Busque no site
Ver mais opções

Textos   >    Grécia Antiga

Hades, o deus grego do mundo subterrâneo

4,5 mil visualizações    |    1746 palavras   |   0 comentário(s)

Capa do artigo: Hades, o deus grego do mundo subterrâneo

Cabeça de Hades em terra-cota esculpida entre 300-400 a.c. por um artista desconhecido. Encontrada em Morgantina na Sicília, Itália. Atualmente em exposição em um museu da Itália.

Segundo Brandão, a etimologia popular antiga traduzia o vocábulo Hades como “invisível, tenebroso”. Atualmente prefere-se aproximá-lo da palavra grega aianés, que significaria “terrível, cruel, violento”. Por medo de sua ira os gregos raramente proferiam seu nome, preferindo o uso de eufemismos como Plutão, o Rico, uma referência ao grande número de hospedes que ele abrigava e as riquezas provenientes do subsolo.

O nome Hades se refere não somente ao deus do mundo subterrâneo, como também ao próprio mundo subterrâneo. É assim que no filme Alexandre (Oliver Stone, EUA, 2004) o personagem Clito profere a seguinte frase: “Rapazes, saciem-se esta noite porque amanhã jantaremos no Hades.”

Hades era filho dos titãs Cronos e Réia e irmão de Zeus e Poseidon. Zeus, o filho mais novo, teria sido salvo por sua mãe de ter o mesmo destino de seus irmãos. Com medo de um oráculo que havia previsto que um de seus filhos lhe destronaria, Cronos tinha o costume de engolir os filhos tão logo eles eram concebidos. Salvo pela mãe do mesmo destino, Zeus fez o pai regurgitar os irmãos e iniciou a Titanomaquia, a grande batalha entre os titãs e os deuses olímpicos, que é narrada por Hesíodo em A Teogonia. Após a vitória de Zeus e seus irmãos, os titãs foram confinados para sempre no tártaro e os domínios do universo foram divididos entre Zeus, Poseidon e Hades. A Zeus coube o céu, a Poseidon as águas e a Hades o subterrâneo. A terra pertence igualmente a todos.

Sentado em seu trono, Hades dificilmente se aventurava fora do subterrâneo. Conhecemos apenas duas ocasiões em que o deus teria passeado pelo céu ou pela terra. A ida de Hades ao Olimpo se deveu a visita que Héracles fez ao submundo, com o intuito de realizar o ultimo dos seus doze trabalhos, conforme nos narra Brandão:

(Hades) lutou ainda contra Héracles, que desceu aos Infernos, para capturar o cão Cérbero. Foi no decurso deste combate que o herói o feriu no ombro direito com uma flechada. Tão grande era a dor, que o Senhor dos mortos teve que subir ao Olimpo e solicitar os bons serviços de (...) Apolo, o deus curandeiro, que lhe aplicou sobre o ferimento um bálsamo maravilhoso.(Brandão, 1991, 311)

Mas a história mitológica mais famosa envolvendo o poderoso deus Hades é, sem dúvida, o rapto de sua esposa Perséfone. Segundo o mito, Hades – já bastante solitário em seu reino – foi atingido por um flecha do Cupido e se apaixonou por sua sobrinha Perséfone (também chamada de Core ou Proserpina), filha da deusa Deméter. Assim Hades foi ao Olimpo novamente para pedir permissão para seu irmão para se casar com Perséfone, Zeus atendeu ao pedido, sem consultar nem a Perséfone nem a sua mãe. Hades então emergiu das profundezas, enquanto Perséfone brincava com suas amigas ninfas, e a raptou.

O Rapto de Proserpina, produzida em 1622 por Gian Lorenzo Bernini. Atualmente na Galeria Borghese, em Roma.

Sua mãe, que é a deusa da agricultura, ficou inconsolável e passou a deixar de fazer seu trabalho. Vendo as terras se tornarem estéreis, Zeus decidiu intervir. Mandou Hermes acompanhar Deméter até o subterrâneo para ajuda-la a reivindicar sua filha de volta. No entanto, como Perséfone havia ingerido uma romã dos Campos Elíseos, ela estava eternamente ligada ao mundo subterrâneo e de lá não poderia mais sair definitivamente. Então foi feito um acordo, Perséfone passaria metade do ano com seu marido e metade do ano ao lado de sua mãe na terra.

A relação com Perséfone não foi a única que Hades teve, mas com certeza foi a mais forte e duradoura. Perséfone teve duas filhas desse relacionamento: Macária e Diaras (ambas habitavam os Campos Elíseos) e se tornou para sempre a rainha do submundo.

Já falamos do Tártaro e dos Campos Elíseos, mas já está na hora de darmos uma descrição mais detalhada da morada de Hades. Na mitologia grega o destino de todos os homens após a morte era o mundo subterrâneo, independente de serem eles bons ou ruins.

Tão logo o morto fosse enterrado (ou queimado), sua sombra era guiada pelo deus Hermes para o mundo inferior. Não possuímos uma descrição detalhada do Hades, mas sabemos que ele era cercado por diversos rios. Hermes deixava sua carga as margens do primeiro deles, o rio Aqueronte. Para atravessá-lo a sombra deveria pagar o barqueiro com uma moeda, que era colocada na boca do cadáver na hora do enterro. Caso tivesse sido enterrado sem ela, ou mesmo não tivesse tido um enterro, a sombra estava fadada a passar toda a eternidade as margens do rio sem poder cruzá-lo.

