízo completo nem seguro, para procurar antes a aliança de Alexandre. Pexodoro ficou muito mais satisfeito em ter Alexandre por genro e não Arideu; mas Felipe, uma vez avisado, foi em pessoa ao quarto de Alexandre, levando consigo um de seus familiares, Filotas, filho de Parmêmon, e repreendeu-o muito asperamente, mostrando-lhe que ele sentiria o coração covarde e indigno do estado que lhe deixaria após sua morte, se ele se casasse com a filha de um Cano, que era servo e vassalo de um rei bárbaro. E, enquanto isso, escreveu aos coríntios, para que lhe enviassem Tessalo de pés e punhos atados, e baniu da Macedônia a Harpalo, Nearco, Frígio e Ptolomeu, favoritos de seu filho, os quais Alexandre chamou mais tarde, para cobri-los de favores junto a si.

XVII. Pausânias assassina Felipe

XVII. Algum tempo depois, Pausânias, tendo sido vilmente ultrajado em seu corpo, com ciência e por ordem de Átalo e de Cleópatra, e não tendo podido obter reparação nem justiça de Felipe, voltou sua ira contra ele e matou-o ele próprio por despeito. Desse homicídio a culpa foi em grande parte atribuída a Olímpia, a qual, segundo dizem, incitou e impeliu esse jovem fervente de raiva a assim proceder. Mas também houve alguma suspeita em relação a Alexandre, pois dizem que, como Pausânias lhe falasse de seu caso após a injúria recebida e a ele se queixasse, recitou os versos que se encontram na tragédia da Medeia, do poeta Eurípides, quando ela diz, furiosa, que se vingará:

Do homem casado e da mulher casada
Ou da que for com ele amancebada.

Todavia, mais tarde, mandou com diligência procurar e punir severamente todos os cúmplices da conjuração, e não gostou que1183 sua mãe Olímpia tivesse tratado Cleópatra com crueldade.

XVIII. Conduta de Alexandre ao subir ao trono

XVIII. Assim veio a suceder à coroa da Macedônia na idade de vinte anos1184 e achou o reino exposto a grandes invejas, espiado por perigosos inimigos e cercado de todos os lados por graves perigos, por isso que as nações bárbaras, vizinhas da Macedônia, não podiam suportar o jugo da servidão estrangeira, reclamando seus reis naturais. E Felipe, tendo conquistado a Grécia pela força das armas, não tivera tempo bastante para bem dominá-la e acostumá-la inteiramente ao jugo, mas, tendo apenas removido um pouco os governos, deixara as coisas em grande perturbação e em grande abalo, pois de longa data perdera o hábito de servir: porque os do conselho da Macedônia, temendo a perversidade do tempo, eram de opinião que Alexandre abandonasse totalmente os negócios da Grécia e não se obstinasse em querer obtêlas pela força; e, quanto ao mais, tratasse de reconquistar docemente os bárbaros que se haviam rebelado e de remediar prudentemente pela doçura a ocorrência dessas novidades. Mas ele, ao contrário, deliberou manter e assegurar seus negócios com ousadia e magnanimidade, tendo a opinião de que, se o sentissem fraquejar no começo, por pouco que fosse, toda a gente lhe cairia em cima e se sublevaria contra ele.

XIX. Saqueia a cidade de Tebas

XIX. Assim, sufocou incontinente os movimentos dos bárbaros, acorrendo logo com seu exército até ao no Danúbio, onde derrotou numa grande batalha a Sirmo, rei dos tribalos. Por outro lado, tendo notícias de que os tebanos se haviam rebelado e de que os atenienses se entendiam com eles, para mostrar-lhes e fazer-lhes sentir que era homem, fez marchar incontinente seu exército para o estreito das Termópilas, dizendo que desejava fazer ver ao orador Demóstenes, que em suas arengas o chamava de menino, quando ele estava na1185 Esclavônia e no país dos tribalos, que se tornara adolescente ao passar pela Tessália e que o encontraria homem feito diante das muralhas de Atenas. Chegado que foi diante de Tebas, quis dar meios aos da cidade para se arrependerem e pediu-lhes somente Fénix e Protites, autores da rebelião. Por fim, fez pro-clamar com sua trompa que dava perdão e segurança a todos os que se voltassem para ele; mas os tebanos, ao contrário, lhe pediram Filotas e Antipater, dois de seus principais servidores, e mandaram anunciar publicamente que os que desejassem defender a liberdade da Grécia se juntassem a eles. Foi nessa ocasião que soltou a rédea aos macedônios, para fazer-lhes a guerra sem trégua. Assim, combateram os tebanos com coragem e afeição maior do que estava em seu poder, visto como os inimigos eram na proporção de vários contra um; mas, quando a guarnição dos macedônios, que estavam dentro do castelo da Cadméia, saindo contra eles, foi ainda atacá-los pela retaguarda, então envolvidos por todos os lados foram quase todos mortos sem demora, a cidade tomada, destruída e arrasada1186. Isso fez com a intenção de aterrorizar principalmente os entres povos gregos pelo exemplo dessa grande desolação dos tebanos, a fim de que não houvesse nenhum que ousasse levantar a cabeça contra ele. Todavia, quis dar ainda cor honesta a essa execução de vingança, dizendo que desejava satisfazer as queixas e sofrimentos de seus aliados e confederados, porque na verdade os fócios e os plateenses carregavam e acusavam diante dele os tebanos de grandes ultrajes. Por isso, excetuando os presbíteros e religiosos, e todos aqueles que eram amigos particulares ou hóspedes de senhores macedônios, todos os descendentes e parentes do poeta Píndaro, e todos aqueles que se opuseram aos que pregavam a rebelião, mandou vender como escravos os demais habitantes de Tebas, que chegaram até ao número de trinta mil, sem contar os que tinham sido mortos em combate e passavam de seis mil.

XX. Generosidade de Timocles

XX. Mas, entre as misérias e calamidades dessa pobre cidade de Tebas, houve alguns soldados trácios que, tendo arrasado a casa de Timocléia, dama de bem e de honra, oriunda de nobre raça, repartiram-lhe os bens entre si; e seu comandante, após tê-la forçado e violado, perguntou-lhe se ela ocultara ouro ou prata em alguma parte. A dama respondeu-lhe que sim e, levando-o só a um jardim, mostrou-lhe um poço dentro do qual, disse, vendo a cidade tomada, lançara todas as joias e tudo o que possuía de mais belo e mais rico. O bárbaro trácio abaixou-se para olhar dentro do poço, e ela, que estava por trás, empurrou-o para dentro, e depois jogou por cima uma porção de pedras, tantas quantas conseguiu reunir. Os soldados, quando souberam disso, prenderam-na incontinente e a levaram amarrada e garroteada à presença do rei Alexandre.

Este vendo-lhe o rosto, o porte e o andar, a princípio julgou que era uma dama de honra e de grande posição, enquanto ela caminhava com segurança e firmeza atrás dos que a conduziam, sem mostrar-se amedrontada com coisa nenhuma. Depois, quando Alexandre perguntou-lhe quem era, respondeu-lhe que era irmã de Teágenes, aquele que dera combate ao rei Felipe diante da cidade de Queronéia, onde morrera em defesa da liberdade dos gregos, no posto de capitão-general. Alexandre, maravilhado com a generosa resposta e também com a atitude dela, mandou que a deixassem ir em liberdade com os filhos para onde quisesse, e fez acordo com os atenienses, embora mostrassem evidentes sinais de desgosto pela sorte dos tebanos.

XXI. Alexandre arrepende-se da maneira cruel como tratou os tebanos

XXI. Tendo então ocorrido a festa dos mistérios, deixaram-na pelo sofrimento que lhe causavam, e aos que se refugiaram em sua cidade, deram, tanto quanto lhes foi possível, provas de humanidade. Mas, ou porque sua fúria tivesse acalmado, seguindo nisso a natureza dos leões, ou porque desejasse, após um exemplo de crudelíssima vingança, oferecer outro de singular clemência, não só absolveu os atenienses de todo crime, como ainda os aconselhou e admoestou a zelarem pelos negócios e a se entenderem, porque sua cidade devia dar um dia a lei a toda a Grécia, se porventura ele viesse a morrer. Dizem bem que por certo ele se arrependeu vaias vezes, mais tarde, de haver tão miseravelmente exterminado os tebanos, tendo sido esse arrependimento a causa de que depois se mostrasse mais humano para com os outros. Sem dúvida achou que o assassínio de Oito, que ele matou à mesa, e a recusa dos macedônios em passarem à conquista do resto das índias, que foi como uma imperfeição de sua empresa e diminuição de sua glória, lhe vieram da, fúria e rancor de Baco, para vingar-se dele. E nunca mais houve tebano, dentre os que puderam escapar ao furor de sua vitória, e tivesse relações com ele ou lhe pedisse alguma coisa, que não obtivesse o que pedia. Eis como a cidade de Tebas foi tratada.

XXII. Entrevista de Alexandre e Diógenes

XXII. Tendo os gregos realizado uma assembleia geral dos estados da Grécia dentro do estreito do Peloponeso, onde resolveram que fariam a guerra aos persas com Alexandre, ali foi eleito capitão-general da Grécia. E, como lá fossem visitá-lo tantos filósofos como homens de negócios, para felicitá-lo por sua eleição, achou que Diógenes de Sinopla1187, que residia ordinariamente em Corinto, devia ir vê-lo também; mas, quando viu que ele não lhe dava importância, permanecendo indiferente no subúrbio de Crânio, foi procurá-lo e encontrou-o deitado de comprido ao sol. Todavia, quando ele viu tanta gente em volta, levantou-se um pouquinho em seu lugar de repouso e olhou para o rosto de Alexandre. Alexandre saudou-o e acariciou-o com palavras, e depois lhe perguntou se ele precisava de alguma coisa. "Sim, respondeu Diógenes, é que te retires um pouquinho da frente do meu sol". Alexandre gostou muito dessa resposta e teve tal admiração pela altivez e grandeza de coragem desse homem, ao ver o pouco caso que fazia dele, que ao partir de lá, como seus familiares se rissem juntos e zombassem dele, disse-lhes: "Digam o que quiserem, mas certamente, se eu não fosse Alexandre, desejaria ser Diógenes".

XXIII. Presságios que precedem a expedição de Alexandre contra a Ásia

XXIII. E, querendo consultar o oráculo de Apolo sobre sua viagem à Ásia, seguiu para a cidade de Delfos. Aconteceu, porém, que ali chegou nos dias chamados de mau agouro, nos quais não se tinha o costume de pedir nada a Apolo. Não obstante, mandou chamar a profetisa que pronunciava : os oráculos, pedindo-lhe que viesse. Tendo-se ela recusado, alegando o costume que lhe proibia sair, para lá se dirigiu em pessoa e tirou-a à força do templo. Ela, então, vendo que não podia resistir-lhe à afeição, disse-lhe: "És invencível, pelo que vejo, meu filho". Tendo ouvido isso, disse Alexandre que não pedia outro oráculo e que obtivera aquele que desejava.

Depois, quando estava para seguir viagem, teve vários sinais e presságios divinamente enviados e, entre outros, uma imagem do poeta Orfeu, feita de madeira de cipreste, na cidade de Lebetres1188. Mais ou menos nesses dias, transpirou grande quantidade de suor e, como esse prognóstico fosse temido por muitos, o adivinho Aristandro interpretou-o dizendo que era preciso esperar, porque "é sinal de que Alexandre fará conquistas e proezas de armas dignas de serem cantadas e celebradas por todo o mundo, as quais muitas vezes farão vir o suor à fronte dos poetas e dos músicos, pelo trabalho que terão em descrevê-las e cantá-las".

XXIV. Estado das forças de Alexandre por ocasião de sua partida

XXIV. Quanto ao número dos combatentes que levou consigo, os que dão menos calculam trinta mil homens a pé e cinco mil a cavalo, e os que dão mais escrevem trinta e quatro mil a pé e quatro mil a cavalo. E, para assoldadá-los e mantê-los, escreve Aristóbulo que ele não tinha mais de setenta talentos1189 e Duris não dá senão trinta dias somente para a provisão de víveres, ao passo que Onesícrito acrescenta que ele devia mais de duzentos talentos1190. Todavia, ainda que ele entrasse nessa guerra com tão poucos meios para sustentá-la, não quis embarcar antes de informar-se a respeito da situação de todos os amigos, para saber com que recursos contavam para segui-lo, e assim a uns distribuiu terras, a outros uma aldeia e a outros a renda de algum burgo ou de algum porto, de modo que nesses presentes empregou e consumiu quase todo o domínio dos reis da Macedônia. Eis porque Pérdicas lhe perguntou: "E tu, Sire, com que ficas?" E ele prontamente respondeu: "Com a esperança". "Mas nisso, replicou Pérdicas, nós também queremos ter nossa parte, pois vamos contigo". E desse modo recusou a renda que o rei lhe atribuíra como pensão. Alguns outros também assim fizeram, mas aos que preferiram recebê-la ou a pediram ele a concedeu com bastante liberalidade, gastando nisso a maior parte do domínio ordinário do reino.

XXV. Vai a Ílion sacrificar a Diana e aos heróis gregos mortos no sítio de Troia

XXV. Em tal afeição e tal deliberação, passou pois o estreito de Helesponto e, chegando até à cidade de Ílio, ali sacrificou a Diana1191 e expandiu efusões funerais aos semideuses, isto é, aos príncipes que morreram na guerra de Tróia, cujos corpos estavam ali sepultados, mas principalmente a Aquiles, cuja sepultura ungiu com óleo, percorrendo-a nu em toda a volta com os seus favoritos, segundo o costume antigo dos funerais; depois cobriu-a toda com capacetes e festões de flores, dizendo que ele fora bastante feliz em ter tido em vida um amigo leal e após a morte um excelente arauto para dignamente cantar-lhes os louvores. E, quando percorria a cidade, visitando as coisas notáveis lá existentes, alguém lhe perguntou se desejava ver a lira de Paris. Ao que ele respondeu: "Não tenho muita vontade de vê-la, mas veria de bom grado a de Aquiles, que ele tocava para cantar os altos feitos e proezas dos homens virtuosos do passado".

XXVI. Empreende a travessia do Granico diante do exército de Dário, que o esperava na margem oposta

XXVI. Enquanto isso, os capitães e lugares-tenentes do rei da Pérsia, Dário, tendo reunido uma grande força, esperavam-no na passagem do rio do Granico1192. Era pois necessário combater aí, como na fronteira da Ásia, para conseguir a entrada; mas a maior parte dos comandantes do seu conselho temia a profundidade daquele rio e a altura da outra margem, que era áspera e direita, de maneira que não se podia alcançá-la e galgá-la sem combater; e houve os que disseram ser preciso obedecer à antiga prescrição dos meses, porque os reis da Macedônia jamais costumavam pôr o exército em campo no mês de junho1193. Respondeulhes Alexandre que a isso daria remédio conveniente, mandando dar o nome de maio ao segundo1194. Ademais, Parmênion era de parecer que no primeiro dia nada se devia arriscar, porque era já tarde; ao que respondeu que o Helesponto enrubesceria de vergonha se ele temesse atravessar um rio, visto como acabava de passar um braço de mar. E, dizendo isso, entrou no nó com treze companhias de homens a cavalo e marchou de cabeça baixa contra uma infinidade de dardos que os inimigos lhe atiravam. Subiu assim na direção da montanha a outra margem, escarpada, íngreme e, o que é pior, toda coberta de armas, cavalos e inimigos que o esperavam para renhida batalha. Impeliu seus homens através do curso da água, que era profundo e corria tão asperamente que os levava quase na correnteza, de tal maneira que se julgava haver em sua conduta mais furor do que bom-senso e conselho. Não obstante, obstinou-se em querer passar a toda a força e tanto fez que por fim alcançou a outra margem com grande sacrifício e grande dificuldade, mesmo porque a terra estava escorregadia com a lama ali existente. Depois de passar, foi preciso logo combater desordenadamente corpo-a-corpo, porque os inimigos carregaram incontinente sobre os primeiros que passaram, antes que tivessem tempo de colocar-se em linha de batalha, e avançaram com grandes gritos, mantendo os cavalos bem juntos e encostados uns aos outros, e combateram primeiro a golpes de chuços e depois a golpes de espadas, quando os chuços se quebravam.

XXVII. Clito salva-lhe a vida

XXVII. Assim se precipitaram vários juntos repentinamente sobre ele, porque era fácil notá-lo e conhecê-lo entre todos os outros pelo escudo e pela cauda pendente do capacete, à volta do qual havia de ambos os lados um grande penacho maravilhosamente branco. Foi assim atingido por um golpe de chuço na falta da couraça, mas o golpe não o feriu; e, como Roesaces e Espitridates, dois dos principais comandantes persas, se dirigissem juntos para ele, desviou-se de um e, picando diretamente a Roesaces, que estava bem armado com uma boa couraça, deu-lhe tão forte golpe de chuço que este se quebrou, de modo que levou logo a mão à espada; mas, como eles estivessem emparelhados, Espitridates aproximou-se dele pelo flanco, levantou-se no cavalo e com toda a força lhe desferiu tão forte golpe de machadinha barbaresca que lhe cortou a crista do capacete e um dos lados do penacho, abrindo-lhe tamanha brecha que o gume da machadinha penetrou-lhe até aos cabelos; e, como quisesse dar-lhe ainda outro golpe, o grande1195 Clito impediu-o, atravessando-lhe o corpo de lado a lado com uma flecha, ao mesmo tempo que Roesaces também caía ao chão, morto por um golpe de espada desferido por Alexandre.

XXVIII. Alexandre alcança a vitória

XXVIII. Ora, enquanto a cavalaria combatia com tal esforço, o batalhão dos infantes macedônios atravessou o no e começaram então os dois exércitos a marchar um contra o outro; mas o dos persas não se manteve corajosa e longamente, pois se pôs incontinente em fuga, excetuados os gregos que estavam a soldo do rei da Pérsia, os quais se retiraram juntos para cima de um outeiro e pediram que os tomassem à mercê; mas Alexandre, tendo sido o primeiro a entrar, mais por cólera do que por são julgamento, ali perdeu o cavalo, que foi morto debaixo dele com um golpe de espada através os flancos. Não era Bucéfalo, mas outro; e foi nesse lugar que morreram ou receberam ferimentos todos os que participaram da jornada, porque ele se obstinou em combater contra homens aguerridos e desesperados.

Dizem que nessa primeira batalha morreram do lado dos bárbaros vinte mil homens a pé e dois mil e quinhentos a cavalo; do lado de Alexandre, escreveu Aristóbulo que houve trinta e quatro mortos ao todo, dos quais doze eram homens a pé, e a todos quis Alexandre que, para honrar-lhes a memória, fossem erguidas estátuas de bronze feitas pela mão de Lisipo; e, desejando comunicar essa vitória aos gregos, mandou particularmente aos atenienses trezentos broquéis dos que conquistara em batalha, e de modo geral sobre todos os outros despojos mandou colocar esta honrosa inscrição: "Alexandre, filho de Felipe, e os gregos, excetuados os lacedemônios, conquistaram estes despojos aos bárbaros habitantes da Ásia". Quanto à baixela de ouro ou de prata, tecidos de púrpura e outros deliciosos bens móveis da Pérsia, enviou-os quase todos a sua mãe, ou pelo menos muito poucos faltaram.

XXIX. Felizes resultados desse triunfo

XXIX. Esse primeiro encontro acarretou subitamente tão grandes mudanças dos negócios em favor de Alexandre que a própria cidade de Sardes, sede capital do império dos bárbaros, ao menos em todas as baixas províncias vizinhas do mar, rendeu-se incontinente a ele, e também as outras, excetuadas a de Halicarnasso e a de Mileto, que lhe opuseram resistência, mas ele tomou-as pela força. E, tendo semelhantemente conquistado tudo o que estava ao redor, ficou depois em dúvida quanto ao que lhe restava fazer; pois muitas vezes tinha vontade de ir fogosamente ao encontro de Dário, onde quer que se encontrasse, para tudo arriscar numa batalha, e às vezes também lhe parecia mais conveniente exercitasse primeiro na conquista de seus países baixos e fortificar-se e abastecer-se com dinheiro e riquezas que ali encontrasse, para depois marchar melhor aparelhado contra ele.

XXX. Alexandre submete a Cilicia, a Fenícia, a Panfília

XXX. Mas há no país da Lídia, perto da cidade dos Xântios, uma fonte que então transbordou espontaneamente e, transvazando por cima das margens, lançou do fundo para fora uma pequena lâmina de cobre sobre a qual havia caracteres gravados com letras antigas dizendo que o império dos persas devia ser arruinado pelos gregos. Isso lhe aumentou ainda mais a coragem, de modo que se apressou em limpar toda a costa do mar até à Cilicia e à Fenícia.

Mas a facilidade coma qual avançou ao longo da costa de Panfília, deu ocasião e matéria a vários historiadores para amplificarem as coisas às maravilhas, ao ponto de dizerem que foi um verdadeiro milagre do favor divino que essa orla do mar se submetesse tão graciosamente a ele, visto como tem ele ao contrário o hábito de atormentar e devastar muito asperamente a referida costa, de tal maneira que muito poucas vezes1196 oculta e cobre as pontas de rocha que se enfileiram todas muito volumosas ao longo da praia, embaixo dos altos rochedos íngremes e abruptos da montanha. E parece que o próprio Menandro, numa de suas comédias, dá testemunho dessa miraculosa felicidade, quando jocosamente diz:

Isso demonstra de Alexandre a sorte
Se alguém procuro com empenho forte,
incontinente a mim vem ter sozinho.
Se pelo mar, que pode ser daninho,
Não me convém nenhures navegar,
Posso como por terra ali passar.

Todavia, o próprio Alexandre, em suas epístolas, sem fazer do caso tão grande milagre, escreve simplesmente que atravessara por mar o passo que vulgarmente era chamado de Escada e que, para atravessá-lo, embarcara na cidade de Fasélis, ali pousando vários dias, durante os quais, tendo visto na praça uma estátua de Teodectes1197 (pois ele era Faselita), promoveu após o jantar uma dança no local e lançou em cima numerosos ramalhetes e capacetes com flores, para honrar de bom grado, à guisa de pilhéria, a memória do defunto, pela conversação que com ele mantivera em vida por causa de Aristóteles e do estudo da filosofia.

