Busque no site
Ver mais opções
Notas

420 - No grego: duas letras foram trocadas em seus nomes, etc.
421 - Amyot, notas manuscritas, observa que ele é chamado Fábio Ruliano, em Plínio, VIII, 41.
422 - No ano 521 de Roma.
423 - No ano 357 de Roma.
424 - Isto não consta de Plutarco.
425 - Na primavera. Os romanos chamavam esse sacrifício ver sacrum".
426 - Lê-se em Tito Lívio, XXII, 10, que a despesa desses jogos foi de trezentos e trinta e três mil, trezentos e trinta e três asses e um terço, o que equivale em moeda francesa a vinte e cinco mil novecentos e trinta e sete libras. Mas essa passagem é muito alterada nos manuscritos, tendo sido restaurada à base de conjecturas. Plutarco leu um exemplar mais correto ou seguiu qualquer outro autor. Quanto à afetação do número três vimos já na vida de Numa, cap. XXV, as ideias dos romanos sobre os números.
427 - Deve-se ler e em lugar de ou.
428 - Equivalem mais ou menos a oito mil e quinhentos escudos. Amyot. Em moeda francesa de 1818, sessenta e cinco mil e quarenta libras.
429 - Ao pé do monte Casino, no pais dos volscos, perto de Roma.
430 - No texto: Champagne. Em nota a Campânia.
431 - Chama-se ainda hoje Volturno, e Casilino era onde é hoje a cidade de Cápua.
432 - Equivale mais ou menos a vinte e cinco escudos. Amyot. Cento e noventa e quatro libras francesas, atualmente.
433 - No ano 538 de Roma.
434 - A festa era celebrada a 12 de Abril.
435 - Da nação dos Marsos.
436 - No grego: boas pereiras.
437 - A cidade de Rhege, Regio, na Calábria.
438 - Um milhão e oitocentos mil escudos. Amyot. 13.706.250 em libras francesas de 1818.
439 - No ano 545 de Roma.
440 - Cipião fora enviado à Espanha no ano 543 de Roma.
441 - No ano 549 de Roma.
442 - No grego: que se lhe entregasse o que era necessário para essa guerra.
443 - Tácito fala nesses usos romanos em seus anais, Liv. III, 71.
444 - No ano 551 de Roma, Aníbal abandonou a Itália e voltou à África.
445 - No ano 552 de Roma.
446 - No texto de Amyot: ‘nouvelle de la routte". Em nota: Derrota.
447 - O espeto de ferro era uma moeda, como o veremos na "Vida de Lisandro".
448 - O "as" que valia então um "sou" da moeda francesa. No censo feito em Roma no ano 545, foram contados 127.107 cidadãos.

Fontes   >    Roma Antiga

Vidas Paralelas: Fábio Máximo 'O Protelador', de Plutarco

1,2 mil visualizações    |    28,7 páginas   |   15615 palavras   |    0 comentário(s)

Estátua moderna de Fábio Máximo nos jardins do Palácio de Schönbrunn, Viena, Áustria.

Sobre a fonte

Quinto Fábio Máximo (275-203 a.C.) foi um político da república romana eleito cônsul por cinco vezes (233, 228, 215, 214, 209). Além disso, foi nomeado ditador em duas ocasiões, em 221 e 217 a.C. Era conhecido também como "Cunctator" ("Protelador", "o que adia" ou "o que se prepara para o dia da batalha"), uma referência à sua tática para combater Aníbal durante a Segunda Guerra Púnica. A biografia de Fábio Máximo faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Fábio Máximo foi comparado com o ateniense Péricles.

I. Antiguidade e glória da casa de Fábio

Revelado Péricles pelas coisas dignas de memória de que tomamos conhecimento, é tempo, daqui por diante, de escrevermos também sobre Fábio. Conta-se que o primeiro Fábio de quem descende a casa e a raça dos Fabianos, uma das maiores e mais nobres de Roma, foi engendrado por Hércules que fecundou uma ninfa ou, como dizem outros, uma mulher do país marginal ao rio Tibre. E há quem diga que os primeiros dessa casa foram, a princípio, chamados Fodianos, porque caçavam animais selvagens com laços e fossas, sendo certo que até hoje, os romanos chamam ainda as fossas, «fossae» e o ato de escavá-las, «fodere». Mais tarde, porém,420 as duas primeiras letras foram substituídas, passando eles a chamar-se Fabianos.

II. Sua doçura e madureza desde a infância

II. Como quer que seja, é incontestável que dessa casa saíram grandes personagens. Houve um, entretanto, chamado Fábio Rulo421 que pela grandeza dos seus atos foi apelidado Máximo pelos romanos, isto é, muito grande. Depois desse Fábio Máximo, aquele sobre o qual agora escrevemos, foi o quarto em linha reta, cognominado Verrugoso, por causa de um sinal que ele tinha em um dos lábios, semelhante a uma pequena verruga. Ele foi também denominado Ovícula, isto é, ovelhazinha, pela doçura, lentidão e peso do seu modo de agir, desde a infância. Sua natureza lenta, tranquila e repousada, sua atitude taciturna; o fato de ser visto poucas vezes brincando reservadamente nos jogos infantis; a consideração de que era duro de entendimento, tendo dificuldade em compreender o que lhe ensinavam; sua excessiva docilidade e obediência a todos com quem andava; tudo isso em conjunto, levava muitos que o conheciam apenas por fora, a julgarem que ele nunca passaria de um inepto e de um ingênuo. Havia outros, porém, que o considerando mais de perto, percebiam em sua natureza unia constância imutável e uma magnanimidade de leão.

III. E ele próprio deu a conhecer, mais tarde, quando excitado pelos negócios públicos, que a sua aparente tolice era uma gravidade inalterável, o que julgavam timidez era prudência, e o fato de não ser precipitado e inquieto em coisa alguma, firmeza e constância. Considerando a grandeza do domínio de sua república e as contínuas guerras por ela mantidas, Fábio fortificou e exerceu seu corpo como se correspondesse a armas nascidas com ele, para servir melhor na guerra, e fez o mesmo com a sua eloquência como a um instrumento de persuasão que lhe facultasse conduzir o povo ao bom senso. Sua linguagem, era assim, adequada e conveniente aos seus costumes e à sua maneira de viver. Não havia nela nada de artifício nem de afetação, mas era toda feita de substância, pesada de ideias e concepções singulares e originais, semelhantes, como dizem, às de Tucídides. Conhece-se ainda hoje um discurso, ou arenga fúnebre que fez diante do povo em louvor do filho, morto ao deixar o consulado.

IV. Seus consulados. Ele triunfa sobre os ligurianos

IV. Quanto a ele, porém, tendo sido eleito cônsul cinco vezes, triunfou, em seu primeiro consulado422, sobre os ligurianos das montanhas e da costa de Gênova, os quais batidos por Fábio numa grande batalha onde perderam muita gente, foram constrangidos a retirar-se e a encerrar-se nó interior dos seus Alpes, não mais invadindo e devastando, para abastecer-se, as províncias fronteiriças da Itália. Tendo, Aníbal, invadido depois, a Itália com um grande poder, vencendo a primeira batalha junto ao rio Trébia, avançou para frente através da Toscana assolando e destruindo tudo à sua passagem. Roma foi tomada de perplexidade e espanto. Revelaram-se sinais e prodígios, costumeiros alguns e bastante conhecidos dos romanos como raios e trovões, outros muito estranhos, jamais ouvidos nem vistos. Conta-se que alguns escudos se tornaram ensanguentados por si mesmos; que nas cercanias da cidade de Ancio, por ocasião da messe, encontraram-se espigas de trigo, cheias de sangue; que haviam tombado doí céus pedras ardentes de fogo, e que no bairro dos falerianos, o céu pareceu entreabrir-se, fazendo cair pequenos letreiros em um dos quais estava escrito, palavra por palavra, «Marte agita as armas.»

V. Aníbal ganha as batalhas de Trébia e Trasimeno

V. Nada disso, entretanto, pôde deter nem reprimir a audácia do cônsul Caio Flamínio, que além de ter por natureza, um grande coração sedento de honra, se achava ainda mais confiante, em virtude de êxitos extraordinários que obtivera antes, de forma imprevisível. Porque, embora o Senado o tivesse chamado de volta e seu companheiro de consulado se opusesse, ele dera batalha aos gauleses, não obstante a opinião de todo o mundo, e, obtivera a vitória. Quanto aos sinais e prodígios celestes mencionados, embora perturbassem muita gente, não preocupavam a Fábio que não via, nisso, razão nenhuma para preocupar-se.

Conhecendo porém como era pequeno o número dos inimigos, bem como a falta de dinheiro que os oprimia, aconselhava e ele de parecer que se devia ter um pouco de paciência, não sendo conveniente aventurar uma batalha contra um homem cujo exército aguerrido de longa data, já se tinha experimentado em muitos combates. Fábio era de opinião que se enviasse socorro aos súditos e aliados romanos, de acordo com as circunstâncias para manter fiéis as cidades, enquanto amortecia, por si mesmo, o vigor das forças de Aníbal, que era fogo de palha e chama acesa em matéria de pouca duração. Nenhuma das suas alegações entretanto pôde convencer Flamínio, que se recusou a esperar que a guerra se aproximasse das portas de Roma, declarando que não combateria dentro da cidade para defendê-la, como fizera Camilo antigamente. Determinou assim, a seus capitães que pusessem imediatamente em campo suas companhias, enquanto ele próprio montava seu cavalo, o qual, sem causa aparente, espantou-se, agitando-se de forma tão estranha que lançou o cônsul em terra. O fato entretanto, não o fez mudar de opinião, e obedecendo ao seu primeiro impulso, marchou ao encontro de Aníbal e lhe deu batalha423 na Toscana, junto ao lago denominado Trasimeno (que é o lago de Perusa)424.

