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As Cartas de Amarna

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Capa do artigo: As Cartas de Amarna

Algumas das Cartas de Armana. Cartas de Abi-milku, príncipe de Tiro, para o rei do Egito.
Museu Britânico. N° E29811

As Cartas de Amarna são correspondências  do século 14 a.C. trocadas entre os governantes do Antigo Oriente Médio e do Egito. Elas são talvez os primeiros exemplos de diplomacia internacional, e seus assuntos mais comuns são as negociações de casamentos diplomáticos, declarações de amizade e troca de bens materiais. O nome “Cartas de Amarna” deriva do lugar onde as tábuas foram encontradas: a antiga cidade de Akhetaten (construída por ordem do Faraó Akhenaton), mas hoje conhecida como Tell el-Amarna, no Egito.

Estátua do faraó Akhenaton no Museu do Cairo. Século 14 a.C.

As primeiras cartas foram encontradas em 1887 e remontam ao século 14 a.C. Elas são o primeiro sistema diplomático internacional conhecido, ou seja, elas contêm regras, convenções e instituições responsáveis ​​pela comunicação e negociação. Embora no início do terceiro milênio a.C.  já houvesse outras formas de relacionamento, elas eram usadas apenas na comunicação direta entre a Mesopotâmia e a Síria.

Com o tempo, novas regras foram acrescentadas, baseadas na necessidade e se desenvolveram mecanismos diplomáticos, que culminariam no sistema de Amarna. Assim, a diplomacia foi criada para ser usada como ferramenta no processo de criação de um império.

Embora a forma mais simples de comunicação entre Estados já existisse, foi o sistema diplomático de Amarna que expandiu as relações em todo o Oriente Próximo, estabelecendo termos de igualdade entre as grandes potências (Babilônia, Hatti, Egito, Mitanni, Assíria) pela primeira vez.

Carta do rei Abi-milku de Tiro para o rei do Egito, Akhenaton. As cartas de Amarna estão no idioma acádio na escrita cuneiforme, essa era a linguagem internacional da época. MET. N° 24.2.12

As Cartas de Amarna nos mostram que os grandes reis do mundo antigo tinham responsabilidades e privilégios que eram mantidos com poder e respeito. Portanto, o sistema de Amarna trouxe uma noção de estabilidade e paz, embora nem sempre real, por mais de dois séculos.

As tábuas cobrem os reinados dos governantes Amenófis III, Akhenaton e possivelmente Smenkhkare ou Tutancâmon, da 18° dinastia do Egito. Não obstante, o sistema continuou a ser usado por aproximadamente cem anos após o fim do Período de Amarna.

Os pesquisadores R. Cohen e R. Westbrook nos falam sobre a importância de estudar as Cartas de Amarna. Eles dizem que as pessoas hoje em dia devem prestar mais atenção a elas, já que esses tablets são o primeiro sistema diplomático conhecido. Ao ver os mecanismos usados no passado, podemos aprender sobre diferentes tipos de relacionamentos e como eles mudaram e foram modificados ao longo do tempo.

Carta Ashur-uballit, rei da Assíria, para o rei do Egito. Nesta carta, o rei da Assíria envia um mensageiro pessoal e oferece presentes ao rei do Egito, provavelmente Akhenaton, a fim de abrir as comunicações com a maior superpotência da região. MET. N° 24.2.11.

Isso significa que podemos aprender mais sobre os contatos entre essas civilizações distantes, reconhecendo que o isolamento não fazia parte da vida antiga. Ao perceber a sofisticação das relações internacionais nesse período, nossa maneira de perceber o passado distante pode melhorar drasticamente.

Estrutura das cartas

Existem 382 tablets conhecidos, ordenados cronologicamente e geograficamente com o acrônimo “EA”, por J. A. Kunudtzon, em 1907. No entanto, quando Knudtzon organizou os tabletes, no “Die El-Amarna-Tafeln”, apenas 358 deles eram conhecidos, então os outros 24 tablets foram analisados em 1970 por Anson F. Rainey, com exceção do EA 80-82.

Alguns destes tablets (32) não são cartas, mas provavelmente material de treinamento para escribas. As cartas em si foram organizadas por Jean Nougayrol em dois grupos: lettre d'envoi (indicando o que está sendo enviado) e lettre d’injonction (fazendo solicitações). A maior parte desta correspondência é uma combinação desses dois tipos, ou seja, as cartas dão presentes e pedem algo em troca.

Carta do faraó Akhenaton à um príncipe vassalo de Akshapa, cidade de Canaan. Museu do Louvre. N° AO 7095. Via Wikimedia Commons.

A maioria das cartas foram recebidas pelos egípcios, apenas algumas delas foram escritas pelo faraó. Não sabemos por que essas cartas estavam juntas, mas talvez elas nunca tenham sido enviadas ou tenham sido retidas. Além disso, além das cartas para fins de treinamento, há duas outras subdivisões: as internacionais (que os governantes egípcios trocaram entre as grandes potências do Oriente Próximo e os reinos independentes); e as administrativas (trocadas entre a região sírio-palestina, principalmente com vassalos egípcios).

