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Notas

80 Cidade do país dos volscos, no Lácio.

81 Cf. César e as notas 47, 48, 49 e 50.

82 Povoação da Lucânia, construída no lugar da antiga Síbaris.

83 Povo vizinho dos trácios, não longe do Hemo.

84 Habitante da cidadezinha de Arícia, no Lácio, célebre pelo seu bosque consagrado a Diana.

85 Cf. César. Distribuiu-as por sorte a 20 mil cidadãos, mais ou menos.

86 Em 62 anos a. C.

87 Adriano, de quem Suetônio foi secretário.

88 A Gália Ulterior.

89 Planco e Asínio Polião.

90 Cidadezinha do país dos sabinos.

91 Cidade da Etrúria.

92 Perto do cabo de Misena.

93 Cidade do Lácio, ao pé do promontório do mesmo nome.

94 Nas mãos das vestais.

95 Promontório da Ircânia. A vitória de Otávio sobre Antônio verificou-se a 2 de setembro de 31 a. C.

96 Estes montes separam a Ilíria do Epiro.

97 Curandeiros da grande Síria ocidental, que destilavam, acredita-se, um veneno mortal e um antídoto para os venenos das serpentes.

98 Chamado por Plutarco Antilo, cf. Plutarco — Antônio, LXXXVII.

99 Antônio tivera de Cleópatra três filhos: uma filha, Cleópatra, e dois filhos, Filadelfo e Alexandre.

100 Cf. Tucídides, I, 29.

101 A conjuração do jovem Lépido, filho dum triúnviro, se verificou em 30, durante a guerra de Alexandria. Foi descoberta por Mecenas, e Lépido, condenado à morte.

102 Júlia havia sido proscrita na ilha Pandatária e Agripa na ilha Planásia, ambas situadas no mar da Etrúria.

103 Tinha então 28 anos.

104 Já vencidos por Etatílio Tauro, os cântabros o foram ainda por Augusto, depois por Carísio e Fúrnio, e alfim e definitivamente por Agripa (19 a. C.).

105 A Aquitânia foi submetida por M. Valério Messala, de quem Tíbulo fez o panegírico.

106 Os panônios (hoje húngaros), vencidos por Augusto, tiveram uma revolta reprimida por Germânico e foram submetidos, em definitivo, por Tibério.

107 A Dalmácia rebelde, vencida por Asínio Polião, foi submetida por Tibério.

108 Submetida por Druso e por Tibério (15 a. C.).

109 Submetidos por Tibério (15 a. C.).

110 Submetidos por Messala.

111 Estas incursões foram reprimidas por Lêntulo.

112 Construído pelo próprio Augusto.

113 Teridato Fraato.

114 Sob o rei Numa Pompílio e após a primeira Guerra Púnica.

115 Três vezes, segundo Dião, que acrescenta às mencionadas por Suetônio uma ovação que se seguiu ao tratado concluído com Fraato.

116 Que perdeu a águia da quinta legião durante uma batalha em que os sicambros, reforçados pelos usípetos e pelos têncteres, venceram o exército romano.

117 Marco Lólio enviara 20 centuriões para arrancar um tributo aos sicambros. Estes centuriões foram mortos. Além disso, comerciantes romanos foram trucidados.

118 Sobrinho por aliança de Augusto e enviado para o comando da Germânia, Varo se deixou envolver pelo querusco Armínio e pela coalisão dos bructeros, dos marsos e dos catas. Suicidou-se e seu exército capitulou na floresta de Teutberg (9-11 de setembro de 9).

119 Eurípides, Fenicianas, 612.

120 P. Antônio.

121 Contemporâneo de Suetônio.

122 Marco Agripa.

123 O velho Fórum Romano e o Fórum de César.

124 Horácio, nas suas Odes e no Canto Secular, cita os felizes efeitos da lei sobre os adultérios, sobre a pudicícia e sobre o casamento das diferentes ordens; cf. Horácio, Odes, IV, 5 e IV, 15; Canto Secular, 17.

125 Mês das vindimas.

126 Pena em que incorriam os que, sentando-se nos 14 degraus, não possuíssem um pecúlio de 400 mil sestércios.

127 “Romanos, rerum dominos, gentemque togatam”. Virgílio, Eneida, I, 282.

128 Recinto do Campo de Marte, onde o povo romano se reunia para votar.

129 Veja-se a nota precedente.

130 Caio e Lúcio.

131 Pórticos cobertos.

132 Os de Pompeu, Balbo e Marcelo.

133 Tal foi o caso de Agripa, que era neto de Herodes.

134 Habitantes de Calagurres, na Espanha Tarrasconesa.

135 Caio Severo, que difamara, em libelos, numerosos cidadãos e mulheres de alta posição, foi quem forneceu oportunidade para que Augusto tomasse medidas de repressão contra os panfletistas.

136 Cf. Tito Lívio, VII, 6.

137 Maneira abreviada para designar o Apolo que tinha uma estátua na rua das Sandálias.

138 O Júpiter do Vicus Tragoedus, no bairro Esquilino.

139 Em 5 de fevereiro do ano 2 a. C. e à proposta de Messala.

140 Cidadezinha do país dos volscos, na costa do Lácio.

141 A ilhota de Planásia.

142 Cf. Ilíada, III, 40.

143 O Calvo, de quem fala Cícero no Brutos.

144 Vinho generosíssimo. Cf. Virgílio, Geórgicas, II, 96.

145 A ilha Enária, assim chamada porque Eneias aí desembarcara. Fica na costa ocidental da Itália, perto da Campânia.

146 Assim não tinha força de lei.

147 As pombas eram consagradas a Vênus, de quem descendia a família Júlia.

148 Cidadezinha marítima do Lácio.

149 Os membros da ordem senatorial e da ordem equestre usavam anéis de ouro.

150 Pontífices, áugures, setênviros e quindecênviros. p. 105

Fontes   >    Roma Antiga

Otávio César Augusto, de Suetônio

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Estátua de Augusto da Prima Porta. Museu Vaticano.

Sobre a fonte

Augusto (63 a.C.-14 a.C.), nascido Caio Otávio, pertenceu a um rico e antigo ramo equestre da família plebéia dos Otávios. Ele era sobrinho-neto de Júlio César e foi adotado por este em seu testamento. Entrou na política romana aos 19 anos em um período de extrema instabilidade e violência. Nos anos seguintes, conseguiu através de alianças e guerras tomar o poder e se tornar o primeiro Imperador da Roma Antiga. As reformas implementadas por ele reorganizaram o império e lhe deram estabilidade, e Roma foi governada dentro desse sistema pelos dois séculos seguintes. Essa biografia de Augusto faz parte de um livro intitulado "A Vida dos Doze Césares" escrito pelo historiador Suetônio, que viveu no século 2 d.C.

Primeiros anos

A família Otávia, segundo inúmeras testemunhas, era uma das primeiras de Velitris80. Na parte mais movimentada da cidade havia um bairro a que chamavam, desde longa data, “Otávio” e nele se erguia um altar consagrado a certo Otávio que comandara numa guerra contra um povo vizinho. Avisado, em meio a um sacrifício que oferecia a Marte, de uma incursão súbita do inimigo, arrebatou do fogo as entranhas mal cozidas, cortou-as, correu ao combate e retornou vencedor. Existia, até um decreto público que ordenava se apresentassem a Marte, daí por diante, todos os anos, as entranhas daquela mesma forma e os restos deviam ser levados aos Otávios.

Esta família, que o rei Tarquínio Prisco havia incluído no rol das famílias romanas, foi logo colocada entre as patrícias por Sérvio Túlio. Tornada, em seguida, plebeia, viu-se, depois de muito tempo, restabelecida no patriciado pelo divino Júlio81. O primeiro desta família a obter uma magistratura pelos sufrágios do povo foi Caio Rufo. Este, depois de ter sido questor, teve dois filhos: Cneio e Caio, dos quais provieram dois braços da família dos Otávios, de condição muito diversa. Com efeito, Cneio e, após ele, todos os seus descendentes, desempenharam os mais altos cargos. Caio e sua posteridade, pelo contrário, fosse por acaso ou por sua livre vontade, restaram na ordem dos cavaleiros até o pai de Augusto. O bisavô deste serviu na Sicília, no transcurso da segunda guerra púnica, na qualidade de tribuno dos soldados, sob as ordens do general-chefe Emílio Papo. Seu avô contentou-se com exercer funções municipais e envelheceu na maior tranquilidade, nadando na opulência. Aqui vão, sobre ele, as referências de outros historiógrafos. O próprio Augusto escreveu que é simplesmente oriundo de uma família de cavaleiros, antiga e rica, e na qual seu pai foi o primeiro senador. Marco Antônio lhe reprocha o haver tido por bisavô um liberto, um cordoeiro do bairro de Túrio82, e, por avô, um argentário. Além disso, nada mais encontrei a respeito dos antepassados paternos de Augusto.

Sobre seu pai

Otávio, seu pai, gozou sempre, desde a juventude, duma grande fortuna e de muita consideração. Assiste-me, pois, razão para me admirar de que muitos o tenham feito passar, também, por argentário e o tenham até mesmo colocado entre os corretores e agentes eleitorais do Campo de Marte. Criado, efetivamente, na abastança, foi-lhe fácil a obtenção de cargos e os exerceu com dignidade. Ao deixar a pretoria, caiu-lhe, por sorte, a Macedônia. Logo que aí chegou, destruiu o resto dos fugitivos dos bandos de Spartaco e de Catilina, que ocupavam o território de Túrio, desincumbindo-se, assim, da missão extraordinária que lhe confiara o Senado. Governou sua província com não menos equidade do que bravura. Derrotou numa grande batalha os bessas83 e os trácios, e tratou tão bem os aliados que Marco Túlio Cícero, nas suas cartas, exorta seu irmão Quinto, então procônsul na Ásia e que possuía uma péssima reputação como administrador, a conquistar a estima dos confederados, a exemplo do seu vizinho Otávio.

Ao retornar da Macedônia, morreu de morte súbita, antes de poder se apresentar candidato ao consulado. Deixou, com sua mulher Ancária, Otávio, o primogênito, e com Ácia, Otávia, a moça, e Augusto. Ácia era filha de Marco Ácio Balbo e de Júlia, irmã de Caio César. Balbo, do lado materno, era um aricino84, que contava muitos senadores na família. Do lado materno, ficava muito perto de Pompeu o Grande. Depois de ter exercido o cargo de questor, foi ele um dos 20 comissários que, em virtude da lei Júlia, distribuíram ao povo terras na Campânia85. Marco Antônio, entretanto, tratando mesmo com desdém da ascendência materna de Augusto, censura-lhe o ter tido um bisavô de origem africana, que exercera em Arícia ora o ofício de perfumista, ora o de padeiro. Cássio de Parma, numa carta, qualifica Augusto de neto de padeiro e até de cambista: “A farinha da tua mãe, proveniente do mais tosco moinho de Arícia, foi amassada pelo cambista de Nérulo, cujas mãos o dinheiro enegrecera.”

Sobre seu nascimento, infância e criação

Augusto nasceu sob o consulado de Marco Túlio Cícero e de Antônio86, aos nove dias das calendas de outubro, pouco antes do sair do sol, no bairro do Palatino, perto das Cabeças de Boi, onde ele tem agora uma capela construída pouco depois da sua morte. Com efeito, mencionam os atos do Senado que Caio Letório, rapaz da família patrícia, procurando lenir a cruel pena reservada aos adúlteros, alegara aos “padres conscritos”, além da sua idade e da sua nobreza, que ele era, também, o possessor e, por assim dizer, o serventuário do solo em que Augusto, ao nascer, tocara primeiro. Pediu uma diminuição da pena, sob o pretexto de que este deus, considerando-se bem, fazia parte do seu patrimônio e, portanto, da sua propriedade. O Senado decretou que essa parte da casa seria consagrada.

Existe ainda o lugar onde ele foi criado, na propriedade dos seus avós, perto de Velitris. É uma pequena peça semelhante a um guarda-comidas. A vizinhança crê firmemente que ele tivesse nascido aí. Receia-se nela entrar sem necessidade e sem lhe render homenagem. Pretende uma antiga tradição que os que se aproximam deste lugar irreverentemente são presas de uma espécie de horror e espanto. Tradição essa cedo confirmada, pois o novo proprietário da casa, fosse por acaso, fosse por provar-lhe a exatidão, tendo nela ido dormir, certa vez, viu-se, dentro em pouco, arrancado dali por uma força súbita e desconhecida. Foram encontrá-lo semimorto com a cama em frente à porta.

Ainda criança recebeu o sobrenome de Turino, talvez em memória da origem dos seus ancestrais, ou talvez porque, pouco depois do seu nascimento, seu pai Otávio tivesse conseguido êxito sobre os fugitivos na região de Túrio. Posso recordar com certeza bastante que ele recebeu o sobrenome de Turino pois encontrei um pequeno retrato de criança, em bronze, que o representa com este nome inscrito em letras de ferro, já um pouco apagadas. Fiz presente desse retrato ao príncipe87 que o honra entre seus deuses cubiculários. Aliás, Marco Antônio, nas suas cartas, chama-lhe Turino para ultrajá-lo. O próprio Augusto, porém, responde “que estranha se lhe reproche o primeiro nome como uma injúria”. Mais tarde, tomou o sobrenome de Caio César e, por último, o de Augusto: um, legado em testamento por seu tio materno; outro, por parecer de Munácio Planco. Muitos eram de opinião que se lhe devia chamar Rômulo, como se fora também um dos fundadores da cidade. Prevaleceu, porém, o de Augusto, porque era não somente um sobrenome novo, mas, também, mais considerável.