XXXI. Corta o nó Górdio

XXXI. Isso feito, subjugou também os pisidienses1198, que pretenderam resistir, e conquistou ainda toda a Frigia, onde na cidade de Górdio, que se diz ter sido outrora a residência ordinária do rei Mídas, viu a carruagem da qual tanto se fala, ligada por um laço de casca de sorveira; e a esse respeito contaram-lhe uma história segundo a qual os habitantes do país consideravam verdadeira profecia que aquele que pudesse desatar esse laço era predestinado a ser um dia rei de toda a terra. Assim diz o vulgo que Alexandre, não podendo desfazer esse laço, porque dele não se viam as extremidades em virtude de estarem estas envolvidas por várias voltas e entremeios que se interpenetravam, desembainhou a espada e cortou o nó pela metade, de sorte que se viram então as várias extremidades do laço. Mas Aristóbulo escreve que ele o desfez com grande facilidade, tendo primeiro tirado a cavilha que prende o jugo ao timão, para depois retirar o jugo.

XXXII. Sonho de Dário

XXXII. Ao partir dali, foi subjugar os paflagônios e os capadócios, e soube do falecimento de Mêmnon, que, dentre todos os comandantes de marinha que Dário teve a seu serviço, era aquele que se esperava devesse dar mais trabalho e causar mais obstáculos a Alexandre; de modo que, uma vez certo de sua morte, tanto mais se firmou na resolução de levar o exército às altas províncias da Ásia. Também pela frente lhe vinha o rei Dário, que fizera concentração de forças em Susa, confiante no grande número de seus combatentes, seiscentos mil dos quais dispusera em um acampamento, e também num sonho que os adivinhos lhe haviam contado mais para lhe serem agradáveis do que a bem da verdade. Uma noite, enquanto dormia, foi-lhe anunciado que ele via todo o exército dos macedônios em fogo e que Alexandre o servia vestido com a mesma túnica usada na ocasião em que ele era asgande do falecido rei; e, tendo entrado no templo de Belo, desapareceu de repente e se dissipou. Por tal sonho, parece evidente que os deuses lhe davam a entender que os feitos dos macedônios se tornariam muito famosos e gloriosos, e que Alexandre conquistara toda a Ásia, nem mais, nem menos do que fizera Dário, que de asgande se tornara rei, mas que logo acabaria também sua vida em grande glória.

XXXIII. Alexandre cai doente

XXXIII. Ainda se tornou mais confiante quando viu que Alexandre se demorou algum tempo na Cilicia, cuidando fosse por medo dele; mas foi por doença, a qual dizem alguns lhe ter vindo do trabalho, outros por se ter banhado no rio de Cidno, que era frio como gelo; mas, do que quer que fosse, não houve nenhum médico que ousasse socorrê-lo, pois julgavam o mal incurável e mais poderoso do que todos os remédios que pudessem ministrar-lhe, e temiam que os macedônios os culpassem e caluniassem, se não conseguissem curá-lo. Mas Felipe de Acarnânia, considerando que ele estava muito mal e confiando na amizade que lhe demonstrava, pensou que seria agir vilmente para cem ele, vendo-o em perigo de vida, não arriscar até haver experimentado todos os últimos e mais extremos remédios de sua arte, mesmo que isso pudesse constituir perigo para a sua própria pessoa; de modo que empreendeu dar-lhe medicina e persuadiu-o de tomá-la e bebê-la ousadamente, se desejava ficar logo curado e disposto para fazer a guerra. Nesse ínterim, Parmênion escreveu-lhe do acampamento uma carta pela qual o advertia de que precisava tomar cuidado com o tal Felipe, porque ele fera conquistado e industriado por Dário sob a promessa de grandes bens que lhe daria com a filha em casamento, como paga pela morte do senhor.

XXXIV. Confiança de Alexandre no seu médico Felipe. Cura-se

XXXIV. Alexandre leu a missiva e colocou-a sob a cabeceira, sem mostrá-la a nenhum dos seus familiares; e, quando chegou a hora de tomar o remédio, Felipe entrou no quarto com outros favoritos do rei, levando na mão o copo com o medicamento. Deu-lhe então Alexandre a carta e tomou no mesmo instante o copo de remédio sem mostrar nenhuma hesitação ou suspeita.

Foi admirável então ver como um lia a carta e o outro tomava a beberagem ao mesmo tempo, e considerar como se entreolhavam, embora não com a mesma cara, pois Alexandre tinha a fisionomia franca e risonha, testemunhando a confiança e a amizade que lhe merecia o médico Felipe, ao passo que o outro tinha uma atitude de homem magoado e atormentado pela calúnia de que fora alvo, estendendo as mãos para o céu, chamando e invocando os deuses como testemunhas de sua inocência, para em seguida aproximar-se do leito e pedir a Alexandre que tivesse coragem e fizesse exatamente o que lhe dissesse. O medicamento, começando a agir, expulsou e derreteu por assim dizer até ao fundo do corpo o vigor e a força natural, de maneira que ele perdeu a fala e lhe veio uma grande fraqueza e tal torpor que não tinha quase pulso nem aparência de sentido: todavia, passada essa fase, foi em poucos dias restabelecido por Felipe. E, depois de se fortifica um pouco, apareceu aos macedônios, que andavam impacientes e não acreditaram no que lhes diziam ou prometiam sobre a sua convalescença enquanto não o viram.

XXXV. Conversação de Dário com Amintas

XXXV. Ora, havia no acampamento de Dário um banido da Macedônia chamado Amintas, que conhecia bem a natureza de Alexandre e, vendo Dário com vontade de ir enfrentá-lo nas gargantas e vales das montanhas, pediu-lhe que o esperasse de preferência em lugar plano e aberto, visto como lutaria com grande número de combatentes contra muito poucos inimigos e era vantajoso enfrentá-lo em campo largo. Dário respondeu-lhe que receava apenas que ele fugisse antes de poder atingi-lo ou defrontar-se com ele, que assim lhe escaparia das mãos. Replicou-lhe Amintas: "Quanto a isso, Sire, peço-te não tenhas receio, pois te asseguro, por minha vida, que ele te virá buscar e neste momento já estará marchando".

XXXVI. Batalha de Isso

XXXVI. Todavia, as advertências de Amintas não puderam dissuadir Dário de mandar forças para a Cilicia. E, ao mesmo tempo, Alexandre tomou o caminho da Síria para encontrá-lo; mas durante uma noite se desviaram um do outro e no dia seguinte retrocederam ambos, de modo que Alexandre, satisfeito com a aventura, apressou-se em enfrentar o inimigo dentro dos desfiladeiros, e Dário tratou de voltar ao acampamento de onde partira e de tirar seu exército dos desfiladeiros, começando então a perceber o erro que cometera ao lançar-se em lugares fechados de um lado pela montanha e do outro pelo mar e pelo rio de Píndaro1199 que corre pelo meio, forçando seu exército a dividir-se em vários grupos num terreno desigual e desfavorável para a cavalaria, do qual ao contrário a planície era a mais própria do mundo para os inimigos, que eram infantes e em pequeno número. Mas, se a fortuna deu a Alexandre o campo conveniente para combater com vantagem, melhor ainda ele soube organizar a batalha para obter a vitória, pois que, embora fosse em número de combatentes muito mais fraco e menor do que o inimigo, tratou de providenciar para não ser cercado, porque fez avançar a ponta direita do exército muito mais do que a esquerda e, combatendo nas primeiras fileiras daquela, desbaratou os bárbaros que se achavam à frente diante dele; mas foi ferido por um golpe de espada na coxa. Cares1200 escreve ter sido o próprio Dario quem lhe deu esse golpe e que ambos se defrontaram ao ponto de lutarem às cabeçadas e aos socos. Todavia, o próprio Alexandre, escrevendo sobre essa batalha a Antípater, disse bem que ele foi ali ferido na coxa por um golpe de espada, sem ter sofrido nenhum outro inconveniente. Mas não acrescentou quem o feriu.

XXXVII. Bom humor de Alexandre à vista do luxo de Dário

XXXVII. Tendo pois alcançado uma gloriosíssima vitória, em consequência da qual morreram mais de cento e dez mil inimigos, não pôde contudo aprisionar Dario, porque este se adiantou para fugir até cerca de um quarto de légua somente; mas tomou o carro de batalha, sobre o qual combatia, e seu arco também, depois voltou da perseguição e encontrou os macedônios pilhando e saqueando todo o resto do acampamento dos bárbaros, onde havia uma riqueza infinita (conquanto tivessem deixado a maior parte de seus equipamentos na cidade de Damas1201, para entrarem mais livremente em combate), mas para a sua pessoa tinham reservado o alojamento do rei Dario, que estava cheio de grande número de oficiais, de ricos móveis e de grande quantidade de ouro e prata. Eis porque, logo que chegou, após ter deposto as armas, entrou n o banho, dizendo: "Vamos lavar-nos disso e limpar o suor da batalha dentro do banho do próprio Dario". E aí um dos seus favoritos lhe replicou: "Melhor ainda, Alexandre, pois os bens dos vencidos pertencem de direito aos vencedores e devem ser escolhidos por eles". E quando ele viu, ao entrar na estufa, as bacias, os banheiros, as lixívias, os frascos e caixinhas de perfumes, todas de ouro fino, esquisitamente lavrado e trabalhado, toda a câmara perfumada de um odor tão suave que parecia um paraíso, e depois, ao sair do banho em que entrara no interior de sua tenda, vendo-a tão alta, tão espaçosa, o leito, a mesa e o preparo do jantar, tudo tão bem e tão magnificamente em ordem que era uma coisa digna de admiração, voltou-se para os favoritos e disse-lhes: "Ser rei, em vossa opinião, era isto, não é verdade?"

XXXVIII. Conduta de Alexandre para com a mãe, a mulher e as filhas de Dário

XXXVIII. Mas, assim que se pôs a mesa para jantar, vieram dizer-lhe que lhe estavam sendo conduzidas prisioneiras a mãe e a mulher de Dário entre outras damas e duas de suas filhas solteiras, as quais, tendo visto seu carro e seu arco, puseram -se a gritar e a esgadanhar-se desesperadamente, pensando que ele estivesse morto. Alexandre ficou bastante tempo sem nada responder, sentindo mais piedade pela má fortuna delas do que alegria pela sua própria; depois, mandou que Leonato fosse ter imediatamente com elas, para informar-lhes que Dário não estava morto e que não deviam ter medo de Alexandre, porque ele não fazia a guerra senão para reinar e, quanto a elas, teriam dele tudo o que tinham de Dário, enquanto ele reinasse e tivesse todo o seu império. Se parece que essas palavras tranquilizaram as damas prisioneiras, os efeitos vieram em seguida, que elas acharam de não menor humanidade ; porque primeiro ele permitiu-lhes que inumassem todos aqueles que desejassem dos senhores persas mortos em combate e tirassem dos despojos todas as fazendas, joias e ornamentos que precisassem para honrar-lhes os funerais; e assim não lhes negou nenhuma honra, nem quanto ao número de oficiais e servidores, nem quanto ao conforto que tinham antes, mas ordenou que lhes pagassem pensões ainda maiores do que costumavam ter; todavia, o favor mais honroso, mais belo e mais real por ele prestado a essas princesas prisioneiras, que tinham vivido com grande honestidade e pudicícia, foi. que jamais ouviram nada que lhes pudesse causar temor ou mesmo a suspeita de que algo viesse a prejudicar-lhes a honra, pois tinham vida à parte, sem que ninguém as frequentasse ou as visse, não como num acampamento inimigo, mas como se estivessem em algum santo mosteiro de religiosas estritamente reformadas e guardadas. É que a mulher de Dario, segundo se escreve, foi uma belíssima princesa, como também Dario era um belíssimo e grande príncipe, sendo que as filhas se pareciam com o pai e a mãe.

XXXIX. Continência de Alexandre

XXXIX. Mas, como Alexandre, em minha opinião, estimava ser coisa mais real vencer-se a si mesmo do que derrotar os inimigos, não tocou em nenhuma, nem em outras moças ou mulheres, antes de desposá-las, com exceção de Barsena1202, que, tendo ficado viúva pela morte de Mêmnon, foi tomada junto de Damas. Ela era sábia em literatura grega, doce e graciosa, filha de Artabazo, que nascera de uma filha de rei. Alexandre conheceu-a por sugestão de Parmêmon, conforme escreve Aristóbulo, que lhe solicitou travasse relações com tão bela e nobre dama. Mas, quanto às outras damas persas que estavam prisioneiras, maravilhosamente belas e robustas, ele dizia brincando que as mulheres da Pérsia faziam mal aos olhos de quem as contemplava; mas, como ao contrário as belas faces mostrassem a beleza de sua conduta e castidade, ele passava diante delas sem afeiçoar-se, como se elas fossem estátuas de pedra e sem alma. A esse propósito, Filóxeno, que ele deixara como seu lugar-tenente nas províncias baixas e marítimas, escreveu-lhe uma vez que certo Teodoro, comerciante de Tarento, tinha para vender dois meninos de singular beleza e que ele mandasse dizer-lhe se gostaria de comprar os dois. Ele ficou tão desgostoso com isso que se pôs a gritar em altas vozes e por várias vezes: "Meus amigos, que vilania jamais percebeu Filóxeno em mim, para esforçar-se, enquanto não faz nada lá, em me prodigalizar tais insultos?" E mandou que lhe respondessem imediatamente, com uma porção de injúrias, que expulsasse o negociante Teodoro com a sua mercadoria. Também repreendeu acremente um jovem chamado Ágnon, que lhe escrevera perguntando se queria comprar um menino chamado Crobilo, que fizera barulho na cidade de Corinto por causa de sua beleza, com a intenção de enviá-lo para ele. E outra vez, avisado de que Dâmon e Timóteo da Macedônia, que estavam sob as ordens de Parmênion, tinham1203 violado as mulheres de alguns soldados estrangeiros que se achavam a seu soldo, escreveu a Parmênion ordenando-lhe que abrisse inquérito e, se de fato achasse que eles as tinham violado, mandasse matar a ambos como bestas selvagens nasci das para ruína dos homens. E escreveu do próprio punho estas palavras na referida carta: "Quanto a mim, tanto é falso que eu tenha visto ou pensado em ver a mulher de Dário como não quero sequer admitir que se converse sobre a beleza dela diante de mim". Ele costumava dizer que se reconhecia mortal principalmente em duas coisas: em dormir e em gerar. Parecia querer dizer com isso que o trabalho e o prazer da volúpia com as mulheres procedem da mesma imbecilidade e fraqueza de natureza.

XL. Sua sobriedade

XL. Também era muito sóbrio no comer, tendo dado disso várias provas, além do que disse à princesa Ada, que adotou1204 como mãe e a fez rainha da Caria: como todos os dias, pensando ser-lhe agradável, ela lhe enviasse muitas carnes esquisitas , uma porção de bolos e de confeitos, e além disso cozinheiros e pasteleiros que considerava excelentes no ofício, ele mandou dizer-lhe "que não sabia o que fazer com tudo aquilo, porque seu governador Leônidas lhe ensinara melhor, isto é, para almoçar levantar-se de madrugada e marchar até à noite, e para jantar comer pouco no almoço; e esse governador, dizia ele, ia frequentemente abrir e revistar as malas onde guardavam o colchão de minha cama e minhas roupas, para ver se minha mãe havia ali escondido doces e superfluidades". E era menos predisposto ao vinho do que parecia pelo fato de ficar à mesa durante longo tempo; mas o fazia mais para conversar do que para beber, pois, cada vez que bebia, travava sempre antes uma comprida conversa, e ainda assim quando tinha grande lazer. Em tempo de negócios, não havia festim, nem banquete, nem jogo, nem núpcias, nem passatempos que o prendessem, como fizeram vários outros capitães. O que se pode facilmente conhecer pela brevidade de sua vida e pela grandeza e multidão dos altos feitos que praticou durante o tão pouco tempo em que viveu.

XLI. Sua maneira cotidiana de viver

XLI. Quando estava de folga, de manhã, depois de se levantar, a primeira coisa que fazia era sacrificar aos deuses, e depois ia incontinente à mesa para almoçar; e passava todo o resto do dia ou caçando, ou compondo alguma coisa, ou pacificando alguma desinteligência entre os soldados, ou lendo. E, quando marchava pelos campos e não tinha muita pressa de voltar, exercitava-se percorrendo o lugar e atirando com o arco, ou subindo e descendo num carro, ou correndo. Muito frequentemente, para divertir-se, caçava raposas ou pegava pássaros, como se pode ver pelas memórias deixadas em seus diários1205 ; depois, quando chegava em casa, entrava no banho e fazia-se friccionar e untar, isso feito, perguntava aos mordomos e cria-dos-graves se tudo estava pronto na cozinha e começava a jantar muito tarde, de maneira que era sempre noite quando se punha à mesa, onde tinha muito cuidado e tudo diligenciava para que não fosse nada distribuído desigualmente, nem mais a um do que a outro dos que comiam com ele; e ficava à mesa durante muito tempo, porque gostava de falar e conversar, como dissemos.

XLII. Gostava de gabar-se e de ser elogiado

XLII. Em suma, sua companhia e sua palestra eram assim as mais interessantes e mais agradáveis que jamais proporcionou algum rei ou príncipe; pois não lhe faltava graça, exceto quando se tornava um pouco importuno por suas gabolices, e tinha nisso muito do soldado gabolas que gosta de contar valentias. Além de gostar ele próprio de se entregar facilmente a essa vaidade de bravata, tinha ainda por assim dizer o fraco de deixar que os aduladores o conduzissem pelo nariz. Isso dava muitas vezes causa à ruína de homens de bem que o cercavam, os quais nem queriam louvá-lo em sua presença por emulação com os aduladores, nem ousavam também dizer menos do que eles quanto aos louvores que lhe dirigiam, porque para uns havia nisso vergonha e para outros perigo.

XLIII. Gastos com a mesa

XLIII. Depois de jantar e lavar-se de novo, dormia frequentemente até ao meio-dia e às vezes durante todo o dia seguinte. Não apreciava de modo algum as viandas esquisitas, de sorte que, quando lhe enviavam dos países vizinhos do mar algumas frutas singulares, ou os mais raros peixes, mandava-os aqui e acolá aos amigos, muitas vezes sem deixar nada para si. Todavia, sua mesa era sempre magnificamente servida, aumentando sempre a despesa ordinária à medida que suas prosperidades e conquistas progrediam, até elevar-se à soma de mil escudos por dia1206. Também parou aí e foi prefixado esse limite de despesa para os que desejassem homenageá-lo e não pudessem gastar mais.

XLIV. Ambiciona a posse das riquezas que os persas tinham depositado em Damasco

XLIV. Mas, depois da batalha de Isso1207, mandou buscar na cidade de Damas o ouro e a prata, a bagagem, as mulheres e as crianças que os persas tinham ali deixado. Lá os soldados da Tessália atenderam muito bem às suas necessidades, mesmo porque ele deliberadamente os enviara com essa intenção, porque os vira cumprir seu dever no dia da batalha. Todavia, também o resto do exército encheu-se de riquezas. E então pela primeira vez os macedônios tiveram o gosto do ouro e da prata, das delícias, das mulheres e da maneira de viver dos persas, nem mais, nem menos do que os cães de caça depois de encontrarem os vestígios do animal perseguido, não desejando outra coisa senão essa opulência persa.

XLV. Sitia a cidade de Tiro

XLV. Não obstante, foi Alexandre de opinião que primeiro era melhor consolidar a posse das províncias baixas e marítimas. Assim vieram incontinente ter com ele os reis, que lhe puseram entre as mãos o reino de Cipro e toda a Fenícia, excetuada a cidade de Tiro1208, diante da qual estabeleceu o sítio e ali ficou sete meses, assaltando-a com grandes sortidas que mandou lançar do mar com duzentas galeras e por terra com numerosos engenhos de bateria. Durante o sítio, foi avisado uma noite de que Hércules lhe estendia a mão por cima das muralhas da cidade e o chamava pelo nome, e também vários tírios sonharam, dormindo, que Apolo lhes dizia desejar colocar-se ao lado de Alexandre, porque não lhe agradava o que estava sendo feito dentro da cidade; em virtude disso, ligaram e prenderam sua estátua, que era de tamanho excessivo, com numerosas correntes, e prenderam-na bela base com grandes e grossos pregos, nem mais, nem menos do que se tratasse de algum traidor que pretendesse entregar-se, chamando-lhe Alexandrista, isto é, parcial que favorece Alexandre. Ainda ali teve Alexandre outra visão dormindo, pois lhe aconteceu ver um sátiro que de longe zombava dele, mas, quando ele se aproximava para prendê-lo, escapava-lhe sempre, até que finalmente, depois de muito o ter provocado e corrido ao redor dele, caiu-lhe nas mãos. Os adivinhos, consultados sobre tal sonho, responderam, com muito verossímil aparência, que bastava dividir em dois a palavra Satyros, dizendo sa Tyros, que significaria a cidade de Tiro será tua; e mostra-se ainda a fonte ao pé da qual lhe aconteceu ver a sátiro.

XLVI. Durante o sítio, vai fazer a guerra aos árabes

XLVI. Durante o sítio, foi fazer a guerra aos árabes, habitantes ao longo do monte chamado Antilíbano1209, onde sua pessoa correu grande perigo, por ter esperado seu preceptor Lisímaco que o havia seguido dizendo que não era pior nem mais velho do que Fénix: quando chegaram ao pé da montanha, deixaram os cavalos e começaram a subir o monte a pé; mas, tendo ele o coração tão gentil que não queria deixar atrás seu mestre de escola, já tão cansado que não podia mais, mesmo porque a noite descia e os inimigos não estavam longe deles, deteve-se na retaguarda para dar-lhe coragem de caminhar e levá-lo quase até à metade do caminho, de maneira que se viu distanciado do exército com muito poucas tropas, e surpreendido pela noite e pelo frio cortante, num lugar mau e rude, onde de longe via muitos fogos que os inimigos tinham acendido em vários pontos, e confiando na disposição de sua pessoa, além do seu costume de sempre remediar com trabalho próprio as dificuldades e necessidades em que se encontrassem os macedônios, pondo ele próprio mãos à obra, avançou para os que haviam acendido os fogos mais próximos e, matando com a espada dois dos bárbaros que estavam deitados ao longo do fogo, arrebatou um tição e com ele retornou aos seus homens que acenderam um grande fogo, com o que alguns bárbaros ficaram de tal maneira aterrorizados que se puseram em fuga, e os outros que pretenderam atacá-lo foram por ele derrotados. Assim, pode sem perigo alojar-se por essa noite com sua sente, conforme escreveu Cares.