VI. A batalha foi tão rudemente travada de parte a parte que, embora durante a ação tivesse havido um tremor de terra tão violento que revolvera cidades de cima a baixo, desviando rios dos seus cursos e abalando e abrindo as raízes das montanhas, não houve entre os combatentes nenhum que tivesse sentido coisa alguma. O próprio cônsul Flamínio ficou morto em campo, depois de ter praticado pessoalmente atos de grande bravura e ousadia, juntamente com a maior parte da nobreza existente no exército. Entre os demais, em fuga, foi feito grande morticínio, sendo destruídos perto de quinze mil homens e caindo prisioneiros outros tantos.

VI. Morte do cônsul Flamínio

VII. Após a derrota, Aníbal fez o que pôde para encontrar o corpo de Flamínio, a fim de fazê-lo inumar com honra, em razão de sua coragem. Não o conseguiu porém achar. Por ocasião da primeira derrota de Trébia, nem o capitão general que a relatara por escrito nem o mensageiro que trouxera a notícia à Roma, haviam revelado o fato como realmente se passara, simulando que a batalha resultara duvidosa, ignorando-se assim quem levara a melhor. Desta vez, porém, mal o pretor Pompônio teve notícias, fez reunir o povo em conselho, e sem disfarce nem simulação, declarou-lhe abertamente: «senhores romanos, perdemos a batalha na qual nosso exército foi totalmente batido e desfeito, morrendo em ação o próprio cônsul; daí assim parecer sobre o que tendes a fazer para vossa salvação e segurança».

VIII. Terror em Roma. Fábio é nomeado ditador

VIII. Lançadas essas palavras como uma tempestade de vento impetuoso sobre o mar de uma infinita multidão, a cidade entrou em grande tumulto, e o pavor foi tão opressivo que ninguém permaneceu tranquilo nem conservou o bom senso. Concordaram todos porém, que o momento exigia inapelavelmente a magistratura soberana, denominada, em latim, ditadura, bem como uma personagem que a soubesse exercer virtuosamente, sem poupar nem temer a ninguém. Concordaram outrossim em que Fábio Máximo apenas, possuía as qualidades necessárias, tendo a grandeza da coragem e a gravidade de costumes, ao nível da dignidade suprema vinculada a essa magistratura. Acrescia encontrar-se ele na idade em que a força do corpo se une à maturidade do espírito, fundindo-se a ousadia com a experiência e prudência.

Aprovada por todos a indicação, foi Fábio eleito ditador, nomeando este para chefe da cavalaria a Lúcio Minúcio. Fábio, antes de mais nada, requereu ao Senado que lhe fosse permitido montar a cavalo durante a guerra, porque o ditador não era autorizado a fazê-lo, por expressa proibição de uma lei antiga, seja porque os romanos reputavam a infantaria como a principal força do seu exército, querendo por esse motivo que o chefe se mantivesse com ela no dia da batalha sem abandoná-la , seja porque a autoridade tão grande dessa magistratura, em todos os outros assuntos a aproximasse da tirania, querendo eles com a imposição da lei, que, ao menos nisso, dependesse o ditador do supremo poder popular.

IX. Pretendendo Fábio, desde o início, mostrar a majestade e grandeza de seu cargo a fim de que todo o mundo lhe fosse obediente e mais pronto em atender seu comando, saiu em público com vinte e quatro lictores levando as fasces de varas e achas diante dele. E como um dos cônsules viesse a seu encontro, determinou-lhe por um dos seus lictores que abandonasse as fasces conduzidas à sua frente bem como as demais marcas e insígnias de magistrado, vindo a ele na atitude de um particular. Começando depois com um grandioso sacrifício aos deuses, ele demonstrou ao povo como a perda que tinham sofrido decorrera só da temeridade e estouvada displicência de seu capitão que não se preocupara com as coisas divinas, e não da deficiência ou covardia dos combatentes. Exortou-os por isso a não temer os inimigos, aplacando, todavia, a ira dos deuses com honrarias e reverência. Fábio, com essa medida, não tornava supersticiosos, os romanos, mas, ao contrário, revigorando-os com a verdadeira devoção, tirava-lhes ou diminuía-lhes o temor dos inimigos, dando-lhes esperança certa de amparo dos deuses.

X. Ele promete sacrifícios e jogos

X. Consultados então os santos livros proféticos, denominados livros da Sibila, os quais são mantidos em estrito sigilo, foram aí encontrados antigas profecias e oráculos que se referiam e conformavam com os acontecimentos da época, não sendo entretanto, permitido publicar nem dizer o que foi sabido na ocasião. O ditador, em seguida, em plena assembleia do povo, diante de toda assistência votou solenemente aos deuses, sacrificar-lhes todo o fruto que dessem na próxima estação425, as ovelhas, as porcas, as vacas e cabras em todas as montanhas, planícies, vales e prados da Itália e fazer-lhes celebrar jogos de música e representar outros mistérios em sua honra, até despender a soma de426 trezentos e trinta e três sestércios ou 427 trezentos e trinta e três dinheiros romanos, e mais um terço de dinheiro. Esta soma reduzida à moeda grega, atinge o valor de oitenta e três mil quinhentos e oitenta e três dracmas de prata e dois óbolos428. Ora, seria bem difícil dar a razão pela qual ele especificou precisamente essa soma assim exata, e porque a distribuiu por três, a menos que quisesse exaltar o poder do número ternário, porque é um número perfeito por natureza e o primeiro dos números que mostra o começo da multidão, e que compreende em si as primeiras diferenças e os primeiros elementos e princípios de todos os números reunidos.

XI. Reanima a confiança pública e faz a guerra de observação

XI. Fábio, por esse meio, levando o povo a ter esperança na ajuda e favor dos deuses, tornou-o assim mais deliberado a agir acertadamente daí por diante. Colocando porém, em si mesmo, toda sua confiança na vitória, por considerar que os deuses enviam aos homens a prosperidade por intermédio de sua virtude e prudência, avançou ao encontro de Aníbal, não com a intenção de o combater mas firmemente deliberado a consumir-lhe o vigor do exército pela demora prolongada, impondo-se à sua pobreza pela força do dinheiro e ao pequeno número de sua gente, pela grande multidão de seus combatentes. Manteve-se assim acampando em lugares fortes e altos sobre as montanhas, fora do perigo da cavalaria do inimigo, ao qual ia sempre flanqueando de tal sorte que, quando este se detinha em algum lugar Fábio fazia o mesmo seguindo seu movimento quando se deslocava, volteando em torno dele, sem jamais deixar as montanhas nem aproximar-se tanto que pudesse ser constrangido a um combate involuntário. Conservava-se sempre, porém, na cola do inimigo, e o mantinha em contínuo temor, supondo que Fábio ia espreitando o momento oportuno para atacá-lo vantajosamente.

XII. Aníbal o admira, e não pode forçá-lo a combater

XII. Adiando e prolongando o tempo, todavia, Fábio veio a ser desprezado por todos, porque, enquanto em seu campo se falava abertamente mal dele, os inimigos o tinham por homem covarde e de coração rasteiro, com exceção apenas de Aníbal. Percebendo este a maneira hábil pela qual pretendia Fábio combatê-lo, sentiu que era necessário atraí-lo a uma batalha por qualquer meio de astúcia ou força. A posição dos cartagineses se arruinaria, de outra forma, por não poderem servir-se nem valer-se das armas em que eram mais fortes, vendo-se entretanto, minados e consumidos pela multidão de homens e pela força do dinheiro em que eram os mais fracos. Ele se pôs assim a imaginar e a experimentar toda a sorte de ardis de guerra concebíveis, como faz o campeão astuto de luta, que procura todos os meios para lançar-se sobre o adversário. Aníbal, ora se aproximava do romano, provocando alarmes em seu campo, ora recuava movendo-se continuamente de um lugar para outro, para ver se conseguia fazê-lo abandonar sua resolução de não arriscar coisa alguma, jogando sempre na forma mais segura.

XIII. Audácia de Minúcio

XIII. Fábio, entretanto, perseverou constantemente em sua primeira deliberação, crendo com firmeza que era a melhor maneira de agir. O general de cavalaria, Minúcio, porém, causava-lhe muita preocupação, com seu ardente desejo de combater fora de propósito. Assumindo atitudes audaciosas ele ia ganhando as boas graças da soldadesca imprimindo-lhe um furioso desejo de bater-se, e enchendo-os de uma vã esperança. Zombavam assim, de Fábio, chamando-o pedagogo de Aníbal, e exaltavam a Minúcio, como capitão ousado e digno da grandeza de Roma. Ampliava-se, em consequência, a sua glória arrogante, e a presunçosa opinião de si mesmo, o levava a debicar Fábio que localizava sempre o seu campo nas montanhas. Dizia Minúcio que o ditador lhes oferecia belos jogos na contemplação da Itália queimada, pilhada e devastada diante de seus olhos. Perguntava também aos amigos de Fábio, se este não levaria finalmente o seu acampamento até o céu, por desconfiança da terra ou se era de medo de ser encontrado pelos inimigos, que ele se ia escondendo dessa forma atrás das nuvens e aguaceiros.

XIV. Os amigos de Fábio lhe comunicavam todos esses gracejos, aconselhando-o a arriscar antes uma batalha, do que a suportar por mais tempo tantos ditos injuriosos murmurados contra ele. Fábio porém respondeu-lhes, «se eu fizesse o que me aconselhais, seria ainda mais covarde do que eles cuidam agora que eu o seja, abandonando minha resolução por temor a palavras picantes e flechas satíricas. Não é vergonha temer pelo bem e salvação do país, mas ao contrário, aturdir-se com o elogio e a estima da multidão, ou com os impropérios e calúnias dos homens, não é ato de personagem digna de um tão grande cargo, mas sim de homem que serve e obedece àqueles a quem deve dirigir e governar, exata mente por não serem capazes disso.»