Aos quatro anos de idade perdeu o pai. Aos 12 pronunciou, em público, o elogio fúnebre da sua avó Júlia. Quatro anos mais tarde, tomou a toga viril e, por ocasião do triunfo da África de César, foram-lhe conferidas honras militares, se bem sua idade não lhe permitisse ir à guerra. Como seu tio partisse imediatamente para as Espanhas, a fim de combater o filho de Cneio Pompeu, não tardou em segui-lo embora apenas restabelecido de grave enfermidade através de caminhos infestados de inimigos, com uma fraquíssima escolta e depois de ter sido, até vítima de um naufrágio. Prestou-lhe, então, esplêndidos serviços e fez notar, com a engenhosidade do seu mérito, a força do seu caráter. César, subjugadas as Espanhas e meditando uma expedição contra os dácios e os partos, enviou-o, antes dele próprio, a Apolônia, onde se entregou aos estudos. Foi aí que teve conhecimento do assassínio do ditador, que o instituía seu herdeiro. Primeiramente, vacilou por muito tempo sobre se pediria ou não o auxílio das legiões vizinhas. Logo, rejeitou este partido como temerário e prematuro. A seguir, regressou à cidade e reivindicou a sua herança, a despeito da irresolução da sua mãe e dos vivos esforços do seu padrinho Marco Filipo, personagem consular, no sentido de dissuadi-lo de tal intento. É a partir desse momento que, com o levante dos exércitos, governou a República, a princípio com Marco Antônio e Marco Lépido, depois com Antônio somente, durante cerca de 12 anos, e, finalmente, sozinho, durante 44 anos.

As guerras

Tal é o quadro sumário da sua vida. Vou minuciá-la, agora, por partes, não obedecendo à ordem cronológica, mas classificando-lhe os fatos para que se possa vê-los e conhecê-los mais claramente. Fez cinco guerras civis: a de Módena, a de Filipe, a de Perúsia, a da Sicília e a do Ânzio. A primeira e a última, contra Marco Antônio. A segunda, contra Bruto e Cássio. A terceira, contra Lúcio Antônio. A quarta, contra Sexto Pompeu, filho de Cneio.

Todas estas guerras tiveram por princípio e por causa a obrigação, em que ele acreditava, de vingar a morte do tio e defender-lhe os atos. Desde seu retorno a Apolônia, resolveu atacar Bruto e Cássio, de improviso. Estes, porém, tinham previsto o perigo e desapareceram, fugindo. Armando-se, então, de leis, acusou-os, na sua ausência, de assassinos de César. Celebrou, pessoalmente, os jogos aniversários da vitória de César porque os encarregados de tal mister não ousaram efetuá-los. Com o intuito de assegurar a execução de outros projetos, apresentou-se candidato na vaga de um tribuno do povo que acabara de morrer, embora fosse ele patrício, mas não ainda senador. Diante, porém, da oposição que aos seus esforços fazia o cônsul Marco Antônio, em que esperava encontrar o seu principal apoio, mas que, na verdade, não o deixava gozar nem mesmo o direito comum e ordinário, sem estipular para si próprio extraordinárias vantagens, resolveu passar-se para o lado dos nobres. Sabia que Antônio o odiava, especialmente porque desejava expulsar Décimo Bruto, sitiado em Módena, de uma província que lhe havia sido dada por César e na qual o confirmara o Senado88. Instigado por alguns amigos, aliciou assassinos contra aquele. Descoberta, porém, a emboscada e temendo, por seu turno, o perigo a que se expunha, levantou os veteranos que cumulara de favores, chamando-os a amparar-lhe a causa e a República.

Junta-se a Hírcio e Pansa contra Antônio

Recebeu ordem de se postar à frente deste exército como vice-pretor e de ir com Hírcio e Pansa, nomeados cônsules, socorrer Décimo Bruto. Terminou a expedição que lhe fora confiada em três meses e com dois combates. No primeiro, a acreditar-se em Antônio, fugiu e só apareceu dois dias depois, sem capa e sem cavalo. No segundo, acorda-se geralmente que tenha cumprido os deveres de chefe e de soldado. Conta-se que, tendo sido o porta-estandarte da sua legião gravemente ferido em meio à luta, ele retomou a insígnia nas próprias mãos e a carregou durante muito tempo.

Hírcio e Pansa pereceram, ambos, nesta guerra. Hírcio, no campo de batalha, e Pansa, pouco depois, em consequência de um ferimento. Espalhou-se a notícia de que Otávio era o culpado dessa morte: que após a derrota de Antônio, estando a República sem cônsules, ele queria único vencedor se apossar dos três exércitos. Em todo caso, a morte de Pansa tão suspeita se tornou que Glico, seu médico, foi preso sob a inculpação de haver envenenado o ferimento. Aquílio Níger acrescenta: que o outro cônsul, Hírcio, foi morto, na confusão da batalha, pela mão do próprio Otávio.

Junta-se aos populares

De resto, ao saber que Antônio, após a derrota, recebera o acolhimento de Marco Lépido e que os outros chefes89 estavam fiéis ao partido do povo, abandonou sem hesitar a causa dos nobres. Para justificar essa defecção, pretextou, da parte de alguns destes, certos fatos e ditos; que uns o haviam tratado “de criança”; outros, declarado que era preciso estimá-lo e “educá-lo”; e que, afinal, não foram recompensados suficientemente, nem ele, nem os seus veteranos, Para provar melhor o seu arrependimento de ter servido os nobres, gravou os habitantes de Núrcia90 com uma multa tão pesada que eles não puderam pagá-la e os expulsou da sua cidade, por terem inscrito, num monumento público, erguido à memória dos cidadãos mortos na guerra de Módena, estas palavras: “Aos que tombaram em prol da liberdade”.

O Segundo Triunvirato

Depois de se ter aliado a Antônio e Lépido, terminou, também, com duas batalhas, a guerra de Filipe, se bem que enfraquecido e enfermo. Na primeira, expulso do seu acampamento, encontrou a muito custo um refúgio ao lado de Antônio. Não se aproveitou moderadamente da vitória: enviou a Roma a cabeça de Bruto para que ela fosse jogada no pedestal da estátua de César. Maltratou os prisioneiros mais ilustres com palavras insultuosas. Ao solicitar-lhe um destes, com rogatórios e súplicas, que lhe desse uma sepultura, respondeu-lhe, conforme se narra, que “os abutres se encarregariam disso”. Outros um pai e um filho pediram-lhe lhes concedesse a graça de viver. Fê-los tirar a sorte, ou jogar o “vinte-e-um de boca”, prometendo-lhes o indulto caso ganhassem. Assistiu-lhes à morte: o filho entregou-se voluntariamente ao sacrifício ao ver o pai, que tanto se devotara a ele, assassinado. Também os outros cativos, entre os quais Marco Favônio, o famoso êmulo de Catão, ao serem conduzidos encadeados, saudaram respeitosamente Antônio com o nome de “imperator” e assacaram contra Otávio os mais atrozes baldões. Na distribuição dos papéis, que se seguiu à vitória, Antônio se encarregou dos negócios do Oriente. Conferiu-se-lhe a missão de reconduzir os veteranos à Itália e estabelecê-los em territórios municipais. Ele, porém, não obteve nem dos proprietários, nem dos veteranos o reconhecimento: uns se queixavam de terem sido expulsos; outros, de não terem sido tratados como seria de esperar, de acordo com os serviços prestados.

A guerra de Perúsia

A esta época, Lúcio Antônio, contando com a sua autoridade de cônsul e o poderio do seu irmão, tentou fomentar distúrbios. Otávio, porém, obrigou-o a refugiar-se em Perúsia91, onde o forçou a capitular pela fome, mas, não sem correr grandes perigos, antes da guerra e durante a guerra. Efetivamente, como assistisse aos jogos fez expulsar pelo bedel um simples soldado que se sentara num dos 14 palanques. Seus detratores difundiram o boato de que ele o fizera meter imediatamente nas torturas, dando-lhe morte. Pouco faltou para que perecesse sob a indignação da soldadesca, que acorrera em massa. Salvou-o o ter aparecido logo o pretendido morto, são e salvo e sem ter sofrido a menor injúria. De outra feita, ao oferecer um sacrifício junto da muralha de Perúsia, esteve a pique de ser assassinado por um bando de gladiadores, provindos, bruscamente, da cidade.

Tomada Perúsia, tratou cruelmente a maior parte dos inimigos. Aos que procuravam implorar-lhe o perdão ou desculpar-se, respondia “que era preciso morrer”. Alguns autores referem que, dentre os prisioneiros, escolheu 300, das duas ordens, e os imolou como vítimas, nos idos de março, num altar erguido ao divino Júlio. Narram outros que ele provocou esta guerra a fim de que os seus adversários encobertos e os que o medo detinha mais do que a simpatia se descobrissem, aproveitando-se da ocasião que lhe dava por chefe Lúcio Antônio, e a fim, também, de que pudesse pagar, com o confisco dos bens dos vencidos, as recompensas prometidas aos veteranos.

Deu começo à guerra da Sicília, prolongou-a e a interrompeu várias vezes, ora para reparar a perda das suas frotas aniquiladas por tempestades, num duplo naufrágio, e em pleno verão, ora para negociar a paz, sob a pressão do povo, que, em virtude de falta de víveres, padecia fome. Enfim, depois de ter reconstruído alguns navios e libertado 20 mil escravos para transformá-los em remadores, criou o porto Júlio, perto de Baías92, comunicando o mar com os lagos Lucrino e Averno. Após ter exercitado aí as suas tropas durante todo o inverno, venceu Pompeu entre Milas e Nauloco. Na hora do combate se viu presa, subitamente, de um sono tão profundo que seus amigos tiveram de acordá-lo para que desse o sinal das hostilidades. Ouso acreditar que foi este fato que deu motivo a que Antônio o censurasse “de não ter podido nem mesmo olhar de frente um exército alinhado em ordem de batalha, mas de ter ficado, no seu estupor, deitado de costas, os olhos cravados no céu, e de nem sequer se ter levantado para que seus soldados o vissem, senão depois de postos em fuga os navios inimigos por Marco Agripa”. Outros incriminaram-lhe a linguagem e a atitude, pretendendo que, ao lhe terem sido destroçadas as frotas pelas tempestades, exclamara “que, a despeito de Netuno, alcançaria a vitória” e que no primeiro dia dos jogos circenses mandara retirar a estátua daquele deus das pompas solenes. Não houve, absolutamente, guerras em que a sua temeridade não o tivesse feito correr numerosos e os mais inauditos perigos. Transportado o seu exército para a Sicília, dirigia-se ele para o continente, a fim de aí procurar o resto das suas tropas, quando foi atacado por Demócares e Adolofânio, lugar-tenentes de Pompeu. Só a muito custo conseguiu escapar com apenas um navio. De outra feita, ao marchar a pé, além de Locres, para Régio, avistou duas birremes de Pompeu que costeavam o litoral. Persuadido de que navegavam sós, desceu a costa, quase tendo sido preso. Como se pusesse em fuga por estradas desertas, um escravo de Paulo Emílio, que o acompanhava, lembrando-se com amargura que ele havia proscrito outrora o pai do seu senhor, aproveitou-se da oportunidade e tentou assassiná-lo.

Despoja Lépido de suas legiões

Após a fuga de Pompeu, Marco Lépido, o segundo dos seus colegas, que ele chamara da África em seu auxílio, orgulhoso do apoio das suas 20 legiões, reivindicava para si próprio, com a ajuda do terror e das ameaças, o primeiro posto no Estado: ele o despojou do seu comando, concedeu-lhe a vida que implorara de joelhos e o relegou, perpetuamente, para a Circeia93.

