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Damnatio memoriae - Romanos tentando apagar a História

Artigos > Roma Antiga  |  4,3 mil visualizações  |  1530 palavras  |  0 comentário(s)

Capa do artigo: Damnatio memoriae - Romanos tentando apagar a História

Recorte do Tondo Severiano mostra os jovens Caracala (à direita) e a imagem apagada de seu irmã Geta (à esquerda). Século 3 d.C. Altes Museum, Berlim.

Sabemos que os imperadores romanos eram frequentemente elevados ao status de deuses após sua morte. No entanto, muitos outros receberam o tratamento oposto - foram oficialmente apagados da história.

Condenando a memória

Damnatio memoriae é um termo que usamos para descrever um fenômeno romano no qual o governo condenava a memória de uma pessoa que era vista como tirana, traidora ou como inimiga do estado. As imagens de tais figuras condenadas eram destruídas, seus nomes apagados das inscrições e, se a pessoa condenada fosse um imperador ou outro funcionário do governo, mesmo suas leis poderiam ser anuladas.

Moedas com a imagem de um imperador que teve sua memória condenada seriam recuperadas (recall) ou deixavam de ter valor. Em alguns casos, a residência dos condenados podia ser arrasada ou destruída.

A Domus Aurea (Casa Dourada) de Nero, no centro de Roma, acabou sendo destruída pelos sucessores da Dinastia Flaviana, mas não foi uma destruição sistemática. De fato, há evidências de que Vespasiano viveu na controversa vila antes de ele e seus filhos devolverem a terra ao público. Reconstrução digital por altair4.

Isso era mais do que uma forma de vandalismo casual, motivado politicamente, e realizado por indivíduos descontentes, uma vez que a condenação exigia a aprovação do Senado e os efeitos da denúncia oficial podiam ser vistos longe de Roma.

Existem muitos exemplos de damnatio memoriae ao longo da história da República Romana e do Império. Até a época do reinado de Constantino, cerca de 26 imperadores já haviam tido suas memórias condenadas; por outro lado, cerca de 25 imperadores foram deificados após suas mortes.

O fenômeno da condenação da memória, no entanto, não é exclusivo do mundo romano. Os faraós egípcios Hatshepsut e Akhenaton também tiveram muitas de suas imagens, monumentos e inscrições destruídas por oponentes políticos ou puristas religiosos.

Estátua da rainha Hatshepsut com o rosto destruído.  A sucessora de Hatshepsut, Tutmés III, ordenou que suas imagens, cartelas e monumentos fossem destruídos, pois ela era vista como uma usurpadora de seu trono. MET. N° 27.3.163Akhenaton, que trouxe o monoteísmo brevemente para o Egito, sofreu uma espécie de damnatio memoriae por aqueles que voltaram entusiasticamente ao politeísmo após sua morte. Esse busto parcialmente vandalizado está em exposição no Altes Museum em Berlim.


E funcionava?

Instâncias de damnatio memoriae nem sempre foram completamente bem-sucedidas em apagar a memória de um indivíduo. Entre os imperadores que sofreram damnatio memoriae estão algumas das figuras mais conhecidas da história romana, incluindo Caio (também conhecido como Calígula) e Nero.

Busto de Calígula na Gliptoteca Ny Carlsberg, Copenhage.

A notoriedade desses homens chega até nós não apenas de textos escritos durante suas vidas e mais tarde, mas também de imagens que sobreviveram à violência imediata da damnatio memoriae e depois a séculos de negligência.

Por exemplo, o retrato de mármore acima preserva não apenas a imagem de Calígula, mas também vestígios de tinta, informando-nos da existência desse imperador condenado, bem como da policromia da escultura antiga. Na antiguidade, esses tipos de imagens eram considerados muito poderosas e estavam intimamente ligados à identidade da pessoa que representavam.

Cabeças pequenas, reputações grandes

Calígula foi o primeiro imperador a ter suas imagens propositadamente destruídas após sua morte. É impossível saber quantos retratos em bronze ou outros metais preciosos foram derretidos, mas vários retratos de mármore mostram traços de terem sido cortados ou simplesmente desmontados e descartados.

Dois retratos de Calígula, ambos separados dos corpos esculpidos após sua morte. Paul Getty Museum, em Los Angeles e Yale University Art Gallery.

Os procedimentos da oficina para retratos imperiais oficiais ditavam que muitas estátuas de corpo inteiro em pedra eram criadas em duas partes. Assim, as cabeças de Calígula, como os que estão hoje na Villa Getty e na Galeria de Arte da Universidade de Yale, (exemplo acima) poderiam ser facilmente separadas dos corpos e descartadas, e uma cabeça-retrato do novo imperador substituiria rapidamente o ofensor.

Estátua de Calígula que foi transformada em uma estátua de Cláudio. Basílica em Velleia. Museu Arqueológico Nacional de Parma. Via Wikimedia Commons.

Uma estátua de corpo inteiro de um pontifex maximus (acima) - principal sacerdote do estado, um dos títulos do imperador - de Velleia, no entanto, aparentemente passou por uma espécie de reciclagem escultural. O rosto do sucessor de Calígula, Cláudio, parece bem pequeno em comparação com a cabeça e o resto do corpo - sugerindo a alguns estudiosos que foi cortado de um retrato de Calígula.

Os relevos da Cancelleria: Nerva substitui Domiciano

Um recorte semelhante é evidente em um conjunto de relevos encontrados em Roma e agora alojados nos Museus do Vaticano. Os chamados relevos da Cancelleria mostram figuras mitológicas e alegóricas celebrando os membros da dinastia Flaviana por seus sucessos militares.

Os relevos da Cancelleria em exibição no Vaticano. Nerva, que foi esculpido sobre a imagem de Domiciano, é o quarto da esquerda para a direita.