XV. Aníbal, enganado por seus guias, é batido por Fábio

XV. Aconteceu em seguida, que Aníbal incidiu em um grave erro, pois, desejando afastar-se de Fábio e ao mesmo tempo conduzir seu exército à região plana, onde houvesse víveres e forragens para os animais, determinou aos seus guias que o conduzissem, logo após a ceia, ao plano de Casino429. Não tendo os guias entendido bem a determinação porque era bárbara a sua pronúncia da língua italiana, confundiram-se e o foram lançar a ele e seu exército numa extremidade da Campânia430 perto da cidade de Casilino, região cortada ao meio pelo rio denominado Vulturno431 pelos romanos, e situada em um vale cercado e envolvido totalmente por montanhas, exceto do lado que se dilata para o mar onde o rio, extravasando fora do seu leito, forma alagadiços e bancos de areia muito profundos, indo finalmente desaguar na costa desse mar, extremamente perigosa sem nenhum abrigo. Descendo Aníbal a esse «beco sem saída», Fábio que conhecia o país e o rumo dos caminhos, seguiu as suas pegadas e cerrou-lhe o passo por onde poderia escapar desse vale e usando 4.000 infantes que aí colocou, dispôs o resto do seu exército na cumeeira das montanhas, nos lugares mais adequados, contornando toda a região. Com seus batedores e os mais dispostos de sua gente armados à ligeira, fez depois atacar a retaguarda dos inimigos, pondo todo o seu exército em desordem e causando-lhe perto de oitocentas mortes. Aníbal, em consequência, pretendendo subtrair seu campo a esse lugar e percebendo o erro dos guias e o perigo a que o tinham exposto, fê-los enforcar.

XVI. Astúcias de Aníbal

XVI. Quanto a forçar seus inimigos que mantinham os cumes das encostas e expulsá-los dali pela força, ele não via meio algum, nem tinha esperança de consegui-lo. Vendo sua gente amedrontada e presa de desânimo por se ver fechada de todos os lados, sem poder escapar, deliberou Aníbal iludir seu inimigo com o seguinte estratagema: determinou que fossem escolhidos cerca de dois mil bois, dentre os capturados na pilhagem, fazendo-lhes amarrar nos chifres tochas ou ramos de salgueiro e feixes de sarmento. Ordenou em seguida aos encarregados que, à noite, quando lhes fosse dado sinal, pusessem fogo aos feixes, e tocassem os boi, encosta acima, na direção das passagens e posições ocupadas pelo inimigo. Enquanto isso se preparava, ele, por sua vez colocou o exército em formação de batalha, e depois, quando a noite veio, fê-lo avançar lentamente.

XVII. Ora, enquanto se manteve pequeno o fogo ateado ao material que lhes fora preso aos chifres, os bois caminharam calmamente morro acima no sopé das montanhas para onde os tocavam, provocando espanto entre os pastores e boiadeiros nos cimos das encostas, os quais percebiam os fogos nos chifres dos bois, como se fosse um exército marchando, em ordem, à luz de archotes. Quando porém, os cornos foram queimados até a raiz e a sensação do fogo penetrou a carne viva, começaram os bois a debater-se e a sacudir as cabeças, cobrindo-se uns aos outros de fogo cada vez mais. Deixaram então de caminhar calmamente em ordem, e, movidos pelo terror que os tomou e pela dor que sentiam, começaram a correr de um lado para outro através das montanhas, e levando a chama nos chifres e nas caudas, ateavam logo às matas e bosques por onde passavam. O fato causava estranheza, inquietando muito os romanos que guardavam as passagens dos montes. Cuidavam eles tratar-se de homens que corriam daqui para ali com tochas nas mãos, pelo que ficaram amedrontados e confusos, pensando serem os inimigos que avançavam contra eles para cercá-los de todos os lados. Não ousaram assim manter-se nas posições onde haviam sido colocados e abandonando as gargantas, fugiram para seu grande acampamento. Os batedores de Aníbal, armados à ligeira, tomaram imediatamente essas* passagens, e o resto do seu exército teve calma bastante para marchar tranquilamente até ali, sem temor nem perigo, não obstante achar-se carregado e tolhido por grande quantidade de despojos de toda espécie.

XVIII. Fábio, entretanto, percebeu logo, nessa mesma noite, que se tratava de um ardil de Aníbal, porque alguns dos bois, enquanto fugiam de um lado para outro, caíram entre suas mãos. Temendo porém, alguma emboscada entre as sombras noturnas, manteve sua gente em formação de batalha sem mover-se nem fazer barulho, e de manhã, mal o dia começou a surgir, avançou sobre as pegadas do inimigo, caindo-lhe sobre a retaguarda e atacando os derradeiros dentre eles nas gargantas da montanha, levou a desordem a toda a hoste adversária. Aníbal enviou então, da vanguarda, certo número de espanhóis, homens leves e dispostos, habituados a galgar montanhas, os quais, carregando contra os romanos equipados pesadamente, mataram muitos deles, obrigando Fábio a retirar-se. O ditador romano foi, em consequência, ainda mais escarnecido e’ censurado que antes, porque, recusando-se a combater Aníbal em luta aberta, pretendendo miná-lo por astúcia e prudência, via-se por ele enganado e superado nesse mesmo campo.

XIX. Firmeza do Senado que não quer resgatar os prisioneiros. Fábio vende suas terras para seu resgate

XIX. Desejando Aníbal, além disso, inflamar ainda mais a ira e o rancor dos romanos contra Fábio, determinou, ao aproximar-se de suas terras, que se queimasse e devastasse toda região, sem contudo tocar de forma alguma nas suas propriedades onde colocou guardas para impedir, expressamente, que se subtraísse delas qualquer coisa ou se causasse ali algum dano. Conhecido o fato em Roma, agravou-se o descontentamento, acrescendo que os tribunos do povo, não cessavam de gritar contra Fábio nas arengas públicas, estimulados principalmente por um certo Metelo, que o fazia, não por inimizade ao ditador, mas por ser parente de Minúcio, comandante da cavalaria, considerando que a má opinião firmada em relação a um, se transformaria em louvor e proveito para o outro. O próprio senado se irritou contra Fábio, pelo acordo que havia firmado com Aníbal, relativo aos prisioneiros de guerra.

Aquiescera este em permutar os prisioneiros, entregando homem por homem, ou ao pagamento432 de duzentos e cinquenta dracmas de prata por cabeça, caso uma parte tivesse maior número que a outra. Quando a permuta foi feita por essa forma, verificou-se que Aníbal tinha duzentos e quarenta romanos de sobra. O senado decidiu que não se enviaria dinheiro para libertá-los, e censurou asperamente a Fábio por ter feito esse acordo, como não sendo nem digno nem Vantajoso para a coisa pública, uma vez que se destinava a recuperar gente que, por covardia, se tinha deixado prender pelos inimigos. Fábio, ciente disso, suportou pacientemente a ira do senado, mas não tendo dinheiro e não querendo faltar à palavra empenhada, nem abandonar seus concidadãos prisioneiros, enviou seu filho a Roma com procuração para vender suas terras e trazer-lhe incontinente o produto da venda. O jovem obedeceu e vendendo as herdades do pai, trouxe-lhe em pouco tempo, ao acampamento, o dinheiro com o qual Fábio recuperou os prisioneiros, enviando seu resgate a Aníbal. Muitos, entre os libertos, quiseram depois reembolsá-lo, mas ele nada quis receber, resgatando a todos.

XX. Vai a Roma para os sacrifícios solenes. Redobra a audácia de Minúcio, que combate contra a ordem expressa de Fábio e é derrotado

XX. Chamado em seguida a Roma pelos sacerdotes, para a realização de determinados sacrifícios solenes, Fábio deixou o exército nas mãos de Minúcio para que o dirigisse em sua ausência, sob a condição de não atacar nem combater o inimigo. Quanto a isso ele não só o proibiu expressamente com seu poder soberano, como ainda o admoestou C suplicou com toda insistência, como a um amigo Preocupando-se Minúcio bem pouco com todos esses pedidos e ordens, começou em seguida, a provocar o adversário, mal Fábio virou as costas, e tendo um dia observado, que Aníbal enviara boa parte do exército à busca de forragem e viveu atacou os remanescentes e os levou de roldão até o interior do acampamento com grande morticínio ( maior espanto dos sobreviventes, que ali se viram na contingência de ser sitiados. Quando depois se reuniu todo o exército inimigo, Minúcio conseguiu retirar-se à vontade, sem perder coisa alguma. O êxito encheu-o ainda mais de arrogância e aos soldados de temeridade. A notícia dessa derrota alastrou-se imediatamente até Roma, onde a fizeram maior do que tinha sido. Ouvindo-a. Fábio disse que temia muito mais a prosperidade de Minúcio do que a sua adversidade. A plebe, porém, entrou em grande alegria e com intensa demonstração de regozijo acorreu a praça onde Metelo, um dos tribunos do povo, subindo à tribuna das arengas, fez-lhe um sermão no qual exagerou e louvou ao máximo as virtudes de Minúcio, e acusando Fábio, não de vileza e covardia, mas de traição, inculpou também as outras principais personagens de Roma, dizendo que, desde o começo, tinham encontrado meios de prolongar essa guerra com o fim de arruinar a autoridade e o poder do povo. Disse que estas haviam feito cair os negócios sob a direção de uma monarquia, cujas dilações e delongas dariam a Aníbal o vagar suficiente para fixar-se e manter-se na península até que, com o tempo, os cartagineses tivessem meios de enviar-lhe o reforço de um segundo exército, para total conquista, e domínio da Itália.

XXI. Ouvindo-o falar Fábio avançou para dirigir-se ao £ovo e sem perder tempo em dar resposta às acusações feitas contra ele pelo tribuno, declarou que lhe cabia terminar prontamente os sacrifícios e cerimônias do serviço divino, a fim de voltar ao campo e expulsar Minúcio, por ter combatido contra sua expressa proibição. Mal pronunciara essas palavras, levantou-se, em seguida, um grande rumor e tumulto entre o povo, em virtude do perigo que corria Minúcio, porque o ditador tem poder para levar à prisão e fazer matar quem bem lhe pareça, sem figura de processo e de juízo. Supunha-se que Fábio, uma vez saído da costumeira clemência e bondade, ia fazer-se tão duro em seu rancor, que se tornaria difícil aplacá-lo. Não houve, em toda a assistência, quem não se calasse de medo. O tribuno Metelo apenas, que, por lei, podia dizer tudo, pela segurança a ele atribuída pelo cargo, único que retém a autoridade quando há um ditador eleito, sendo os demais suprimidos, suplicou insistentemente ao povo que não abandonasse Minúcio, nem permitisse que viesse a sofrer o que Manlio Torquato impusera outrora ao filho, a quem fez cortar a cabeça após ter vencido e destruído corajosamente o inimigo. Admoestava-o assim a retirar de Fábio esse poder ditatorial, entregando seus negócios nas mãos de quem desejava e saberia conduzi-los a bom porto.