XLVII. Toma Tiro

XLVII. O sítio de Tiro teve afinal este desfecho: Alexandre fazia repousar a maior parte do exército, estando cansado e castigado por tantos combates que suportara, e enviava pouca gente ao assalto apenas para impedir que os tírios repousas sem; e um dia o adivinho Aristandro, tendo sacrificado aos deuses e considerado os sinais das entranhas, afirmou com muita segurança a os assistentes que a cidade seria tomada até ao fim do mês, de modo que todos começaram a rir, zombando dele, porque era aquele o último dia. Então Alexandre vendo-o desapontado, como se não soubesse o que dizer, e esforçando-se sempre por dar relevo às predições dos adivinhos, mandou que não se contasse aquele dia como o trigésimo, mas como o vigésimo-sétimo, e imediatamente fez soar as trombetas e ordenou o assalto à mais forte muralha que havia encontrado desde o começo. O combate foi aspérrimo, pois aqueles mesmos que tinham ficado dentro do acampamento tiveram de sair em soco dos que haviam sido destacados para o assalto dessa forma, os tírios, vendo-se tão furiosamente atacados de todos os lados, perderam a coragem, assim foi a cidade tomada naquele mesmo dia.

XLVIII. Toma a cidade de Gaza

XLVIII. Depois, como estivesse diante de Gaza1210, cidade principal e a maior da Síria caiulhe às costas um fragmento de terra, largada do alto por um pássaro em voo. O pássaro foi pousar sobre um dos engenhos de bateria com os quais era atacada a cidade, e ficou preso e enleado dentro das redes feitas de nervos que serviam para virar as cordas dos engenhos. Aristandro predisse que isso significava que ele seria ferido nas costas, mas tomaria a cidade, como de fato aconteceu. E, como enviasse a sua mãe Olímpia, a Cleópatra e aos amigos muitos presentes dos despojos ganhos no saque da cidade, enviou entre outras coisas quinhentos quintais de incenso ao governador Leônidas, e cem de mirra, lembrando-se da esperança que outrora ele lhe dera quando ainda criança; como um dia sacrificasse aos deuses, tomando incenso com ambas as mãos para pô-lo no fogo de fazer perfume, viu-o Leônidas e disse-lhe: "Quando tiveres conquistado a região onde crescem as drogas e especiarias, farás perfumes à vontade; por enquanto, porém, contenta-te com usar mais parcimoniosamente o que possuis". Alexandre, lembrando-se então de sua advertência, escreveu-lhe desta maneira: "Nós te enviamos incenso e mirra em abundância, a fim de que doravante não sejas avaro com os deuses.

XLIX. Coloca a Ilíada de Homero dentro de um magnífico relicário

XLIX. Levaram-lhe também um pequeno cofre, considerado como a mais rica e mais preciosa joia por ele ganha na derrota de Dário; e perguntou aos seus favoritos o que lhes parecia mais digno de ser posto dentro. Uns lhe disseram isto, outros aquilo. Mas ele disse que ali colocaria a Ilíada de Homero para guardá-la dignamente. Isso testemunham e escrevem todos os historiadores mais dignos de fé. E, se é verdade o que os de Alexandria contam baseados no testemunho e no relato de Heráclides, parece que Homero não lhe foi inútil nessa viagem; pois diziam que, quando ele conquistou o Egito, quis ali construir uma grande cidade, povoála com grande número de habitantes todos gregos e denominá-la com o seu próprio nome; e estava já pronto para marcar e murar determinado lugar que lhe fora indicado pelo conselho dos engenheiros e mestres operários, quando teve na noite anterior uma visão maravilhosa: aconteceu que foi apresentar-se diante dele um personagem com os cabelos todos brancos de velhice, a face e a presença veneráveis. o qual se aproximou pronunciando estes versos:

Uma ilha existe em meio ao mar profundo,
Diante do Egito, esse país fecundo,
E por seu nome Faros é chamada.

L. Edifica Alexandria

L. Mal se levantou pela manhã, foi ver essa ilha de Faros, então situada um pouco acima da embocadura do Nilo que tem o nome de Canóbica. mas agora se junta à terra firme por um dique feito a mão; e pareceu-lhe que era no mundo a base mais conveniente para o que tinha em mente fazer, pois é como uma língua ou uma coluna de terra razoavelmente larga que separa de um lado um grande lago e do outro o mar, o qual aí termina num grande porto. Disse ele então que Homero era admirável em todas as coisas, mas que entre outras era um sábio arquiteto, e mandou que, prontamente lhe construíssem e designassem a forma da cidade, segundo a topografia do lugar. Como não achassem imediatamente giz ou terra branca para marcar, tomaram farinha e sobre a terra negra traçaram um grande recinto curvado em figura circular, cuja circunferência terminava internamente em duas bases retas de igual tamanho e que encerravam toda a área do recinto em forma de manto macedômco. Alexandre achou bonito o desenho e ficou muito satisfeito; mas, de repente, uma infinita multidão de grandes pássaros de todas as espécies levantou-se do lago e do rio, em número tão grande que o ar se obscureceu como por efeito de uma grande nuvem, e, vindo pousar naquele recinto, comeu toda a farinha sem nada deixar de sobra.

LI. Vai consultar o oráculo de Júpiter Âmon

LI. Perturbou-se Alexandre com o presságio, mas lhe disseram, os adivinhos que não devia aborrecer-se, porque era sinal de que ele construiria ali uma cidade tão fértil em todos os bens que bastaria para alimentar todos os povos. Mandou então que se lançassem à obra aqueles aos quais dera esse encargo, tomando ele o caminho do templo de Júpiter Âmon. A estrada era longa e havia muitos trabalhos e dificuldades, mas dois perigos principais entre todos os outros: um era a falta de água, em virtude da qual há vários dias de país deserto e inabitável; e outro era que o vento do meio-dia se levantasse impetuoso enquanto estavam a caminho e revolvesse as areias de extensão e profundidade infinitas, como dizem que outrora uma tormenta de tal maneira abalou aquelas planícies, formando montões de areia, que cinquenta mil homens do exército de Cambises morreram soterrados. Não havia ninguém no séquito que não relatasse e previsse bem esses perigos; mas era difícil dissuadir Alexandre de qualquer coisa que tivesse vontade de fazer, porque a fortuna, sendo-lhe favorável em todas as empresas, tornava-o íntegro e firme em suas opiniões, e a grandeza de sua coragem fazia que se obstinasse invencivelmente em todas as coisas, desde que as tivesse empreendido, ao ponto de querer forçar não só os inimigos, mas também o tempo e os lugares. Em suma, os socorros e os remédios que Deus lhe deu contra as dificuldades e perigos dessa viagem foram considerados mais críveis do que as respostas que dizem haver-lhe dado mais tarde e, o que é mais, fizeram que de modo algum se prestasse fé aos oráculos que, segundo se escreve, lhe foram respondidos. Em primeiro lugar, as grandes águas caídas do céu e as contínuas chuvas os preservaram do perigo da sede, quebrando a secura da areia, que se tornou úmida e ligada, de maneira que o próprio ar ficou mais suave, mais fresco e mais límpido. Ademais, como fossem confusos os limites e fronteiras nos quais os guias reconheciam o caminho, de sorte que erravam aqui e acolá sem saberem mais aonde irem, apareceram-lhes corvos que os guiavam voando diante deles, apressando-se a voar quando viam que eram seguidos e esperando-os quando eles ficavam para trás. E, o que é ainda mais admirável, Calístenes escreve que à noite, com seus cantos, eles chamavam os que se haviam extraviado, gritando tão forte que os repunham no rumo certo.

LII. Resposta do oráculo

LII. Por fim, tendo atravessado o deserto, chegou ao templo que procurava. Ao chegar, saudou-o o grande presbítero da parte do deus, como de seu pai; e Alexandre perguntou-lhe se tinha escapado algum dos que lhe mataram o pai. Respondeu-lhe o presbítero que se guardasse de blasfemar, porque seu pai não era mortal. Enquanto, retomando a conversa, perguntou-lhe se os assassinos que haviam conspirado a morte de Felipe tinham sido todos punidos; e depois o interrogou também sobre a sorte do seu império e se ele lhe concederia a graça de torná-lo monarca do mundo inteiro. Pela boca de seu profeta, o deus respondeu-lhe que sim, e que a morte de Felipe tinha sido inteiramente vingada. Fez ele então magníficas oferendas ao deus e distribuiu dinheiro com largueza aos presbíteros e ministros do templo.

Eis aí o que escreve a maior parte dos autores sobre o que ele perguntou e sobre o que lhe foi respondido pelo Oráculo. É verdade que o próprio Alexandre, em missiva escrita à sua mãe, diz que obtivera algumas respostas secretas do oráculo, as quais lhe comunicaria a ela somente quando regressasse à Macedônia. Dizem outros que o presbítero, querendo saudá-lo com expressão mais amável em língua grega, disse-lhe: Ó Paidion, que quer dizer caro filho, mas a língua o traiu um pouco, porque não era sua língua natural, e que ele pôs um "s" e m lugar de um "n" no fim, dizendo ó pai Dios, que significa ó filho de Júpiter; e que Alexandre foi beneficiado por esse erro linguístico, pois entre os seus homens correu a notícia de que Júpiter lhe chamara seu filho.

LIII. O que o próprio Alexandre pensava de sua filiação divina

LIII. Dizem também que ele quis ouvir o filósofo Psâmon no Egito e que achou muito boa uma sentença por ele proferida, ao dizer-lhe que Deus era rei dos homens: "Porque, dizia ele, aquele que rema e domina todas as coisas é sempre divino". Mas ele próprio discorreu com melhor razão e mais filosoficamente, quando disse que Deus era pai comum de todos os homens, mas que particularmente ele julgava por si mesmo e confessava seus os homens de bem". Em suma, com os bárbaros mostrou-se mais arrogante e fazia menção de acreditar firmemente que teria sido gerado por aquele Deus, mas com os gregos falava dessa genitura divina com mais sobriedade e mais modéstia. Todavia, numa carta que escreveu aos atenienses sobre a cidade de Samos, diz: Não vos dei essa nobre e franca cidade, pois a tendes como dom daquele que então se chamava meu senhor e meu pai", com referência ao rei Felipe. Mas depois, tendo sido ferido por u ma flechada e sentindo-se em grande sofrimento, voltou-se para os amigos e disse-lhes: "Isto que corre de minha ferida é verdadeiro sangue, e não como diz Homero1211:

Um licor que afinal parece mais
O que flui entre os deuses imortais.

E um dia, por ocasião de uma tempestade tão violenta que toda a gente estava aterrorizada, Anaxarco, o Retórico, que se achava junto dele, disse-lhe: "E tu, filho de Júpiter, farias outro tanto: Alexandre, rindo, respondeu-lhe: "Não quero se: temível aos meus amigos, como queres que eu seja quando desprezas o serviço de minha mesa vende colocarem peixes em cima e dizendo que ali deveriam ser vistas cabeças de príncipes e de sátrapas" Pois na verdade dizem que um dia, como Alexandre enviasse alguns pequenos peixes a Hefe: tio, esse Anaxarco deixou escapar da boca aquelas palavras, para pilheriar e mostrar que tanto faz conquistar grandes estados e altos lugares de autoridade acima dos outros, com tantos trabalhos e perigos, como não ter nada absolutamente ou muito pouco mais do que os outros nos prazeres e delícias deste mundo. Quando pois não houvesse outra prova nem outras razões além das que enumeramos, ainda por estas se poderia julgar que Alexandre não abusava nem se orgulhava dessa presunçosa opinião de pensar que fora gerado por um deus, mas servia-se disso para manter os outros homens sob o jugo de obediência, pela sugestão que lhe fazia dessa divindade.

LIV. Festas e jogos que Alexandre faz celebrar

LIV. Ao partir do Egito, retornou à Fenícia, onde fez sacrifícios, festas e procissões em honra dos deuses, e também danças, representações de tragédias e outros passatempos que tais, muito belos de se verem não só pela magnificência do aparato, mas também pela afeição e diligência dos participantes, que se esforçavam quanto podiam rivalizando uns com os outros, pois eram os príncipes de Cipro os empresários e tudo forneciam aos atores, nem mais, nem menos do que em Atenas é sorteado um burguês de cada linhagem do povo para pagar as despesas com tais representações. E emulavam-se esses senhores com maravilhoso empenho para fazerem o melhor possível, mesmo Nicocreonte, rei de Salamina1212, em Cipro e Pasícrates, senhor da cidade de Soles. Coube a esses dois príncipes fornecer os aois mais excelentes atores, Pasícrates a Atenodoro e Nicocreonte a Tessalo, ao qual Alexandre muito favorecia, sem contudo declarar seu favor, senão depois que Atenodoro, por sentença dos juízes fosse nesse emprego declarado o vencedor. Então, retornando das representações, disse ele que aprovava e confirmava o julgamento dos juízes, mas que teria de bom grado abandonado uma parte do seu reino para não ver Tessalo vencido. E, como os de Atenas o tivessem condenado à multa, porque lá deixara de aparecer1213 nos dias das bacanais, quando se representavam as comédias e tragédias, Atenodoro pediu a Alexandre que intercedesse por ele, a fim de que a multa lhe fosse revelada. Alexandre não quis fazê-lo, mas enviou a multa, que pagou do seu próprio bolso. Outro bom ator chamado Lícon, natural da cidade de Escárfia1214, tendo um dia representado excelentemente, entremeou com habilidade em seu papel alguns versos nos quais lhe pedia como presente1215 dez talentos. Alexandre pôs-se a rir e atendeu ao pedido.

LV. Recusa as propostas de aliança de Dário

LV. Nesse ínterim, Dário escreveu-lhe e também a alguns de seus amigos para pedir-lhes consentisse em receber dele1216 dez mil talentos como resgate das pessoas prisioneiras em seu poder, com todos os países, terras e senhorias aquém do rio Eufrates e uma de suas filhas em casamento para daí por diante ser aliado e amigo. Ele comunicou essa proposta aos amigos, entre os quais Parmênion lhe disse: "Se eu fosse Alexandre, aceitaria". "Também eu com certeza o faria, respondeu Alexandre, se eu fosse Parmênion". Mas, por fim, escreveu a Dano dizendo que, se ele quisesse vir ao seu encontro seria tratado com toda a humanidade; se não, por-se-ia a caminho para procurá-lo. Todavia, logo se arrependeu, porque a mulher de Dário morreu de parto, com o que se mostrou muito contrariado, porque perdeu um grande meio de fazer conhecer sua clemência e humanidade. Mas pelo menos inumou o corpo magnificamente, sem nada poupar.

LVI. Relato que o eunuco Tireu faz a Dário sobre a maneira como Alexandre tratara as princesas prisioneiras

LVI. Ora, havia entre os eunucos camareiros da rainha um chamado Tireu, aprisionado junto com as mulheres. Ele fugiu do acampamento de Alexandre e, montando a cavalo, foi ter com Dano para dar-lhe a notícia da morte de sua mulher. Pôs-se então Dano a lamentar-se com altos gritos, esmurrou a própria cabeça, com as lágrimas nos olhos, e disse suspirando amargamente: "Ó deuses! a que infortúnio se reduziram os negócios da Pérsia, pois a mulher e irmã do rei não só foi feita prisioneira em vida, mas ainda ao morrer não teve ao menos a honra de sepultura real!" Ao que logo respondeu o eunuco: "Quanto à sepultura, Sire, e a toda honra e dever que se pudessem desejar, não poderias lamentar a má fortuna da Pérsia. Pois à rainha Estatira, enquanto viveu cativa, nem a tua mãe, nem a tuas filhas, faltou nenhum dos bens nem das honras que costumavam ter antes, senão a de ver a luz de tua glória, a qual o senhor Orosmades restituirá ainda inteiramente, se lhe aprouver; nem foi sua morte destituída de nenhum ornamento de funeral que pudesse ter em outra parte, mas honrada com as lágrimas dos próprios inimigos. Alexandre é tão doce e humano na vitória quanto áspero e valente em combate". Ouvindo essas palavras do eunuco e estando com o senso perturbado pelo desgosto, Dário entrou incontinente em más suspeitas e, retirando o eunuco à parte, para o mais secreto lugar de sua tenda, disse-lhe: "Se tanto quanto a fortuna dos persas não te tornaste macedônio por afeição, mas ainda em teu coração reconheces Dário como teu senhor, peço-te e conjuro-te pela reverência que deves a esta grande luz do sol e a destra real, que me digas a verdade. Não são o cativeiro e a morte de Estatira os menores males que eu lamento? E sofremos nós ainda pior enquanto ela viveu, de sorte que teríamos sido menos indigna e vergonhosamente infelizes se tivéssemos caído nas mãos de um inimigo cruel e desumano? Pois que honesta comunicação pode ter tido um jovem príncipe vitorioso com a mulher prisioneira do inimigo, para que tenha querido prestar-lhe tantas honras?

Enquanto assim Dário ainda falava, o eunuco Tireu lançou-se-lhe aos pés e pediu-lhe que não proferisse tais palavras e não fizesse essa injustiça à virtude de Alexandre, nem essa desonra à irmã e mulher falecida, privando-se ele próprio do maior conforto e da mais doce consolação que poderia desejar na adversidade, isto é, ter sido vencido por um inimigo que tem perfeições maiores do que comporta a natureza humana, mas que tivesse admiração pela excelente virtude de Alexandre, o qual se mostrara ainda mais casto para com as damas do que valente contra os homens da Pérsia. E, assim dizendo, o eunuco assegurou-lhe e confirmou-lhe o que dissera por juramentos e execrações horríveis, contando-lhe longa e pormenorizadamente o que eram a honestidade, continência e magnanimidade de Alexandre.

Então Dano, retornando à sala onde estavam seus mais familiares amigos e estendendo as mãos para o céu, dirigiu esta prece aos deuses: "Ó deuses, autores da vida e protetores dos reis e dos reinos, eu vos suplico em primeiro lugar me concedais a graça de restabelecer a boa fortuna da Pérsia, de sorte que aos meus sucessores deixe este império tão grande e tão glorioso como o recebi dos meus predecessores, a fim de que, ficando vitorioso, eu possa rivalizar com Alexandre em humanidade e honestidade, das quais ele usou em minha adversidade para com o que neste mundo me é mais caro. Ou então, se vier o tempo em que necessariamente, ou por vingança divina, ou por natural mudança das coisas terrenas, o império persa deva ter fim, ao menos não seja outro senão Alexandre que depois de mim ocupe o trono de Ciro". A maioria dos historiadores admite que tudo isso se fez e se disse.

LVII. Combate entre dois valetes do exército de Alexandre, sob os nomes de Alexandre e Dário

LVII. Tendo já reduzido à obediência tudo o que está aquém do rio Eufrates, pôs-se a caminho para enfrentar Dário, o qual descia co m um milhão de combatentes; e ali houve alguém que lhe contou, para passar o tempo, como os homens do seu exercite se haviam dividido em dois bandos e eleito para cada qual um comandante-chefe, dando a um o nome de Alexandre e a outro o de Dário; e que haviam eles começado a hostilizasse, primeiro atirando torrões de terra, depois utilizando os punhos, mas por fim, já esquentados, recorrendo a pauladas, de maneira que não se conseguia separá-los. Após ouvir, quis Alexandre que os dois comandantes combatessem frente a frente entre si, tendo ele próprio armado o que se chamava Alexandre, enquanto Filotas armou o que recebera o nome de Dário. Reuniu-se à volta o exército todo, para assistir ao espetáculo desse combate que seria um presságio para o conhecimento e o julgamento futuro. A luta foi áspera entre os dois campeões, mas afinal venceu o chamado Alexandre. Como prêmio, deu-lhe Alexandre doze aldeias e o privilégio de usar o hábito persa. Assim o escreveu Eratóstenes.

LVIII. A última batalha foi travada perto de Gausamelos e não de Arbelos

LVIII. A última grande batalha que teve contra Dário não foi em Arbelos, como admite a maior parte dos historiadores, mas em Gausamelos, que segundo dizem significa, em língua persa, a casa do camelo, porque um dos antigos reis da Pérsia, tendo escapado à perseguição dos inimigos montado num dromedário, ali mandou alojá-lo e reservou para a sua nutrição e manutenção a renda de algumas aldeias. Ora, houve eclipse da lua no mês de agosto, aproximadamente quando começa a festa dos mistérios, em Atenas, e na undécima noite seguinte, estando os exércitos à vista um do outro, dispôs Dano seus homens em ordem de batalha e foi em pessoa, com tochas, passar em revista os batalhões e companhias. E Alexandre, enquanto dormiam os soldados macedônios, estava diante de sua tenda com o adivinho Aristandro, ali praticando secretas cerimônias e sacrificando a Apolo1217.

LIX. Alexandre recusa o conselho que lhe dão para combater à noite

LIX. E os mais antigos capitães macedônios, inclusive Parmênion, vendo toda a planície entre o rio Nifates e as montanhas Górdias reluzir aos fogos e às luzes dos bárbaros, enquanto um ruído confuso e um clamor terrível se ouviam, nem mais, nem menos do que um mar infinito a ressoar do seu acampamento, assustaram-se com tão grande multidão de homens e opinaram que seria difícil e quase impossível contê-los a todos num combate à luz do dia. Dirigiram-se então a Alexandre, depois que ele terminou suas cerimônias, e o aconselharam a travar a batalha durante a noite, porque, assim fazendo, as trevas ocultariam a seus homens o espantoso poderio inimigo. E deu-lhes ele esta resposta, mais tarde tão celebrada: "Não quero, disse, roubar a vitória". Essa resposta, para alguns, parece louca e presunçosa, pois não se deve pilheriar assim em presença de um extremo perigo. Mas outros opinam que foi verdadeira magnanimidade presente e bom julgamento para ele no futuro não permitir que Dario depois de vencido, retomasse coragem e tentasse outra vez a fortuna, acusando as trevas e a noite como causas de sua derrota, nem mais, nem menos do que, da vez precedente, costumava dizer que fora derrotado pelas montanhas, pelos desfiladeiros e pelo mar. Com efeito, jamais Dário cessaria de guerrear por falta de homens nem de armas, visto como possuía um grande império e enorme extensão de territórios; mas, a contrário, desistiria de recorrem às armas quando perdesse toda coragem e toda a esperança, após se ver derrotado à viva força, em pleno dia e em lisa batalha.