Em um deles, Domiciano parte de Roma em uma campanha militar, levada para fora da cidade pela vitória, por Marte e Minerva, além de personificações do Senado e do povo romano. No entanto, a cabeça no topo do imponente corpo vestido de túnica do imperador não é de Domiciano.

Os relevos da Cancelleria em exibição no Vaticano. Nerva esculpido sobre a imagem de Domiciano.

É de Nerva, que sucedeu Domiciano após seu assassinato e sua consequente damnatio memoriae. Como na estátua de Claudius Pontifex Maximus de Velleia, o rosto de Nerva é pequeno demais para o relevo e até parece cômico quando comparado às divindades que o cercam. Aparentemente, a escultura foi refeita.

Soluções ligeiramente mais elegantes para a damnatio memoriae podiam ser feitas em estátuas de metal. O rosto de um retrato equestre de bronze de Domiciano foi serrado e substituído pelo de seu sucessor, Nerva. O resultado é muito menos chocante do que no relevo de Cancelleria, pois a “máscara” de bronze foi feita na mesma escala que o resto da estátua e a junção é quase imperceptível.

Estátua equestre de Nerva no Museo Arceologico dei Campi Flegrei. A cabeça de Domiciano foi substituída pela de Nerva. A maior parte da estátua se perdeu, apenas alguns vestígios (as partes em bronze) sobreviveram.Essa reconstrução mostra a aparência que a estátua deveria ter tido quando ainda estava completa.


Caracala remove a imagem de seu irmão, Geta

Talvez os exemplos mais impressionantes e difundidos da damnatio memoriae venham do reinado de Caracala, um membro da dinastia Severina que governou de 211-217. Ele era inicialmente co-imperador com seu irmão mais novo, Geta, mas depois de meses de brigas entre os irmãos governantes, Caracala mandou assassinar Geta. Essa morte foi rapidamente seguida pela damnatio memoriae, em que se tornou uma ofensa capital até falar o nome do co-imperador mais jovem.

Busto de Caracala no Altes Museum, Berlim.

Em Roma, a imagem de Geta foi eliminada dos relevos no Arco dos Argentarii. Nenhuma tentativa elegante foi feita para refazer a obra, como havia sido feita nos Relevos da Cancelleria. Em um painel mostrando Sétimo Severo e Julia Domna (os pais de Caracala e Geta) fazendo um sacrifício em um altar, um caduceu flutua sobre um espaço vazio onde Geta deve ter estado.

Essa imagem mostra um das partes que foi destruída no Arco dos Argentarii. Parece que o braço de Julia Domna foi re-esculpido no local onde Geta estava, na versão original, ela provavelmente segurava o caduceu.

Até as imagens da esposa e do sogro de Geta foram retiradas dos painéis do Arco dos Argentarii, pois eles também sofreram um damnatio memoriae. Os nomes de todos os condenados foram apagados do arco e substituídos por novas inscrições em homenagem a Caracala.

Essa imagem mostra outra parte do Arco dos Argentarii que foi destruída por ordens de Caracala.

Apagando memória através do tempo

Um painel pintado encontrado no Egito demonstra o alcance muito longo da vingança romana ao representar um damnatio memoriae. O painel mostra a família Severina: Julia Domna usa brincos e colares pesados ​​de pérolas; o cabelo e a barba de Sétimo estão tingidos de cinza; e a luz dos olhos de todas as figuras acrescentam uma qualidade realista.

O Tondo Severiano, têmpera sobre madeira com 30,5 cm de diâmetro. Altes Museum, Berlim.

O rosto infantil de Caracala - pintado quando ele era apenas o herdeiro do trono - espia para a esquerda do espectador. Ao lado dele está um apagão circular na tinta onde Geta uma vez aparecia. Essa exclusão é dramática pois demonstra a amplitude dos procedimentos de damnatio memoriae.

Alguém na província do Egito, longe do centro do Império, foi encarregado de apagar a imagem de uma criança - uma criança que cresceria para ser co-imperador, apenas para ser morta por seu próprio irmão. A tirania de Caracala e a profundidade da damnatio memoriae significavam que praticamente nenhuma imagem dos inimigos do imperador, por menor ou mais antiga, escaparia à destruição.

A damnatio memoriae continuou no mundo romano até o século 4, como pode ser visto em retratos desfigurados do rival de Constantino, Maxêncio. Com o cristianismo oficializado no mundo romano, o vandalismo de retratos imperiais continuou, mas com uma inclinação mais religiosa do que política.

O fato de retratos romanos terem sido removidos, danificados ou destruídos devido a mudanças drásticas na reputação dos indivíduos é uma evidência inconfundível de que essas imagens são mais do que apenas "imagens".

Um retrato pode ter significado ao longo de décadas e séculos - seja de um imperador romano, um líder comunista como Joseph Stálin, um ditador como Saddam Hussein ou generais confederados nos Estados Unidos.

Tradução de texto escrito por Francesca Tronchin
Setembro de 2018

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Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ

Postado por

Moacir Führ

Moacir tem 36 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.



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Fontes bibiliográficas:

Essay on Roman portrait sculpture from the Metropolitan Museum of Art’s Heilbrunn Timeline of Art History
Sarah Bond, “Erasing the Face of History,” The New York Times, May 14, 2011
S. Bundrick and E. Varner, From Caligula to Constantine: Tyranny & Transformation in Roman Portraiture (Michael C. Carlos Museum, 2001).
Harriet I. Flower, The Art of Forgetting: Disgrace & Oblivion in Roman Political Culture (University of North Carolina Press, 2006).
Eric Varner, Mutilation and Transformation: Damnatio Memoriae and Roman Imperial Portraiture (E.J. Brill, 2004).

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