XXII. O povo, muito emocionado com essas palavras sediciosas, não ousou entretanto, constranger Fábio a deixar a suprema autoridade da ditadura, embora muito descontente com ele. Decidiu porém que Minúcio viesse a ter, daí em diante, poder e autoridade iguais aos do ditador na conduta dos negócios, fato nunca visto antes, mas que veio a repetir-se logo depois por ocasião da derrota de Canas. Estando em atividade, a esse tempo, o ditador Marco Júnio, elegeu-se outro ditador, Fábio Buteo para nomear e instituir novos senadores, substitutos dos que haviam morrido na batalha. Depois porém, de ter nomeado e completado o conselho senatorial, cancelou Buteo, no mesmo dia, os lictores que levavam as achas diante dele, dispensou o séquito de honra que o acompanhava e, misturando-se com a multidão da praça, passou a tratar dos seus negócios privados como qualquer particular.

XXIII. Supunham os romanos que Fábio, vendo atribuir-se a Minúcio poder igual ao seu, magoar-se-ia muito com isso e ficaria extremamente chocado. É porque não conheciam de todo sua natureza. Ele não se preocupou senão com a possibilidade da loucura popular transformar-se para os romanos em de graça, dano ou desonra, e como Diógenes, o sábio, respondeu a alguém que lhe dizia: «Essa gente escarnece de ti», declarando: «Eu não me considero Escarnecido». Queria dizer com isso que reputava Objeto de mofa somente quem se apaixona e perturba Com zombarias. Fábio suportou calmamente e sem paixão nenhuma, tudo quanto o povo fazia em relação a ele como particular. Tornou-se assim exemplo e prova manifesta para os filósofos que afirmam serem o sábio e o homem de bem, invulneráveis à injúria e à desonra. Toda a preocupação que ele sentia pelo desvario popular, prendia-se exclusivamente ao seu interesse pela coisa pública, uma vez que a plebe atribuíra a um estouvado e temerário os meios para satisfazer a sua louca ambição em assunto militar.

Temendo por isso que Minúcio, cego de vaidade e presunçosa opinião de si mesmo, viesse a precipitar-se, provocando algum mal considerável, antes de sua chegada, partiu Fábio inopinadamente de Roma sem que ninguém o soubesse, para voltar ao campo onde encontrou Minúci o de tal forma petulante e soberbo que já não era suportável. Ele pretendia que, alternativamente, se lhe atribuísse autoridade para comandar todo o exército. Fábio não o consentiu, aquiescendo porém em repartir com ele, por metade, toda a tropa, considerando ser melhor que ele comandasse sempre, apenas uma parte dela, do que a sua totalidade, em revezamento. Escolheu para si a primeira e a terceira legiões e entregando a segunda e a quarta, partilhou de modo semelhante as tropas aliadas auxiliares. E como Minúcio se gabasse vangloriasse de que por amor dele, tinha sido reduzida e rebaixada a majestade da suprema magistratura, Fábio observou-lhe que lhe cabia a prudência de pensar não ser a ele Fábio mas a Aníbal, que era preciso combater, e se, por ciúmes, insistia em obcecar-se na luta contra seu companheiro, devia no menos perceber que a Minúcio vencedor, tão honrado por seus concidadãos, não lhe cabia menor soliciltide pela segurança e salvação dos mesmos do que a Fábio, vencido e tratado ignominiosamente por eles, Minúcio recebeu essa advertência como zombaria simulada e coberta, à maneira dos velhos, e tomando a metade do exército, a ele atribuída, foi acampar sozinho, à parte.

XXIV. Aníbal não ignorava coisa alguma do debate e espreitava todas as ocasiões propícias para aproveitar da discórdia. Ora, havia entre os campos uma elevação não difícil de atingir, constituiu do uma bela posição para alojar um acampamento seguro, com conforto e facilidade para todas as coisas. A região circundante, vista de longe, parecia totalmente plana e unida, não sendo coberta por nenhum bosque. Havia nela, entretanto, algumas de pressões e vales intercalados. Aníbal em consequência, ainda que tivesse meios para apoderar-se facilmente do outeiro de improviso, se assim o quisesse, não o fez entretanto, deixando-o como isca para atrair seus inimigos ao combate. Quando percebeu Municio separado de Fábio, Aníbal espalhou, certa noite, bom número de seus homens por essas depressões e vales, enviando depois, ao raiar do dia, uma a tropa não muito considerável, à descoberta, para ocupar a dita eminência, esperando, por esse meio levar Minúcio a combater pela posição, como de fato aconteceu. Minúcio, a princípio, enviou ali seus batedores, depois toda a cavalaria e finalmente, vendo que o próprio Aníbal vinha em apoio de sua gente sobre o outeiro, avançou também com todo o resto de suas forças em batalha campal e fez um grande esforço para expulsar os que defendiam a elevação. O combate durou algum tempo equilibrado entre ambas as partes, até que Aníbal vendo o adversário apanhado, de fato, em sua armadilha, oferecendo as costas da tropa, totalmente desguarnecidas, à sua gente colocada de tocaia, transmitiu subitamente o sinal convencionado e levantando-se todos os seus, de um golpe, lançaram-se com grande gritaria sobre a retaguarda dos romanos, e matando um número considerável no primeiro choque, colocaram os demais em tamanha confusão e tão grande medo que não é possível exprimir. Dissolveu-se a bravata de Minúcio e a sua arrogante audácia. Ele encarava ora um ora outro dos seus capitães, e não via nenhum com a coragem de resistir, estando todos prestes à. fuga que se teria transformado cm sua ruína total, porque os munidas, percebendo-se mais fortes, começavam já a espalhar-se por toda a planície circunvizinha, estraçalhando a todos quantos debandavam.

XXV. Fábio corre em seu auxílio, ataca o inimigo, e força Aníbal a retirar-se

XXV. Tendo a gente de Minúcio caído em tal dificuldade, Fábio que previra muito bem o perigo em que iam incorrer, e por essa razão mantinha seu exército pronto, em formação de batalha, teve o cuidado de estudar o que cabia fazer, não pelo relatório de mensageiros, mas por observação própria que fez de cima de um pequeno cabeço existente diante de seu campo. Ao ver Minúcio e sua tropa envolvidos, de todos os lados e já em atitude de fuga, e ao ouvir seus gritos, não de gente movida pelo ardor do combate, mas de homens aterrados que procuravam salvar-se rapidamente, bateu a mão sobre a coxa e suspirando profundamente, disse aos que o rodeavam: «Ó deuses, Minúcio foi por suas mãos precipitar-se em sua ruína, antes mesmo do que eu esperava e mais tarde do que ele próprio o quis!» Ao dizer isso porém fez avançar ao mesmo tempo os porta-bandeiras com toda celeridade gritando alto: «Meus amigos, é preciso nos apressarmos para socorrer Minúcio, que é homem pessoalmente corajoso e ama o bem e a honra do seu país. Se ele, por acaso, errou, por excesso de precipitação, cuidando expulsar os inimigos, não é tempo agora de acusá-lo. Nós o censuraremos mais tarde.» E logo ao chegar em seu ataque, rompeu e dispersou os munidas, mantidos à espreita na planície, e avançou para diante até atingir os que arremetiam contra a retaguarda dos romanos, onde matou quem se deteve para fazer-lhe frente, enquanto os demais, temendo cair no mesmo perigo em que haviam colocado os romanos, recorreram à fuga antes de serem envolvidos completamente.

XXVI. Vendo Aníbal a mudança, e ao perceber como Fábio em pessoa, rompendo a massa dos combatentes ia subindo o outeiro para alcançar o local onde se encontrava Minúcio, fez cessar o combate, ordenando o toque de retirada e reconduziu sua gente para o acampamento ficando também os romanos muito satisfeitos de poder retirar-se a salvo. Conta-se que Aníbal, ao retirar-se, disse rindo a seus amigos: «Eu não vos disse muitas vezes que essa nuvem sempre presa ao cimo das montanhas, ia arrebentar-se finalmente algum dia, para tombar sobre nós em tempestade e borrasca?»

XXVII. Minúcio reconhece sua falta: chama Fábio seu pai e salvador

XXVII. Depois desse encontro, Fábio, após despojar os mortos abandonados no terreno, retirou-se também para seu campo, sem deixar escapar da boca uma única palavra ofensiva nem desagradável contra seu companheiro. Minúcio porém, assim que chegou à sua primitiva posição, reuniu seus homens, e disse-lhes: «Meus amigos, não errar jamais no manejo de grandes negócios é coisa que ultrapassa a natureza humana. Mas servir-se das faltas passadas como de lição para o futuro, é próprio dos sábios e virtuosos. Confesso, quanto a mim, não ter menos ocasião de agradecer que de queixar-me da sorte, porque tudo quanto um longo tempo não me pudera ensinar, aprendi em parte bem pequena de um só dia: não sou capaz de comandar mas, pelo contrário, tenho eu mesmo necessidade de ser dirigido e orientado por outro. Não devo teimar como desvairado em querer sobrepujar aqueles de quem me honra confessar-me vencido. Declaro-vos, pois que o ditador Fábio será quem, de hoje em diante, vos comandará em todas as coisas, e, para dar-lhe a conhecer nossa gratidão pela graça que hoje nos concedeu, eu mesmo vos levarei a ele para a agradecerdes e serei o primeiro em obedecer às suas ordens, cumprindo tudo quanto ele me determinar.