Guerra contra Antônio

Sua aliança com Marco Antônio sempre fora duvidosa e incerta e diversas reconciliações serviram apenas para restabelecê-la. Por fim, rompeu-a e, para melhor provar que seu colega degenerara dos costumes nacionais, fez abrir e ler, em plena assembleia, o testamento que deixara em Roma94 e no qual figuravam, entre os herdeiros, os próprios filhos que Antônio tivera de Cleópatra. Entretanto, depois de o ter declarado inimigo público, demitiu todos os seus parentes e amigos, entre outros Caio Sósio e Cneio Domício, ainda cônsules naquela época. Em nome da República, dispensou, também, os habitantes de Bolonha da obrigação de formar, com toda a Itália, nas hostes do seu partido, porque aquele povo, em todos os tempos, estivera sob a proteção dos Antônios. Pouco tempo depois, venceu-o no Ânzio95, numa batalha naval que durou até tão tarde que o vencedor passou a noite a bordo do seu navio. Marchava do Ânzio em direção aos seus quartéis de inverno, na ilha de Samos, quando soube que os soldados de todos os corpos que enviara a Brindísio se haviam sublevado, pedindo baixa e recompensas. Regressou à Itália, após enfrentar duas tempestades na travessia: uma, entre os promontórios do Peloponeso e da Etólia, e outra perto dos montes Ceráunios96. Numa e noutra região parte dos navios libúrnios foi tragada e, concomitantemente, a embarcação que o conduzia ficou avariada e o leme quebrado. Não se quedou em Brindísio por mais de 25 dias, o tempo necessário para responder às perguntas dos soldados. Em seguida, rumou para o Egito, como escala para a Ásia e a Síria. Sitiou Alexandria, onde Antônio se encontrava refugiado com Cleópatra, apossando-se da cidade. Antônio procurou, então, negociar uma paz tardia. Ele, porém, o constrangeu ao suicídio e o viu morto. Desejava, ardentemente, guardar Cleópatra para o seu triunfo. Chegou mesmo a mandar vir psilos97 para chupar-lhe o veneno da ferida, pois pensava se tivesse suicidado fazendo-se morder por uma áspide. Concedeu a ambos uma sepultura comum e consentiu no acabamento do túmulo que eles mesmos haviam começado. O jovem Antônio98, o mais velho dos dois filhos nascidos de Fúlvia, estava refugiado, após muitas e inúteis súplicas, aos pés da estátua de César. Otávio arrancou-o daí e matou-o. Cesário, que Cleópatra se jactava de ter tido com César, foi preso, na sua fuga, e entregue ao suplício. Quanto aos outros filhos que Antônio tivera com a rainha99, ele os poupou como se fossem seus parentes e, logo, dispensou a cada um deles os cuidados e os zelos devidos à sua condição.

Ao mesmo tempo, retirou do santuário que a abrigava dos olhares humanos a urna que continha o corpo de Alexandre e, com todo o respeito, colocou-lhe à cabeça uma coroa de ouro e o cobriu de flores. Perguntaram-lhe se queria ver também os Ptolomeus. Respondeu “que tinha querido ver um rei, não mortos”. Reduziu o Egito à condição de província romana. E, com o intuito de torná-la mais fértil, e mais apropriada ao abastecimento da cidade, determinou, pela mão dos soldados, a limpeza de todos os canais por que se esgotam as inundações do Nilo e que, desde muitos anos, se encontravam entupidos de limo. A fim de tornar a vitória de Ânzio célebre para sempre, fundou, também, a cidade de Nicópolis, perto do Ânzio, e nela instituiu os jogos quinquenais. Aumentou o antigo templo de Apolo100 e ornou, com os despojos navais, o lugar em que estabelecera seu acampamento, consagrando-o a Netuno e a Marte.

Motins e conspirações

Descobriu e afogou no nascedouro motins e até mesmo começos de revoluções, assim como numerosas conspiratas que se tramaram contra ele em diferentes épocas. Primeiramente, a do jovem Lépido101; depois, a de Varrão Murena e Fânio Cépio; em seguida, a de Marco Egnácio; mais tarde, a de Plauto Rufo e Lúcio Audásio, acusado como falsificador de testamentos, enfraquecido pela idade e pelas doenças; e, ainda, a de Asínio Epitádio, meio parto e meio romano; finalmente, a de Télefo, escravo nomenclator de uma mulher. Nem as conspirações e emboscadas da gente da mais baixa condição foram poupadas por ele. Audásio e Epitádio queriam sequestrar a sua filha Júlia e seu sobrinho Agripa das ilhas para onde haviam sido expatriados102, a fim de apresentá-los ao exército. Télefo projetara atacar o império, assim como Augusto e o Senado. Aconteceu ainda: um homem do exército da Ilíria, tendo iludido a vigilância da guarda, foi encontrado, um dia, junto do seu quarto de dormir, armado de uma faca de caça. Seria um louco, ou fingiria loucura? Não se sabe, pois não se lhe conseguiu arrancar coisa alguma a respeito.

Guerras exteriores

Quanto às guerras exteriores, não fez, por si só, mais do que duas: a da Dalmácia, na sua primeira juventude103, e, após a derrota de Antônio, a dos cântabros. Na expedição da Dalmácia recebeu dois ferimentos: num dos combates foi ferido no joelho direito por uma pedrada; noutro, teve a perna e os dois braços atingidos na queda de uma ponte. Deixou as outras guerras aos cuidados dos seus lugar-tenentes. Não obstante, interveio, em algumas expedições, na Panônia e na Germânia, ou, na ânsia de ir mais longe, dirigindo-se da cidade até Ravena, Milão ou Aquileia.

Subjugou, pessoalmente ou por intermédio dos seus comandantes, o país dos cântabros104, a Aquitânia105, a Panônia106, a Dalmácia107, com toda a Ilíria e também a Récia108, os vindélicos109 e os salássios110, povos dos Alpes. Reprimiu, outrossim, as incursões dos dácios111 e desbaratou três dos seus chefes com numerosas tropas. Rechaçou os germanos para além do Elba. Dentre estes, recebeu a submissão dos úbios e dos sicâmbrios: transportou-os à Gália e os estabeleceu nas terras vizinhas do Reno. Reduziu, igualmente, à obediência outros povos menos pacíficos. Jamais desencadeou uma guerra sem razão ou necessidade. Tão longe estava do desejo de: aumentar, a qualquer preço, o seu império ou a sua glória militar que forçou certos príncipes bárbaros a jurarem, no templo de Marte Vingador112, que seriam fiéis à aliança e à paz que ele lhes propusesse. Noutra ocasião, tentou obter de alguns um novo gênero de reféns mulheres —, porque via que os inimigos não faziam caso dos homens. Sem embargo, deixou-lhes a liberdade de retomarem seus reféns quando bem entendessem. A punição mais rigorosa que exercia nas frequentes e pérfidas revoltas concertadas contra ele era vender os prisioneiros em hasta pública, sob a condição de não servirem depois de 30 anos. Sua reputação de sabedoria e prudência levou os citas, que não o conheciam a não ser por informações, a solicitarem espontaneamente, por intermédio de embaixadores, a sua amizade e a do povo romano. Os partos lhe cederam, sem dificuldades, a Armênia, que ele reivindicava, e lhe entregaram, a seu pedido, os estandartes militares que haviam arrebatado a Marco Crasso e a Marco Antônio. Do mesmo modo, ofereceram-lhe reféns. Afinal, submeteram-se à sua escolha para elegerem um rei113 entre vários pretendentes que disputavam o trono.

O templo de Jano Quirino, que antes dele não havia sido fechado senão em duas ocasiões114, desde a fundação da cidade, sob ele o foi em três oportunidades, num lapso de tempo bem menor, graças ao restabelecimento da paz, na terra e no mar. Entrou duas vezes na cidade com as honras da ovação115: após a guerra de Filipe e, a seguir, após a da Sicília. Celebrou três triunfos curuis: o da Dalmácia, o de Ânzio e o de Alexandria. Todos duraram três dias consecutivos.

Não sofreu em toda a sua ação militar mais do que duas graves e ignominiosas derrotas e ambas na Germânia: a de Lólio116 e a de Varo. A de Lólio foi ainda mais uma afronta117 do que uma perda. A de Varo118 resultou fatal para o Estado: três legiões com seus chefes, seus lugartenentes e seus auxiliares foram desbaratadas. A esta notícia, estabeleceu postos na cidade a fim de prevenir qualquer desordem e confirmou no comando os governadores das províncias, para que soubessem aproveitar, em relação aos aliados, a sua experiência e habilidade. Consagrou grandes espetáculos a Júpiter Boníssimo e Altíssimo “pelo restabelecimento dos negócios do Estado”, assim como o fizera na guerra contra os cimbros e os marsos. Pois, ao que se conta, estava tão consternado que deixou crescer a barba e os cabelos durante vários meses e batia com a cabeça contra a porta, a exclamar: “Quintílio Varo, devolve-me as minhas legiões!” O aniversário desta derrota foi sempre, para ele, um dia de tristeza e de luto.

Na direção dos exércitos foi um grande inovador e criador, tendo feito, também, reviver alguns costumes antigos. Em matéria de disciplina foi severíssimo. Não permitia jamais a nenhum dos seus lugar-tenentes visitar a mulher a não ser pelos meses de inverno e assim mesmo com muita dificuldade. Certo cavaleiro romano cortara o dedo polegar dos seus dois filhos com o escopo de os furtar ao serviço militar. Ele mandou vender em leilão o pai e todos os seus bens. Ao ver, porém, que os rendeiros iam arrematá-lo, ele adjudicou o cavaleiro ao seu liberto com o fim de ser levado para fora da cidade, onde o deixaria em liberdade. Dissolveu, ignominiosamente, toda a décima legião, que resistira às suas ordens. Extinguiu outras ainda que lhe pediram a baixa, insolentemente, sem lhes conceder as recompensas devidas aos soldados eméritos. Dizimou as cortes que tinham fugido e as alimentou de cevada. Puniu com a morte, por haverem abandonado os postos, não só centuriões, mas simples soldados. Aplicou a outros delitos diversas penas infamantes como: ficar de pé durante o dia, diante da tenda do general, às vezes de túnica e sem cinta. Outras, com um varapau de dez pés ou até mesmo com um céspede na mão.

Desde as guerras civis, fosse nas suas alocuções, fosse nos seus éditos, não chamava mais aos seus legionários “companheiros de armas”, mas “soldados”, e não tolerava que os seus próprios filhos ou seus afilhados, revestidos das prerrogativas de comando, lhe dessem outro nome. Achava que este título de “companheiros de armas” denotava o desejo de agradar mais do que permitia a disciplina militar, a tranquilidade dos tempos ou a sua própria majestade e a da sua casa. Não ocupou libertos como soldados senão duas vezes (excetuando os incêndios ou as revoltas provocadas em Roma pela falta de víveres): a primeira, na defesa das colônias limítrofes com a Ilíria; a segunda, para guardar a margem do Reno; eram escravos que pessoas, homens ou mulheres, entre os mais ricos, tiveram ordem de comprar e libertar rapidamente. Colocou-os na primeira linha sem os misturar com os homens livres, nem os armar da mesma forma. Em matéria de honras militares, ele concedia com mais facilidade faleros e colares e todos os objetos de ouro e prata do que coroas obsidionais e murais, que eram especialmente honoríficas. Estas, não as concedeu senão escassamente, sem intenção de agradar e, as mais das vezes, a soldados. A Marco Agripa, após a sua vitória naval na Sicília, presenteou-lhe um estandarte azulado. Os generais vitoriosos, se bem o tivessem acompanhado em todas as expedições e tomado parte nos seus êxitos, não tiveram direito de distribuí-las a quem bem entendessem. No seu modo de entender, nada havia de menos conveniente a um chefe consumado do que a precipitação e a temeridade. Seguidamente, andava a repetir estas máximas: “Apressa-te lentamente”119 e “mais vale um chefe prudente do que um chefe audacioso”, e ainda “faz-se depressa, se se faz bem”. Era de parecer que se não devia travar batalha nem empreender a guerra senão depois de constatar-se a existência de mais proveito na vitória do que temor nas perdas. Asseverava, efetivamente, que os que se arriscam muito para ganhar pouco “se parecem a pescadores que usassem de um anzol de ouro: caso viesse a quebrar-se, nenhuma presa conseguiria ressarcir-lhes o prejuízo”.

Ocupando cargos públicos

Chegou à magistratura e às funções públicas antes do tempo. Destas, exerceu tanto as novas como as de caráter perpétuo. Com a idade de 20 anos apossou-se do consulado. Para isso, conseguiu, habilmente, aproximar da cidade as suas legiões, enviando uma delegação a fim de reivindicar para si esta dignidade em nome do exército. Como vacilasse o Senado, o centurião Cornélio, chefe da embaixada, com a mão no cabo do gládio, não hesitou em exclamar perante toda a Cúria: “Isto aqui o fará cônsul se vós não o fizerdes.” Desempenhou o segundo consulado nove anos mais tarde, o terceiro com um ano de intervalo, depois foi até o décimo primeiro, sem interrupção.

A seguir, após a recusa da oferta de numerosos outros consulados, solicitou, espontaneamente, um décimo segundo, decorrido um intervalo considerável de 12 anos e, de novo, um décimo terceiro dois anos mais tarde, para toga viril. Regeu cinco dos seus consulados durante todo o ano. Os outros administrou nove, seis, quatro ou três meses. O segundo, algumas horas somente. De fato, na manhã das calendas de janeiro, tendo-se sentado por um momento na sua cadeira curul, diante do templo de Júpiter Capitolino, abandonou o cargo nomeando outro cônsul120 para substituí-lo. Não tomou posse de todos os consulados que geriu em Roma. Inaugurou o quarto na Ásia, o quinto na ilha de Samos, o oitavo e o nono em Tarragona.