LX. Longo e tranquilo sono de Alexandre antes da batalha

LX. Depois que esses capitães se recolheram aos respectivos alojamentos, lançou-se Alexandre sobre o leito em sua tenda, ali dormindo todo o resto da noite mais pesadamente do que de costume, de maneira que os senhores que o procuraram pela manhã se encheram de espanto ao vê-lo dormir ainda e deram eles próprios ordem aos soldados para comerem. Mais tarde, vendo que o tempo corria, Parmênion penetrou no quarto e, aproximando-se do leito, chamou-o pelo nome duas ou três vezes e, quando ele despertou, perguntou-lhe como dormia assim até altas horas, como homem já vencido e não pronto a travar a maior e mais arriscada batalha de sua vida. Respondeu-lhe Alexandre, sorrindo: "Como! E não te parece que de fato já vencemos, não valendo a pena perseguir Dano por um país imenso e destruído, como teríamos de fazer se ele quisesse fugir à liça e devastar sempre o país diante de nós?"

LXI. Resposta ao pedido de Parmênion no sentido de lhe ser enviado reforço para defender a bagagem

LXI. Assim não se mostraram somente antes da batalha a grandeza de sua coragem e a magnânima segurança que fundava no raciocínio, mas também no mais forte do próprio combate, porque, a ponta esquerda de seu exército, conduzida por Parmênion, fraquejou e recuou um pouco quando a cavalaria Bactnana atacou os macedônios com grande rudeza e grande esforço nesse ponto, tendo o tenente Mazeu, de Dano, destacado certo número de cavacos para assaltar e atacar os que tinham sido deixado dentro do acampamento para a guarda das bagagens. Eis porque Parmênion, surpreendido de ambos os lados, mandou avisar a Alexandre que o seu acampamento e a bagagem estavam perdidos, pedindo-lhe enviasse um forte reforço da frente de batalha para os que estavam na retaguarda. Quando essas notícias lhe chegaram da parte de Parmênion ele já tinha dado a se us homens o sinal da batalha para o início do ataque; de modo que respondeu a quem as trouxe que Parmênion não estava com o juízo certo, mas com a mente perturbada, pois ganhando a batalha eles não só podiam salvar a bagagem, mas conquistar mais e ganhar a dos inimigos ao passo que perdendo já não precisariam pensar nem nos trastes, nem nos criados, mas tratar apenas de morrer com honra no cumprimento do dever de combaterem com bravura.

LXII. Põe as tropas em ordem de batalha

LXII. Após mandar essa resposta a Parmênion, colocou à cabeça o capacete, pois o resto da armadura já tinha sido colocada antes de partir da tenda: um saio feito na Sicília, cingido e por cima uma cota de malhas com várias dobras de tela costurada, despojo ganho na batalha de Isso. O capacete era de ferro reluzente como prata pura e firme tendo sido feito pelo armeiro Teófilo. Também a argola era do mesmo metal, mas toda coberta de pedras preciosas. A espada, de boa têmpera e de leveza admirável, fora presente do rei dos citienses acostumado a s ervir-se dela em combate. Mas a cota de armas era de manufatura muito mais suntuosa e mais rica do que todo o resto do equipamento: trabalho do velho Hélicon, fizera-lhe presente dela a cidade de Rodes, e Alexandre usava-a ordinariamente nas batalhas. Ora, enquanto punha as companhias em ordem de batalha e dava instruções aos soldados, fazendo-lhes alguma advertência ou passeando ao longo dos batalhões para tudo inspecionar, montava outro cavalo para poupar Bucéfalo que estava já um pouco velho. Mas, quando precisava conscienciosamente pôr mãos à obra, então levavam-lhe Bucéfalo e, logo que se punha em cima, começava o ataque. Após haver f alado longamente aos tessálios e aos gregos, tendo-lhe eles assegurado que não faltariam ao cumprimento do dever e pedido que os comandasse no ataque aos inimigos, tomou o dardo com a mão esquerda e, levantando a direita para o. céu, rogou aos deuses, conforme escreve Calístenes, que, se ele realmente fora gerado por Júpiter, o auxiliassem naquele dia e dessem coragem aos gregos. O adivinho Aristandro marchou a cavalo ao seu encontro, vestido com uma túnica branca e tendo à cabeça uma coroa de ouro, para mostrar-lhe no mesmo instante da prece uma águia que lhe voava sobre a cabeça justamente na direção dos inimigos.

LXIII. Vitória completa de Alexandre

LXIII. Isso animou grandemente e encheu de admirável ousadia os que o viram, de modo que, com tal regozijo, os homens de armas se encorajaram entre si e puseram-se a galope. O batalhão de infantaria marchou em seguida, mas, antes que os primeiros elementos da cavalaria pudessem atingi-los, os bárbaros recuaram e houve grande perseguição. Alexandre acuou os fugitivos até ao meio do acampamento, onde estava Dano em pessoa, pois de longe o percebeu acima das primeiras fileiras, no fundo da companhia real, alto e belo no elevado carro de batalha, o qual estava limitado e cercad o de todos os lados por numerosas tropas de cavalaria, todas em forma e em boa ordem para esperarem e receberem o inimigo. Mas, quando de perto viram Alexandre assim terrível, caçando os fugitivos por entre os que ainda se conservavam nas fileiras, isso os aterrorizou de tal maneira que a maioria debandou. Mas os melhores e mais valentes fizeram-se matar diante do rei e, caindo uns sobre os outros, impediram que o alcançassem logo, porque, lançados por terra e nos estertores da morte, ainda abraçavam os pés dos soldados e dos cavalos. Então, vendo todos os males e desgraças do mundo diante dos olhos, e como os batalhões que enfileirara diante de si para sua guarda se acumulavam todos ao redor, de modo que não havia meio de avançar com seu carro nem de fazê-lo recuar, pois as rodas estavam tolhidas i embaraçadas entre montões de cadáveres, e os cavalos também, como que sitiados e quase escondidos na confusão da derrota, resfolegavam e saltavam apavorados, sem que os freios pudessem guiá-los nem conduzi-los, Dano acabou abandonando o carro e, deixando as armas, montou numa égua que havia pouco dera cria e se pôs a salvo a toda a brida. Todavia, não estaria salvo ainda se Parmênion não tivesse de novo mandado pedir socorro a Alexandre, porque havia em seu setor uma grande força reunida que não mostrava sinais de recuar. Como quer que seja, acusa-se Parmênion de naquele dia ter procedido frouxa e covardamente, ou porque a velhice lhe tivesse diminuído algo de sua ousadia, ou porque estivesse despeitado e com inveja do poder de Alexandre, que se tornava grande demais para o seu capricho, como diz Calístenes. O fato é que Alexandre — muito descontente com aquele segundo pedido, embora sem disso dizer a verdadeira causa aos seus homens, mas fingindo que pretendia mandar cessar o ataque, mesmo porque a noite se aproximava — deu ordem para que tocassem a retirada e encaminhou-se para o ponto em que o seu exército lhe parecia ter ainda o que fazer. No caminho, porém, recebeu notícias de que mesmo ali os inimigos haviam sido derrotados e fugiam em desordem por toda parte.

LXIV. Manda reconstruir a cidade de Pláteas

LXIV. Vencida essa batalha, verificou-se que o império dos persas estava inteiramente arruinado e que Alexandre, consequentemente, se tornara rei de toda a Ásia. Fez por isso suntuosos e magníficos sacrifícios aos deuses, e deu aos seus familiares grandes riquezas, terras, casas e senhorias. E, querendo também mostrar sua liberalidade aos gregos, escreveu-lhes que desejava que todas as tiranias fossem abolidas na, Grécia e que todos os povos vivessem em liberdade sob suas leis; mas fez entender particularmente aos plateenses que pretendia mandar reconstruir sua cidade, porque outrora os seus predecessores tinham entregue aquelas terras aos gregos, para ali combaterem contra os bárbaros em defesa da liberdade comum de toda a Grécia. Aos de Crótona, na Itália, mandou parte dos despojos, para honrar a memória da virtude e boa afeição de seu concidadão Failo, que ao tempo das guerras médicas, como os gregos habitantes da Itália tivessem abandonado os da verdadeira Grécia, porque achavam que eles jamais poderiam salvar-se, partiu para Salamina com um barco armado e equipado à própria custa, a fim de travar batalha e participar do perigo comum dos gregos. Assim Alexandre se mostrava amigo afeiçoado de toda virtude, desejando conservar a memória dos feitos belos e louváveis.

LXV. Do desfiladeiro de Nafta, perto de Ecbátanos

LXV. Ocupando rapidamente toda a Babilônia, maravilhou-se muito quando viu, na província: de Ecbátanos o precipício de onde surgem continuamente borbotões de fogo, como de uma fonte, e também a torrente de nafta, tão abundante que forma como que um lago. Assemelha-se a nafta ao betume e é tão fácil de inflamar que, mesmo sem atingir o fogo, ao simples clarão deste se acende e também ao ar entre ambos. Os bárbaros do país, querendo que Alexandre lhe visse e conhecesse a natureza, regaram com gotas desse licor a estrada pela qual se ia ter ao seu palácio na Babilónia. Depois, nas duas extremidades do caminho, chegaram tochas ao líquido. Era já noite escura e, logo que as primeiras gotas se inflamaram, no mesmo instante tudo se acendeu de um extremo a outro, ficando o caminho iluminado por um fogo contínuo.

LXVI. Ora, certo Atenofanes, natural de Atenas, era quem friccionava e untava o corpo do rei quando este se banhava, ao mesmo tempo que lhe recreava o espírito com alegres conversas e honestas anedotas. Um dia, como estivesse no banheiro um jovem pajem chamado Estéfano, muito desajeitado e feio de cara, mas de voz agradável quando cantava, disse ele ao rei: "Queres tu, Sire, que experimentemos a virtude da nafta em Estéfano? Se o fogo pegar e não se extinguir, direi que sua força é grande e invencível". O pajem ofereceu-se para a experiência e, assim que a nafta lhe foi lançada, o fogo tomou-lhe o corpo inteiro, deixando Alexandre penalizado e perplexo. Felizmente, várias outras pessoas estavam no banheiro e intervieram com vasilhas cheias d’água, pois no contrário não teriam podido socorrer o pajem a tempo de evitar que as labaredas o sufocassem e queimassem. Ainda assim, tiveram muito trabalho para apagar o fogo e o pajem foi gravemente atingido. Não é pois sem aparência que alguns, querendo que a fábula de Medeia tenha sido coisa verdadeira, dizem que a droga com que ela esfregou a coroa e o véu que deu à filha de Creonte, como é tão mencionado pelas tragédias, seria esse licor de nafta, porque nem a coroa, nem o véu podiam lançar o fogo de si mesmos, nem tampouco fora o fogo ali ateado por si mesmo, mas, tendo sido a aptidão de se inflamar provocada ali por essa fricção de nafta, a atração da flama foi tão pronta e tão subitânea que não se percebeu à primeira vista. Os raios e fluxos que saem do fogo, quando vêm de longe, lançam aos outros corpos a luz e o calor somente; mas aqueles que têm secura ventosa ou humor gorduroso e ao mesmo tempo grudento, não procurando por natureza senão alumiar-se e fazer fogo, alteram eles facilmente e inflamam a matéria que aí encontram preparada.

LXVII. Mas existem dúvidas quanto à maneira pela qual ele se engendra1218 ou, antes, se essa matéria líquida e aquele humor que assim se inflama facilmente surge e corre da terra de natureza gordurosa e prestes a fazer fogo. Toda a região dos arredores de Babilónia é muito ardente, de maneira que muito frequentemente os grãos de cevada esmigalhada saltam no ar e estalam muitas vezes, como se a terra, pela veemência do calor, tivesse pulso para fazê-los saltar. Nos grandes calores de estio, os homens ali dormem sobre grandes sacos de couro cheios de água fresca. Harpalo, que Alexandre ali deixou como seu lugar-tenente e governador do país, desejando ornar e embelezar os jardins do palácio real, assim como as respectivas aléias, com todas as plantas da Grécia, conseguiu que vingassem, menos a hera, que a terra jamais quis receber, fazendo-a fenecer sempre, porque ela não podia suportar tão ardente temperatura, visto como por natureza prefere ar e país frio. Essas digressões estão um pouco fora de propósito, mas talvez não sejam desagradáveis aos leitores um pouco difíceis, por não serem demasiado longas.

LXVIII. Alexandre apodera-se de Susa

LXVIll. Tendo-se apoderado da cidade de Susa, Alexandre encontrou dentro do castelo quarenta mil talentos1219 em ouro e prata amoedada, além de inestimável quantidade de ricos e preciosos móveis, entre os quais dizem que havia trezentas mil libras de púrpura de Hermíona1220, ali amontoada e encerrada no espaço de duzentos anos, faltando para tanto apenas dez, e contudo ainda conservava a vivacidade de sua alegre cor, como se fosse inteiramente nova. E dizem que a causa de se ter assim conservado estava em haver sido a tinta feita com mel, nas lãs que outrora se tingiam de vermelho, e com óleo branco, nas lãs brancas. Veem-se las tingidas há tanto tempo que mantêm ainda o vigor do seu brilho nítido e reluzente. Dínon1221 escreve, ademais, que esses reis da Pérsia mandavam buscar I água dos rios Nilo e Danúbio, que encerravam com I outros magníficos tesouros, como para confirmar desse modo a grandeza do seu império e mostrar que eram senhores do mundo.

LXIX. Tornase senhor da Pérsia

LXIX. É a Pérsia um país de rudes entradas e ásperos caminhos, tanto por natureza como porque as passagens eram guardadas pelos melhores homens ali nascidos. Como o rei Dário, fugindo à batalha, se internasse na região, um homem que falava a língua grega e a persa, filho de pai natural da Lícia e de mãe persa, conduziu Alexandre ao interior por um desvio e circuito de caminho, não longo demais, segundo predissera outrora a profetisa Pítia, quando ele era ainda criança: um lício o guiaria e conduziria ao encontro dos persas. Houve então grande matança de prisioneiros, e escreve o próprio Alexandre que, julgando tal coisa favorável a seus negócios, mandou passar todos os homens a fio de espada. Sustentasse que encontrou tanto ouro e prata amoedada, como também acontecera na cidade de Susa, que mandou transportá-lo, com o resto dos preciosos móveis e toda a fortuna real, por dez mil muares e cinco mil camelos. Mas, entrando no castelo da cidade capital da Pérsia, viu por acaso uma grande estátua de Xerxes, derrubada involuntariamente pela multidão dos soldados. Deteve-se muito simplesmente e, falando-lhe como se ela tivesse senso e vida, disse: "Não sei se devo ir além sem te repor no lugar, por causa da guerra que outrora fizeste aos gregos, ou se devo mandar que te levantem, em atenção à tua magnanimidade e outras virtudes". Finalmente, após haver demorado longo tempo a pensar, sem proferir palavra, passou adiante e, como quisesse refazer um pouco seu exército, cansado e exausto, mesmo porque era tempo de inverno, ah permaneceu durante quatro meses inteiros. Dizem que a primeira vez que ele sentou no trono real, sob um céu de ouro, Demarato de Corinto, que por herança de seu pai Felipe lhe dedicava amizade e benevolência, pôs-se a chorar de alegria, como bom velho que era, dizendo que os gregos falecidos estavam privados da fortuna de ver Alexandre sentado no trono real de Xerxes.

LXX. O palácio de Xerxes incendiado por instigação de Taís

LXX. E depois, como se preparasse para marchar ainda contra Dano, ofereceu um dia um banquete e tão intimamente se divertiu com seus jovens amigos durante o festim que até as concubinas de seus familiares compareceram com os amigos, destacando-se entre elas a famosa Taís, natural da África e amante de Ptolomeu, que após a morte de Alexandre foi rei do Egito. Essa Taís, ora louvando Alexandre com habilidade, ora gracejando com ele à mesa, chegou a dirigir-lhe um discurso muito de acordo com o natural afetado de seu país. mas de muito maior consequência do que lhe cabia, dizendo que naquele dia se achava inteiramente recompensada dos sofrimentos a que estivera sujeitai quando acompanhou o exército por toda a Ásia pois tinha a fortuna de divertir-se à vontade dentro do palácio dos grandes reis da Pérsia. Muito maior prazer experimentaria ainda em incendiar, como passatempo, a casa de Xerxes, que ateou fogo a Atenas. Encarregar-se-ia ela própria da tarefa, ante os olhos de um príncipe como Alexandre para que no futuro dissessem que as mulheres que o acompanhavam tinham vingado melhor a Grécia dos males que no passado lhe foram causados pelos persas do que jamais o fizeram todos os capitães gregos por mar e por terra. Logo que terminou esse discurso, os favoritos de Alexandre e assistentes a aplaudiram com salvas de palmas e, com grande alando de alegria, disseram que a ideia era a melhor do mundo e incitaram o rei a pô-la em execução. Levado pelas instigações, Alexandre levantou-se e, colocando à cabeça a coroa de flores, empunhou uma tocha ardente e foi o primeiro a marchar, seguido dos favoritos que dançavam e gritavam em volta do castelo. Os outros macedônios, tendo ouvido a notícia, acorreram incontinente com tochas e lanternas acesas. Demonstravam grande regozijo, porque estavam certos de que isso era sinal de que Alexandre pretendia retornar à pátria. Se ele incendiava e destruía assim o castelo real, é porque não desejava permanecer entre os bárbaros. Eis como se afirma que teve início o incêndio, embora haja os que digam que não foi assim, por divertimento, mas por deliberação do conselho. Como quer que fosse, reconhecem todos que ele logo se arrependeu e mandou extinguir o fogo.

LXXI. Liberalidades de Alexandre

LXXI. Liberal por natureza e gostando de fazer presentes, acentuou-se nele esse pendor à medida que lhe prosperavam os negócios. Esses gestos de generosidade eram então acompanhados de uma delicadeza que os tornava ainda mais agradáveis. Quero, a esse respeito, citar alguns exemplos. Ariston, coronel dos Peônios, após matar um inimigo, levou-lhe a cabeça a Alexandre, dizendo-lhe "Sire, este presente, em nosso país, é recompensado ! com uma copa de ouro". Alexandre riu-se e respondeu: "Sim, com uma copa vazia; mas eu, nesta que te dou, cheia de vinho, bebo à tua saúde". De outra feita, encontrou ele um pobre macedónio a conduzir um burro carregado de ouro do rei. Como o burro estivesse muito cansado e parecesse que não mais suportaria o peso, o macedónio tomou a carga | às costas e continuou caminho. Por fim, estava tão exausto que precisou largar o fardo no chão. Alexandre o viu, perguntou-lhe o que era aquilo e, depois de ouvi-lo, disse-lhe: "Não te canses tanto: leva a carga somente até à tua casa, pois ela é tua". Em suma, desgostava~se mais com aqueles que não queriam receber do que com os que lhe pediam. Escreveu a Fócion que deixaria de considerá-lo amigo se recusasse os presentes que lhe fazia. Ocasionalmente, nada havia dado a um jovem chamado Serapião, que lançava a péla aos que jogavam; e a causa é que ele nada lhe pedira. Como um dia o rei viesse para jogar, o rapaz atirou a péla a todos os outros, menos a ele. Afinal, Alexandre perguntou-lhe: "E a mim, não me dás? Respondeu: "Não, Sire, porque não me pedes". Logo percebeu Alexandre o que ele queria dizer e pondo-se a rir, fez-lhe depois muitos presentes. Havia em seu séquito certo Próteas, homem brincalhão, que sempre o divertia. Mas um dia aconteceu que Alexandre se irritou contra ele. Os amigos intercederam, pediram perdão ao rei e ele próprio o fez, com lágrimas nos olhos. Alexandre disse que lhe perdoava, ao que Próteas replicou: "Então, Sire, dá-me o penhor do teu perdão". Mandou o rei imediatamente que lhe dessem cinco talentos1222.

LXXII. Quanto aos bens que distribuía e às riquezas que repartia entre os familiares e guardacostas, pode-se evidentemente conhecer que eram muito grandes por uma carta missiva que sua mãe Olímpia lhe escreveu um dia, onde há estes próprios termos: "Sou de opinião que deves presentear de outro modo teus familiares amigo s e que os mantenhas com honra ao pé de ti; mas tu os fazes iguais aos grandes reis e lhes dás os meios de fazerem muitos amigos tirando-os de ti mesmo". E, como a mãe lhe escrevesse frequentemente cartas semelhantes sobre o mesmo assunto, ele guardava-as secretamente sem comunicá-las a ninguém. Um dia, contudo, ao abrir uma, Heféstio estava presente e se aproximou, como de hábito, e leu-a com ele. Alexandre não o impediu, mas, terminada a leitura, tirou do dedo o anel com o qual selava e carimbava as cartas e levou o sinete à boca de Heféstio. Deu ao filho de Mazeu, que era o maior personagem entre os favoritos de Dário, outro governo além do que ele possuía e ainda maior do que o primeiro. O jovem senhor recusou-o, dizendo: "Como, Sire, antes havia um só Dário, e agora tu fazes vários Alexandres". Ele deu também a Parmênion a casa de Bagoas, na qual havia móveis somente de Susa, por mil talentos1223. Mandou dizer a Antípater que tomasse cuidado com sua pessoa, porque havia inimigos e malfeitores que o espiavam. Também à sua mãe enviou vários belos e grandes presentes, mas lhe pediu que não se envolvesse em seus negócios e nem se atribuísse as funções de um capitão: como ficasse furiosa, ele suportou pacientemente a aspereza de sua fúria. Um dia, Antípater escreveu-lhe longa carta contra ela. Depois que a leu, ele disse: "Antípater não compreende que uma só lágrima de mãe anula dez mil cartas dessa espécie".

LXXIII. Repreende os oficiais por seu luxo excessivo

LXXIII. Tendo percebido que os cortesãos se tornavam muito dissolutos, imoderados nos prazeres e supérfluos nos gastos, repreendeu-os doce e prudentemente. Hágnon de Teio1224 usava pregos de prata nos chinelos; Leonato mandava carregar por vários camelos, em sua bagagem, fardos de pó do Egito, para usá-lo somente quando lutava o se entregava a outros exercícios pessoais; Filotas para caçar, usava telas de doze mil e quinhentos passos de comprimento; e havia os que usavam preciosos perfumes e essências aromáticas quando se banhavam e vaporizavam, em lugar de usarem óleo simples para untar-se, e levavam delicados criados de quarto para friccioná-los no banho e para fazer-lhes as camas. Disse-lhes então Alexandre: "Muito me admira que, tendo combatido tantas vezes e em tão grandes batalhas, não vos lembreis de que aqueles que trabalham dormem mais suavemente e melhor do que os que não trabalham. Não sei como não percebeis, comparando com a dos persas a vossa maneira de viver, que a vida luxuosa é coisa servil, ao passo que o trabalho é coisa real. Como poderia tratar do próprio cavalo, lustrar a lança e o capacete, aquele que por efeminada preguiça desdenha ou se desacostuma de empregar as próprias mãos para esfregar o corpo? Não sabeis que a nossa maior vitória consiste em não fazer o que faziam aqueles que vencemos e derrotamos?" E, para incitá-los pelo exemplo a trabalhar, esforçava-se mais do que nunca na guerra e na caça, arrostando ainda mais aventurosamente toda sorte de perigos. Certa vez, um embaixador da Lacedemônia, vendo-o enfrentar e abater um grande leão, disse-lhe: "Certamente lutaste tão bem contra esse Leão, Sire, para disputar-lhe a realeza". Crátero, mais tarde, mandou colocar essa caça no templo de Apolo, em Delfos, o nde estão as estátuas do leão, dos cães, do rei combatendo o leão e dele próprio ao socorrê-lo. Todas essas estátuas são de cobre, umas feitas pela mão de Lisipo e as outras pela de Leócares.