XXVIII. Depois de pronunciar essas palavras, ordenou aos porta-insígnias que o seguissem e marchou na frente, em direção ao campo de Fábio onde logo ao chegar, encaminhou-se diretamente para a tenda do ditador, provocando o espanto de todos que não sabiam qual era sua intenção. Fábio saiu a seu encontro e Minúcio, lançando-lhe aos pés suas insígnias, chamou-o pai em alta voz e os seus soldados chamaram aos de Fábio patronos, nome que os servos libertos atribuem a quem os tira da servidão. Quando depois o rumor se acalmou, Minúcio declarou alto, com toda a clareza: «Senhor ditador, obtiveste hoje duas vitórias, uma sobre Aníbal a quem venceste num feito de armas e outra sobre mim, teu companheiro, a quem venceste em prudência e bondade. Pela primeira nos salvaste, pela segunda, nos ensinaste. E nós fomos igualmente vencidos de duas maneiras, uma por Aníbal para vergonha nossa, outra por ti para nossa honra e salvação. Eu te chamo portanto, meu pai, não encontrando outro apelido mais venerável com que te possa honrar e sentindo-me mais obrigado a ti, pela graça hoje recebida, do que ao pai que me gerou; por ele fui apenas engendrado enquanto por ti fui salvo em companhia de tantas outras pessoas de bem aqui presentes.» Dizendo essas palavras ele abraçou Fábio enquanto os soldados se estreitavam também nos braços e beijavam-se uns aos outros, enchendo-se o campo de carícias e lágrimas derramadas por excesso de alegria.

XXIX. Fábio deixa a ditadura. Consulado de Paulo Emílio e de Terêncio Varrão

XXIX. Tendo-se Fábio exonerado, depois, da magistratura ditatorial, foram de novo eleitos cônsules433, os primeiros dos quais mantiveram a mesma forma de comando adotada por Fábio, evitando oferecer batalha a Aníbal e enviando sempre socorros a seus súditos e aliados para entretê-los e impedi-los de rebelar-se. Assim foi, até que Terêncio Varrão, de origem humilde, mas conhecido bastante pela sua audácia temerária e pelo crédito obtido por suas lisonjas junto ao povo, veio atingir a dignidade consular. Viu-se logo que por seu atrevimento e falta de experiência, ele iria arriscar tudo imediatamente ao acaso de uma batalha, pois bradava em todas as assembleias do povo, que essa guerra duraria ininterrupta enquanto se elegessem Fabianos por capitães, gabando-se publicamente que logo ao primeiro dia em que visse os inimigos ele os destroçaria. Repetindo sempre essas arrogantes palavras, ele congregou uma força, de proporções jamais igualadas antes pelos romanos contra qualquer inimigo. Foram postos em campo até oitenta e oito mil combatentes e Fábio, juntamente com os demais romanos de bom senso, sentiram-se tomados de grande temor por não verem saída para os destinos de Roma, caso viessem a perder tão numerosa juventude.

XXX. Fábio, em consequência, dirigiu-se ao outro cônsul de nome Paulo Emílio, homem muito entendido em assuntos de guerra, malquisto porém da plebe, cuja ira ainda temia em razão de certa multa a que fora por ela condenado em favor da coisa pública. Animando-o, Fábio o admoestou e encorajou a resistir à louca temeridade de seu companheiro, observando-lhe que ele, para promover a salvação do país, teria de haver-se não só com Aníbal como com Terêncio Varrão, porque ambos procuravam o combate. Varrão o fazia por não entender em que consistia a vantagem de suas forças, o outro por conhecer exatamente sua fraqueza. «Mas é mais razoável que me creias, em tudo o que concerne aos negócios de Aníbal, do que a Terêncio Varrão, e eu te asseguro que se este ano não lhe fo concedida, oportunidade para combater, será necessário, ou que ele se arruine por si mesmo se permanecer, ou que fuja vergonhosamente com seu exército, visto que até o momento, embora pareça vitorioso e senhor da terra., não houve ainda ninguém de entre seus inimigos que se tenha passado para seu partido e que- da tropa trazida por ele de seu país, não lhe resta hoje senão um terço.» A essas demonstrações respondeu-lhe o cônsul, segundo consta: «Quando considero a minha situação, senhor Fábio, parece-me a mim preferível tombar morto entre as lanças dos meus inimigos, a cair de novo, sob os votos e sufrágios dos nossos concidadãos. Uma vez, entretanto, que o bem da república, exige que se proceda de acordo com a tua orientação, esforçar-me-ei para ser considerado como capitão prudente, antes por ti exclusivamente, do que por todos os demais em conjunto, que me quiseram levar à tese contrária.»

XXXI. Batalha de Canas

XXXI. Paulo Emílio partiu de Roma, com essa intenção, mas Terêncio, seu companheiro, exigiu, por toda força, que eles cada dia, comandassem, alternativamente, o exército todo, com plenos poderes, um depois do outro e foi, em seguida, acampar à margem do rio Aufido, junto ao burgo denominado Canas. No dia em que, a seu turno, lhe coube o comando fez expor bem cedo o sinal de batalha, uma cota de armas tinta de escarlate estendida sobre a tenda do comandante, e com tal atitude que os próprios inimigos, a princípio, se assustaram, vendo a ousadia desse novo capitão e o grande número dos seus combatentes dos quais o deles, não atingia a metade. Aníbal, todavia, ordenou a seus soldados que se armassem e mantivessem prontos para o combate, enquanto ele com pequeno séquito, subiu a cavalo sobre uma elevação não muito rude de onde podia observar nitidamente todo o campo dos romanos, e viu como estes já se alinhavam em formação de batalha. E como um dos de sua companhia, chamado Giscão, homem nobre e de condição semelhante à sua, dissesse que o número dos inimigos, visto assim de longe, lhe parecia espantosamente grande, respondeu-lhe Aníbal, franzindo o cenho: «Há ainda uma outra coisa bem mais espantosa que tu não percebeste, Giscão». «E qual é?» perguntou-lhe este, incontinente. «É, disse aquele, que em tão grande número de combatentes, à tua vista, não há nenhum que se chame Giscão como tu». Esse gracejo pronunciado ao contrário do que esperavam os ouvintes, certos de que ia dizer uma coisa importante, fê-los rir gostosamente. Desceram, assim, rindo o outeiro e iam contando a burla aos que encontravam pelo caminho, de sorte que a risada espalhou-se por quase todo o campo, e o próprio Aníbal não podia conter-se. Vendo-o, os soldados cartagineses, sentiram-se em grande segurança, deduzindo que o seu general não brincaria assim perto do perigo, sem sentir-se decididamente o mais forte, e sem ter justa causa para desprezar o inimigo.

XXXII. Aníbal, usou, além disso, durante a batalha, dois estratagemas de capitão experimentado: o primeiro relaciona-se à posição em que colocou sua gente para a luta de maneira a terem o vento pelas costas, porque soprava um vento impetuoso e abrasador, como um turbilhão de chamas. Levantava-se da planície, muito extensa e arenosa, um pó ardente como fogo. O vento impelindo-o por cima da tropa cartaginesa lançava-o com tal violência contra os olhos e a face dos romanos, que os obrigava a volver o rosto para trás, perturbando suas fileiras. O segundo estratagema se refere à forma pela qual dispôs sua gente, ao colocar de um lado e de outro lado, nas duas alas, os melhores combatentes e os homens mais valentes de sua hoste. O centro foi preenchido com os piores e mais inúteis dos seus soldados.

Com esse centro construiu Aníbal uma espécie de vanguarda, que foi lançada para frente, ultrapassando de muito os dois lados da linha de batalha. Determinou, em seguida, às alas, que quando os romanos tivessem rompido essa primeira frente e perseguissem os retirantes, forçando o centro da tropa cartaginesa a curvar-se em meia-lua, e a absorver assim em seu bojo os inimigos, que elas se precipitassem então sobre os atacantes, de um lado e de outro, arremetendo incontinente contra eles pelos flancos e envolvendo-os pela retaguarda. Foi essa a causa do maior morticínio, pois quando o centro começou a recuar recebendo em seu interior os romanos que avançavam porfiadamente, a disposição da tropa de Aníbal mudou de aparência, porque forçado o saliente a princípio constituído, sua figura tomou o aspecto de uma meia-lua. Os capitães dos bandos escolhidos, colocados nas extremidades, fizeram então, meia volta com sua gente, uns à direita, outros à esquerda, e atacaram os romanos pelos flancos e por trás onde se viam desguarnecidos, fazendo em pedaços todos os que não puderam escapar rapidamente, antes do envolvimento. Sobreveio também outro contratempo fortuito para a cavalaria romana, segundo se conta, por ter sido ferido o cavalo do cônsul Paulo Emílio, dando com este em terra. Os que estavam mais próximos dele apearam imediatamente, para socorrê-lo, resultando disso que os mais afastados, supondo tratar-se de uma ordem geral, abandonaram os cavalos para combater a pé. Ao percebê-lo, declarou Aníbal: « Eu os prefiro assim do que se me tivessem sido entregues, pés e mãos atados». Quanto a essas particularidades, porém, os que escreveram pormenorizadamente a história, as expõem de forma mais completa.

XXXIII. Dos dois cônsules, aliás salvou-se apenas Varrão a cavalo com pequeno acompanhamento, entrando na cidade de Venusia. Paulo, na multidão e no aperto do caminho, com o corpo crivado de setas ainda mergulhadas nas feridas, e o coração esmagado por tão angustiosa mágoa de ver a derrota dos seus, ficou sentado junto a uma rocha, esperando que algum dos inimigos viesse acabá-lo de matar. Poucos o reconheciam em virtude da grande quantidade de sangue que lhe maculava a cabeça e a face. Seus próprios amigos e servidores passavam adiante sem percebê-lo. Houve apenas um jovem de casa nobre e patrícia, chamado Cornélio Lentulo, que o tendo reconhecido, se viu no dever de o salvar e apeando imediatamente, trouxe-lhe o cavalo, suplicando-lhe aquiescesse em montá-lo, procurando assim conversar-se como necessário ao seu país, que precisava, como nunca, de um capitão competente e bom. Paulo Emílio, porém, repeliu a oferta e a súplica do jovem fidalgo e o constrangeu a montar de novo embora chorando de compaixão, e levantando-se depois para tocar-lhes na mão, disse-lhe: «Tu dirás de minha parte a Fábio Máximo e o testemunharás, como Paulo Emílio, observou sempre e seguiu seu conselho até o fim, não transgredindo jamais o que combinara, tendo sido, entretanto, forçado primeiramente por Terêncio Varrão e em seguida por Aníbal.» Pronunciando essas palavras, despediu a Lentulo, e desapareceu entre a massa dos que estavam sendo liquidados, onde sucumbiu. Consta que foram mortos nessa batalha, cento e cinquenta mil romanos, caindo prisioneiros quatro mil acrescidos de mais de dez mil, capturados nos dois campos, depois da batalha.