Durante dez anos exerceu o triunvirato instituído para a organização da República. Nesse posto resistiu, por largo espaço, aos colegas que desejavam instituir as proscrições. Porém, ao começarem estas, revelou-se mais cruel do que todos os outros, pois, enquanto seus companheiros por muitas vezes se houvessem mostrado sensíveis à reputação e aos pedidos dos que intercediam a favor dos cidadãos distintos, ele foi, obstinadamente, o único que não quis poupar ninguém. Chegou até a proscrever Caio Torânio, seu tutor, que havia sido colega do seu pai Otávio na edilidade. Júnio Saturnino121 acrescenta que, terminadas as proscrições, Marco Lépido, procurando defender-se, no Senado, das suas ações pretéritas, à espera de que a clemência para o futuro pusesse limites às punições, Otávio expendeu um parecer contrário e declarou que, não obstante ter deixado de proscrever, reservava-se, todavia, liberdade de ação. Sem embargo, parece, se arrependeu desta obstinação ao conferir mais tarde a dignidade equestre a Vínio Pilopêmeno, que passava por ter escondido o seu senhor122 condenado à proscrição. Nesta mesma magistratura, repetidas vezes excitou o ódio. Certa vez, em que falava aos seus soldados, permitira aos camponeses se aproximarem deles. Ao ver, porém, Pinário, cavaleiro romano, que se preparava para escrever algo furtivamente, tomando-o por um indiscreto ou um espião, fê-lo degolar na sua presença. Tédio Áfer, cônsul designado, emprestara a qualquer dos seus atos propósitos maliciosos: ele o ameaçou tão terrivelmente que Áfer suicidou-se, atirando-se de uma elevação. Quinto Gílio, pretor, que fora saudá-lo, trazia escondidas na sua toga duas tábulas. Otávio supôs se tratasse de um gládio e não ousou certificar-se disso logo, de medo que se encontrasse outra coisa. Pouco depois, porém, mandou retirá-lo do seu tribunal por centuriões e soldados e submetê-lo a tortura como si fora um escravo. Não conseguindo obter nenhuma confissão, mandou matá-lo, após haver-lhe arrancado os olhos com as suas próprias mãos. Todavia, escreveu, ele mesmo, que esse Gílio atentara contra a sua vida por ocasião de uma entrevista que lhe solicitara.

Mandara prendê-lo. Depois, relevara-lhe a prisão, proibindo-lhe, contudo, a residência na cidade. Por fim, que o homem perecera num naufrágio ou numa emboscada de bandidos. Recebeu a autoridade tribunícia vitaliciamente e, por diversas vezes, de cinco em cinco anos, nomeou um colega. Aceitou, igualmente, a título perpétuo, a direção da polícia e das leis. Foi no exercício deste cargo, se bem não estivesse revestido da censura, que levantou por três vezes o recenseamento do povo: a primeira e a terceira com o seu colega. A segunda sozinho.

Pretendeu resignar o poder, em duas ocasiões. A primeira, logo depois da derrota de Antônio, ao lembrar-se de que este o acusara várias vezes de constituir o único obstáculo ao restabelecimento da liberdade. A segunda, num momento de debilidade, motivada por longa moléstia. Chegou a reunir em sua casa magistrados e senadores, prestando-lhes conta dos negócios do império. Ao refletir, porém, que não poderia, sem perigo para a sua pessoa, voltar a ser um simples particular e constituiria uma temeridade confiar o Estado ao capricho de muitos, continuou a enfeixar o poder. Não se sabe o que há nisso mais para louvar: se o acontecimento, se a intenção. Esta intenção, tão repetidamente anunciada, foi por ele mesmo confirmada num édito, nos seguintes termos: “Possa eu manter a República sã e salva na sua base e recolher-lhe os frutos que desejo: o de passar por fundador do melhor governo e de levar comigo, ao morrer, a esperança de que os fundamentos do Estado, lançados por mim, restarão solidamente assentados.” Realizou seu desiderato, envidando todos os esforços para que se não arrependesse do novo estado de coisas.

Construções e outros atos

A cidade, do ponto de vista ornamental, não correspondia, em absoluto, à majestade do império e, além disso, estava exposta às inundações e aos incêndios. Embeleceu-a tão bem que se pôde envaidecer, justamente, de ter deixado uma cidade de mármore no lugar onde encontrara uma de tijolos. Proveu, da mesma forma, à sua segurança futura, tanto quanto pode prever a razão humana. Ergueu numerosos monumentos públicos, entre os quais se contam, principalmente: o Fórum, com o templo de Marte Vingador, o templo de Apolo, no Palatino, o de Júpiter Tonante, no Capitólio. O que o levou a construir o seu Fórum foi a multiplicidade de demandas e de julgamentos que, parecia, estavam a exigir um terceiro para suprir a insuficiência dos dois outros123. Abriram-no às pressas, antes mesmo de terminado o templo de Marte, e ficou consagrado aos processos do Estado e ao sorteio dos juízes. Prometera construir o templo de Marte durante a guerra de Filipe, desencadeada com o objetivo de vingar seu pai. Assim, decidiu que o Senado deliberasse nele a respeito dos triunfos e das guerras. Todo aquele que tornasse às províncias com um comando partiria dali e os que tornassem vencedores ali depositariam os troféus dos seus triunfos. Levantou o templo de Apolo nas cercanias da sua casa no Palatino, atingida certa vez por um raio e onde, segundo declaração dos arúspices, aquele deus tencionava ter morada. Acrescentou ao templo um pórtico com uma biblioteca latina e grega. Era aí que nos dias da sua velhice convocava muitas vezes o Senado e passava em revista as decúrias dos juízes. Consagrou um templo a Júpiter Tonante por tê-lo livrado de um perigo ao realizar a sua expedição contra os cântabros: durante uma marcha, à noite, um raio roçara-lhe a liteira e matara-lhe o escravo que o precedia com um archote. Mandou construir outros edifícios que não ostentam seu nome, mas o de seus netos, sua mulher e sua irmã, como o pórtico e a basílica de Caio e Lúcio, os pórticos de Lívia e Otávia e o teatro de Marcelo. Ademais, convidava também os principais cidadãos a adornarem a cidade, de acordo com as posses de cada um, fosse com novos monumentos, fosse por meio de reparos e ornamentações. Assim, foram construídos numerosos edifícios, como o templo de Hércules, das Musas, por Márcio Filipo; o templo de Diana, por Lúcio Cornifício; o vestíbulo da Liberdade, por Asínio Polião; o templo de Saturno, por Munácio Planco; um teatro, por Cornélio Balbo; um anfiteatro, por Estatílio Tauro, e vários outros monumentos notáveis, por Marcos Agripa.

Dividiu o perímetro da cidade em distritos e bairros. Estabeleceu que aqueles seriam administrados por magistrados anuais, por meio de sorteio, e estes por inspetores escolhidos entre a população do bairro. Criou postos e sentinelas noturnas contra os incêndios. Para obviar as inundações, alargou e dragou o leito do Tibre, obstruído, desde muito, pelos resíduos e estreitado pelo desabamento de edifícios. Procurando tornar fácil, por todos os lados, o acesso à cidade, encarregou-se de cortar a Via Flamínia até Arimino e entregar as outras a cidadãos enobrecidos por triunfos, a fim de que as nivelassem com o dinheiro das suas presas de guerra. Reconstruiu edifícios sagrados arruinados pela velhice ou consumidos pelo fogo. Enriqueceu-os, da mesma forma que outros, das mais custosas oferendas. Assim, de uma só vez, mandou levar ao santuário de Júpiter Capitolino 16 mil libras de ouro e pedras preciosas no valor de 50 milhões de sestércios.

Revestido do pontificado máximo depois da morte de Lépido (pois este jamais consentira lho fosse arrebatado em vida), mandou, trazido de todas as partes, amontoar e queimar mais de dois mil volumes de predições em língua grega e latina, cujos autores eram anônimos ou pouco recomendáveis, e conservou somente os livros sibilinos, mas sujeitos, também, a escolha. Feito isso, encerrou-os em duas caixinhas douradas e colocou-as no soco da estátua de Apolo Palatino. Restituiu ao seu estado primitivo o calendário organizado pelo divino Júlio, no qual a negligência dos pontífices introduzira desordem e confusão. Neste novo ajuste emprestou seu nome ao mês sextilis, antes do que a setembro, que era o do seu nascimento, porque fora naquele que obtivera o seu primeiro consulado e os troféus da vitória. Aumentou o número e a dignidade dos sacerdotes, assim como as vantagens que auferiam, e, sobretudo, as das virgens vestais. Morta uma delas, era preciso substituí-la. Muitos procediam a manejos, a fim de furtarem as filhas ao sorteio. Jurou, certa vez, que, assim que uma das suas netas atingisse a idade requerida, ele a ofereceria espontaneamente. Restabeleceu algumas antigas cerimônias caídas a pouco e pouco em desuso, como o augúrio da salvação, o flaminato de Júpiter, as festas lupercais, os jogos seculares e os jogos em honra dos deuses lares. Proibiu as crianças impúberes de concorrerem às lupercais e, igualmente, os jovens de ambos os sexos de assistirem a qualquer espetáculo noturno, a menos que fossem acompanhados por algum parente idôneo. Ordenou que, duas vezes ao ano, se ornassem os lares compitais com flores da primavera e do verão. Conferiu as mais altas honorificências, depois das outorgadas aos deuses imortais, à memória dos chefes que souberam conquistar para o império romano, a princípio tão débil, a sua soberana potência. Restaurou também os monumentos erigidos por cada um deles, neles deixando as antigas inscrições, colocando solenemente as estátuas de todos, com vestes triunfais, num e noutro pórtico do seu Fórum. Declarou, num édito, “que, por isso, desejava propor aos cidadãos modelos para julgá-lo, a ele mesmo, enquanto vivesse, assim como os príncipes das idades vindouras”. Do mesmo modo, transportou a estátua de Pompeu, colocando-a sobre uma arcada de mármore.

Corrigiu a maior parte dos abusos oriundos de um deplorável exemplo que fomentava, com prejuízo para o Estado, o hábito e a licença das guerras civis e que a própria paz deixara subsistir. Sob o pretexto de se defenderem, quadrilhas de bandidos andavam ostensivamente armadas. Os viajantes eram roubados nos campos, quer homens livres, quer escravos, e encerrados nos ergástulos dos proprietários territoriais. Numerosos bandos, sob o rótulo de “Nova Associação”, concertavam alianças e não recuavam diante de nenhum crime. Ele reduziu os bandidos, organizando postos nas regiões favoráveis. Passou os ergástulos em revista. Decretou a dissolução de todas as associações que não fossem nem antigas, nem legais. Queimou os registros dos velhos devedores do erário, fonte da mais ampla matéria para acusações caluniosas. Adjudicou aos proprietários os terrenos da cidade para os quais o domínio público era incerto. Fez desaparecer o nome dos acusados de longa data, cuja miséria não servia senão para rejubilar o coração dos seus inimigos, determinando que quem quer que os perseguisse se arriscaria a uma pena igual à que eles incorreram outrora. Porém, com o fim de que nenhum delito ficasse impune ou nenhuma obrigação pública sofresse demora, empregou na solução dos negócios do Estado mais de 30 dias, ocupados pelos jogos honorários. Às três decúrias de juízes, acrescentou uma quarta, recrutada entre os cidadãos de censo inferior, à qual chamou “Decúria dos Duzentos”, encarregada de julgar os processos de pouca importância. Escolheu juízes desde a idade de 30 anos, isto é, cinco anos menos do que a idade até então requerida. Como, porém, a maior parte recusasse estas funções judiciárias, concedeu, mas contra a vontade, um ano de férias, rotativamente, a cada decúria e o direito de suspender a execução dos processos, como de costume, nos meses de novembro e dezembro.

Como juiz

Exerceu, pessoalmente, a justiça com assiduidade e, muitas vezes, até à noite. Se se sentia indisposto, colocava uma liteira diante do seu tribunal, ou, então, julgava deitado, na sua casa. Suas sentenças primavam não somente por uma rápida execução, mas, ainda, por uma extrema doçura. Para poupar um homem, manifestamente culpado de parricídio, ao suplício do saco de couro, no qual só se cosiam os réus que confessassem o crime, conta-se que ele o interrogou nos seguintes termos: “Não é verdade que não mataste, absolutamente, teu pai?” E numa acusação de falso testamento em que todos os signatários caíram sob o guante da lei Cornélia, ele não se limitou a dar aos juízes que tinham de examiná-lo apenas dois boletins: um para condenar e outro para absolver, mas ajuntou-lhes um terceiro que isentava de culpa aqueles cuja assinatura tivesse sido obtida por fraude ou por erro. Remetia todos os anos ao prefeito da cidade os apelos dos litigantes urbanos e os dos provincianos às personagens consulares que ele comissionara junto à administração de cada província.

Corrigiu leis, restabelecendo algumas delas integralmente124, tais como a lei suntuária, as referentes ao adultério, à pudicícia, à intriga, ao casamento das diferentes ordens. Como tivesse modificado esta, mais severamente do que as outras, encontrou, por isso, uma oposição tão tumultuosa que não conseguiu fazê-la passar a não ser com a supressão ou a suavização de uma parte das penas, a concessão de um prazo dilatório de três anos e o aumento das recompensas. Não obstante tudo isso, resolveram os cavaleiros exigir obstinadamente, em pleno espetáculo, a abolição desta lei. Augusto mandou vir, então, os filhos de Germânico, pô-los ao seu lado, colocou outros nos braços do pai e os mostrou ao público. Com o gesto e com o olhar significou que não temia imitar o exemplo daquele jovem príncipe. Ao perceber que o espírito da lei ainda estava sendo burlado, com a realização de casamentos prematuros, restringiu a duração dos esponsais e impôs um limite aos divórcios.