LXXIV. Amizade afetuosa de Alexandre, cordialidade testemunhada aos amigos

LXXIV. Assim Alexandre, tanto para exercitar sua pessoa na virtude como para incitar os amigos a fazerem o mesmo, expunha-se a tais perigos. Mas os familiares, cumulados de bens e riquezas, queriam viver no luxo sem trabalhar, de medo que lhes pesava continuar errando pelo mundo, entre uma guerra e outr a. Começaram então, pouco a pouco, a murmurar e a dizer mal dele. A princípio, Alexandre tolerou-os pacientemente, por achar que era coisa digna de um rei ser censurado e criticado por fazer o bem. Todavia, nas menores demonstrações aos amigos, testemunhava-lhes cordial amizade e grande deferência. Disso quero dar aqui alguns exemplos. Peucestes escreveu a seus amigos contando que fora mordido por um urso, — mas nada lhe mandou dizer a esse respeito. Alexandre ficou magoado e lhe escreveu: "Manda-me dizer ao menos como estás passando agora e se alguns daqueles que caçavam contigo te abandonaram no perigo, a fim de que sejam punidos". Tendo-se Heféstio ausentado da corte para negócios, escreveu-lhe dizendo que, enquanto eles se divertiam em dar combate a uma fera chamada ícnêumon, Crátero tivera a infelicidade de ser ferido em ambas as coxas pelo dardo de Pérdicas. Como Peucestes tivesse escapado de grave moléstia, escreveu Alexandre a Alexipo, médico que o curara, para agradecer-lhe. Certa noite, estando Crátero doente, teve ele certas visões que o levaram a fazer sacrifícios para que o amigo recuperasse a saúde, e recomendou-lhe que fizesse o mesmo; e, como o médico Pausânias lhe quisesse dar um remédio com heléboro, escreveu-lhe cartas mostrando-se preocupado e advertindo-o de que deveria tomar muito cuidado ao recorrer a esse medicamento. Mandou prender Efíaltes e Cisseu, quando denunciaram a fuga e a retirada de Harpalo, por achar que a acusação era caluniosa. Tendo mandado fazer uma lista de velhos e doentes, para aposentá-los, certo Euríloco de Ege fez-se arrolar entre os enfermos; mais tarde, verificou-se que estava são, tendo então confessado que assim procedera para acompanhar uma jovem chamada Telesipa, por quem se apaixonara e que voltava por mar para os Países-Baixos. Alexandre perguntou de que condição era essa mulher e lhe foi respondido que era uma cortesã de condição livre. "Então, disse ele a Euríloco, desejo favorecer teu amor, mas não posso fazê-lo à força1225: procura fazer com que ela, por meio de presentes ou boas palavras, resolva de bom grado ficar, pois é de condição livre".

LXXV. Coisa admirável é que ele se desse ao trabalho de escrever aos amigos até sobre os fatos mais insignificantes. Assim, escreveu para Cilicia, por causa de um criado de Selêuco, que fugira, pedindo que se empenhassem em procurá-lo. Em outra missiva, louvou Peucestes por ter recapturado Nícon, escravo de Crátero. A Megabizo, outro servo que se refugiara num templo, também enviou cartas ordenando que o fizessem sair dali para prendê-lo, mas sem tocá-lo antes disso. Dizem que a princípio, quando presidi a aos julgamentos criminais, enquanto o acusador fazia o libelo, tapava com a mão um dos ouvidos, para conservá-lo puro e preservá-lo de toda impressão caluniosa, pois queria ouvir também a defesa e as justificações do acusado. Mais tarde, porém, a enorme quantidade de acusações feitas em sua presença irritou-o e tornou-o áspero, a ponto de acreditar nas acusações falsas por causa do grande número das verdadeiras. Mas o que mais o deixava fora de si era ouvir dizer que tinham falado mal dele. Tomava-se então cruel, sem querer perdoar, pois amava mais a glória do que o império e a própria vida.

LXXVI. Persegue Dário com grande celeridade

LXXVI. Saindo de novo em perseguição a Dário, pensou que este ainda quisesse combater; mas, informado de que Besso o prendera, permitiu que os tessálios regressassem, após terlhes feito presente de dois mil talentos1226 além do soldo e do pagamento ordinário. Nessa perseguição a Dário, que foi longa, laboriosa e difícil, pois em onze dias fez bem a cavalo umas duzentas e seis léguas1227, de tal maneira que a maior parte de sua gente estava exausta, inclusive pela falta d’água, encontrou ele um dia alguns macedônios conduzindo muares com uma carga de odres de água que tinham ido buscar num rio. Como vissem que Alexandre morria de sede, sendo já cerca de meio-dia, para ele acorreram apressadamente e deram-lhe de beber dentro de um capacete. Ele perguntou-lhes para quem levavam aquela água, ao que responderam que para seus filhos: "Mas, enquanto viveres, Sire, poderemos ter outros, se perdermos estes". Tendo ouvido essas palavras, pegou o capacete e, olhando ao redor, quando todos os soldados que o seguiam estendiam o pescoço para espiar a água, devolveu-a sem beber e agradecendo aos que a tinham presenteado: "Se eu beber sozinho, disse, estes perderão a coragem". Admirando-lhes o gesto, os cavaleiros pediram-lhe em altas vozes que ele os conduzisse ousadamente e, pondo-se a instigar os cavalos, disseram que não estavam cansados e que já não tinham sede. Não se julgavam mortais em companhia de tal rei.

LXXVII. Morte de Dário

LXXVII. Era a boa vontade de segui-lo igual em todos, todavia, uns sessenta somente chegaram com ele até o acampamento do inimigo, onde por cima de muito ouro e prata que jazia por terra, esparramado pelo meio do campo e passando além de vários carros cheios de mulheres e crianças, que encontraram no meio do acampamento, fugindo a esmo, sem um condutor que os levasse, partiram a toda brida até alcançar os primeiros fugitivos, pensando que Dário devia estar entre eles, e tanto fizeram que por fim o encontraram, com dificuldade, estendido dentro de um carro, tendo o corpo ferido por vários golpes de dardos e de flechas estando prestes a exalar o último suspiro, no entretanto, pediu de beber e Polistrato lhe trouxe água fresca, que ele bebeu; disse-lhe, depois de ter bebido: "Esta é a última das minhas desgraças, meu amigo, porque depois de ter recebido de ti este favor, não tenho os meios para retribuí-lo: mas Alexandre dar-te-á a recompensa e os deuses, a Alexandre, pela bondade, mansidão e humanidade de que usou para com minha mãe, minha mulher e meus filhos, cuja mão eu te peço que apertes, por mim". Dizendo estas últimas palavras, tomou a mão de Polistrato e morreu em seguida. Alexandre chegou logo depois e mostrou que evidentemente muito sentia a sua desdita tirando seu manto, cobriu com ele o corpo e nele o envolveu. Depois, tendo encontrado Besso, prendeu-o, fê-lo esquartejar, por meio de duas árvores altas e flexíveis que fez dobrar uma para a outra; amarrou a cada uma delas uma parte do corpo, depois deixou-as. voltar à posição natural, com tal violência que el as levaram cada qual a sua parte.

LXXVIII. Bucéfalo perdido e recuperado

LXXVIII. Em seguida fez embalsamar e amortalhar pomposamente o corpo de Dário, mandando-o à sua mãe e recebeu seu irmão Exateres no número de seus amigos1228 : depois, com a fina flor do seu exército dirigiu-se ao país dos hircanianos, onde viu o sorvedouro do mar Cáspio, que lhe não pareceu menor do que o do mar do Ponto, mas é-lhe a água bem mais doce do que a dos outros mares. Nunca se pôde saber ao certo o que era, nem de onde vinha; o que lhe pareceu, porém, mais próximo da verdade, é que aquilo era uma regurgitação dos mares Meótidos. Todavia, os antigos filósofos naturais parecem ter sabido da verdade a esse respeito: pois vários anos antes da viagem e das conquistas de Alexandre, eles escreveram, que dos quatro principais sorvedouros do mar que vem do Oceano e entram no seio da terra, o mais setentrional é o do mar Cáspio, ao qual chamam também de mar Hircaniano: mas, passando por esse país alguns bárbaros, repentinamente atacaram aos que levavam Bucéfalo, o cavalo de batalha de Alexandre e dele se apoderaram; com isso ele ficou tão encolerizado que mandou publicar por meio de um arauto aos habitantes da região, que os passaria todos a fio de espada, até mesmo as mulheres e crianças, se não lhe restituíssem o cavalo: trouxeram-no então de volta e fizeram ainda mais: entregaram-lhe as cidades e suas praças e ele os tratou benignamente, pagou ainda o resgate de seu cavalo aos que o haviam trazido.

LXXIX. Alexandre bate os citas

LXXIX. Saindo dali, entrou na província dos partos, onde, estando à vontade, passou a se trajar à mane ira dos bárbaros, quer porque queria acostumar-se aos usos e costumes do país, julgando não haver melhor meio para conquistar o coração daqueles homens, do que habituar-se à sua maneira de viver, quer porque queria sondar e experimentar; a vontade e o ânimo dos macedônios, a fim de saber como eles aceitariam a mudança que ele queria introduzir, da adoração, isto é, reverenciar inclinando-se diante do rei, acostumando-os assim, pouco a pouco, a tolerar a modificação e a mudança de sua maneira de viver, embora, logo no princípio ele não tivesse tomado as vestes dos medas, que eram excessivamente esquisitas e de todo bárbaras; pois ele não usava calções, nem vestes com cauda arrastando pelo chão, nem chapéu alto e pontudo. mas tomou um hábito misto, entre o dos medas e o dos persas, mais modesto do que aquele e mais pomposo do que este; e no princípio só o usava quando tinha que falar com algum bárbaro ou na intimidade de sua família, com amigos: mas ao depois, apresentou-se em público com esse vestuário, passando pelo acampamento, pelos campos e mesmo dando audiência pública, o que causou grande desagrado aos macedônios: eles, porém, tinham sua virtude em tão grande admiração, que julgavam razoável, se lhe concedesse poder também fazer outras coisas, para seu prazer e segundo sua vontade; num dos choques sustentados por ele anteriormente, recebera um golpe de flecha, que lhe fraturou o osso da perna e de outra feita, recebeu uma pedrada na nuca que lhe causou um enfraquecimento da vista, durante muito tempo e, no entretanto, ele não deixou de se expor ainda a todos os perigos, sem se poupar, absolutamente: passou ainda o no de Orexartes, que ele julgava ser o Tanais, derrotou os citas, expulsou-os, perseguindo-os por mais de cinco léguas, embora estivesse sofrendo de uma forte diarreia.

LXXX. Da lenda das Amazonas

LXXX. Foi então que disseram que a rainha das Amazonas veio ter com ele; assim o escreveram a maior parte dos historiadores, como CHtar-co, Polícrito, Onesícrito, Antigenes e Hister: mas Caies, o Introdutor, Ptolomeu, Anticlides e Filon, o Tebano, Felipe, o Introdutor1229, e além destes ecateu, Eretriano, Felipe Calcidio e Duris, o Samio, dizem que tudo isso é falso e inventado, para passatempo apenas e parece que Alexandre mesmo, disso dá o seu testemunho: porque, escrevendo detalhadamente tudo a Antípater, segundo as coisas se passavam, ele lhe diz que o rei da Cítia lhe queria dar a filha em casamento, mas ele não faz menção alguma de Amazonas: e diz-se que muito tempo depois, Onesícrito leu a Lisímaco, que já era rei, o quarto livro da sua história, onde está narrado este conto das Amazonas e que Lisímaco, sorrindo, disse-lhe: "E eu, onde estava naquele tempo?" Por esse motivo, porém, não se terá maior estima de Alexandre, acreditando nesse fato, nem por não se acreditar sua estima ficará diminuída.

LXXXI. Em arenga às tropas, concita-as a prosseguir na conquista da Ásia

LXXXI. De resto, temendo que os macedônios, enervados por essa longa guerra, não quisessem ir adiante, deixou para trás o resto dos homens do seu exército e tomou consigo somente vinte mil soldados de infantaria e três mil de cavalaria, que constituíam a fina flor do seu exército, com os quais entrou no país da Hircânia e lá fez-lhes um discurso, no qual lhes disse que as nações bárbara da Ásia só os tinham visto em sonho, por assim dizer e se eles se retirassem para a Macedónia, de pois de ter apenas agitado e não dominado completamente e subjugado a Ásia, os povos irritados iriam contra eles à sua volta, como as mulheres; todavia, ele dava a permissão de se irem aos que desejavam se retirar, protestando, no entretanto, contra aqueles que o fizessem, preferindo abandoná-lo numa alternativa difícil, a ele, aos seus amigos e a todos os que eram animados de coragem, antes de segui-lo em tão gloriosa empresa, na qual se tratava de submeter toda a terra habitável no império dos macedônios. Isso também está relatado, quase nos mesmos termos na carta que Alexandre escreveu a Antípater, onde ele diz além do mais que, tendo-lhes falado desse modo, eles se puseram a gritar em voz alta, que os levasse para onde muito bem entendesse. Quando estes aderiram à sua iniciativa foi-lhe, ao depois, muito fácil conquistar o resto do povo, que seguiu sem dificuldade o exemplo dos maiores.

LXXXII. Desposa Roxana

LXXXII. Por isso, ele conformou-se ainda mais com a maneira de viver dos do país e reciprocamente, também os costumes dos do país com os da Macedónia, estando persuadido de que por meio dessa mistura e por essa adaptação de modos de viver e de agir, as coisas se encaminhariam melhor e em boa paz, união e concórdia, mais pela amizade que pela força, quando ele estivesse longe do território da Pérsia. Por esse motivo mandou escolher trinta mil crianças do país, às quais fez ensinar a língua grega, educar e exercitar nas armas segundo a disciplina da Macedónia, dando-lhes vários mestres para as instruir, numa e noutra. O casamento com Roxana, foi obra de namoricos, porque dela se apaixonou num banquete onde a viu, achou-a bela, segundo o seu gosto e de fácil conquista: mas julgou-se conveniente para o bem de seus negócios que fosse ele feito após prudente deliberação do conselho, porque os bárbaros teriam mais confiança nele, quando vissem que com eles contraía aliança de matrimonio e o teriam amado muito mais do que antes, que, tendo-se mostrado sempre muito continente em tais coisas, não quisera tocar naquela jovem senhora, por cujo amor somente ele se tinha declarado vencido, senão depois de legítimo casamento.

LXXXIII. Dirime uma divergência entre Heféstio e Crátero

LXXXIII. Acontecia, porém, que, dos dois aos quais ele amava com mais afeto, Heféstio, achava bom o que ele fazia a esse respeito e que se vestisse como ele, mas Crátero, ao contrário, conservava sempre as maneiras de viver de seu país; Alexandre tratava de seus negócios e comerciava com os bárbaros, por meio daquele e com os gregos e os macedônios, por meio deste: em suma, ele amava mais a um e honrava mais ao outro, dizendo mesmo que Heféstio amava Alexandre e Crátero amava o rei. Por esse motivo, estes dois indivíduos não se davam um cem o outro e viviam constantemente em rixas, a ponto de, certa vez, na índia chegarem a lançar mas das espadas e a desembainhá-las, um contra o outro, obrigando seus amigos a acorrerem em auxílio, de ambos os lados; Alexandre, porém, em público, diante de todos, recriminou asperamente a Heféstio, chamando-o de louco e insensato, de não saber que se Alexandre o destituísse ele não seria mais nada: mas em particular, à parte, repreendeu também severamente a Crátero e reunindo a ambos, fê-los fazer as pazes, jurando por Júpiter Âmon e por todos os quatro deuses, que eles eram os dois homens aos quais ele estimava, mas, no entretanto, avisava-os de que se soubesse que ainda andavam de rusgas, mataria a ambos, ou pelo menos, àquele que começara a questão: e assim, desde aquele instante, narra-se, que nada mais fizeram nem disseram um ao outro, nem mesmo por gracejo.

LXXXIV. Pilotas torna-se suspeito a Alexandre

LXXXIV. Filotas, filho de Parmênion, tinha grande prestígio entre os macedônios, porque era homem valente, paciente, liberal e amava os seus súditos, mais que qualquer outro senhor, depois de Alexandre. A este propósito conta-se, que certa vez um de seus amigos pediu-lhe dinheiro: ele ordenou logo ao seu tesoureiro que lho entregasse O tesoureiro respondeu-lhe que não havia mais: ele então replicou: "Que estás dizendo? Não há mais? Não há nem baixelas, nem vestes, que se possam vender ou trocar, para obtê-lo?" Mas, de resto, era Ião altivo e tão importuno em fazer ostentação de suas riquezas, vestindo-se com muito luxo e apresentando-se com muito mais opulência e fausto, do que convinha a um homem particular, que se tornava odioso, porque imitava com falsas insígnias o grande e o magnífico, com pouco senso e graça, pelo que, por sua estultície tornou-se suspeito e invejado, por todos, a tal ponto que seu próprio pai lhe disse um dia: "Meu filho, faze-te menor". Ele já havia sido, há algum tempo, acusado perante Alexandre: de fato, quando a bagagem do exército de Dano, que estava na cidade de Damas, foi tomada, depois da batalha da Cilicia, vários prisioneiros foram também levados ao campo de Alexandre e dentre estes, uma jovem da corte, natural da cidade de Pidna1230, de lindo rosto, chamada Antígona. Filotas conseguiu apoderar-se dela e dela também se apaixonou; banqueteando-se, em sua companhia, deixou escapar da boca muitas vezes palavras de louvor e de vanglória, atribuindo a si mesmo e a seu pai a maior parte dos feitos de armas, realizados naquela guerra, chamando a todo momento a Alexandre de, esse moço, e dizendo que por meio deles, é que ele possuía o título e o nome de rei. Tal mulher contou este fato a um de seus familiares e este, como acontece sempre, a um terceiro, até que chegou aos ouvidos de Crátero, o qual tomou a mulher e a levou à presença de Alexandre, que a ouviu, e ordenou-lhe que continuasse a frequentar a casa de Filotas, a fim de poder informá-lo de tudo que ele dizia. Filotas, nada sabendo da cilada, tinha Antígona sempre junto de si e continuava a dizer as mesmas palavras tolas e indiscretas, contra o rei, às vezes por raiva e às vezes por vanglória: mas Alexandre, embora tivesse essa prova convincente e a acusação contra Filotas, dissimulou no momento, não dando demonstração alguma, quer pela certeza que tinha do amor e da benevolência que o Parmênion lhe consagrava, quer pelo temor que tinha de seu poder e grande autoridade.

LXXXV. Ele oculta a conjuração formada por Limno (Dimno) contra Alexandre

LXXXV. Por esse mesmo tempo, um certo macedónio de nome Limno1231, nascido na cidade de Calestra1232, desejava com grande solicitude matar a Alexandre; ele nutria grande afeto por um jovem de nome Nicômaco, ao qual rogou, o ajudasse a levar adiante a sua empresa: o moço recusou-se e manifestou a tentativa de suborno ao próprio irmão, que se chamava Balino1233 o qual foi ter com Filotas, para que o levasse à presença de Alexandre, porque tinha algo de grande importância e muito urgente a lhe relatar. Filotas não os deixou falar com o rei, não se sabe porque, dizendo que ele estava ocupado, com alguns assuntos de urgência; por essa razão eles dirigiram-se a um outro1234, que os levou ao rei, ao qual expuseram antes o fato da conspiração de Limno e depois, que se tinham também dirigido a Filotas, por duas vezes e que ele não se interessara em introduzi-los nos aposentos reais, para que lhe pudessem falar. Esse fato deixou Alexandre muito irritado, e ainda mais porque aquele que ele mandara prender Limno, matou-o, quando ele quis defender-se para não se deixar agarrar, pois teria perdido uma grande oportunidade de desvendar totalmente toda a conspiração.

LXXXVI. Morte de Pilotas e de Parmênion

LXXXVI. Por mais que ele mostrasse mau rosto a Filotas, este continuava a incitar a todos os que há muito tempo lhe queriam mal, os quais1235, começaram a dizer abertamente, que já tinham esperado demais por um rei, porque não se devia crer que esse Limno Calestriano, jamais tivera a ousadia de empreender tal conspiração, que ele apenas era o ministro, ou, melhor, o instrumento manejado por um poder muito maior do que o dele e que se devia indagar da conjuração, daqueles que tinham tão grande interesse em ocultá-la. Tendo Alexandre prestado ouvido a estas palavras e acreditando nestas acusações, surgiram também mil calúnias contra Filotas, de modo que ele foi preso e torturado na presença de outros familiares do rei, aos quais ele confiou a incumbência de instaurar o processo, estando, porém, ele, escondido por trás de uma cortina, para escutar tudo o que se dizia; contasse que então, ouvindo as palavras covardes que ele dirigiu a Heféstio, suplicando-lhe que tivesse pena dele e os rogos vis e baixos que lhe fez, disse consigo mesmo: "Cáspite! Tendo um ânimo tão frouxo e tão cobarde, Filotas, como ousaste empreender tão grandes coisas?" E assim foi Filotas condenado à morte: logo depois da execução, Alexandre mandou com urgência ao reino da Média, alguns homens para que matassem também a Parmênion, que era seu lugartenente, e havia auxiliado a Felipe, na maior parte dos seus principais afazeres, e que sozinho ou mais que qualquer outro dos antigos servidores de seu pai, tinha incitado Alexandre a empreender a viagem da conquista da Ásia e dos três filhos que havia levado consigo, tinha visto morrer dois na sua presença e depois foi morto com o terceiro. Esta execução, tornou Alexandre temível a vários dos seus amigos, mesmo a Antípater, ao qual mandou secretamente aos etólios tratar de uma aliança com eles, os quais também temiam a Alexandre, por terem destruído os oeniades1236 : Alexandre, tendo sabido disto, disse que não seriam os filhos dos oeniades, mas ele mesmo, que se vingaria dos etólios.