Textos com objetivo de treinamento

Devido ao estágio atual da pesquisa, não sabemos muito sobre esses 32 tablets de treinamento. Eles têm vários temas, como mitos e épicos (EA 356-59 e provavelmente EA340 e EA 375), silabário (EA348, 350, 379), textos lexicais (EA 351-54, 373), listas de deuses (EA374), um conto de origem hurriana (EA341), uma lista de palavras egípcias escritas em cuneiforme com as equivalências babilônicas (EA368), e um tablet talvez seja um amuleto (EA355). De acordo com William Moran, os demais (EA 342-47, 349, 260-61, 372, 376-77, 380-81) são muito fragmentados e seu conteúdo ainda está esperando para ser determinado.

Correspondência internacional

As cartas deste grupo podem ser divididas entre as trocadas entre as grandes potências e as trocadas entre reinos independentes.

Reinos independentes: Existem apenas dois lugares nesta categoria, que são Arzawa (EA 31-32) e Alashiya (EA 33-40). Arzawa estava localizado na costa sul da Anatólia. A aliança com o Egito foi feita via casamento diplomático. Alashiya estava em Chipre e era conhecido como uma fonte de cobre.

Algumas das cartas de Amarna em exposição no Museu Britânico.

Grandes potências: Eles eram parte de um grupo exclusivo no qual os reinos eram tratados igualmente. Eram os territórios mais influentes e prósperos. O Egito só entrou neste grupo após as campanhas de Tutmés III. Os outros eram Babilônia, Hatti, Mitanni e Assíria. Como eram iguais, tinham um relacionamento “fraterno” e precisavam empregar um padrão específico ao escrever um para o outro. No início, eles tinham que identificar quem estava escrevendo e para quem a carta era escrita para então, relatar seus desejos para o outro, como mostrado no exemplo abaixo:

Dize a Naphurreya, o rei do Egito, meu irmão, meu genro, a quem amo e que me ama: assim, Tushratta, grande rei, rei de Mitanni, seu sogro, que te ama, seu irmão. Para mim tudo vai bem. Que para você também vá. Para Tiye, sua mãe, para sua casa, tudo pode correr bem. Para Tadu-Heba, minha filha, sua esposa, para o resto de suas esposas, para seus filhos, para seus magnatas, para seus carros, para seus cavalos, para suas tropas, para seu país e para o que mais lhe pertence, que tudo vá muito, muito bem ”(EA27).

O resto da carta era menos estereotipada, fazendo solicitações ou listando os itens enviados. Mas, como dissemos, normalmente, elas apresentavam pedidos e presentes. Os assuntos mais comuns eram as negociações de casamento diplomático, declarações de amizade e troca de bens materiais.

Correspondência de Vassalos

Durante o reinado de Tutmés III, o exército egípcio chegou até o rio Eufrates, estabelecendo um império em Cannan. Esses territórios se tornaram vassalos do Egito, e alguns exemplos são Amurru (EA60-67, 156-71), Biblos (EA 68-138, 362, 139-40), Damasco (EA 194-97) e Kadesh (EA 189-190).

Estátua de Tutmés III no Museu de Luxor, Egito.

Os vassalos egípcios se referiam ao faraó como “meu senhor” ou “meu sol” e, normalmente, começavam as cartas em um padrão semelhante ao exemplo abaixo:

“Diga ao rei, meu senhor, o Sol: Mensagem de Rib-Hadda, seu servo. Eu caio aos pés do meu senhor 7 vezes e 7 vezes ”(EA85).

Os vassalos, em teoria, deveriam obedecer a seus senhores e, embora os vassalos egípcios constantemente declarassem e afirmassem lealdade ao faraó, alguns deles eram traidores, negociando com os hititas, assim como fizeram Kadesh e Amurru. Outros, como Biblos e Damasco, eram verdadeiramente leais ao Egito, mas foram sempre reprimidos pelos traidores.

As cartas na atualidade

Como observado acima, existem 382 tablets conhecidos por nós, no entanto, eles não foram encontrados ao mesmo tempo, o que significa que diferentes grupos de arqueólogos e universidades descobriram várias porções. Assim, os tablets estão hoje espalhados por todo o mundo. Eles podem ser vistos em museus como o Museu Vorderasiatisches (Berlim), o Museu Britânico (Londres), o Louvre (Paris) e o Museu Egípcio (Cairo).

Livro de William Moran, ainda sem tradução no Brasil.

Em 1992, William Moran traduziu as 350 cartas para o inglês pela primeira vez. Graças ao seu livro, The Amarna Letters (foto acima), a correspondência pode ser facilmente explorada por pesquisadores de todo o mundo, já que, até então, apenas a versão em escrita cuneiforme estava disponível. Em 2014, uma nova edição das cartas foi publicada por Anson F. Rainey e editada por William M. Schniedewind e Zipora Cochavi-Rainey. O livro, The el-Amarna Correspondence (foto abaixo), tem traduções, transcrições cuneiformes e comentários sobre as cartas.

O livro de Anson F. Rainey, ainda sem tradução no Brasil.

Tradução de texto escrito por Priscila Scoville
Novembro de 2015

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Postado por Moacir Führ

Moacir tem 36 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
  • Bienkowski, P. & Alan Millard. British Museum Dictionary Ancient Near East. 2000
  • Cohen, R. Amarna Diplomacy. JOHNS HOPKINS UNIVERSITY PRESS, 2002.
  • Moran, W.L. The Amarna Letters. JOHNS HOPKINS UNIVERSITY PRESS, 1992.
  • Shaw, I. British Museum Dictionary of Ancient Egypt. British Museum Pubns Ltd, 1995.
  • Shaw, I. The Oxford History of Ancient Egypt. Oxford University Press, 2004.
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