Reforma no senado

Os senadores, pelo número, formavam uma multidão ignóbil e confusa. Eram, efetivamente, mais de mil e muitos totalmente indignos do lugar que ocupavam, pois nele só se investiram após a morte de César, à custa de favores e dinheiro. Apelidaram-nos “senadores do Orco”. Augusto fez voltar o corpo senatorial ao seu antigo número e ao seu esplendor antigo por meio de duas eleições. A primeira, abandonada à sua própria escolha: o homem escolhendo o homem. A segunda, dependendo da sua e da escolha de Agripa. Foi nesta época que ele presidiu o Senado armado de uma couraça sob a toga e de gládio à cinta, enquanto dez amigos seus, dos mais robustos, cercavam a sua cátedra. Refere Cordo Cremúcio que nenhum senador era, então, admitido perto dele a não ser sozinho e depois de haver sido revistado. Convidou muitos senadores a se demitirem simplesmente, conservando, mesmo, aos demissionários, as insígnias da ordem, o seu direito à orquestra para os espetáculos e nos festins públicos. A fim de que os novos eleitos e reconhecidos pudessem preencher suas funções senatoriais com mais escrúpulo e menor dificuldade, decretou que, antes de se iniciarem as sessões, cada um sacrificaria com incenso e vinho no altar do deus em cujo templo se realizaria a reunião: que o Senado não teria mais de duas assembleias regulares por mês, nas calendas e nos idos; que nos meses de setembro e de outubro125 ninguém seria obrigado à presença, salvante aqueles que, por sorte, fossem designados para formar o quórum necessário à confecção das leis. Criou para ele um conselho particular, renovado, por sorteio, a cada semestre, com o qual ele combinava de antemão os negócios a serem submetidos ao plenário do Senado. Ao tratar-se de negócios importantes, ele não seguia, para recolher os votos, nem o costume, nem a ordem, mas o seu próprio capricho, a fim de que cada um procurasse dar a sua opinião antes do que aprovar a dos demais.

Foi, ainda, o autor de outras disposições. Proibiu a publicação dos atos do Senado e o envio de magistrados às províncias, imediatamente após o sorteio para o cargo. Concedeu aos procônsules determinada soma para a aquisição de tendas e animais, em lugar do contrato a que o Estado os obrigava, na qualidade de fornecedor. Estatuiu que a guarda ao erário, ao invés dos questores urbanos, fosse dada pelos pretores ou pelos que o tivessem sido. Encarregou os decênviros de convocar o tribunal dos centúnviros, em substituição aos antigos questores, como era de praxe.

Para que um maior número de cidadãos pudesse tomar parte na administração do Estado, imaginou a criação de novos cargos: a curatela dos monumentos públicos, das estradas, das águas, do leito do Tibre, da distribuição do trigo ao povo, a prefeitura da cidade, um triunvirato para a eleição do Senado, outro para a revista dos cavaleiros, toda vez que se tornasse necessária. Nomeou censores que não eram nomeados desde muito tempo. Aumentou o número de pretores. Fez questão de ter dois colegas, ao invés de um, sempre que lhe era conferido o consulado. Não obteve isso, porém. Todo mundo reclamou que sua majestade ficaria fundamente atingida se partilhasse com outro uma honra que podia guardar para si só, unicamente.

Não se mostrou avaro nas recompensas ao mérito militar. Conferiu o triunfo completo a mais de 30 generais e os ornamentos triunfais a outros, em maior número ainda. Para treinar com maior rapidez os filhos dos senadores nos negócios públicos, permitiu-lhes, desde a toga viril, tomarem o laticlávio e assistirem às sessões da Cúria. Apenas iniciados nos misteres, fazia-os não somente tribunos de legiões, mas, também, comandantes de cavalaria. E para que ninguém ficasse estranho à vida do campo, colocava, as mais das vezes, dois portadores do laticlávio à cabeça de cada legião. Frequentemente passava em revista os esquadrões de cavaleiros e reviveu o costume do desfile, desde longa data caído no desuso. Não permitiu, porém, que nenhum acusador, durante os desfiles, pudesse fazer qualquer cavaleiro descer do seu cavalo. Permitiu aos que eram notoriamente idosos ou mutilados mandarem o cavalo à forma e virem a pé responder à chamada do seu nome. Sem demora, concedeu àqueles que tivessem mais de 35 anos a mercê da devolução do cavalo, se não quisessem tê-lo sob os seus cuidados.

Como tivesse obtido do Senado dez colaboradores, forçou cada um dos cavaleiros a prestar contas da sua conduta. Dentre os que se encontravam em falta, castigou uns, degradou outros e admoestou mais outros de diversas maneiras. O modo mais suave de repreender era o de apresentar, face a face, as tábulas e mandar o paciente lê-las em voz baixa e depressa. Inquinou de infâmia várias pessoas por terem emprestado a juros exorbitantes somas que haviam obtido a taxas baixíssimas. Se não tinha candidatos à dignidade tribunícia, criava senadores entre os cavaleiros romanos, sendo-lhes permitido, expirado o cargo, escolherem entre as duas ordens a que preferissem. Como a maior parte dos cavaleiros, arruinados pelas guerras civis, não ousassem assistir aos jogos dos 14 palanques, com receio de incorrerem na pena teatral126, declarou que esta pena não devia ser aplicada aos que jamais tivessem possuído os parentes inclusive o censo equestre. Organizou o recenseamento do povo por bairros. E para que os plebeus, com a distribuição do trigo, não se afastassem dos seus negócios, decidiu que de três em três meses fosse realizada uma quarta parte do fornecimento. Ao ver, porém, que se clamava pelo antigo costume, consentiu em restabelecer as distribuições mensais para cada indivíduo. Restabeleceu, também, o antigo regime dos comícios e reprimiu a cabala com a aplicação de penas as mais variadas. No dia dos comícios distribuía às tribos Fábai e Captia, das quais era membro, mil sestércios para os cofres de cada uma para que nada fossem pedir a qualquer candidato. De outro modo, emprestando grande importância ao fato de conservar o povo romano puro de qualquer mistura de sangue estrangeiro ou servil, foi parcimoniosíssimo na concessão de direitos de cidadania, restringindo as manumissões. Como Tibério houvesse intercedido por um grego seu protegido, escreveu-lhe “que não teria acedido, em absoluto, se não estivesse persuadido, de viva voz, das legítimas razões do seu pedido”. Lívia solicitou-lhe o direito de cidadania para um gaulês tributário: recusou-lhe a solicitação, mas ofereceu-lhe a isenção de impostos, assegurando-lhe “que com mais facilidade consentiria na perda de alguma coisa da renda fiscal do que na prostituição da dignidade dos cidadãos romanos”. Não contente em haver, com mil obstáculos, dissuadido a alforria dos escravos e, com obstáculos ainda mais numerosos, a plena liberdade, organizou cuidadosamente o número de candidatos, a condição e a diferença dos que se libertariam e estipulou, de outro modo, que nenhuma espécie de liberdade poderia conferir o direito de cidadania àqueles que tivessem sido postos a ferros ou submetidos a tortura. Dedicou-se, também, ao restabelecimento das antigas maneiras e costumes. Certa vez, ao ver na assembleia um grupo de pessoas vestidas de preto, gritou indignado: “Eis aí, romanos, senhores do mundo, o povo que veste a toga!”127. Encarregou os edis de não permitirem a ninguém, para o futuro, sentar-se no Fórum ou no circo sem capa ou toga.

Aproveitou-se de todas as ocasiões para testemunhar a sua liberalidade relativamente às ordens do Estado, sem exceção. Com o transporte do tesouro real por ocasião do seu triunfo de Alexandria, acresceu de tal forma o numerário que a usura diminuiu e o preço das terras aumentou. Desde este momento, todas as vezes que o dinheiro superabundava em virtude das confiscações, consentiu num empréstimo gratuito, por tempo determinado, aos que pudessem dar penhor em dobro. Elevou o censo dos senadores, taxando-o em um milhão e 200 mil sestércios, ao invés de 800 mil, e completou a soma daqueles que não a possuíam. Frequentemente, fazia donativos ao povo, mas quase sempre de valores diferentes: ora 400, ora 300, às vezes 200 e 500 sestércios por cabeça. Não esqueceu nem mesmo as crianças, embora o costume fosse nada lhes dar senão depois dos 11 anos. Nos períodos de carestia, distribuía rações individuais de trigo, às vezes a um preço módico, outras, de graça, dobrando as gratificações em dinheiro.

A prova, porém, de que este príncipe procurava mais servir utilmente do que lisonjear, está no fato de que, quando o povo se queixou da escassez e do alto preço do vinho, ele o exprobrou num tom severíssimo dizendo “que seu genro Agripa, com a construção de numerosos aquedutos, providenciara suficientemente para que ninguém viesse a sentir sede”. Este mesmo povo reclamou, certa vez, uma gratificação prometida. Respondeu-lhe “que só tinha uma palavra”. De outra feita, porém, ao reclamarem-lhe uma que não prometera, censurou-lhe, num édito, a ignomínia e a impudência e asseverou que não a daria, embora tivesse a intenção de dá-la. Não demonstrou menor autoridade e firmeza ao aperceber-se, depois de ter anunciado uma gratificação, que numerosos libertos se haviam introduzido entre os cidadãos. Recusou permitir a participação, nesse meio, daqueles aos quais nada havia assegurado e aos outros concedeu menos do que prometera para que a soma destinada a este mister lhes pudesse bastar. Em certa ocasião, durante um grande período de miséria, difícil de ser remediado, expulsou da cidade os escravos destinados à venda, as tropas de gladiadores, todos os estrangeiros, exceto os médicos, os preceptores e uma parte dos escravos domésticos. Ao retornar, afinal, a abundância, “conheceu o desejo é ele próprio a escrever de abolir para sempre as distribuições de cereais ao povo, porque, confiando nelas, negligenciava a cultura das terras”. Não perseverou, porém, nesse propósito, convencido de que poderia vir a restabelecê-las um dia na ânsia de popularidade. Daí para diante, entretanto, agiu de maneira a atender tanto aos interesses dos lavradores e dos negociantes como os do povo.

Espetáculos

Ultrapassou todo mundo no tocante à frequência, à variedade e à magnificência dos espetáculos. Dizia que os efetuava quatro vezes em seu nome e outras 23 para outros magistrados, ou ausentes os que não tivessem meios para frequentá-los. Mandava realizá-los, algumas vezes, nos bairros e em vários teatros com atores de todas as línguas. E não somente no Fórum e no Anfiteatro, mas também no Circo e no recinto dos comícios128. Vezes outras não concedia senão uma caçada. Atletas atuavam no Campo de Marte, onde ele mandava construir arquibancadas de madeira. Ofereceu uma batalha naval numa bacia aberta ao pé do Tibre no lugar onde hoje se encontra o bosque dos Césares. Durante aqueles dias mandou povoar de guardas a cidade no temor de que o pouco número dos que aí restavam fosse insuficiente para coibir a ação dos bandidos. Levou ao Circo condutores de carros, corredores, matadores de feras, escolhidos, muitas vezes, entre a gente da mais alta nobreza. Seguidamente, mandava celebrar jogos troianos por um escol de meninos, grandes e pequenos, pois julgava belo e digno dos antigos costumes o tornar conhecidos por essa forma os dons de uma estirpe ilustre. Ofertou um colar de ouro a Caio Nônio Asprenate, ferido num daqueles jogos, e permitiu-lhe, assim como aos seus descendentes, o uso do sobrenome de “Torquato”. Bem cedo, porém, cessou de dar este gênero de espetáculos em virtude das ásperas e invejosas queixas levadas à Cúria pelo orador Asínio Polião, cujo sobrinho, Esermino, havia também quebrado uma perna. Empregou, da mesma forma, cavaleiros romanos nos jogos cênicos e nas lutas de gladiadores até o dia em que um senatus consulto o proibiu. A partir desse momento, não exibiu senão o jovem Lúcio, oriundo de família honesta, mas somente para mostrar que não possuía mais do que dois pés de altura, não pesava mais do que 17 libras e era senhor de uma voz fortíssima. Num dos espetáculos, fez desfilar pela arena os reféns dos partos, os primeiros que haviam sido enviados a Roma, e os colocou acima dele no segundo banco. Desta sorte, tinha por hábito, fora dos dias de espetáculo, caso aparecesse em Roma alguma coisa insólita e que interessasse à curiosidade pública, mostrá-la ao povo, como caso extraordinário, no local que mais lhe agradasse. Assim, expôs um rinoceronte no Recinto129, um tigre no teatro, uma serpente de 50 cúbitos diante do Comitium. Chegou, certa vez, ao enfermar no dia dos jogos votivos, no Circo, a seguir os carros sagrados deitado numa liteira. Outra vez, por ocasião dos espetáculos consagratórios do teatro Marcelo, ao se romperem as ligaduras da sua cátedra curul, caiu de costas. Num espetáculo organizado para os seus netos130, não podendo nem reter, nem tranquilizar o povo, temeroso de que o anfiteatro desabasse, mudou de lugar, e foi sentar-se justamente no trecho que provocava maior desconfiança.