LXXXVII. Assassínio de Clito

LXXXVII. Não muito tempo depois, deu-se também o assassínio de Clito, o qual ouvindo-o narrar pura e simplesmente, parece-nos ainda mais cruel que o de Filotas; considerando-se ao mesmo tempo, a causa e o tempo em que sucedeu, veremos que não foi de propósito deliberado, mas por acaso e por desgraça, tendo Alexandre sido levado pela ira e pelo vinho a causar a infelicidade de Clito: eis como o fato sucedeu: haviam chegado alguns homens do país do sul, da parte marítima, trazendo alguns frutos da Grécia, para Alexandre. Alegrandose por vê-los tão belos e frescos, chamou a Clito para mostrá-los e presenteá-lo também com alguns. Por acaso, naquele instante, Clito fazia sacrifícios aos deuses; deixou o sacrifício para lá ir: havia três carneiros sobre os quais já haviam sido feitas as costumeiras efusões, para serem imolados; estes seguiram-no; Alexandre vendo isso, consultou os adivinhos, Aristandro e Cleomante Lacônio, os quais disseram que era um mau presságio. Por isso ele ordenou que se sacrificasse imediatamente para a salvação de Clito, mesmo porque, três dias antes ele tivera, à noite, durante o sono, uma estranha visão, na qual vira Clito vestido de preto, sentado entre os filhos de Parmênion que já haviam morrido: no entretanto, Clito não terminou o sacrifício mas foi jantar no palácio do rei, que naquele dia tinha sacrificado a Castor e Pólux.

LXXXVIII. Beberam à saciedade nesse festim, durante o qual cantaram-se versos de um poeta de nome Pranico, ou como dizem outros, Pierion, compostos contra alguns generais macedônios, que há pouco tinham sido vencidos pelos bárbaros, para sua ignomínia e para manter a alegria entre os convivas; os velhos, porém, ficaram descontentes com isso e ofenderam o poeta que havia composto os versos e o músico que os cantara. Alexandre ao invés, e seus favoritos, muito se divertiram, ordenando ao cantor que prosseguisse: Clito, porém, que já estava um tanto tocado pelo vinho e era ainda por natureza um tanto irascível, arrogante e soberbo, irritou-se ainda mais, dizendo que não era justo nem decente injuriar-se assim, mesmo entre bárbaros e inimigos, aos infelizes generais macedônios, que valiam muito mais do que aqueles que se riam e zombavam deles, embora por infelicidade, lhes tivesse mesmo sucedido uma desgraça. Alexandre então, respondeu-lhe que, falando assim, advogava em seu favor, chamando covardia e pusilanimidade, infelicidade. Clito então, pondo-se de pé, replicou: "Mas esta minha covardia salvou-te a vida, a ti, que te dizes filho dos deuses, quando já havias voltado as costas à espada de Espitridates e o sangue que esses pobres macedônios derramaram por ti e as feridas que receberam combatendo por ti, fizeram-te tão grande, que não reconheces o rei Felipe por teu pai e queres a todo custo te fazeres filho de Júpiter Âmon". Alexandre ferido no íntimo por essas palavras, replicou incontinente: "Caramba!

Infeliz, que és! Pensas ficar impune pelas palavras que proferes continuamente contra mim, amotinando os macedônios" Clito replicou: "Nós, Alexandre, já somos bastante castigados, pois recebemos tal recompensa por nossos trabalhos e sacrifícios, que temos por bem felizes aqueles que morreram antes de ver os macedônios vergastados pelos azorragues dos medas e obrigados a rogar aos persas para ter acesso e entrada perante o rei.

LXXXIX. Clito continuava a proferir de cabeça alta, tais palavras e Alexandre, ao contrário, irritara-se e dizia-lhe injúrias; os mais idosos procuravam acalmar o tumulto; Alexandre voltando-se para Xenodoco Cardio e Artemio Colofonio perguntou-lhes: "Parece-vos que os gregos, entre os macedônios, são como semideuses, passeando entre animais selvagens" Mas Clito não cedia, nem diminuía a sua temeridade e continuava pedindo que Alexandre dissesse alto e publicamente o que tinha a dizer ou então não convidasse a ceiar com ele homens livres, que estavam acostumados a falar com franqueza, mas ficasse então com os bárbaros escravos, que adorariam o seu cinto persa e sua longa túnica branca. Alexandre, então, não podendo mais conter a cólera, tomou uma maçã que havia sido servida à mesa e arremessoulha à cabeça e procurou a espada, que Aristófanes1237, da sua guarda pessoal, havia-lhe propositalmente tirado; todos os outros se lhe puseram em redor para detê-lo, rogando-lhe que se acalmasse; mas ele precipitou-se para fora da mesa, chamando seus guardas em língua macedônica, o que era sinal de grande perturbação e ordenou a um trombeteiro que tocasse alarme; como ele se recusasse e parecesse não querer obedecê-lo, deu-lhe um violento soco; por essa razão o soldado ficou depois muito estimado, porquanto havia impedido que todo o acampamento se amotinasse. Clito, porém, não cedia e seus amigos com dificuldade o arrastaram para fora da sala: mas ele lá entrou por outra porta, pronunciando irreverentemente e com muita ousadia este verso da tragédia de Andrômaco, do poeta Eurípides:

Deixa que os costumes da Grécia se corrompam!

Alexandre então, tirando à força o dardo de um dos guardas, quando Clito vinha-lhe ao encontro1238, tendo já levantado a cortina que estava diante da porta, atravessou-lhe o corpo com um golpe violento, ele caiu, ali mesmo, por terra, com um suspiro e um grito, que lhe brotou dos lábios.

XC. Desgosto de Alexandre

XC. A cólera passou imediatamente e Alexandre ficou acabrunhado: vendo seus familiares em redor de si, sem dizer palavra, retirou o dardo do corpo, para ferir com ele a própria garganta; mas seus guardas imediatamente o agarraram, tirando-lho das mãos e o levaram contra a vontade para seu quarto, onde ele passou toda a noite e todo o dia seguinte chorando amargamente, até que, não podendo mais gritar nem chorar, ficou estendido no leito, soltando apenas profundos suspiros. Por esse motivo seus amigos, não lhe ouvindo mais a voz, tiveram medo e entraram à força no quarto para reconfortá-lo: mas ele não quis ouvir a ninguém, permitindo apenas que viesse Aristandro, o Adivinho, que lhe recordou a visão que tivera em sonho, referente a Clito, como presságio, do que tinha de acontecer; por isso devia-se pensar que aquilo era uma coisa fatal, predeterminada, antes mesmo que ele tivesse nascido. Parece que ele se reanimou ante essas palavras. Depois mandaram entrar t ambém a Calístenes, o Filósofo, discípulo de Aristóteles e Anaxarco, nativo da cidade de Abdera1239 ; Calístenes entrou mansamente, acercou-se do leito, sem dizer palavras que pudessem magoá-lo, procurando, cuidadosamente amenizar-lhe a tristeza.

XCI. Consola-o Anaxarco

XCI. Mas Anaxarco, que desde o princípio tinha sempre seguido um caminho diferente, no estudo da filosofia e tinha granjeado fama de ser um homem estouvado, desprezador de seus companheiros, entrando no quarto se pôs a gritar da porta em voz alta: "Eis ali Alexandre, o Grande, aquele que todo o mundo louva e teme agora. Ei-lo, por terra chorando como um escravo, do medo que tem das leis e da censura dos homens; como se não fosse ele mesmo quem dá as leis e lhes marca os limites no que é justo ou injusto, visto que ele venceu, para ser senhor e amo e não para servir a uma vã opinião. Não sabes que os poetas dizem, que Júpiter tem Temis, isto é, o direito e a justiça assentados a seu lado. Que significa isto senão que tudo o que o príncipe faz é santo, reto e justo?" Estas palavras de Anaxarco aliviaram no momento a dor do rei Alexandre, mas ao depois, tornaram seus costumes bem mais dissolutos em muitas coisas e muito mais violentos; e como por esse meio ele se insinuara maravilhosamente, ao depois, nas boas graças do rei, do mesmo modo, tornou a convivência de Calístenes, que por si mesmo não era muito agradável por causa da sua austeridade, ainda mais odiosa do que até então.

XCII. Altercação entre Anaxarco e Calístenes

XCII. A este propósito, conta-se que um dia, à ceia do rei, falou-se das estações do ano e da temperatura do ar e Calístenes, era da opinião dos que sustentavam que a região onde então se encontravam, era mais fria e que o inverno aí era mais rígido do que na Grécia. Anaxarco afirmava o contrário e contestava obstinadamente a opinião, tanto que Calístenes disse-lhe: "E bem que confesses, que faz mais frio aqui do que lá, pois tu passavas lá todo o inverno com apenas uma capa pobre e simples sobre as costas, e aqui, estás coberto com três mantos, um sobre o outro, quando estás à mesa". Esta tirada feriu ao vivo a Anaxarco e o deixou irritadíssimo: os outros homens de letras, retóricos e aduladores1240, também o odiavam, porque viam-no muito estimado, seguido e honrado pelos moços, por causa da sua eloquência e não menos amado pelos velhos, pela honestidade de sua vida, que era grave, venerável e resignada com o que possuía, sem jamais pedir coisa alguma. Sabia-se que a causa por ele alegada, pela qual seguia a Alexandre nessa viagem, era verdadeira: pois ele dizia que era para impetrar do rei, que os cidadãos exilados fossem recebidos novamente em sua pátria e sua cidade, repovoada e restaurada. Mas embora a boa reputação que ele tinha, fosse a causa principal da inveja que lhe votavam, ele mesmo também dava motivo aos que o invejavam e lhe queriam mal de caluniá-lo, porque ele recusava constantemente, o convite para jantar em casa do rei e se lá estava, não dizia uma palavra sequer, mostrando, por seu modo de proceder, por sua seriedade e taciturnidade, que tudo o que ali se fazia e se dizia não lhe agradava, de sorte que Alexandre mesmo certa vez lhe disse:

Eu odeio aquele que fez profissão de ser sábio.
E de fato não o foi, em seu proceder.

XCIII. Indiscrição de Calístenes, que se torna odioso aos macedônios e a Alexandre

XCIII. A este respeito conta-se ainda, que jantando um dia com o rei, alguns dos que também tinham sido convidados, pediram-lhe que fizesse de improviso um discurso em louvor dos macedônios, durante o jantar, e que ele falou sobre esse assunto, com tal eloquência que os ouvintes levantaram-se da mesa e bateram palmas aplaudindo-o e atirando flores e ramalhetes, sobre ele. Mas Alexandre, citou então os versos de Eurípides1241: Não é difícil falar bem e abundantemente,

Quando se tem um argumento belo e fértil.

"Mas, mostra-nos, outrossim, a tua eloquência, disse ele, censur ando os macedônios, a fim de que, conhecendo seus erros, emendem-se e cuidem de melhorar para o futuro". Então Calístenes, começou a dizer tudo ao contrário, expondo francamente várias coisas, em grande desdouro dos macedônios mostrando como a divisão e a dissensão dos gregos entre si, tinha sido causa do progresso de Felipe, citando estes versos:

Quando a discórdia reina numa cidade,
O mais mau ocupa o lugar da autoridade.

Por esse motivo ele suscitou contra si mesmo uma grande e sentida malevolência dos macedônios, de tal modo que Alexandre mesmo disse em seguida que jamais ele tinha dado tanta demonstração de sua eloquência como de sua malignidade e da má vontade que tinha para com os macedônios. Hermipo1242, historiador, escreve que um certo Estrebo, servidor de Calístenes, que lia diante dele, o referiu a Aristóteles e que Calístenes, vendo que Alexandre se tinha ofendido e lhe queria mal, repetiu duas ou três vezes estes versos de Homero, ao sair1243:

Patroclo, também morreu, o qual na virtude
Muito tinha te sobrepujado.

Pelo que se pode ver claramente, que Aristóteles julgou bem, quando disse que Calístenes, que era homem eloquente, mas que não tinha juízo. Na verdade, rejeitando forte e firmemente, como filósofo, a homenagem que se presta com a inclinação e a genuflexão na reverência ao rei e dizendo alta e claramente em público, o que os maiores homens de bem e os mais antigos macedônios não ousavam dizer senão ao ouvido, embora estivessem todos mui aflitos, ele livrou a Grécia de uma grande vergonha e a Alexandre, também, de outra maior, impedindo que ele insistisse em tal maneira de reverenciar, mas também perdeu-se a si mesmo, porque parecia que ele queria vencer o rei pela audácia e forçá-lo, em vez de convencê-lo pela razão.

XCIV. Os cortesãos de Alexandre o indispõem contra Calístenes

XCIV. Continuando este assunto, Caies de Mitilene deixou escrito que um dia num festim, Alexandre, depois de ter bebido, apresentou sua taça a um de seus amigos, o qual tomou-a e levantando-se, de pé, bebeu também; voltando-se depois para o altar doméstico, fazendo primeiro uma grande reverência, foi beijar Alexandre e depois voltou à mesa: o mesmo fizeram então os demais convidados um após outro, até que Calístenes tomou a taça, por sua vez, sem que o rei o notasse, pois estava conversando com Heféstio e depois de ter bebido, aproximou-se para beijá-lo como os outros haviam feito; mas, um certo Demétrio, apelidado Fidon, disse ao rei: "Não o beijes, Sire, pois ele foi o único que não te fez reverência": Alexandre voltou então o rosto para o outro lado a fim de não beijá-lo e então Calístenes exclamou bem alto: "Ora, com efeito, eu me vou embora, tendo um beijo a menos que os outros". Assim começou a malevolência contra ele a penetrar no coração de Alexandre, primeiro, porque ele acreditou no que disse Heféstio, isto é, que Calístenes lhe tinha prometido adorar e fazer a reverência a Alexandre, mas que faltara com a palavra; depois, um certo Lisímaco e um tal Agnon, bem como outros, deram ainda mais força à roda, dizendo que aquele filósofo partira, glorificando-se e vangloriando-se, como se tivesse derrubado e vencido um governo e todos os moços o seguiam, reuniam-se em torno dele, para honrá-lo, como o único dentre milhares de soldados, que tinha a alma franca e nobre. Por isso quando se revelou a Alexandre a conjuração de Hermolau contra ele, achou-se que a calúnia era verossímil, isto é, a que alguns falsos acusadores haviam lançado sobre Calístenes, que ele havia respondido a Hermolau, o qual lhe perguntara como se poderia tornar o homem mais célebre do mundo: "Matando aquele que é o mais célebre", e para incitá-lo a executar a conspiração tinha~lhe dito que ele não devia ter medo de um leito de ouro, mas lembrar-se de que tinha que se haver com um homem, que também como os outros às vezes ficava doente e às vezes era fendo, como qualquer outro.

XCV. Morte de Calístenes e Bemarato

XCV. Todavia, jamais um só dos cúmplices de Hermolau, por mais tormentos que os fizessem sofrer, para que dissessem quem eram seus companheiros, acusou a Calístenes; o mesmo Alexandre, narrando esse fato, logo depois, a Crátero, a Átalo e a Alcetas, disse que os servos torturados tinham sempre se obstinado em dizer que somente eles haviam conspirado e que nenhum outro havia tomado parte na conjuração. Mas depois, em outra carta que escreveu a Antípater, acusou também a Calístenes, dizendo: "Seus servidores foram lapidados pelos macedônios, mas eu castigarei o chefe, em seguida e os que mo mandaram e receberam e deram abrigo aos assassinos em suas cidades, os quais vinham de propósito, para me matar". Nela ele manifesta a má vontade que tinha contra Aristóteles, porque Calístenes tinha sido educado em sua casa; por causa do parentesco que havia entre eles, sendo Calístenes filho de Hero, sobrinha de Aristóteles. Dizem alguns que Alexandre o mandou enforcar e outros, que ele morreu de doença na prisão; todavia Cares escreve que ele foi conservado prisioneiro por sete meses, a fim de ser julgado em pleno conselho, estando presente o mesmo Aristóteles: mas, tornando-se muito gordo, morreu, por fim, da doença dos piolhos, mais ou menos no mesmo tempo em que Alexandre fora ferido, combatendo contra os mahos oxídracos, na conquista das índias, o que se deu algum tempo depois. Demarato, Coríntio, estando já no declínio da sua vida, adiantado em anos, teve desejo de ir ver Alexandre e tendo-o visto, disse que os gregos que haviam morrido antes, haviam sido privados de um singular prazer, isto é, o de não terem visto Alexandre sentado no trono real de Dário. Todavia não gozou por muito tempo da benevolência do rei, porque morreu de enfermidade, logo que chegou ao acampamento e foram-lhe prestadas magníficas honras fúnebres; todo o exército, em armas, levantou-lhe um montículo de terra, em forma de túmulo, cujo perímetro era bem grande, da altura de oitenta côvados. Suas cinzas logo depois foram levadas até a costa marítima sobre um carro puxado por quatro cavalos, equipado e adornado suntuosamente.

XCVI. Alexandre, prestes a partir para a índia, manda queimar os despojos e as bagagens inúteis

XCVI. Por fim, Alexandre estando para partir para a conquista das índias, percebeu que seu exército estava vagaroso, para se locomover, por causa da enorme quantidade de bagagem e despojos que levava consigo: por isso, certa manhã, quando os carros já estavam carregados, ele queimou antes os seus e depois os de seus amigos; em seguida ordenou que lançassem ao fogo também os dos soldados macedônios, cujo conselho pareceu mais perigoso de se resolver, do que a execução, que não foi difícil, porque mui poucos havia que estavam descontentes e a maior parte, como impelida e impulsionada por uma força invisível e divina, inspirados pelos deuses, com um clamor e um cântico de alegria, trocaram entre si, os objetos mais necessários, dos quais não se pode prescindir e depois queimaram e destruíram eles mesmos o resto. Isso animou e encorajou ainda mais a Alexandre, além de que ele já se havia tornado um tanto severo e castigava asperamente, sem perdoar, aos que cometiam alguma falta, tendo ordenado a Menandro, um de seus familiares, que reservasse para ele uma fortaleza, mandou matá-lo porque não quis ficar lá e matou também ele mesmo, a golpes de dardo, a Orsodate um oficial bárbaro, que se havia revoltado contra ele.

XCVII. Diversos presságios sobre o bom. Êxito de sua expedição

XCVII. Por aquele mesmo tempo, uma ovelha teve um cordeirinho, o qual nasceu com uma mancha parecida, na forma e na cor, com a coroa real, no alto da testa, coroa persa a que chamam Tiara, aos lados do qual havia dois testículos. Alexandre, recebeu este presságio com abominação e horror a ponto mesmo de se fazer purificar por alguns sacerdotes babilónios que ele costumava ter sempre junto de si para esse fim e disse aos seus amigos que tal presságio não o impressionava tanto por ele mesmo quanto pelos outros, temendo que os deuses, depois da sua morte, tivessem deliberado deixar cair o poder do seu império nas mãos de algum covarde e pusilânime. Todavia, um outro sinal e presságio, que sucedeu logo depois, tirou-lhe este temor e esta dúvida. Um macedónio chamado Proxeno, que cuidava dos bens reais, quando fazia umas escavações num lugar perto do rio de Oxo1244, para aí levantar a tenda e os aposentos do rei, descobriu uma fonte de um líquido grosso e oleoso; depois de a terem secado, surgiu ainda uma segunda, que em nada se diferenciava da primeira tanto no cheiro, no gosto e no sabor de óleo natural, com o brilho e a densidade tão semelhantes que não se podia encontrar diferença: o que mais ainda era de se admirar é que naquela região não havia oliveiras. Dizem ainda que a mesma água do rio de Oxo é muito leve, e deixa gordurosa a pele, daqueles que nele se banham ou nela se molham, todavia, pelo que Alexandre escreveu a Antípater vê -se que com isso muito ele se alegrou, considerando-o como um dos maiores sinais que os deuses lhe enviaram. Os adivinhos interpretaram-lhe esse presságio como sendo um sinal de que sua viagem seria gloriosa, mas difícil e árdua, porque os deuses, diziam eles, haviam dado óleo aos homens, para um revigoramento em suas atividades.

XCVIII. Toma a rocha de Sisímetres

XCVIII. Também correu ele alguns graves perigos e foi ferido várias vezes seriamente, combatendo, durante essa viagem. Mas as maiores perdas que ele sofreu em seus homens foi pela falta de víveres e pelo ar mefítico; ele, porém, esforçando-se por superar a sorte, com a ousadia e seu poder, com a virtude, nada julgava impossível a uma alma varonil e ousada, nem demasiado forte para uma coragem firme e segura. A este respeito diz-se que quando ele foi cercar a rocha de Sisímetro1245, que parecia inteiramente inacessível, de sorte que os mesmos soldados se desesperavam, ele perguntou a Oxiartes, qual o ânimo desse Sisímetro.

 Respondeu-lhe Oxiartes que ele era o homem mais covarde do mundo. "Está bem — retorquiu Alexandre — pois então a praça é expugnável, se for verdade o que tu dizes, porquanto aquele que a defende, não é homem de coragem", e de fato tomou-a pelo medo que causou a Sisímetro: depois sitiou uma outra, tão íngreme e difícil como esta; fazendo atacá-la por seus soldados macedônios, ele chamou um deles que tinha o nome de Alexandre, como ele e disselhe: "Hoje é preciso que te mostres homem de bem, pelo menos pelo nome que trazes". O moço não falhou, pois combateu com tanta coragem, que lá foi morto, o que muito entristeceu a Alexandre.