XXXIV. Obtida essa bela vitória, os amigos de Aníbal o aconselharam a prosseguir em sua boa estrela, entrando de envolta com os fugitivos na cidade de Roma, onde, em cinco dias, ele poderia cear no Capitólio. Não é fácil dizer o motivo que o dissuadiu de tomar essa orientação, a não ser, como eu penso antes de mais nada, que se trate de azar favorável ou de algum deus propício ao império romano, que se pôs de permeio, fazendo Aníbal temer e recuar. Conta-se por essa razão, que um cartaginês de nome Barca, dissera-lhe colérico: «Sabes vencer, Aníbal, mas não sabes aproveitar a vitória.»

XXXV. Quase toda a Itália se declara por Aníbal. Consternação em Roma. Intrepidez e prudência de Fábio

XXXV. Esse êxito, entretanto, propiciou-lhe grande mudança. Enquanto anteriormente ele não possuía uma única cidade, uma única praça nem um único porto da Itália, tendo grande dificuldade e trabalho para alimentar seu exército, com aquilo que conseguia arrebatar e obter dia por dia; enquanto não tinha antes um retiro seguro, nem nenhum lugar garantido sobre o qual pudesse fundar a esperança de manter a guerra e ia daqui para ali, errante pelos campos com seu exército, como uma grande tropa de salteadores e ladrões, obteve em contraste, nessa ocasião, a obediência de quase toda a Itália. A maior parte das grandes e mais poderosas nações da península, renderam-se incontinente a ele. A cidade de Cápua, a mais considerável entre as existentes, depois de Roma, bandeou-se para seu lado. Vê-se claramente, por esse notável exemplo, que um grande revés pode fazer conhecer, por experiência, a sabedoria de um capitão e não apenas a fidelidade de um amigo, como diz o poeta Eurípides. O que antes era considerado covardia e displicência de Fábio foi reconhecido, imediatamente após a batalha não mais como discurso de humano bom senso, mas como inspiração celeste e divina, capaz de prever as coisas do futuro a tal distância, que não parecia concebível, nem mesmo a quem as suportava.

XXXVI. Roma, em consequência, depositou logo depois sobre ele, o resto de sua esperança e recorreu a seu conselho como à salvaguarda de um templo ou de um altar. A primeira e principal causa de manter-se o povo junto, sem dispersar-se como o fez ao tempo da tomada de Roma pelos Gauleses, foi a opinião e confiança que se manteve em sua prudência. Enquanto Fábio parecia antes covarde e pouco confiante, quando ainda não tinha sucedido o perigoso desastre, agora em que cada um se perdia em choro e em luto interminável e inútil, e que todo o mundo se encontrava em perturbação tal, que não havia orientação para coisa alguma, ele só, ao contrário, andava pela cidade com seu passo moderado, com o rosto firme e seguro, saudando a todos cortesmente, acalmando os gritos e lamentações femininas e impedindo os ajuntamentos dos cortejos fúnebres, organizados para a lamentação de um morto. Fábio persuadiu também o senado a reunir-se em conselho, e encorajou os que exerciam as magistraturas, tornado-se ele mesmo toda sua força e virtude, porque não havia homem em exercício de cargo público que não lhe lançasse os olhos para saber o que convinha fazer. Por sugestão sua, colocaram-se guardas nas portas da cidade, impedindo a saída de quem desejava fugir e abandonar Roma. Restringiu-se também o tempo e o local do luto, determinando-se a quem o queria manter, que o fizesse privadamente em sua casa. e apenas durante o período de trinta dias, após os quais era obrigatório suspendê-lo para que a cidade se tornasse pura e limpa de tais coisas. Sobrevindo por esses dias a festa de Ceres434, pareceu a Fábio melhor omitir totalmente os sacrifícios e a procissão realizada habitualmente nesse dia, para não dar a conhecer pelo pequeno número e pela tristeza dos que a iriam assistir, as proporções enormes da perda sofrida. Os deuses, além disso, sentem prazer em ser servidos alegremente por quem se sente próspero.

XXXVII. Foi feito, entretanto, tudo quanto os adivinhos determinaram para pacificar a cólera dos deuses ou afastar as ameaças de sinistros prodígios. Enviou-se ao oráculo de Apolo, na cidade de Delfos, um parente de Fábio apelidado Pictor. Duas religiosas vestais, tendo sido corrompidas, foi uma enterrada viva, segundo a lei e o costume, suicidando-se a outra. Cabe aqui admirar a grandeza da coragem dos romanos e a sua magnânima clemência. Voltando o cônsul Varrão de sua derrota, nas Condições mais deploráveis e vergonhosas possíveis sem ousar nem sequer levantar a cabeça, de tal modo se sentia humilhado e perplexo, saiu-lhe o senado, apesar de tudo, ao encontro até a porta da cidade, acompanhado de todo o povo, para recebê-lo com honra. E houve mais. Os que exerciam as magistraturas e os principais do senado, entre os quais Fábio, louvaram-no, quando se fez silêncio, por não ter desesperado da salvação da república após tão grande calamidade, mas ao contrário, ter voltado à cidade para imprimir ordem aos negócios, usar da autoridade das leis e do serviço dos seus concidadãos, reconhecendo ainda meios de salvar-se e ressurgir.

XXXVIII. Ele marcha com Marcelo contra Aníbal

XXXVIII. Quando porém souberam que Aníbal, após a batalha, voltara-se para outras regiões da Itália, encorajaram-se então de novo, e enviaram capitães e exércitos aos campos. Entre eles Fábio Máximo e Cláudio Marcelo, foram os principais. Ambos por motivos opostos, tinham adquirido louvor igual e reputação semelhante. Marcelo, como o escrevemos em sua vida, homem de execução rápida, sempre pronto, ousado de natureza, e semelhante aos que Homero chama marciais e belicosos, era próprio para arriscar-se e aventurar-se atrevidamente em qualquer perigo. Tendo de haver-se com outro capitão audaz e impetuoso como ele, agia com ousadia igual à sua em todos os recontros travados entre ambos. Fábio ao contrário, perseverando sempre em sua primeira decisão, esperava que se ninguém combatesse nem apertasse Aníbal, este se acabaria arruinando e destruindo por si mesmo, com o seu próprio exército minado à força de guerrear continuamente, como o corpo de um campeão luta dor que, por excesso de esforços, se vê aquebranta do e amortecido. Por essa razão, como escreve Posidónio, um foi chamado a espada e o outro o escudo de Roma. A firmeza e constância de Fábio em fazer a guerra com toda a segurança, sem entregar nada ao acaso, acompanhadas da clemência de Marcelo, foi o que preservou o império romano.

Encontrando Aníbal a um deles em seu caminho, a todo momento impetuoso como uma torrente, via seu exército sempre abalado, contundido e cansado, enquanto o outro como um pequeno rio, deslizava suavemente por baixo, sem barulho e o ia continuamente devorando e consumindo pouco a pouco, até ver-se finalmente reduzido a tais termos que, esgotado de bater-se com Marcelo, temia também a Fábio que não combatia jamais. E durante quase todo o tempo desta guerra Aníbal viu pela frente a esses dois capitães como pretores ou cônsules, tendo sido ambos eleitos por cinco vezes ao consulado. Quanto a Marcelo, ar moulhe Aníbal, uma emboscada em seu quinto consulado, onde o surpreendeu e matou.

XXXIX. Novas astúcias de Aníbal

XXXIX. Em relação a Fábio porém, ele o tentou e sondou por muitas vezes, em atalaias, ardis e embustes de toda espécie. Nada conseguiu todavia, a não ser uma vez em que chegou a perturbá-lo, julgando fazê-lo cair em sua armadilha. Aníbal nessa ocasião, contrafizera cartas missivas, como se os principais da cidade de Metaponto tivessem escrito a Fábio solicitando sua vinda para entregar-lhe nas mãos a cidade, aguardando apenas os conluiados que ele se aproximasse. Essa carta entusiasmando de certo modo a Fábio, levaram-no quase a decidir-se a ir até lá durante a noite, com parte do seu exército. Como porém os sinais dos pássaros não lhe augurassem êxito. Fábio desistiu da ideia. Pouco depois ele veio a saber que as cartas tinham sido habilmente forjadas por Aníbal, para apanhá-lo de surpresa em uma tocaia por ele pessoalmente preparada perto da cidade. O fato, entretanto, se deve atribuir, sem a menor dúvida, à graça dos deuses que o quiseram preservar.

XL. Fábio mantém por sua doçura a cidade e o exército no cumprimento do dever

XL. De resto quanto às rebeliões das cidades sujeitas e ao levante dos povos aliados, Fábio era de opinião que valia mais contê-los, tratando-os com doçura e humanidade e levando-os a envergonhar-se de se agitarem sem motivo, do que ir com severidade sindicar todas as suposições, ou agir com excesso de rigor, contra os suspeitos de alguma coisa. Conta-se, a esse propósito, ter existido em sua tropa um soldado marsiano435 de nação, pessoalmente corajoso e de estirpe tão nobre quanto as que mais houvesse entre os aliados. Esse soldado conversara com outros sobre a possibilidade de entregar-se aos inimigos. Percebendo-o Fábio, não o incriminou por isso, mas, chamando-o a si, disse-lhe «que confessava não ter feito dele a conta merecida e por esse lapso, afirmou, censuro por ora os oficiais que distribuem as menções e honras por graça e favor e não por mérito. Doravante porém, atribuirei o erro a ti mesmo, se não te dirigires a mim de quando em quando, para me contar particularmente as tuas necessidades, nos momentos em que precisares de alguma coisa.» Dizendo essas palavras, deu-lhe um cavalo de serviço para a guerra e o homenageou com outros prêmios honrosos com que se costuma recompensar a gente de bem. Esse soldado, tornou-se daí por diante, muito fiel e devotado ao serviço dos romanos.