Corrigiu a extrema confusão e desordem reinantes nos espetáculos, regularizando-os, comovido pela injúria feita a um senador a quem a numerosa assembleia que assistia aos frequentadíssimos espetáculos de Puzoles negara passagem. O Senado decretou que, em qualquer representação pública, fosse onde fosse, a primeira fila de localidades seria reservada aos senadores. Em Roma, vedou aos deputados das nações livres e aliadas o sentarem-se na orquestra, porque notara que vários desses enviados eram descendentes de libertos. Separou os soldados do povo. Criou graduações especiais para os plebeus casados. Os adolescentes, vestidos da toga pretexta, tiveram as suas banquetas colocadas junto dos seus preceptores. Interdisse o centro do anfiteatro às pessoas vestidas de preto. Não permitiu que as mulheres vissem os gladiadores, nem mesmo dos lugares mais elevados, quando, anteriormente, tinham por costume misturar-se aos homens. Concedeu às vestais um lugar à parte no teatro, em frente do tribunal do pretor. Afastou com tanto rigor as mulheres dos espetáculos de atletas que nos jogos pontificais ele adiou para a manhã do dia seguinte a realização de um pugilato que lhe fora solicitado, entre dois lutadores, e declarou “que não achava nada bom que as mulheres frequentassem o teatro antes da quinta hora”.

Apreciava os jogos do Circo, as mais das vezes do terraço da casa dos seus amigos e dos seus libertos. Por vezes, da galeria imperial, sentado entre a mulher e os filhos. Ausentava-se do espetáculo durante várias horas e, também, por dias inteiros. Desculpando-se de tal falta, designava os que o deviam substituir na presidência. Quando, porém, a eles comparecia, de nada mais se ocupava, para evitar murmúrios populares, tais como os provocados dizia por César, seu pai, que se entregava, no decurso dos espetáculos, a ler memórias e cartas e, ao mesmo tempo, a respondê-las. Isso, talvez, porque gostasse dos espetáculos, como nunca escondeu, e, algumas vezes, chegou a confessar ingenuamente. Doou, do seu bolso, coroas e muitos outros prêmios de grande valor a festas e jogos organizados por pessoas outras. Jamais assistiu aos certames gregos sem remunerar cada um dos concorrentes, segundo seu mérito. Admirou, particularmente, os pugilatos, sobretudo os latinos, e não somente os lutadores regulares e ordinários, que ele costumava levar à luta, juntamente com os gregos, mas, ainda, os que, sem método nem arte, combatiam por grupos nas ruas estreitas das aldeias. Dentro de pouco tempo julgou digno da sua solicitude todos os que contribuíam, de qualquer maneira, para os espetáculos públicos. Manteve os privilégios dos atletas, alargando-os. Interdisse os combates dos gladiadores sem licença. Arrebatou aos magistrados, amparado numa antiga lei, o direito de coerção, em qualquer parte, contra os histriões, salvo em relação aos jogos e aos teatros. Regulamentou, sempre com a máxima severidade, as lutas que se travavam nos xistos131 e as pugnas de gladiadores. Reprimiu, com efeito, tão rigorosamente, a licenciosidade dos histriões que mandou vergastá-los em três teatros132 e exilou Estefânio porque soube que ele se servia de uma dama romana vestida de rapaz e de cabelo cortado. Mandou açoitar, à vista de todo mundo, no vestíbulo da sua residência, o pantomimeiro Hila, em virtude de uma queixa do pretor. Expulsou Pilade de Roma e da Itália porque apontou com o dedo, assinalando-o, um espectador que o apupava.

Colônias

Depois de ter organizado assim a cidade e os negócios do Estado, povoou a Itália, fundando nela colônias em número de 28 e beneficiando-a em várias regiões com trabalhos e rendas públicas. Tornou-a, de certa maneira em algumas regiões, igual a Roma em direitos e dignidade. Na verdade, imaginou um gênero de sufrágio, por meio do qual os decuriões coloniais, cada qual na sua colônia, votavam nos candidatos à magistratura da cidade, enviando a Roma, nas proximidades do dia dos comícios, os votos selados. Com o intuito de favorecer, em todos os sentidos, a honestidade e o crescimento da população, colocou no serviço equestre os que lho solicitavam, recomendados pela sua cidade natal. Se realizava inspeções regionais, distribuía mil sestércios por cabeça aos plebeus, pelos filhos ou filhas que lhe apresentassem.

Encarregou-se, pessoalmente, das províncias mais importantes, que ele não achava bom nem seguro confiar a magistrados anuais, e autorizou os procônsules a governar as outras por sorteio. Contudo, efetuou algumas mudanças e visitou, por várias vezes, a maior parte de umas e de outras. Cassou a liberdade a certas cidades aliadas, cuja dissolução de costumes ameaçava perdê-las. Protegeu outras, aniquiladas de dívidas. Reconstruiu as destruídas por tremores de terra e conferiu o direito latino ou de cidadania aos que apresentassem folha de serviços prestados ao povo romano. Não houve uma só província, creio eu, que ele não tivesse visitado, com exceção da África e da Sardenha. Preparava-se para inspecioná-las, após a derrota de Sexto Pompeu, na Sicília. Uma série, porém, de violentas tempestades o impediu. Posteriormente, não encontrou nem ocasião, nem motivo para fazer a travessia.

Com poucas exceções, devolveu os reinos conquistados pelo direito da guerra àqueles de quem os havia arrancado ou a estrangeiros. Uniu, da mesma forma, entre si, os reis aliados, por meio de liames mútuos, e despendeu a maior atividade em atender e favorecer cada casamento e cada tratado de amizade. Na sua solicitude, não os encarou de outro modo senão como membros e partes do Império. Acostumou-se a dar tutores aos príncipes de menor idade ou fracos de espírito, até à maioridade ou restabelecimento. Educou e instruiu, juntamente com os seus filhos, a maior parte daqueles133.

Quanto à força armada, distribuiu por províncias as legiões propriamente ditas e as auxiliares. Criou uma frota para Misena e Ravena, no intuito de proteger o Mar Superior e o Mar Inferior. Escolheu um número determinado de soldados, uns para montarem guarda à cidade, outros para a sua guarda pessoal. Licenciou o corpo de calagurritanos134, que conservara até à derrota de Antônio e o dos germanos, que fizera parte da sua guarda até o desastre de Varo. Entretanto, não permitiu jamais que ficassem na cidade mais de três coortes e, isso mesmo, sem acampamento. Recolhia habitualmente as outras aos quartéis de inverno ou de verão nas cercanias das cidades vizinhas. Regularizou o pagamento do soldo e dos prêmios ao pessoal militar, onde quer que existisse, e proporcionou, segundo o posto de cada um, o tempo de serviço e as reformas ligadas às baixas, para que nem a idade nem as privações do necessário pudessem atirar os militares licenciados pelo caminho das revoluções. Para que lhes pudesse fornecer, sempre e sem dificuldade, o sustento e as gratificações, fundou uma caixa militar, por meio de novas receitas. A fim de saber e conhecer mais prontamente o que se passava em cada província, colocou nas estradas militares e a curtas distâncias, primeiro, rapazes, depois, veículos. Este meio lhe pareceu mais cômodo para poder interrogar, caso o exigissem as circunstâncias, correios que lhe trouxessem cartas de qualquer parte.

Para selar seus diplomas, éditos e cartas, servia-se, primeiramente, de uma esfinge; depois, de uma imagem de Alexandre o Grande; finalmente, da sua própria efígie, gravada por Discórido. Foi com este último sinete que os príncipes subsequentes continuaram a selar as cartas. Datava as suas cartas, também, com a hora exata do dia ou da noite em que as expedia.

Há muitas provas concretas da sua clemência e da sua brandura. Sem contar as fornecidas pelos seus adversários, aos quais concedera indulto e vida salva e permissão para ocupar os primeiros postos no Estado, contentou-se com punir Júnio Novato e Cássio de Pádua, simples plebeus: um, com uma multa, e outro com um rápido exílio. Não obstante, o primeiro publicara contra ele uma carta violentíssima com o nome do jovem Agripa e o segundo gritara em pleno festim “que não lhe faltava nem coração nem boa vontade para matar Augusto”. Como, num processo, Emílio Eliano de Córdova estivesse sendo acusado, além de outras faltas, da de difamar César, ele se voltou emocionadíssimo para o acusador, dizendo-lhe: “Desejaria que fosse provado. Assim, faria saber a Eliano que eu também possuo uma língua e poderia, a seu respeito, dizer muito mais.” E não prosseguiu no inquérito nem naquele momento, nem mais tarde. Tibério, certa vez, enviou-lhe uma carta queixando-se da mesma coisa, porém com maior violência. Ele respondeu-lhe: “Neste ponto, meu caro Tibério, desejo não escutar a perspicácia da tua idade. Não te deve indignar, em absoluto, o saberes que não se fala bem a respeito da minha pessoa. Já é muito o conseguirmos que não nos façam mal.”

Embora soubesse que era costume conceder-se templos aos procônsules, não consentiu, entretanto, que o fizessem em nenhuma das províncias, pelo menos em nome de Roma ou no seu próprio nome. Na cidade, recusou inflexivelmente esta honra. Chegou a mandar fundir todas as estátuas de prata que se lhe erigiram outrora, aproveitando-lhes o valor em trípodes de ouro para o templo de Apolo Palatino. Recusou a ditadura que o povo lhe oferecia com insistência, genufletindo e atirando a toga para trás, a fim de desnudar o peito.

Odiava o nome de “senhor”, por ele considerado injurioso e infamante. Certo dia em que assistia aos jogos, como um ator pronunciasse estas palavras: “O senhor justo e bom!”, todos os espectadores o aplaudiram, pensando que se tratasse de César. Este, porém, com o gesto e o olhar, sofreou as baixas adulações e no dia seguinte vituperou-as num édito severíssimo. Daí por diante vedou aos seus filhos o emprego do nome de “senhor”, fosse a sério, fosse por brincadeira. Do mesmo modo, a prática de semelhantes lisonjas estava proibida entre eles. Teve sempre o cuidado de não sair da cidade ou de qualquer outro lugar e de neles não entrar a não ser de tarde ou de noite, a fim de que ninguém se incomodasse em lhe prestar homenagens. Durante seu consulado, andava sempre a pé. Fora dessas funções, transportava-se, as mais das vezes, em liteira descoberta. Nos dias de recepção pública, admitia também a plebe e recebia com tão boa vontade os pedidos dos visitantes que chegou a censurar engraçadamente um daqueles “que lhe apresentava uma petição com tanta timidez como se estivesse a oferecer uma moeda de ouro a um elefante”. No dia do Senado, não saudava os senadores a não ser na Cúria e depois de sentados, designando cada qual pelo nome, sem que ninguém lho sugerisse. Ao sair, os senadores continuavam sentados e se despedia da mesma maneira. Entretinha relações com muitos cidadãos e jamais deixou de assistir às festas das famílias senão na velhice e depois de ter sido pisado no meio da multidão, num dia de casamento. O senador Galo Terrínio, que era do número dos seus amigos, havendo sido atacado de cegueira, repentinamente, queria deixar-se morrer de fome. Ele foi vê-lo; consolou-o e o concitou a viver.

De uma feita, em que falava no Senado, alguém lhe disse: “Não compreendi.” E outro: “Eu te contradiria se tivesse meios para tal.” Ao vê-lo sair da Cúria, certa vez, cheio de cólera, sobre-excitado pela violência das discussões, insinuaram-lhe “que era preciso permitir que os senadores falassem dos negócios públicos”. Na eleição do Senado, no tempo em que cada membro escolhia um colega, Antístio Lábero escolheu Marco Lépido, outrora inimigo de Augusto e então no exílio. Como, porém, César lhe perguntasse se não havia naquele meio homens mais dignos, o outro respondeu “que cada um tinha a opinião que bem lhe parecia”. E não teve de arrepender-se nem da franqueza, nem da altivez com que falou.

Nunca temeu os libelos infamantes espalhados contra ele na Cúria, nem nunca se deu ao trabalho de refutá-los também. Sem sequer procurar-lhes os autores, propôs apenas que se perseguissem, para o futuro, aqueles que publicassem libelos135 ou versos infamantes sob pseudônimo. Em relação aos gracejos ferinos ou insolentes de alguns, respondeu num édito. Sem embargo, opôs-se a que se tomassem medidas tendentes à repressão do abuso de liberdade dos testamentos.

Toda vez que assistia aos comícios para eleição de magistrados, percorria as tribos com seus candidatos, como simples cidadão. Consentia, de boa vontade, em ser interrogado como testemunha nos tribunais e em ser, também, refutado. Construiu um Fórum estreitíssimo por não querer expropriar os donos das casas vizinhas. Jamais recomendou ao povo os seus filhos, sem acrescentar: “Se eles o merecem.” Queixava-se, vivissimamente, daqueles por quem, no teatro, a assistência se levantava e aplaudia de pé, quando não enxergavam senão a toga pretexta. Quis que seus amigos fossem grandes e poderosos no Estado, mas sob a condição de que gozassem os mesmos direitos dos demais e se submetessem às leis dos tribunais. Como Asprenate Nônio, a quem se achava estreitamente ligado, se defendesse de uma acusação de envenenamento, produzida por Cássio Severo, consultou o Senado sobre o que devia fazer: “Temia, se lhe prestasse assistência, arrancar o acusado da órbita das leis. Se lhe negasse, passar como tendo abandonado o amigo e o condenado de antemão.” Com o consentimento de todos, sentava-se nos bancos, durante várias horas, mas sem dizer nada, nem sequer para proferir uma palavra de elogio diante da justiça. Às vezes, assistia às sessões com seus protegidos, como um certo Escutário, veterano, outrora chamado por ele e que estava sendo processado por injúria. De todos os acusados, o único que procurou salvar foi a Castrício, delator da conjuração de Murena. Não empregou, no caso, mais do que a rogativa para desarmar o acusador em presença dos juízes.