XCIX. Como recebe os embaixadores das cidades do país

XCIX. Outra vez, como seus homens tivessem receio de se aproximar da cidade de Nise1246, porque perto dela corre um rio mui profundo, ele apareceu na margem e disse: "Ó covarde que eu sou, que não aprendi a nadar?" E tentou atravessar o rio a nado, sobre seu escudo: depois de ter feito cessar o assalto, vieram a ele alguns embaixadores das cidades sitiadas, para lhe pedir perdão, os quais ficaram muito admira dos por ver o exército, de todas as armas, sem cerimonia, em redor de sua pessoa; mais, ainda, porém, quando, sendo-lhe trazido uma almofada, ele mandou ao mais velho dentre eles que se chamava Acufis, que a tomasse e se sentasse. Acufis, admirado por mais esta grande gentileza e cortesia, perguntou-lhe o que queria que eles fizessem, para sempre, para serem bons amigos. "Eu quero — disse ele — que aqueles em nome dos quais tu vens, em embaixada para mim te escolham como príncipe e que eles me mandem como reféns cem dos melhores homens dentre eles". Acufis se pôs a rir por esta ordem, e replicou-lhe: "Na verdade, Sire, eu os governarei, bem melhor e mais facilmente mandando-te os piores, que não os melhores".

C. Entrevista de Alexandre com Táxilo

C. Havia também um rei de nome Táxilo, que governava um país nas índias de não menor extensão, ao que se diz, que todo o Egito, rico em pastagens e abundante em toda a espécie de frutos, dos quais não pode haver melhores no mundo e era um homem sensato, o qual depois de ter saudado Alexandre disse-lhe: "Que necessidade temos nós de nos combatermos e guerrearmo-nos mutuamente, Alexandre, se tu não vens para nos tirar a água nem o resto do que nos é necessário para nossa alimentação? Por estas coisas unicamente, os homens de bom senso deve m lutar: quanto aos outros bens e riquezas, se os tenho mais que tu, estou pronto para reparti-los contigo, e se eu tiver menos, não deixarei de te agradecer se me quiseres dar dos teus". Alexandre sentiu prazer ao ouvir falar deste modo, tão sensatamente, abraçou-o e disse-lhe: "Julgas que esta nossa entrevista vai te rminar sem combate, não obstante todas estas boas palavras e tão amáveis gentilezas? Não, não! Nada ganhaste: pois eu quero combater-te e combater-te com a cortesia e a honestidade, a fim de que não me superes em beneficência e bondade". Assim, recebendo dele vários e valiosos presentes e dando-lhes ainda maiores, finalmente, num banquete, bebendo à sua saúde, disse-lhe: "Eu bebo, por ti, mil talentos1247 de ouro cunhados em moedas". Esse presente aborreceu muito aos seus familiares, mas em compensação granjeou-lhe os corações de vários príncipes e senhores bárbaros do país.

CI. Pérfida crueldade de Alexandre para com uma tropa de bravos indianos

CI. Havia alguns homens, soldados da índia, os mais belicosos do país, que vivendo do soldo ordinário, punham-se a serviço de boas cidades livres e as defendiam valentemente, causando muitos prejuízos e obstáculos em vários lugares a Alexandre, o qual marcou uma entrevista com eles numa cidade, onde eles se haviam reunido; quando saíam, sob a garantia do acordo que haviam realizado, ele os encontrou pelo caminho, quando se retiravam e passou-os todos a fio de espada. Encontramos apenas esta mácula em todos os grandes feitos de armas, de Alexandre, que diminuem um tanto a sua honra: pois, afinal, ele sempre e em tudo procedeu de maneira justa e digna de um rei em todas as outras guerras. Finalmente, os filósofos e homens de letras dos indianos não lhe davam menos trabalho, porque censuravam e incitavam os príncipes e reis que se entregavam a ele e faziam as cidades livres tomar as armas contra ele e por essa razão mandou enforcar a vários deles.

CII. Atravessa o Hidaspes para atacar Poro

CII. Com relação ao rei Poro, o mesmo Alexandre em suas cartas descreve detalhadamente o que fez contra ele: como o rio Hidaspes corria entre os dois exércitos, Poro conservava sempre seus elefantes na outra margem, em fila, com a cabeça voltada para os inimigos, para cortar-lhes a passagem, e ele1248 fazia todos os dias grande barulho e grande tumulto no acampamento a fim de acostumar os bárbaros a não se admirarem com isso; tendo escolhido uma noite muito escura, quando a lua não brilhava, tomou uma parte de seus homens de infantaria e a fina flor da sua cavalaria e foi para bem longe dos inimigos, passou a uma ilha que não era muito grande; apenas lá havia chegado, levantou-se horrível tempestade, com chuva raios, trovões, que caíam sem cessar, em seu campo, de tal sorte que ele viu, diante de seus olhos, muitos dos seus soldados e fulminados pelo raio, naquela ilha; mas nem por isso desistiu de chegar de qualquer modo à outra margem. Ora, o rio tendo crescido por causa das chuvas da noite precedente, abriu uma enorme brecha por onde grande parte da água se escoou; assim ele encontrou-se, depois que passou para a outra margem do rio, entre duas águas mal seguras, não tendo pé firme, porque a terra encharcada, escorregava, e a impetuosidade das águas do rio minava-a e a rompia de um lado e outro. Foi aí que, segundo está escrito, ele disse: Ó atenienses, vós não podeis imaginar quantas tribulações e perigos eu passo, para ser louvado polvos?" Onesícrito, é que assim narra, ele mesmo, porém, escreve, que lá deixaram as jangadas, sobre as quais tinham passado o grande leito do no e o haviam atravessado com as armas às costas, passando os braços pela abertura, mergulhados dentro d’água até o peito e tendo-o passado, por fim, ele percorreu com sua cavalaria mais ou menos cinco quartos de légua antes da batalha de sua infantaria, imaginando que, se os inimigos viessem a se chocar com seus soldados, ele seria muito mais forte e se eles mandassem adiante os soldados de infantaria, os seus poderiam chegar em tempo. Uma das duas hipóteses aconteceu como ele havia imaginado: mil cavalos e sessenta carros armados dos inimigos lançaram-se diante de sua tropa e ele os derrotou, tomou todos os carros e dos soldados, ficaram uns quatrocentos mortos no campo.

CIII. Triunfa

CIII. Por isso Poro, sabendo por esses indícios que Alexandre viera em pessoa, foi ao seu encontro, com todo o exército, excetuada a parte que ele deixou atrás, para fazer frente ao resto dos macedônios, se tentassem passar o rio. Alexandre temendo, porém, a grande multidão dos inimigos e a violência dos elefantes, não ofereceu combate no meio, mas comandando a ala esquerda de sua linha de batalha, atacou um lado da dos inimigos1249, ordenando aos que estavam à sua direita que fizessem o mesmo por seu lado ao mesmo tempo: assim foram derrotadas as duas extremidades do exército dos inimigos, e postas em fuga, mas os que tinham sido atacados, retiraram-se para junto dos elefantes e se reuniram em torno deles1250. Travada a batalha, foi longa a luta, de tal modo que os bárbaros só foram derrotados completamente, às três horas depois de meio-dia. Assim o descreve em suas cartas aquele mesmo que obteve a vitória. A maior parte dos historiadores está de acordo em escrever, que Poro tinha quatro côvados e um palmo de altura e quando sentava em cima de seu elefante, nada havia que o igualasse em altura, tamanho e estatura, proporcionados a sua montaria, pois era um elefante bem grande, o qual mostrou nesse combate uma extraordinária prudência natural e um grande cuidado em salvar o rei, seu amo: enquanto percebeu que se sentia forte, combateu sempre corajosamente, e repeliu os que vinham contra ele: mas quando percebeu que pelos golpes de dardos e outros ferimentos que ele tinha recebido, as forças lhe começaram a faltar, temendo que ele caísse por terra, abaixou-se devagar, dobrando os joelhos e foi tirando delicadamente com a tromba os dardos e as flechas que ele tinha em seu corpo, arrancando-os um a um.

CIV. Como trata Poro

CIV. Tendo Poro sido aprisionado, Alexandre perguntou-lhe como o haveria de tratar. Poro respondeu que o tratasse de maneira real. Alexandre então insistiu, se ele queria dizer mais alguma coisa e ele retorquiu que tudo estava compendiado naquela palavra, real. Por isso, Alexandre não somente deixou-lhe as províncias de que antes já ele era rei, para dali por diante governá-las como sátrapa, mas também acrescentou-lhe ainda muitos outros territórios. E tendo também submetido povos livres, dos quais contava quase quinze nações, cinco mil cidades, um sem-número infinito de aldeias e ainda três vezes tanto de outro país, lá colocou como governador e sátrapa um de seus familiares, que se chamava Felipe. Nessa batalha morreu seu bom cavalo Bucéfalo, não no combate, mas depois, quando o curavam dos ferimentos recebidos, ou como diz Onesícrito, de velhice, por ter trabalhado demais, pela sua idade, pois tinha trinta anos quando morreu: Alexandre ficou muito sentido, como se tivesse perdido um familiar e amigo, tanto que fez construir uma grande cidade no lugar onde ele fora enterrado, à margem do rio de Hidaspes, à qual chamou Bucefália. Diz-se também que tendo perdido um cão de nome Peritas, que ele havia criado e que estimava, mandou, do mesmo modo, construir uma cidade à qual deu-lhe o nome, Socion1251 escreve que soubera a mesma coisa de Potamon, o Lesbiano.

CV. Os macedónios recusam-se a penetrar mais na índia

CV. Esta última batalha contra o rei Poro satisfez os macedônios de modo que não tinham ânimo de continuar a conquista do resto das índias; considerando que haviam suportado tantas fadigas na árdua empresa, embora Alexandre ainda tivesse vinte mil soldados de infantaria e dois mil de cavalaria, eles se opuseram firme e fortemente ao rei, quando os quis forçar a atravessar o rio Ganges, porque ouviram habitantes da região dizer que o mesmo tinha duas léguas de largura e cem braças de profundidade e a margem do outro lado estava toda coberta de guerreiros, de cavalos e de elefantes, porque diziam que os reis dos gangandas1252 e dos presianos os esperavam com oitenta mil combatentes a cavalo e duzentos mil de infantaria, oito mil canos de guerra bem armados, seis mil elefantes, muito aguerridos. Tudo isso não era falso, nem exagerado e imaginado, porque um certo rei, de nome Androcoto, que reinou pouco tempo depois, deu a Selêuco quinhentos elefantes por uma taça e com um exército de seiscentos mil combatentes atravessou, conquistou e submeteu toda a Índia.

CVI. Monumentos que Alexandre deixa de sua expedição

CVI. Alexandre, irado com a recusa de seus soldados, ficou alguns dias encerrado em sua tenda, deitado por terra, dizendo, que não lhes seria grato pelo que eles tinham feito até então, se não passassem o rio Ganges e que voltar atrás, outra coisa não era que confessar-se vencido. Mas quando viu e considerou que havia grande sinceridade nas manifestações que seus amigos lhe faziam, para reconfortá-lo e consolá-lo e que os soldados vinham à sua porta clamar e lamentar-se, pedindo que os levasse adiante, sentiu compaixão e convenceu-se em fazê-los voltar; todavia antes de partir, imaginou alguns expedientes falsos e curiosos para perpetuar e aumentar a glória de seu nome naquelas terras: mandou forjar armas maiores, manjedouras e coxos para os cavalos, mais altos que os ordinários, freios mais pesados que os comuns e os mandou espalhar cá e lá. Mandou também construir grandes altares em honra dos deuses, que os reis dos preses ainda hoje têm em tanta veneração que atravessando o rio, vêm ali fazer seus sacrifícios a maneira dos gregos. Androcoto era então um belo moço; depois de ter visto Alexandre, disse que bem pouco faltou para que ele tomasse e conquistasse todo o país, porque o rei que então governava era desprezado e odiado por seus súditos por causa da sua maldade e pela abjeção do lugar de onde ele era originário. Partindo dali, ele quis ir ver o grande Oceano; mandou construir vários barcos de remos e diversas jangadas nos quais navegou comodamente pelos rios: mas esta viagem, no entretanto, não foi ociosa nem sem guerra, pois frequentemente ele vinha à terra, atacava as cidades, conquistando tudo por onde passava.

CVII. Tomada da cidade dos malianos

CVII. Atacando a cidade dos malianos1253, os quais, dizem, são os mais belicosos de toda a índia, pouco faltou que fosse morto e feito em pedaços: tendo repelido a golpes de dardos os que defendiam as muralhas, ele na frente, subiu à primeira delas, por uma escada, que se partiu, quando ele lá chegou; os bárbaros então, reunindo-se junto da muralha, desferiramlhe, de baixo, vários golpes; poucos dos seus estavam perto dele e então do alto para baixo ele lançou-se no meio dos inimigos, onde por sorte caiu de pé; os bárbaros, porém, assustaramse, porque suas armas retiniram com a queda, imaginaram ver um fantasma que caminhava diante deles e então fugiram desordenadamente, esparramando-se cá e lá, mas depois, voltando a si do espanto, quando perceberam que apenas dois de seus escudeiros estavam perto dele, atiraram-se todos na sua direção, uns com dardos outros com espadas, chegando a feri-lo através de sua armadura: um deles, por trás desferiu-lhe um golpe de flecha, tão violento e tão rápido que furou a couraça e entrou-lhe na carne, na altura do peito. O golpe foi tão forte que ele, perdendo as forças, caiu de joelhos: aquele que havia desferido o golpe, correu depressa com a cimitarra desembainhada na mão, mas Peucestas e Limneu1254 lançaram-se à sua frente e foram ambos feridos; Limneu morreu na hora e Peucestas enfrentou-os, enquanto o próprio Alexandre matava o bárbaro com suas próprias mãos, depois de ter recebido várias fendas pelo corpo todo. Finalmente desferiram-lhe um golpe de cacete na nuca, deixando-o atordoado: ele apoiou-se na muralha, olhando para os inimigos; no mesmo instante, porém, correram os macedônios, de todos os lados e o levaram para sua tenda, fora de si, tendo mesmo quase perdido o uso da razão: pelo que correu imediatamente a voz por todo acampamento que ele tinha morrido. Houve grande dificuldade e muito trabalho para se serrar a flecha que era de madeira; assim, com dificuldade, também tiraramlhe a couraça e foi preciso ainda arrancar o ferro1255 da flecha que havia se fixado dentro de um osso e tinha quatro dedos de comprimento e três de largura, ao que se diz: por isso, arrancando-a, ele ficou fora de si, e todos pensaram que ia morrer: todavia, por fim, escapou desse perigo: mas sentindo-se muito fraco ficou muito tempo convalescente, completando sua cura sem sair de seu aposento; um dia ouviu os macedônios que gritavam e faziam grande alando diante de sua tenda, pelo desejo que tinham de vê-lo. Tomou então uma longa veste e saiu para fora: depois de ter sacrificado aos deuses, pelo seu restabelecimento, retomou o caminho, durante o qual subjugou ainda vários países, aliás grandes, e tomou muitas cidades importantes.

CVIII. Presenteia os sábios do país chamados gimnosofistas

CVIII. Aprisionou também dez sábios do país dos que andam nus e são chamados de gimnosofistas; estes haviam feito Sabas rebelar-se contra ele e causaram muito dano aos macedônios: e como eram tidos como os mais sagazes, mais sutis e mais breves em suas respostas, ele lhes propôs várias perguntas, que pareciam sem respostas, ordenando-lhes que as respondessem do contrário mandaria matar o primeiro que tivesse errado na resposta e todos os outros, depois: um, dos que parecia o mais velho de todos foi o juiz das respostas. A pergunta que fez ao primeiro foi: "Qual julgava ele seriam em maior número, os mortos ou os vivos? —- Ele respondeu que eram os vivos: porque, disse, os mortos não existem mais. Ao segundo, perguntou, quem alimenta maior número de animais, a terra ou o mar? Ele respondeu que era a terra, porque o mar é uma parte dela. Ao terceiro qual é o mais fino dos animais? Ele respondeu, que era aquele que o homem ainda não conheceu. Ao quarto: por que havia feito Sabas revelar-se. Para que, disse ele, vivesse honradamente ou morresse desventuradamente1256. Ao quinto: o que existira primeiro, o dia ou a noite. Ele respondeu: o dia antecedeu de um dia. E como o rei achasse que esta resposta era estranha, ele acrescentou: A perguntas estranhas é necessário que as respostas também sejam estranhas.

Passando adiante, perguntou ao sexto: qual o meio pelo qual o homem mais se poderia fazer amar. Sendo muito bom e não se fazendo temer. Ao sétimo perguntou: como um homem poder-se-ia tornar deus. Fazendo algo impossível ao homem, ele respondeu. Ao oitavo: qual era mais forte, a vida ou a morte, ele respondeu que era a vida, porque suporta tantos males. E ao último: até que idade é bem que o homem viva. Até que, respondeu ele, não julgue o morrer melhor do que o viver". Ouvidas estas respostas, voltou-se para o juiz ordenando que pronunciasse as sentenças. Este disse: "Todos responderam cada qual, um pior do que o outro". Então Alexandre retorquiu: "Tu morrerás por primeiro, tendo dado tal sentença". "Não o farás, Sire, se não quiseres passar por mentiroso, porque tu mesmo disseste que farias morrer por primeiro aquele que tivesse respondido pior". Por fim ele os mandou a todos embora, dando-lhes ainda presentes.

CIX. Envia Onesícrito aos brâmanes

CIX. Mandou também Onesícrito aos outros sábios indianos, que eram dos mais apreciados e tidos como os mais honrados, e viviam segregados, para pedir que viessem ter com ele. Onesícrito tinha sido discípulo de Diógenes, o Cínico, ao qual, diz-se que Calano, um destes sábios, disse altiva e arrogantemente que se despojasse de suas vestes para ouvir suas palavras, nu, do contrário, não lhe falaria, nem mesmo que ele viesse da parte de Júpiter; mas Dandâmio respondeu-lhe mais gentilmente: e tendo-o ouvido falar das qualidades de Sócrates, Pitágoras e Diógenes, ele disse que aqueles personagens lhe pareciam ter sido ilustres e inteligentes, mas que tinham demasiadamente reverenciado as leis, em sua vida: todavia, outros escrevem que Dandâmio somente lhe perguntou porque Alexandre tinha feito tão longa viagem, para vir até às índias. Calano, porém, instado pelo rei Táxíío, persuadiu-se a ir ter com Alexandre. Seu verdadeiro nome era Esfines: mas, porque ele saudava aos que encontrava, na sua língua indiana, dizendo Cale, que significa, deus vos guarde, os gregos o apelidaram de Calano: diz-se, que ele apresentou a Alexandre uma imagem do seu império: jogou no chão, diante dele, um couro seco e curtido, depois, colocou um pé sobre uma das pontas. O couro, pisado naquela parte, levantou-se, em todos os outros lados; andando em redor sobre as bordas do mesmo, fez-lhe ver que o couro pisado de um lado, se levantava de todos os outros; depois colocou o pé no meio do couro: então ele ficou, abaixado por igual. Queria dar a entender com essa semelhança a Alexandre, que ele devia de modo especial fixar-se no meio do seu império e lá ficar o mais tempo possível, sem se afastar demasiado do centro.

CX. Vai ver o Oceano

CX. O resto da viagem que Alexandre empreendeu pelos rios, para ir ver o grande Oceano, durou sete meses inteiros: entrando no navio navegou até uma pequena ilha, à qual chamou de Cilustin1257 e que outros denominam Psituloin, onde desembarcou e ofereceu sacrifícios aos deuses; de aí contemplou o espetáculo do grande mar Oceano, a extensão de toda aquela costa marítima, tanto quanto ali pôde penetrar. Depois, tendo rogado aos deuses, que jamais conquistador algum depois dele passasse além dos limites da sua viagem, ele voltou atrás; mas, quis que os navios que estavam no mar, fizessem a volta, deixando as índias a direita; constituiu a Nearco, comandante da esquadra e Onesícrito, piloto principal. No entretanto, ele mesmo, se pôs a caminho por terra, pelo país dos Ontas1258 onde se encontrou em extrema necessidade de víveres e perdeu muitos homens; não conseguiu por isso levar das índias, a quarta parte dos soldados que havia trazido, os quais perfaziam um total de cento e vinte mil combatentes de infantaria e mais ou menos quinze mil de cavalaria: uns morreram de doenças, outros por terem comido coisas más, outros por causa do calor e das extremas secas: mas a maior parte morreu de fome, atravessando uma região não cultivada nem semeada, habitada por pobres homens que viviam em extrema penúria, não tendo meios nem recursos, com apenas algumas ovelhas, que eles nutriam de peixes do mar, cuja carne tem mau cheiro. Por fim, tendo atravessado este país com muitas dificuldades durante sessenta dias, entrou em Gedrosia, onde encontrou abundância de toda espécie de alimento, que os governadores lhe forneceram, bem como príncipes e reis vizinhos mais próximos daquela marca.

CXI. Pompa báquica de Alexandre

CXI. Depois de ter descansado e refocilado um tanto seus homens, retomou o caminho através da Carmânia1259, onde ficou durante sete dias, banqueteando-se continuamente, percorrendo o país; ele estava num estrado, mais longo que largo, alto, puxado por oito cavalos, em contínu o banquete com seus amigos íntimos, noite e dia: a este estrado-carro seguiam vários carros cobertos, uns com belíssimos tapetes e ricos panos de púrpura, outros com belos ramos verdes que eram renovados na entrada de cada acampamento, onde estavam os outros amigos e oficiais, coroados de flores, que bebiam e os recebiam festivamente. Não se viam capacetes nem lanças, dardos ou escudos em todo o exército, mas por todo o caminho os soldados empunhavam vasos com bebidas, taças, copas1260, copos de ouro e prata, tirando o vinho de grandes barris e tonéis sem tampa, dos quais todos bebiam, uns andando pelos campos, caminhando sempre, outros, porém, sentados a mesas; ouviam-se sons de flauta e oboé, gritos e canções, danças de mulheres que bailavam e sorriam por todo o caminho: nessa maneira dissoluta de caminhar pelo país em tanta devassidão, cada qual procurava ainda imitar a imoralidade das Bacanais, como se o deus Baco estivesse presente em pessoa guiando e dirigindo aquele espetáculo cómico. Por fim chegou ao palácio real da Gedrosia; lá ficou alguns dias para descansar seus soldados, com festas, banquetes e festins, onde, diz-se, que um dia depois de ter bebido muito, foi assistir ao concurso de danças, com prémios ; dentre todas, a de Bagoas, um moço, de quem Alexandre gostava, obteve a vitória e ele ainda vestido como estava, com os atavios do baile, passou pelo teatro e foi sentar-se perto de Alexandre; os macedônios aplaudiram, puseram-se a bater palmas e solt ar exclamações de alegria, dizendo em voz alta que o beijasse; era tal o barulho que, por fim ele o tomou nos braços e o beijou diante de todos. Depois Nearco foi ter com ele e referiu-lhe tudo o que havia feito e visto na sua viagem de navegação: ele ficou muito satisfeito e teve vontade de navegar também, de entrar, pela foz do Eufrates, no Oceano, com uma grande esquadra e costear toda a Arábia e a África, para depois tornar a entrar no mar Mediterrâneo, pelo estreito das colunas de Hércules: com esse fim mandou construir grande número d e navios, na cidade de Tapsaco1261, e começou a reunir os marinheiros para as equipagens, pilotos e homens de todas as classes.