XLI. Fábio pensava muito acertadamente que não havia razão nenhuma para os monteiros, escudeiros e outros homens de serviço, ocupados em domesticar os animais, não procurarem vencer a rebeldia selvagem da natureza destes, mais por diligência, hábito e cuidado com o seu alimento, do que pelo açoite e a peia. Da mesma maneira segundo ele, cabia a quem se decide a dirigir os homens, usar mais paciência, doçura e clemência para corrigi-los, do que rudeza. Não seria razoável que fossem estes tratados mais áspera e duramente do que os lavradores o fazem com as figueiras, oliveiras e macieiras selvagens, as quais domesticam e amansam tão bem, que as transformam em boas figueiras, boas oliveiras e boas macieiras436.

XLII. Ele engana Aníbal e surpreende Tarento

XLII. De outra feita, comunicaram-lhe alguns oficiais que um dos seus soldados se afastava frequentemente do acampamento, abandonando seu posto. Perguntou-lhe Fábio como se comportava ele quanto ao resto. Responderam todos unanimemente, que era um ótimo homem de guerra, sendo difícil encontrar outro igual em toda a tropa. Narraram-lhe, ao mesmo tempo, algumas proezas notáveis e outras provas que havia dado. Fábio, em consequência, fez inquirir cuidadosamente a razão pela qual abandonava o campo com tanta frequência e verificou que ele se apaixonara de uma jovem e por esse motivo deixava sempre seu posto para vê-la arriscando muito a própria vida, em virtude da grande distância do lugar do encontro. Ciente do fato, sem que o soldado o soubesse, Fábio enviou gente para prender a moça escondendo-a depois em sua tenda. Chamou em seguida o soldado, lucaniano de nação, e tomando-o à parte, disse-lhe: «Estou bem ao par de teres dormido muitas noites fora do campo, contra as leis e ordenações militares dos romanos. Soube também, em todo caso, que és homem de bem quanto ao mais. Perdoo-te portanto as faltas passadas, em consideração dos teus bons serviços. Doravante porém, te porei sob a guarda de quem me dará conta de ti.» O soldado espantou-se muito de ouvir essas palavras e Fábio, fazendo sair sua amiga, entregou-lha dizendo: «A esta caberá responder perante mim, que daqui por diante ficarás conosco no campo. Cabe-te a ti alias, convencer-nos que não era por outra razão condenável que tu escapavas, servindo-te do amor como pretexto.» Eis o que se encontra escrito a esse propósito.

XLIII. Fábio, de resto, reconquistou pela maneira seguinte a cidade de Tarento que lhe tinha sido arrebatada por traição: havia em seu campo um jovem tarentino irmão de uma moça da cidade que lhe era muito submissa e o amava sinceramente. Era seu amante um capitão brúcio de nação, um dos que Aníbal tinha encarregado da guarda da cidade. O fato deu esperança e possibilidade ao moço tarentino de levar a cabo sua empresa. Obtendo consentimento de Fábio penetrou em Tarento, dando a entender que ele queria, a qualquer preço retirar-se para junto da irmã. Durante os primeiros dias de sua permanência, o capitão brúcio dormiu sozinho, à parte, a pedido da moça, convencida de que o irmão ignorava seu caso. Após alguns dias porém, tomou-a o jovem à parte e disse-lhe: «Minha irmã, era muito comentado até no campo dos romanos, que estavas sendo sustentada por um dos chefes desta guarnição. Peço-lhe me digas quem é ele. Desde que se trate de um bom companheiro, digno também, como consta, e dado que a guerra confunde todas as coisas, o fato não tem maior importância. Não há nada de desonesto naquilo que se faz constrangido e constitui grande felicidade, em tempos onde o direito e a razão não têm lugar, te encontrares ao menos entre as mãos de um senhor bom e afetivo.» A moça ouvindo essas palavras, mandou procurar o capitão brúcio e o apresentou ao irmão que se pôs imediatamente, a falicitar-lhe o amor fazendo a irmã tornar-se ainda mais meiga e atraente do que antes. O capitão, por esse meio, começou a ter confiança nele, sendo fácil, daí por diante, ao moço tarentino captar e transmudar a vontade desse homem apaixonado e mercenário, na esperança dos grandes presentes que lhe eram prometidos por parte de Fábio. A maior parte dos historiadores narram assim os fatos. Há entretanto quem escreve que a mulher sedutora do capitão brúcio não era tarentina mas brúcia também, servindo-se Fábio dela, no dizer desses autores, como concubina. Segundo os mesmos, tendo ela sabido que o capitão dos brúcios de guarnição em Tarento, era natural da sua própria região, mencionou o fato a Fábio e, com seu consentimento, aproximou-se das muralhas da cidade, falando de forma tão hábil com o capitão, que o seduziu.

XLIV. Enquanto porém se urdia a trama, querendo Fábio distrair e afastar Aníbal desse setor, escreveu à gente de guerra favorável aos romanos de guarnição na cidade de Rege,437 determinando-lhe que penetrasse no país dos brúcios e fosse sitiar a cidade de Caulonia para arrasá-la e destruí-la. Essa gente que atingia o número aproximado de oito mil homens, era composta de traidores na maior parte, tendo-se bandeado de um campo para outro.

Transferidos por Marcelo da Sicília para esse local, eram os mais inúteis entre os marcados de infâmia pelo seu mau comportamento. Perdendo-os, a coisa pública não sofreria grande perda nem teria motivo bastante para lamentá-los. Fábio imaginou que os expondo como isca longe das cercanias de Tarento, ele conseguiria atrair Aníbal para fora desse setor, como de fato aconteceu. Para apanhá-los insinuou-se Aníbal rapidamente com seu exército por essa região, enquanto Fábio sitiava Tarento. Seis dias depois de sua chegada o jovem que, com a irmã, tramara com o capitão brúcio, veio uma noite até ele, depois de’ ter notado e assinalado o local onde ficaria de guarda o brúcio, o qual prometera deixar passar os assaltantes desse lado. Fábio todavia, não quis fundar a esperança de êxito sobre a traição do brúcio exclusivamente. É verdade que se apresentou em pessoa diante do local indicado mas sem nada tentar durante algum tempo. Enquanto isso porém fez assaltar vivamente, todos os demais lados da cidade, tanto por mar como por terra com grande rumor e gritaria. Quando o capitão brúcio viu todos os da cidade e da guarnição correrem para o local de onde vinha tanto barulho, fez sinal a Fábio de que era o momento. Foram então trazidas muitas escadas e Fábio subiu com sua tropa às muralhas apossando-se assim da cidade.

XLV. Enormidade da presa

XLV. Parece entretanto, que nessa passagem ele se deixou vencer pela ambição ao ordenar antes de mais nada, a morte dos brúcios, para ninguém saber que a tomada da cidade se dera por traição. Enganou-se todavia se esse foi o seu intento, porque não somente deixou de obter a glória esperada pelo seu feito, como incorreu na censura de felonia e crueldade. Morreram, também nessa conquista, grande número de tarentinos, sendo ainda vendidos trinta mil como escravos. Toda a cidade foi saqueada e da pilhagem foram recolhidos três mil talentos ao Tesouro Público de Roma438. Conta-se que durante o saque, enquanto se arrecadava toda a espécie de despojos, o escrivão que fazia as anotações perguntou a Fábio o que deveria fazer dos deuses representados por quadros e imagens. Fábio ter-lhe-ia respondido: «Deixemos aos próprios Tarentinos seus deuses enfurecidos.» Ele mandou contudo, transportar para Roma a enorme estátua de Hércules existente em Tarento e colocando-a no Capitólio, fez erigir em bronze, junto a ela, sua própria imagem equestre. Fábio se mostrou nessa ocasião muito mais violento que Marcelo, ou melhor, fez ver ao mundo como era admirável a humanidade, clemência e bondade de Marcelo, como mencionamos em sua vida.

XLVI. Segundo triunfo de Fábio

XLVI. Tendo tido notícias do assédio, Aníbal se pusera a caminho para vir, com a maior diligência, socorrer Tarento não conseguindo chegar a tempo ante a cidade, segundo se conta, por cerca de duas léguas e meia apenas. Quando soube com certeza da tomada da praça, disse alto e em público: «Os romanos tem também o seu Aníbal. Perdemos Tarento pela mesma maneira que a tínhamos conquistado.» Quando porém, se recolheu à intimidade, disse pela primeira vez a seus familiares, que previra, havia muito, a dificuldade de manter a Itália com as forças de que dispunha, mas só agora percebera com evidência, ser-lhe inteiramente impossível consegui-lo.

XLVII. Fábio em virtude dessa conquista, entrou em triunfo na cidade de Roma439 pela segunda vez, sendo esse triunfo mais deslumbrante que o primeiro. Receberam-no como a um valente campeão de luta que muitas vezes, fizera frente a Aníbal, desvencilhando-se facilmente de todos os seus ardis, como se fossem assaltos e engajamentos de luta já desprovidos da força e firmeza de antigamente. O exército cartaginês, efeminado por um lado, pelas delícias e riquezas acumuladas, tornara-se, por outro, bisonho e reduzido pelos contínuos abalos e recontros sofridos. Havia por esse tempo, um romano chamado Marco Lívio que fora governador de Tarento por ocasião de sua tomada por Aníbal. Marco Lívio conseguira manter-se na fortaleza da cidade e a tinha conservado até a volta de Tarento ao poder dos romanos. Sentiu-se ele despeitado ao ver tanta honra dispensada a Fábio e um dia, transtornado pela ambição e inveja, declarou, em pleno senado, ser a ele e não a Fábio que se devia a conquista de Tarento. Fábio se pôs a rir respondendo-lhe imediatamente: «Dizes a verdade, pois se não a tivesses perdido, eu não a poderia retomar».