Com tais méritos, é fácil imaginar-se como foi amado. Deixou de lado os decretos do Senado, que podem parecer ditados pela necessidade ou pelo respeito. Os cavaleiros romanos, porém, espontânea e unanimemente celebravam-lhe sempre o aniversário durante dois dias. Todas as ordens, de acordo com a promessa que houvessem feito pela sua saúde, atiravam, cada ano, uma moeda no lago de Cúrcio136. Da mesma forma, nas calendas de janeiro, faziam-lhe presentes de ano-bom no Capitólio, mesmo quando ausente. Comprava com esse dinheiro belas estátuas de deuses e as consagrava em diversos bairros, tais como a de Apolo Sandaliário137, a de Júpiter Trágico138 e as de outros. Para a reconstrução da sua casa no Palatino, devorada por um incêndio, os veteranos, os decuriões, os tribunos e até particulares de todas as classes, cada qual de acordo com as suas posses, levaram-lhe, com prazer, a sua contribuição. Limitou-se, contudo, a tirar dessa pilha de dinheiro apenas uma pequena parte, não tomando mais do que um denário de cada um. Ao retornar a uma província, acompanharam-no não só lhe desejando votos de prosperidade, mas, ainda, cantando hinos. Tinha-se o cuidado, toda vez que entrava na cidade, de não se executar nenhuma pena capital.

Pai da Pátria e homenagens

O sobrenome de “Pai da Pátria” lhe foi outorgado139 com uma anuência pronta, profunda, universal. Primeiramente, o povo lhe enviou, a este respeito, uma deputação ao Ânzio140. Depois, em vista da sua recusa, foi em massa ao seu encontro e coroou-o de louros ao momento em que, em Roma, ia assistir a um espetáculo. Imediatamente, na Cúria, o Senado confirmou-lhe o título, não por decreto ou aclamação, mas pela voz de Valério Messala, que, falando em nome de todos, disse-lhe: “Felicidades e êxito a ti e à tua família, César Augusto. Ao falarmos, pois, assim, cremos confundir a eterna felicidade da República com a prosperidade da tua família. O Senado, de pleno acordo com o povo romano, te saúda, pai da pátria!” Augusto, com os olhos rasos d’água, respondeu-lhe nestes termos que eu guardei assim como os de Messala: “Chegado ao auge dos meus desejos, padres conscritos, que poderei mais pedir aos deuses imortais, senão que eles vos conservem nesta unanimidade de sentimento em relação a mim, até ao fim da minha vida?”

O povo erigiu, por subscrição pública, uma estátua, ao pé da de Esculápio, ao seu médico Antônio Musa, que o curara de uma enfermidade perigosa. Alguns pais de família encarregaram, por testamento, seus herdeiros de conduzir vítimas ao Capitólio, indicando-lhes os motivos do sacrifício de agradecer aos deuses, em seu nome, por terem deixado Augusto sobreviver-lhes. Cidades da Itália dataram o começo do ano do dia em que ele as visitou pela primeira vez. A maior parte das províncias, nos seus templos e altares, estabeleceu também os jogos quinquenais para quase todas as suas cidades.

Os reis amigos e aliados, cada qual no seu reino, construíram cidades a que deram o nome de Cesareia e, todos juntos, rejubilaram por haverem terminado, à sua própria custa, o templo de Júpiter Olímpico, começado outrora em Atenas, e poderem dedicá-lo ao gênio de César. Muitas vezes, deixando seus reinos, prestavam-lhe honras não somente em Roma, mas durante as visitas que fazia às províncias, como simples protegidos, de toga e sem ostentarem as insígnias de reis.

Depois de ter exposto como exerceu o comando militar e as funções de magistrado, como governou a República no mundo inteiro, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra, procurarei tornar-lhes conhecidos, agora, a vida íntima e familiar, seus costumes, a sua fortuna em casa e entre os seus, desde a sua juventude até o dia supremo da sua vida. Morreu-lhe a mãe durante o seu primeiro consulado e sua irmã Otávia, ao atingir os 54 anos de idade. Dispensara a uma e a outra, enquanto vivas, atenções particulares e, mortas, prestou-lhes as mais expressivas homenagens.

Casamentos e filhos

Na adolescência fora noivo da filha de Públio Servílio Isáurico. Depois, porém, de reconciliado com Antônio e à instância dos dois partidos que desejavam estabelecer entre eles um laço de família, desposou a afilhada de Antônio, Cláudia, filha de Fúlvia e de Públio Clódio e que chegava apenas à nubilidade. Sobrevinda a pendência com a sua sogra, devolveu-lhe a filha intata e virgem ainda. Dentro em pouco casou-se com Escribônia, viúva de duas personagens consulares e que possuía filhos do segundo matrimônio. Desgostoso, divorciou-se dela, como escreveu de seu próprio punho, em virtude da depravação dos seus costumes e raptou, ao mesmo tempo, Lívia Drúsila, embora grávida do seu marido Tibério Nero, amando-a e estimando-a de maneira singular e constante.

De Escribônia teve uma filha: Júlia. A despeito de vivo anseio, não teve de Lívia nenhum filho: a criança que ela concebera foi abortada. Casou, primeiramente, Júlia com Marcelo, filho de sua irmã Otávia, apenas saído da infância. À morte deste, deu Júlia em casamento a Marco Agripa, depois de haver obtido da sua irmã que ela lhe cederia este genro. Morto Agripa, também, e examinados durante largo tempo numerosos pretendentes para a sua filha, até mesmo na ordem equestre, escolheu Tibério, seu afilhado, que ele obrigava a repudiar a mulher, então grávida, e de cuja criança era pai. Narra Marco Antônio que ele havia primeiro prometido Júlia ao seu filho Antônio, depois a Cotisão, rei dos getas, na época em que pedira para ele próprio, em casamento, a filha deste rei.

Teve três netos de Agripa e de Júlia: Caio, Lúcio e Agripa, e duas netas: Júlia, que casou com Lúcio Paulo, filho do censor, e Agripina, que casou com Germânico, neto da sua irmã. Adotou Caio e Lúcio, depois de os ter comprado a Agripa, seu pai, a peso de ouro, na sua própria casa, e os enviou, na qualidade de cônsules designados, às províncias e aos exércitos. Educou sua filha e seus netos da maneira mais simples, a ponto de habilitá-los ao trabalho da lã. Proibiu-os de dizer ou fazer qualquer coisa sem testemunhas, e quis que tudo constasse do memorial do palácio. Ele os mantinha tão afastados de qualquer comércio com estrangeiros que Lúcio Vinício, rapaz de boa e ilustre família, escreveu que “faltara às conveniências, indo saudar sua filha na Baía”. A maior parte das vezes era ele mesmo quem ensinava a leitura, a escrita e outros conhecimentos elementares aos netos. Procurava, com singular afã, que lhe imitassem a caligrafia. Fazia-os sentarem-se, às refeições, perto do seu leito. Em viagem, quando de carro, tinha-os sempre junto de si. Quando a cavalo, de um e de outro lado.

Porém, a alegria e a confiança que lhe inspiravam seus filhos e a estabilidade da sua casa foram iludidas pela fortuna. Repudiou as duas Júlias: a filha e a neta, maculadas por toda a espécie de infâmias. Perdeu, no espaço de 18 meses, Caio e Lúcio: Caio em Lícia e Lúcio em Marselha. Adotou seu terceiro neto Agripa, e, ao mesmo tempo, seu afilhado Tibério, no Fórum, por uma lei da Cúria. Bem cedo, porém, renegou Agripa, em virtude do seu caráter baixo e feroz, deportando-o para Sorrento. Além disso, suportou mais resignadamente a morte dos seus do que a sua desonra. A perda de Caio e de Lúcio não o acabrunhou tanto, pois enviou ao Senado uma informação sobre a conduta da filha num memorial que, na sua ausência, foi lido pelo questor. Envergonhado, durante muito tempo absteve-se de aparecer em público. Pensou, até, em mandar matá-la. O que há de certo, em tudo isso, é que pela mesma época, como um dos seus cúmplices, um liberto chamado Febo, se houvesse enforcado, ele exclamou “que teria gostado mais se houvesse sido pai de Febo”. No exílio, proibiu-lhe o uso do vinho e de todos os requintes da vida elegante. Não permitiu que ninguém, livre ou escravo, a visitasse sem sua permissão e, além de tudo, queria conhecer do visitante a idade, o aspecto, a cor e até mesmo os sinais e as cicatrizes que porventura tivesse no corpo. Não foi senão ao termo de cinco anos que mandou transferi-la da ilha para o continente, tratando-a com mais benignidade. Jamais concedeu à filha anistia completa. Como o povo romano rogasse por ela, repetidas vezes, e, nesse sentido, o coagisse bastante, ele lhe desejou, publicamente, “tais filhas e tais esposas”. Proibiu que fosse reconhecido e educado o filho que a sua neta Júlia dera à luz, depois da sua condenação. Transferiu Agripa para uma ilha141. Este, longe de se abrandar, tornou-se cada dia mais intratável. Ficou preso com sentinela à vista. Fez votar, até um senatus consulto para poder mantêlo perpetuamente naquela região. E quando se lhe falava dele e das Júlias, costumava exclamar cheio de dor: “Ah! Fora melhor, ó deuses, que nunca me tivesse casado e morresse sem deixar filhos.”142 Não os designava de outro modo a não ser por seus “três abcessos” e seus “três cancros”.

Amigos

Como amigo não se ligava facilmente, porém sua fidelidade era inquebrantável. Não somente apreciava, como o merecessem, as qualidades e os serviços de cada um dos seus amigos, mas, também, tolerava-lhes as faltas e imperfeições, enquanto fossem estas leves. Entre todos aqueles que se enfileiram no rol dos seus amigos, dificilmente se encontrará algum caído na desgraça, a não ser Salvideno Rufo e Cornélio Galo, que ele havia levantado da mais baixa condição: um para o consulado e outro para a prefeitura do Egito. Entregou um deles à vindicta do Senado, porque fomentava rebeliões, e o outro foi demitido, em virtude da sua ingratidão e da sua malevolência, da sua casa e das suas províncias. Quando, porém, a denúncia dos acusadores e os senatus consultos impeliram Galo ao suicídio, louvou o zelo piedoso com que procuravam vingá-lo, mas, em compensação, chorou e se lamentou “de ser o único a não poder agir rigorosamente contra os seus amigos, na medida do seu desejo”. Os demais conseguiram, cada qual, o primeiro lugar na ordem a que pertenciam, até o fim da vida, quer pelo seu poder, quer pelas suas riquezas, embora tivessem praticado agravos contra ele. A paciência de Agripa, para não falar de outros, e a discrição de Méceas deixaram, por vezes, muito a desejar. Um abandonou tudo e retirou-se para Mitilena, sob leve suspeita de frieza e porque à sua pessoa preferiam Marcelo. O outro revelou à sua mulher Terência a descoberta, quando ainda em segredo, da conspiração de Murena. Augusto exigiu, sempre, uma afeição recíproca dos seus amigos. Sem a menor avidez pelas heranças, tanto assim que jamais aceitou o menor legado de desconhecidos, examinou minuciosamente as últimas disposições dos seus amigos e não dissimulou o seu pesar, quando eles se demonstravam muito avarentos, nem a sua alegria, quando lhe testemunhavam reconhecimento e afeto. Toda vez que parentes o constituíam herdeiro universal ou parcial, costumava entregar o espólio aos seus filhos, ou, se estes eram menores, deixava para entregar-lhes ou no dia em que envergassem a toga viril ou no em que se casassem, acrescido o patrimônio de juros.

Os libertos de Augusto

Patrono e senhor, não menos severo do que acessível e clemente, tratou com dignidade e gentileza extrema numerosos dos seus libertos, tais como Licínio Encélado e outros ainda. Limitou-se a pôr a ferros o seu escravo Cosmo, que falara mal da sua pessoa. Gostava mais de acusar seu tesoureiro Diômedes de poltrão do que de pérfido, pelo fato de este, certa vez em que passeavam juntos, o ter abandonado subitamente, num momento de pavor, à mercê de um javali terrível que o perseguia. Ele transformou em pilhéria este incidente que lhe fizera correr grande perigo, porquanto não alimentava má intenção a seu respeito. De outro lado, mandou matar Prócio, um dos seus mais estimados libertos, convencido de que cometera adultério com matronas. Mandou cortar as pernas de Talo, seu secretário, que, para revelar o segredo de uma carta, recebera 500 denários. À sua ordem, foram atirados ao rio, com um forte peso ao pescoço, o preceptor e os servos do seu filho Caio, porque se haviam aproveitado da ocasião em que este enfermara e morrera para oprimir a província com a sua tirania e a sua avidez.