CXII. Sublevações e desordens no império de Alexandre

CXII. Por fim, a dificuldade da viagem que ele empreendera para a conquista das índias, o perigo que passara combatendo contra os malianos, e o grande número de homens, que, se dizia, ter ele perdido nessa expedição, tudo isso juntamente fazia crer que ele jamais chegasse a salvamento e deu ânimo aos povos, que ele havia conquistado, para se sublevarem e, a seus lugar-tenentes e governadores das províncias, a ocasião de cometer mil ações más, roubos, saques, e a opressão dos povos. Numa palavra, isso pôs seus territórios em grande agitação e causou grandes mudanças, tanto que Olímpia e Cleópatra, divergindo contra Antípater, dividiram entre elas o seu governo, tomando Olímpia o reino do Épiro e Cleópatra, o da Macedônia. Alexandre, sabendo disso, disse que sua mãe tinha sido mui sensata, porque jamais os macedônios tinham consentido em serem governados por uma mulher. Por isso mandou de novo Nearco ao mar, determinando encher novamente de armas e de guerra, todas as costas e todas as províncias marítimas. Ele mesmo em pessoa, visitando os países afastados do mar, castigava os comandantes e os governadores que haviam procedido mal no seu cargo, dentre os quais, matou com um golpe de lança, que lhe atravessou o corpo, a Oxiartes, um dos filhos de Abulites. Abulites mesmo, não tinha feito provisão alguma de víveres para seu exército, mas tinha preparado e reunido três mil talentos1262 somente, ele mandou pôr o dinheiro diante de seus cavalos, os quais não o provaram absolutamente: então ele lhe disse: "De que me serve agora a tua provisão?" E mandou prendê-lo.

CXIII. Manda matar aquele que violara o túmulo de Ciro

CXIII. Passando pela Pérsia, renovou o antigo costume, de quando os reis voltavam de uma longa viagem, davam a todas as mulheres um escudo1263 a cada uma, e por isso, dizem, que alguns de seus reis não vinham frequentemente ao país e Oco, dentre eles, jamais lá esteve, nem mesmo uma única vez, exilando-se voluntariamente de sua pátria, por sua mesquinhez e avareza, a fim de não fazer semelhante gasto. Tendo encontrado a sepultura de Ciro, violada e despojada, mandou matar quem a profanara, embora fosse nativo de Pela, na Macedónia, homem de qualidade, chamado Polímaco: tendo lido a inscrição que estava gravada em caracteres e na língua persa, quis que também se escrevesse em letras gregas, por baixo, mais ou menos estas palavras: "Ó homem, quem quer que tu sejas e de que parte tu venhas, pois eu sei que virás: Eu sou Ciro, aquele que conquistou o império dos persas, e rogo-te que não tenhas inveja deste pouco de terra que cobre meu pobre corpo". Estas palavras despertaram a compaixão na alma de Alexandre, quando ele considerou a incerteza e a instabilidade das coisas humanas.

CXIV. Morte do brâmane Calano

CXIV. Ali mesmo, Calano, tendo estado por certo tempo indisposto com diarreia, pediu que lhe preparassem uma fogueira, como a que se faz para cremar o corpo de um morto e foi para lá a cavalo: depois de ter feito aos deuses a sua oração, derramou sobre si mesmo as efusões que se costumam derramar sobre os ataúdes dos mortos; cortou uma mecha de seu cabelo, antes de subir à fogueira, despediu-se de todos os macedônios, que lá estavam, apertandolhes a mão e rogando-lhes que se alegrassem e fossem banquetear-se com o rei, o qual ele havia visto pouco antes, na cidade de Babilónia. Ditas estas palavras deitou-se sobre a fogueira, cobriu o rosto e não se moveu mais, mesmo quando o fogo começou a envolvê-lo: mantendo-se sempre na mesma posição, em que se deitara, sacrificou-se a si mesmo, conforme o costume dos sábios do país. O mesmo fizera, muitos anos antes um outro indiano, que seguia a Júlio César, na cidade de Atenas e lá se vê, ainda hoje, uma sepultura a que chamam de sepultura do indiano. Alexandre, voltando, depois de ter visto este fogo, convidou vários de seus amigos para jantar com ele; então ofereceu o prémio de uma coroa para aquele que mais bebesse. Venceu, um certo Prômaco, tragando quatro cântaros de vinho e ganhou a coroa, que valia seiscentos escudos, mas viveu somente três dias; dos outros, que tomaram parte nesse jogo, de beber à porfia, morreram quarenta e um, como refere o mesmo Cares, porque sobreveio um grande frio durante a embriaguez, causada pelo vinho.

CXV. Alexandre desposa Estatira

CXV. Quando chegaram à cidade de Susa, realizaram-se os casamentos de seus mais íntimos amigos e ele também desposou Estatira, uma das filhas de Dário, repartindo igualmente todas as demais damas persas, de sangue nobre e da mais alta linhagem, aos maiores de seus amigos. Fizeram festas públicas e solenes dos esponsais dos macedônios, mesmo daqueles que já se haviam casado antes; nesse banquete, escreve-se, que havia nove mil pessoas sentadas à mesa; a cada uma delas foi dada uma taça de ouro, para oferecer o vinho em honra dos deuses: além dessas magníficas demonstrações de luxo ele perdoou todas as dívidas dos macedônios, que montavam à soma de dez mil talentos1264 menos cento e trinta. Antígenes, o Zarolho, meteu-se entre os endividados, por meio de falsos documentos, levando consigo um tal que afirmava ter ele emprestado dinheiro ao banco. Alexandre fez pagar-lhe a importância: mas depois verificando contra ele, que tudo era falso, ficou muito irritado e o expulsou de sua corte, privando-o do cargo de comandante, embora fosse valente e muito perito na guerra, pois quando ainda jovem, levara um golpe de dardo num dos olhos, perto da cidade de Perinto, que Felipe havia assediado; queriam arrancar-lhe o dardo logo em seguida, mas ele não esmoreceu por causa desse ferimento, nem permitiu que lho arrancassem, antes de ter repelido e levado os inimigos até dentro de suas muralhas. Recebeu porém, muito sentidamente esta punição, e a levou tanto a sério, que se via claramente que morreria de dor e de tristeza: Alexandre temendo isso, perdoou-o e quis ainda que ele conservasse o dinheiro que lhe havia entregue.

CXVI. Licencia com grandes presentes os macedônios tornados inúteis para a guerra

CXVI. Os trinta mil moços que ele tinha deixado ao cuidado dos mestres para que os educassem, formassem e exercitassem em tudo o que se refere ao mister da guerra, haviam crescido e se tornado fortes e valentes, belos de rosto e extraordinariamente dispostos e hábeis para as armas; vendo-os em seus exercícios, Alexandre ficou extremament e alegre; isso, porém, desalentou muito os macedônios, enchendo-os de grande temor, porque julgaram que de então em diante o rei fana menos conta deles: por isso, quando ele quis mandar para as regiões do sul, perto do mar, os doentes e os inválidos, que haviam perdido algum membro na guerra, eles responderam que isso era uma injustiça e uma injúria que ele lhes fazia, afastando de si aqueles pobres homens, depois de se ter aproveitado de sua atividade, reenviá-los assim às suas casas, em condições muito diferentes das em que eles então se encontravam quando foram tirados. Por isso, diziam eles se queria despedir a uns, o fizesse cem todos, e a todos julgasse inúteis, mesmo porque ele tinha junto de si, seus belos dançarinos, diziam, com os quais iria acabar de conquistar toda a terra habitável. Alexandre ficou muito indignado com estas palavras, de tal modo que lhes lançou toda espécie de injúrias e expulsando seus guardas ordinários, tomou outros persas, fazendo deles seus guardas pessoais e satélites, mordomos, porteiros, arautos e executores de suas ordens: os macedônios vendo-o acompanhado por outros e eles mesmos desprezados, afastados, rejeitados e vergonhosamente postos de lado, sentiram deprimir-se-lhes muito a coragem; depois de terem comentado o fato ficaram fora de si de inveja e de despeito. Finalmente, fizeram um acordo e foram, espontaneamente, sem armas, seminus, p ostar-se diante da tenda do rei, gritando e chorando, rogando-lhe que fizesse deles o que quisesse, como maus e ingratos, que eram; mas ele, embora sua raiva começasse a se abrandar não os recebeu, dessa primeira vez; e eles também não se foram embora; ali ficaram por dois dias e duas noites, diante de sua porta, naquele estado, lastimando-se e chamando-o de soberano e de rei, até que por fim, no terceiro dia, saindo de seu aposento e vendo-os aflitos e chorosos, em estado lastimável, começou também ele a chorar: depois, falou um pouco com eles, dirigindolhes palavras amáveis e dando-lhes permissão para se retirar, a todos os que se tinham tornado inábeis para a guerra, após lhes haver dado magníficos presentes; escreveu ao seu lugar-tenente Antípater, que em todas as assembleias de jogos e de divertimentos públicos, eles fossem preferidos e se sentassem nos melhores lugares, coroados de flores e quis ainda que as crianças órfãs dos que haviam falecido, ao seu serviço, recebessem o soldo de seus pais.

CXVII. Morte e sepultura de Hefestio

CXVII, Por fim, tendo chegado à cidade de Ecbátana1265, no reino da Média, depois de ter despachado os negócios mais importantes, deu-se de novo aos divertimentos, às festas e passatempos públicos, tendo mandado vir da Grécia uns três mil mestres e operários para tais diversões. Mas, aconteceu, por aquele mesmo tempo, que Heféstio caiu doente de febre, e como jovem guerreiro que era, não teve o necessário cuidado com o alimento; aproveitando a ocasião, por ter seu médico Glauco se ausentado, porque fora ao teatro ver os jogos, posse a jantar, comeu frango assado, bebeu um copázio de vinho que mandara refrescar; a febre, com isso, aumentou e ele em pouco tempo morreu. Alexandre muito sofreu com esse fato; mandou ainda que as crinas dos cavalos e burros, em sinal de luto, fossem imediatamente cortadas e que todas as ameias das muralhas das cidades fossem igualmente abatidas; mandou enforcar o pobre médico, proibindo que tocassem flauta ou outro qualquer instrumento de música no seu acampamento até que lhe trouxessem um oráculo de Júpiter Amon, pelo qual se ordenava que se reverenciasse a Heféstio e se lhe sacrificasse como a um semideus. Por fim, para mitigar o luto, e passar um pouco o enfado, foi à guerra, como à caça de homens, onde submeteu a nação dos Cosseios1266 que exterminou completamente, matando até as crianças; a isso ele chamou o sacrifício dos funerais de Heféstio. Tendo vontade de gastar em sua sepultura e no aparato das suas homenagens dez mil talentos1267 e de sobrepujar ainda as despesas pela singularidade das manifestações e excelência da arte, ele quis, entre os outros mestres engenheiros, um certo Estasicrates, porque suas ideias tinham sempre algo de grandioso, de cucado, de magnífico: um dia, conversando com „ ele, disse-lhe, que de todas as montanhas que ele conhecia no mundo, nenhuma havia mais própria para dela se modelar a estátua de um homem, do que o monte Ato na Trácia e, se ele quisesse, fazer-lhe-ia Já a mais bela e a mais duradoura estátua, de que jamais se teve notícia em todo o mundo, a qual em sua mão esquerda sustentaria uma cidade habitável por dez mil pessoas e na direita despejaria um grande rio no mar: todavia Alexandre, não o quis escutar, mas preferia conversar com os construtores sobre inovações bem mais exóticas e de muito maior custo e despesa.

CXVIII. Presságios que advertem Alexandre a não entrar na Babilónia. Entra

CXVIII. Ao tomar o caminho para Babilónia, Nearco chegou de novo, do grande Oceano, pelo no Eufrates e disse-lhe, que se haviam dirigido a ele alguns adivinhos caldeus, que o aconselhavam a não entrar em Babilónia; Alexandre não deu importância alguma a isso e continuou o caminho; mas quando estava perto das muralhas, percebeu um grande número de corvos que crocitavam e se entrechocavam, uns contra os outros, de modo que alguns chegaram a cair perto dele: tendo-lhe sido referido que o comandante de Babilónia, Apolodoro, tinha sacrificado aos deuses para saber o que seria dele, mandou chamar o adivinho Pitágoras, para indagar se era verdade. O adivinho não negou o fato e Alexandre perguntou-lhe quais eram os sinais do sacrifício: ele respondeu que não haviam encontrado a frente do fígado. "Ó deuses, disse então Alexandre, eis um grande presságio!", todavia, por isso não demonstrou nenhum desprazer a Pitágoras, mas bem se arrependeu de não ter prestado fé às palavras de Nearco.

CXIX. Novos presságios de infortúnio

CXIX. Por isso, ele sempre acampava fora de Babilónia e distraía-se pelas margens do rio Eufrates: aconteceram vários sinais e presságios, uns após outros, que o aborreceram. Dentre os quais., um asno comum atacou o mais belo e o mais forte dos leões de Babilónia e o matou com um coice. Outro dia, quando ele estava despido para se friccionar com óleo, a fim de jogar a pela, quando foi retomar suas vestes, os moços que jogav am com ele, encontraram um homem sentado no seu trono, o qual não disse uma palavra, mas havia posto o diadema real na cabeça e a veste real, às costas; perguntaram quem ele era e ele ficou muito tempo sem responder, até que, quase voltando a si, disse que se chamava Dionísio, nativo de Messina e por algumas acusações que lhe haviam feito, tinha sido mandado do mar até ali onde o haviam conservado prisioneiro por muito tempo, mas, há pouco, o deus Serápis tinha-lhe aparecido, soltando-lhe os ferros e ordenando que tomasse aquelas vestes e o diadema do rei e se sentasse no trono, sem dizer uma palavra sequer

CXX. Alexandre torna-se triste e desconfiado

CXX. Ouvindo isso, Alexandre mandou matar o homem, fazendo o que os adivinhos lhe haviam aconselhado: mas ficou imensamente triste e apreensivo por ser destituído do auxílio dos deuses e também de cair em breve desconfiança, ante seus amigos, dentre os quais, ele mais temia a Antípater e seus filhos, do que os outros; um, de nome Iolas, era seu primeiro copeiro e outro, de nome Cassandro, que há pouco chegara ao país, a primeira vez que ele viu alguns bárbaros fazendo reverência a Alexandre, sendo educado na Grécia, jamais havia visto coisa semelhante; começou então a rir-se com tanta força e com ruído que irritou Alexandre; este agarrou-o pelos cabelos, com ambas as mãos e bateu-lhe a cabeça na parede. Outra vez, Cassandro se pôs a responder a alguns, que acusavam a Antípater, seu pai; Alexandre repreendeu-o acremente, dizendo-lhe: "Que queres alegar? Pensas que esta gente empreendeu tão longa viagem para caluniar injusta e falsamente teu pai, se ele não lhes tivesse feito alguma injustiça?" Cassandro, então replico u-lhe, que aquilo mesmo que ele dizia era indício evidente e presunção grande de calúnia, que eles tinham vindo de tão longe a fim de que não se pudesse com muita rapidez verificar e confirmar a falsa acusação: pelo que Alexandre se pôs a rir alto, dizendo: "E is as argucias e sutilezas de Aristóteles, para provar o pró e o contra; mas isso não impedirá que eu vos castigue bem, se conseguir provar que fizestes injustiça a esta gente". Em suma, dizem que desde então ele imprimiu bem na mente de Cassandro um tal medo, que durou por muito tempo; mais tarde, quando ele já era rei dos macedônios e tinha toda a Grécia em suas mãos, passeando pela cidade de Delfos e olhando as estátuas que lá existem, viu uma de Alexandre e ficou tão assustado, que seus cabelos se eriçaram na cabeça e ele tremeu tanto que muito tempo levou para de novo se acalmar.

CXXI. Superstição de Alexandre. CXXII. Cai doente

CXXI. Alexandre, depois que se deixou dominar por essa desconfiança do auxílio dos deuses, ficou meio perturbado dos sentidos e tão abalado, em seu juízo, que nada por menor que fosse, lhe sucedia que ele não tomasse logo um sinal de presságio celeste; seu aposento estava sempre cheio de sacerdotes e de adivinhos, que sacrificavam ou que o purificavam ou que se davam às adivinhações: tanto poder tem e eficácia de um lado a descrença e a impiedade, no desprezo dos deuses quando penetra no coração dos homens e por outro lado, também a superstição, serpeando como a água, por entre almas tímidas e abatidas pelo temor, a qual então encheu Alexandre de loucura, uma vez que o temor dela se apoderou.

CXXII. No entretanto, chegaram-lhe algumas respostas, relativamente a Heféstio, do oráculo de Júpiter Amon; ele então deixou o luto e se pôs novamente a dar banquetes e a fazer sacrifícios; homenageou magnificamente a Nearco; depois de se ter banhado como de costume, para dormir, veio um de seus oficiais, Médio, convidá-lo para um banquete, que ele dava em sua residência. Alexandre aceitou-o: lá bebeu toda a noite até o dia seguinte; a tal ponto que teve febre, não por ter bebido toda a taça de Hércules, como alguns escrevem, mas por ter sentido repentinamente uma forte dor entre as espáduas, como se lhe tivessem dado um golpe de lança: tudo isso, porém, parecem coisas escritas por pura invencionice por alguns que quiseram tornar o fim desta grande tragédia, por assim dizer, mais lamentável e digno de piedade: mas Aristóbulo diz, que tendo uma febre violenta e uma grande alteração, bebeu vinho, começou a variar e por fim morreu, no trigésimo dia do mês de junho1268 : no diário de sua casa está escrito detalhadamente tudo o que ele fazia, e lê-se que, a dezoito de junho, ele adormeceu no banho porque tinha febre.

CXXIII. Morre

CXXIII. No dia seguinte depois de se ter lavado e banhado foi para seu quarto, passou todo o dia em casa de Médio, jogando dados, depois, já bem tarde, após se ter banhado e sacrificado aos deuses, comeu e teve febre durante a noite: a vinte, tendo-se banhado de novo e feito o sacrifício ordinário aos deuses, pôs-se à mesa, mesmo dentro da sala de banho, escutando, ao mesmo tempo a Ne arco que lhe falava das suas viagens, das coisas que havia visto e do grande Oceano: a vinte e um, depois de ter feito o mesmo, sentiu-se ainda mais abrasado do que nunca, ardendo em febre alta, durante a noite e todo o dia seguinte; fez-se levar então no seu leito para o grande salão, onde conferenciou com seus generais a respeito de algumas praças fortes e livres, onde colocar seus exércitos, ordenando-lhes que para lá só mandassem soldados bem experimentados. A vinte e três, tendo a febre aumentado ainda mais, ele se fez levar para os sacrifícios e ordenou que seus principais comandantes ficassem sozinhos com ele em seu apartamento e os outros menores, como centenários e comandantes de grupos, vigiassem e ficassem de sentinela, fora. A vinte e quatro, fez-se levar ao outro palácio real, além do lago, onde dormiu um pouco, mas a febre não o deixava e quando seus oficiais vieram para cumprimentá-lo e visitá-lo, ele não falava mais: assim passou o dia vinte e cinco, de modo que os macedônios pensaram que ele tinha morrido, e por isso vieram bater às portas do palácio, clamando, ameaçando seus amigos até que obrigaram a abrir: passaram depois, um por um, desfilando perto do seu leito. Naquele dia Piton e Selêuco por ordem dos principais amigos do rei, foram mandados ao templo do deus Serápis, para saber se para lá levariam Alexandre. O deus lhes respondeu que o deixassem onde estava: lá ele morreu na tarde do dia vinte e oito. Assim está escrito, quase ao pé da letra, com estas mesmas palavras, no diário de sua casa.

CXXIV. Se é verdade que teria sido envenenado

CXXIV. No momento ninguém suspeitou que ele tivesse sido envenenado: mas, diz-se, que seis anos depois, descobriram alguns indícios disso, pelo que, sua mãe Olímpia mandou matar muita gente, lançou ao vento as cinzas de Iolas, que antes morrera, porque se dizia, que fora ele que lhe dera o veneno para beber. Os que afirmam ter sido Aristóteles, que aconselhou Antípater a fazê-lo, por meio do qual lhe foi dado o veneno, dizem que um certo Agnotemis assim o narra, depois de o ter ouvido do rei Antígono: e foi o veneno, ao que dizem, uma água fria como gelo, que é destilada numa rocha no território da cidade de Nonacris e recolhida como um orvalho, no côncavo do casco de um asno, porque não há outra espécie de vasilha que a possa conter, tão fria ela é, e penetrante. Outros afirmam que tudo o que se diz desse envenenamento é falso e alegam para prová-lo, um argumento que não se deve desprezar, e é que os principais generais, logo que ele morreu, desentenderam-se completamente entre si, por isso o corpo ficou vários dias completamente nu e insepulto, num país quente e abafado: e, no entretanto, jamais apareceu sinal algum no corpo que causasse suspeita, nem fizesse desconfiar-se de veneno, mas manteve-se sempre limpo, perfeito e inteiro.

CXXV. Roxana manda matar Estatira

CXXV. Ele deixou Roxana grávida, a qual nessa ocasião era honrada e venerada pelos macedônios, mas ela odiava muito a Estatira, por um ciúme que havia concebido contra ela; Roxana enganou-a por meio de uma carta falsa que lhe mandou, como se Alexandre a chamasse para junto dele: logo que ela chegou, Roxana matou-a, ela e sua irmã, e depois jogou-lhes o corpo dentro de um poço, que depois mandou encher, com o conhecimento e o auxílio de Perdicas, o qual depois da morte de Alexandre, teve grande autoridade e poder por causa de Arideu, que ele sempre levava consigo como salvaguarda de sua autoridade real Arideu tinha nascido de uma mulher de condição baixa e pública, chamada Filina, e não tinha, afinal, bom senso, por uma indisposição de sua pessoa, que não procedia da natureza, nem de outro acidente qualquer fortu ito: pois, ao contrário, diz-se, que na sua primeira infância teve uma boa e amável natureza, mas, depois o corpo, estragado por alguma beberagem que Olímpia lhe dera, e o juízo, vieram a se ressentir por essa causa e ele degenerou.

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