Quando a moeda era paga, o barqueiro - chamado Caronte - deixava o morto do outro lado do rio onde algo ameaçador o esperava. O bicho de estimação de Hades. Um cão de três cabeças com cauda de dragão. Seu nome era Cérbero, mas mesmo sendo ameaçador ele não representava um perigo para as almas que estavam entrando no Hades. Sua missão era impedir que as almas saíssem e também impedir que os vivos entrassem.

Recorte da pintura de Jose Benlliure y Gil (1855-1937) retratando Caronte, o barqueiro de Hades.

Após a morada de Cérbero as almas se viam diante de um tribunal. Lá elas seriam julgadas para definir qual seria seu destino. Os juizes responsáveis eram Minos, Radamanto e Éaco. Minos era o principal deles e comandava os julgamentos. Radamanto julgava as almas asiáticas e Éaco as européias. O próprio Hades não interferia no julgamento, apenas em casos especiais em que houvesse duvidas séries entre os juizes.

Segundo a versão mais tradicional existiam dois destinos possíveis para as almas julgadas. O Tártaro era o lugar das almas malignas, mas as penas a serem cumpridas nesse lugar literalmente “infernal” dependiam das faltas cometidas durante a vida. Muitas se baseavam em atividades incrivelmente tediosas ou cansativas, ou na privação de comidas e bebidas para todo o sempre. Castigos como a dor e tortura eternas eram reservadas as piores entre todas as almas. As punições iam desde empurrar pedras para cima de colinas eternamente, até queimar num mar de lava por toda a eternidade.

Eram poucos aqueles que recebiam a dádiva de irem pelo outro caminho: os Campos Elíseos. Um lugar bastante parecido com o paraíso cristão. Lá o sol brilhava durante todo o dia e os mortos bebiam vinho de uma cascata sem nunca ficarem embriagados. Uvas e romãs eram servidas ao fim de cada um dos saborosos banquetes e a dança alegrava as almas enquanto passeavam por bosques ao som de pássaros canoros. Depois de uma longa estadia nos Campos Elíseos as sombras poderiam reencarnar em corpos humanos ou animais.

Em algum lugar no submundo, não sabemos exatamente onde, ficava o Palácio do deus Hades e de sua rainha Perséfone. Nenhuma alma tinha permissão de lá entrar, o deus recebia apenas as divindades olímpicas e, provavelmente, aos três juizes.

O deus Hades normalmente é representado como um homem de meia-idade, expressão fria, atlético e usando um elmo mágico que lhe permitia ficar invisível, assim ele inspecionava todo o seu reino sem ser incomodado. Esse elmo foi um presente dados pelos Ciclopes para que Hades lutasse na Titanomaquia. Embora descrito como tenebroso, terrível e distante, Hades não pode ser considerado mau. É importante lembrar também que ele era o deus do pós-morte, e não o deus da morte, esse papel caberia mais a Tânato, uma das personificações da morte.

Estátua de Hades em Hierápolis, Grécia.

O fato de Hades ser considerado pouco sensível a preces e sacrifícios talvez explique o pequeno número de templos dedicados a ele na Grécia Antiga. Temos certeza de apenas “um templo em Elêusis e outro menor em Élis, que era aberto somente uma vez por ano e por um único sacerdote.” (BRANDÃO, 1991, 312).

As representações artísticas de Hades também são poucas. O museu arqueológico de Hierápolis possui uma estátua romana de Hades com Cérbero ao seus pés (veja acima).

Na renascença, um período de ouro para as representações da mitologia greco-romana, o Rapto de Perséfone foi tema para muitas obras. Niccolò dell'Abate, Joseph Heintz der Ältere, Alessandro Allori, Albrecht Durer, Luca Giordano, Jose Benlliure y Gil e Rembrandt foram somente alguns dos pintores que dedicaram seu talento a dar vida a esse mito. Luca Giordano também foi autor de A Barca de Caronte, e essa mesma barca se encontra representada na Capela Sistina, em O Juízo Final, obra-prima de Michelangelo. Na escultura a grande obra é O Rapto de Proserpina (Perséfone) de Gian Lorenzo Bernini (1598-1680).

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Escrito por Moacir Führ

Moacir tem 36 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
  • BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. 3 volumes. Petrópolis: Ed. Vozes, 1991.
  • HESÍODO, Teogonia, a origem dos Deuses. São Paulo: Ed. Iluminuras, 1995.
  • HOMERO, Odisséia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1980.
  • HOMERO, A Ilíada. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995.
  • The Culture Muse. Getty Museum returns the Head of Hades to Italy. Acesso em 01 maio 2016.
  • Wikimedia Commons. Hades, Hierapolis. Acesso em 01 maio 2016.
  • Wikimedia Commons. The Rape of Proserpina. Acesso em 01 maio 2016.
Mais textos sobre Grécia Antiga
Comentários sobre o texto

Cadastre-se ou faça login para comentar

Cadastre-se

Ainda não há comentários nessa página.
Seja o primeiro a comentar.

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.