XLVIII. Seu filho é nomeado cônsul. Conduta firme e nobre do filho em relação ao pai

XLVIII. Os romanos entretanto homenagearam Fábio em tudo e especialmente elegendo cônsul a seu filho. Entrando este na posse de sua magistratura, despachava um dia certos negócios relativos à guerra, quando seu pai, ou por debilidade senil, ou por querer experimentar o filho, veio a seu encontro a cavalo, passando através do ajuntamento de gente que, a seu redor, tinha assuntos a tratar com ele. O jovem vendo de longe a Fábio, não o quis tolerar e lhe enviou um oficial para convidá-lo a desmontar e aproximar-se a pé, caso tivesse algo a fazer junto ao cônsul. Essa ordem desagradou a todos os assistentes, que, sem dizer palavra, lançaram imediatamente os olhos sobre Fábio, como se considerassem o agravo feito a sua grandeza. Ele porém, apeou imediatamente apressando-se em ir abraçar e acarinhar o filho, dizendo: «Tens razão, meu filho, e fazes muito bem em demonstrar que sabes a quem podes comandar, conhecendo a grandeza da autoridade consular recebida por ti. Esse é o verdadeiro meio pelo qual nós e nossos antepassados, aumentamos o império da cidade, considerando mais caros, o bem e a honra do país, do que pai, mãe ou filhos.

XLIX. Mérito brilhante do avô e bisavô de Fábio

XLIX. Conta-se, na verdade, que o bisavô de Fábio, embora a maior e mais venerada personagem de Roma em seu tempo, tendo sido cônsul cinco vezes e obtido muitos triunfos por suas grandes e gloriosas vitórias, não hesitou em ir à guerra sob o comando do filho como seu oficial ao ser este eleito cônsul. E quando o filho voltou finalmente vitorioso, entrando na cidade em seu carro triunfal, tirado por quatro cavalos, ele o seguiu montado juntamente com a tropa dos demais, vangloriando-se de, não obstante ter por direito de autoridade paterna o domínio sobre o filho, e de ser, reconhecidamente, o maior dentre os cidadãos, sujeitar-se apesar disso à lei e ao magistrado sobre o qual recaía a autoridade da mesma. Fábio entretanto tinha outras virtudes que o faziam ainda mais admirável. Tendo seu filho morrido antes dele, suportou o golpe com moderação, como homem cheio de sabedoria e como bom pai. Sendo costume que, à morte de pessoas ilustres, seus parentes mais próximos fizessem uma oração fúnebre em seu louvor, durante o enterro, ele mesmo a fez em honra do filho, pronunciando-a na praça publicamente. E fez mais: redigiu-a por escrito e publicou-a.

L. Cipião é enviado à Espanha. Contra o parecer de Fábio ele leva a guerra à África

L. Por volta desse tempo, Cornélio Cipião foi enviado à Espanha440 de onde expulsou os cartagineses após vencê-los em muitas batalhas. Tendo conquistado muitas grandes cidades, deixou ali, em alta reputa ção os negócios de Roma, razão pela qual, ao voltar, foi honrado, amado e estimado tanto ou mais que nenhum outro na cidade. Considerou por isso ao seu eleito cônsul, que o povo romano aguardava e exigia dele algo maior que dos demais. Pensou assim que, dedicar-se ao combate de Aníbal dentro da Itália, seria insistir na velha técnica que tresandava já a senilidade. Resolveu portanto consigo mesmo, ir imediatamente exibir as armas romanas na África e pilhar o país até as portas da própria Cartago, transferindo a guerra da Itália à Líbia. Esforçou-se então, por todos os meios, para fazer entrar seu plano na cabeça do povo, a fim de que este o aceitasse como bom. Fábio, ao contrário, persuadido de que a empresa do jovem estouvado ia precipitar a república em grave perigo, esmerou-se em mergulhar Roma no maior terror possível, sem poupar palavra nem ato, que pudessem servir para afastar o povo dessa ideia. E soube falar e agir tão bem que levou o senado a adotar sua opinião. O povo, entretanto, supôs ser por inveja à glória de Cipião que ele procurava todos os meios para deter o curso de sua boa estrela. Segundo a opinião popular, ele temia que, se por acaso Cipião realizasse algum feito grande e memorável como o de terminar totalmente a guerra, ou expulsar Aníbal para fora da Itália, pudesse parecer que ele Fábio se conduzira com excessiva frouxidão e moleza, permitindo a luta arrastar-se por tanto tempo.

LI. Quanto a mim, acredito que, a princípio, o que moveu Fábio a contradizer Cipião, não foi outra coisa senão o cuidado com a salvação da república, em virtude do grande risco inerente ao empreendimento. Mas penso também que ele ultrapassou finalmente o dever, insistindo com excessiva intransigência em querer impedir o crescimento de Cipião, revelando-se ambicioso ou obstinado. Note-se especialmente, sobre isso, ter ele feito tudo o que pôde, para persuadir Crasso, companheiro de Cipião no consulado,441 a não lhe ceder nem renunciar em seu favor, o comando do exército, aconselhando-o, se lhe parecesse conveniente passar à África para guerrear os cartagineses, que, de preferência, fosse ele Crasso em pessoa, e houve mais, Fábio chegou a impedir que se entregasse dinheiro442 a Cipião para a conduta dessa guerra. Vendo-se este constrangido, em consequência, a levantá-lo em outro lugar, arrecadou-o nas cidades da Toscana, as quais, pelo amor que lhe dedicavam, contribuíram para a realização de sua empresa. Crasso conservou-se em casa, tanto por ser pacato, naturalmente desprovido de ambição e combatividade, como porque lhe cabia a prelatura de soberano pontífice, o qual, pela lei religiosa, é obrigado a manter-se na cidade.443 Vendo Fábio que nada conseguia por esse caminho, tomou repentinamente outro, em sua luta contra Cipião. Tratando de reter e segurar os jovens desejosos de acompanhá-lo nessa viagem, Fábio proclamava sistematicamente em todas as assembléias do senado e do povo, que a Cipião não bastava fugir de Aníbal, mas levava ainda consigo o resto das forças existentes na Itália, enchendo a juventude de infundada esperança, persuadindo os moços a abandonarem suas mulheres, pais, mães e sua terra, enquanto o inimigo, sempre vitorioso e jamais vencido, estava a suas portas. Essas palavras despertaram tal medo entre os romanos, que foi dada ordem a Cipião de servir-se em seu empreendimento, apenas da tropa estacionada na Sicília, podendo levar além disso, excepcionalmente, trezentos homens dentre os que o tinham servido bem e fielmente na guerra da Espanha. Pode parecer até aqui, ter Fábio feito e dito tudo isso, de acordo com o seu costume e temperamento.

LII. Cipião justifica sua ousadia com admiráveis resultados

LII. Mal Cipião passou à África porém, já se ouviu em Roma a notícia de proezas admiráveis. Êxitos notáveis e gloriosos de causar assombro eram comunicados juntamente com a chegada de grande quantidade de despojos e de presas, testemunhando a verdade das notícias. O rei dos Numidas apanhado; dois campos inimigos incendiados e queimados ao mesmo tempo, com a perda de grande quantidade de gente, de equipamentos e de cavalos ali consumidos; inúmeras cartas e mensageiros expressos enviados de Cartago a Aníbal, para chamá-lo de volta e suplicar-lhe que não continuasse a prosseguir numa esperança vã, jamais realizável, e viesse, o quanto antes, em socorro de seu país. Tendo Cipião adquirido em Roma, por esses resultados, tal estima e fama que não se falava senão nele, Fábio todavia requereu ainda, e foi de parecer, que se lhe enviasse um sucessor, sem alegar outra causa ou razão, a não ser as decorrentes de uma máxima vulgar: a de «que não era seguro entregar tantas e tão grandes coisas à sorte de um único homem, porque é bem difícil ser uma mesma personagem feliz em tudo e por tudo».

LIII. Essa linguagem irritou de tal forma o povo, que Fábio passou a ser considerado importuno, impertinente e invejoso ou homem cuja velhice o tinha tornado covarde, mais apavorado diante de Aníbal do que de razão. Ele não deixou a alegria e segurança que iam penetrando o povo, serem totais e livres de qualquer temor e desconfiança nem mesmo quando Aníbal se viu constrangido a abandonar a Itália, de retorno à África444. Ia dizendo sobre isso, que a república, corria maior risco do que nunca, vendo-se seus negócios no maior perigo, pois Aníbal, na África, diante das muralhas da própria Cartago, seria duro de resistir como jamais tinha sido. Cipião encontraria ali, um exército ainda quente do sangue de numerosos pretores, ditadores e cônsules romanos por ele vencidos na Itália. Diante dessa linguagem a cidade sentiu-se de novo profundamente perturbada, e embora a guerra tivesse sido transferida da Itália para a África, passou-se a considerar a ameaça cada vez mais próxima de Roma. Pouco tempo depois porém, Cipião, vencendo Aníbal em batalha campal445, batendo e calcando aos pés a glória e o orgulho de Cartago, provocou em seus concidadãos uma alegria maior do que jamais haviam esperado. Com esse resultado restabeleceu-se a segurança do Império Romano, tão abalada pouco antes.

LIV. Morte de Fábio antes do fim da guerra. Suas exéquias a expensas do público, que o chora como pai do povo

LIV. A vida de Fábio, entretanto, não se prolongou até o fim dessa guerra. Não pôde, ouvir, enquanto vivo, a notícia da derrota446 de Aníbal, nem contemplar a grande e segura prosperidade do seu país. Por volta do tempo em que Aníbal deixou a Itália ele foi atacado de uma doença da qual veio a morrer. Narra a história, que os Tebanos sepultaram Epaminondas a expensas pública s, por ter ele falecido em tão grande indigência que, após sua morte, não se encontrou nada em sua casa, a não ser um pequeno espeto de ferro447. Os romanos porém, não inumaram o corpo de Fábio à custa da república, mas sim contribuindo cada um dos cidadãos com a menor moeda448 então existente. E isso, não porque lhe faltassem bens para o sepultamento, mas para honrar-lhe a memória, custeando-lhe as exéquias, como a pai comum. Fábio recebeu assim, pela sua morte, a homenagem adequada à sua vida de virtude.

Mais fontes sobre Guerras Púnicas
Comentários sobre a fonte

Cadastre-se ou faça login para comentar

Cadastre-se

Ainda não há comentários nessa página.
Seja o primeiro a comentar.

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.