Injúrias e boatos

Sua primeira mocidade foi denegrida por diversos opróbrios. Sexto Pompeu chamou-lhe afeminado. Marco Antônio censurou-lhe o ter comprado a adoção do seu tio pelo preço do seu estupro. Lúcio, irmão de Marco, pretende, também, que, depois de ter deixado colher a flor da sua juventude por César, ele se prostituíra ainda, na Espanha, a Aulo Hírcio, por 300 mil sestércios. Assevera o mesmo testemunho que ele costumava crestar as pernas com nozes ardentes, a fim de que o pelo rebrotasse mais sedoso. Finalmente, um dia, nos jogos públicos, todo o povo acolheu com frenéticos aplausos e lhe aplicou, injuriosamente, estes versos pronunciados na cena, a propósito de Galo, um sacerdote da mãe dos deuses, que tocava tamborim:

“Estás vendo como aquele frascário com um dedo só governa o mundo?”

Seus primeiros amigos não lhe negam os amores adulterinos. Desculparam-no, porém, dizendo que, em Augusto, eram mais efeito do cálculo do que do deboche: pois servia-se das mulheres para conhecer mais facilmente os projetos dos seus adversários. Marco Antônio lhe reprochou, além do seu inopinado casamento com Lívia, o ter, em presença do seu marido, conduzido a mulher de um cônsul da sala de jantar para o seu quarto de dormir. Essa mulher voltou à mesa com as orelhas vermelhas e os cabelos em desalinho. E ainda: de ter repudiado Escribônia por ela se haver queixado abertamente do ascendente excessivo de uma concubina; de ter como amigos provedores de mulheres, que despiam as mães de família e as meninas núbeis para examiná-las como se fossem escravas vendidas por Torânio. Marco Antônio chegou a escrever-lhe familiarmente, quando ainda não o contava no número dos seus inimigos: “Por que mudaste a meu respeito? Por que amo a uma rainha? É minha mulher. É de hoje que a quero ou há nove anos? E tu, queres apenas Drúsila? Aposto, gostosamente, que, assim que hajas lido esta carta, terás saboreado já a posse de Tertúlia, ou de Terentina, ou de Rufila, ou de Sílvia Ticênia, ou de todas juntas. Efetivamente, que importa em que lugar e por quem tu levantas o teu sexo?”

Falou-se muito também num ágape secreto, chamado comumente o ágape das 12 divindades, no qual os convivas se apresentavam vestidos como deuses e deusas, cabendo a Augusto a representação de Apolo. Não se viu condenado somente por Antônio, que, numa das suas cartas, enumera os convidados com atroz ironia, mas, ainda, pelo autor anônimo destes versos popularíssimos:

“Quando os convivas o escolheram para presidir à mesa
 e Mália viu seis deuses e seis deusas;
enquanto César representa o papel sacrílegode Febo
e, ceando, comete novos adultérios com os deuses,
então todas as divindades abandonam a Terra
e o próprio Júpiter foge do seu trono doirado.”

O que aumenta o escândalo desta ceia é o fato da carestia e da fome reinarem, então, na cidade. Exclamava-se no dia seguinte “que os deuses haviam comido todo o trigo” e “que César era bem um Apolo, mas Apolo Carrasco”, sob cujo nome este deus era venerado num bairro de Roma. Acusavam-no, também, de amar demasiadamente os móveis preciosos e os vasos de Corinto e de ter predileção pelo jogo. Na época das proscrições escreveram no pedestal da sua estátua:

“Meu pai era argentário, eu sou corintário”,

porque, dizia-se, incluíra na lista dos proscritos os nomes de alguns cidadãos com o fim de se apropriar dos seus vasos de Corinto. Mais tarde, durante a guerra da Sicília, espalhou-se este epigrama:

“Depois de ter sido vencido duas vezes no mar e haver perdido
seus navios, César, para ver se consegue afinal o título de vencedor,
joga incessantemente os dados.”

De todas as acusações, ou de todas as calúnias, foram os boatos infamantes a respeito da sua impudicícia o que ele conseguiu desfazer com mais facilidade, pela regularidade da sua vida. Provou, também, que era pouco apaixonado pelo luxo. Logo após a tomada de Alexandria, de todas as riquezas dos reis, não reservou para si senão um cálice para vinho e mandou fundir imediatamente todos os vasos de ouro de uso mais comum. Os prazeres carnais, porém, sempre o prenderam. Na velhice, segundo narram, afez-se mais a corromper virgens, trazidas para ele de todas as partes, inclusive por sua mulher. Não se incomodava, em absoluto, com a reputação de jogador de que gozava; jogava francamente, publicamente, como distração e até mesmo na velhice e não apenas durante o mês de dezembro, mas todos os dias, feriados ou não. Uma carta sua, autógrafa, não deixa nenhuma dúvida acerca deste ponto: “Meu caro Tibério escrevia ele —, jantei com as mesmas pessoas. Vinício e Sílvio pai vieram aumentar o número dos convivas. Durante o ágape jogamos como velhos, ontem como hoje. Fomos aos dados e conforme que botasse um denário à parada e o tiro de Vênus ganhava tudo.” Noutra carta, escreve: “Meu caro Tibério, passamos agradabilissimamente as Quinquatrias: jogamos todos os dias e queimamos o tabuleiro. Teu irmão soltou fortíssimos gritos: mas, ao fim de contas, não perdeu muito. Contra toda esperança, refez-se, a pouco e pouco, do muito que perdeu. Quanto a mim, perdi 20 mil sestércios do meu bolso por ter sido, segundo meu hábito, excessivamente generoso, pois, se houvesse exigido as paradas de empate ou tivesse retido o que dera a cada um, teria ganho mais de 50 mil. Mas, preferi assim: minha bondade carregará minha glória até o Céu.” Escreveu à sua filha:

“Envio-te 250 denários.Foi o que dei a cada um dos meus convivas para que pudessem, durante o jantar, jogar entre eles os dados ou os pares e ímpares.”

Está constatado que, quanto aos outros aspectos, a sua vida decorreu moderadíssima e esteve sempre ao abrigo de qualquer censura.

Habitação e eventos

Habitou, primeiramente, perto do Fórum romano, por cima das escadas anulares, na casa que pertenceu ao orador Calvo143. Depois, no Palatino, mas na residência todavia modesta de Hortênsio. Não era uma casa notável, nem pelo tamanho, nem pela elegância. Possuía pequenos pórticos com colunas de pedra de Alba e quartos sem mármores nem mosaicos famosos. Durante mais de 40 anos, no inverno como no verão, habitou o mesmo quarto de dormir. Embora lhe dissesse a experiência que a cidade lhe era desfavorável à saúde no inverno, passava todo o inverno em Roma. Se queria trabalhar secretamente, sem ser perturbado, tinha no pavimento superior um gabinete particular a que chamava “Siracusa” e “berço das artes”. Refugiava-se aí ou no campo suburbano de um dos seus libertos. Se enfermava, deitava-se na casa de Mecenas. Os retiros que mais frequentou foram os vizinhos do mar, como as ilhas da Campânia, ou as povoações situadas nas proximidades da cidade, como Lanúvio, Preneste e Tibur. Foi nesta última que ele muitas vezes exerceu a Justiça, sob os pórticos do templo de Hércules. Não gostava das “vilas” amplas e suntuosas. Fez demolir as que a sua neta Júlia mandara construir por alto preço. As suas, embora modestas, eram menos ornadas de estátuas e de quadros do que embelecidas de galerias, de boscagens e duma coleção de objetos antigos e raros. Tais são, em Capri, os membros enormes de animais monstruosos e de bestas selvagens que asseguram ser ossos de gigantes e armas de heróis.

Sua parcimônia no tocante à mobília e à maneira de mobiliar pode ser ainda verificada nas camas e nas mesas que nos restam dele e que são apenas dignas, na maior parte, de um particular elegante. Não se deitava conta-se a não ser num leito baixo e modestamente coberto. Não usava senão roupas feitas em casa pela mulher, pela irmã, pela filha e pelas netas. Sua toga não era nem cerrada, nem frouxa. Sua laticlávia, nem larga, nem estreita. Seus sapatos eram um pouco altos para que parecesse mais alto do que realmente era. Não punha nunca noutro lugar, a não ser no seu quarto de dormir, as roupas e o calçado usados no Fórum, sempre prontos para os acontecimentos súbitos e imprevistos.

Oferecia ceias seguidamente, mas sempre corretas, nas quais, para a escolha dos candidatos, eram levadas em conta a classe social e as pessoas. Valério Bessala recorda que nenhum liberto jamais fora convidado por ele a cear, exceto Mena, que obtivera a liberdade entregando a frota de Sexto Pompeu. O próprio Augusto escreve que convidou um dos seus antigos guardas, na casa de campo de quem se hospedara em certa ocasião. De vez em quando chegava à mesa mais tarde do que os outros e se retirava mais cedo. Os convivas, porém, começavam a comer antes de ele chegar e continuavam, após a sua saída. Não se servia de mais de três pratos: seis nos grandes festins. Quanto menos suntuosa era a ceia, mais amena se tornava. Empenhava-se para que tomassem parte na conversação geral os que se conservavam em silêncio ou falavam em voz baixa. Mandava chamar músicos e histriões, ou mesmo saltimbancos de circo e, frequentemente, bufões.

Celebrava magnificentissimamente as festas e os dias solenes. Algumas vezes apenas com alacridade. Pelas Saturnais e, se era do seu agrado, em outras ocasiões, distribuía presentes, ora roupas, ouro, prata, ora moedas com todas as efígies, até mesmo com a de antigos reis e estrangeiros. Outras vezes não dava senão cobertores grosseiros, esponjas, furgões de padeiro, pinças e outros objetos do mesmo gênero, com inscrições obscuras e equívocas. Tinha o costume, também, de pôr em loteria objetos de valores completamente desiguais e de expor à venda, na sala dos festins, quadros virados para a parede, a fim de que a sorte, na sua incerteza, enganasse ou enchesse de esperança os compradores. Fazia-se um leilão em cada leito e eram comuns tanto as despesas como o lucro.

Comidas e bebidas

Comia (eu não saberia omitir este ponto) pouquíssimo e sua nutrição era quase vulgar. Gostava, sobretudo, de pão caseiro, de peixinhos, de queijo de leite de vaca, feito a mão, de figos frescos, dos que frutificam duas vezes por ano. Alimentava-se sem esperar pela hora de refeições, a qualquer momento e em qualquer lugar, segundo as necessidades do seu estômago. Há, dele, numa carta, estas palavras: “Merendamos na carruagem pão e tâmaras.” E noutra passagem: “Ao voltar, de liteira, da basílica à minha casa, comi um pedaço de pão com algumas passas.” E ainda: “Não há nenhum judeu, meu caro Tibério, que observe mais escrupulosamente o jejum, num dia de sábado, do que eu no dia de hoje, pois não foi senão depois da primeira hora da noite que engoli dois bocados no banho, antes de me fazer ungir.” De acordo com este sistema, chegava, às vezes, a jantar sozinho, fosse antes de principiar, fosse depois de acabar a refeição, sem tocar em nada durante o tempo em que estivesse à mesa.

Gostava naturalmente pouco do vinho. Cornélio Neto refere que no seu acampamento de Módena se acostumara a não beber mais do que três vezes durante a refeição. Mais tarde, ao usá-lo em excesso, não ultrapassava de seis copos, e, se ia além, vomitava. Tinha predileção pelo vinho de Récia144, mas não o bebia senão raramente, durante o dia. Tomava como bebida pão molhado no leite fresco, ou um pedaço de pepino, ou um bocadinho de alface, ou uma fruta verde e ácida de suco um pouco avinhado.

Depois da sua refeição ao meio-dia, repousava um pouco, vestido e calçado como estava, as pernas estiradas e a mão sobre os olhos. Após a ceia, retirava-se na sua liteira de quarto e nela ficava, noite adentro, até que tivesse acabado, inteiramente ou em grande parte, as tarefas que não pudera concluir durante o dia. Daí passava para a cama, onde dormia, no máximo, sete horas: não a fio, pois neste intervalo acordava três ou quatro vezes. Se não podia, como acontece, retomar o sono, mandava chamar leitores e narradores que o fizessem dormir e prolongava suas noites, muitas vezes, até altas horas do dia. Nunca se levantava, escuro ainda, sem ter alguns amigos ao seu lado. A madrugada lhe era penosa se necessitava levantar-se mais cedo, em virtude de um dever ou de um sacrifício. Para que o incômodo fosse menor, deitava-se próximo à cama de um dos seus domésticos. Mesmo assim, cedendo frequentemente às necessidades do sono, dormia ao ser conduzido pelas ruas ou quando sua liteira parava por algum tempo.

Sua aparência e sua saúde

Era de uma beleza notável, cujo encanto extraordinário manteve em todas as fases da sua idade. Entretanto, vivia tão alheado à garridice e tão pouco cuidadoso da sua cabeleira, que entregava, às pressas, a sua cabeça, a vários cabeleireiros de uma vez só e se deixava, ao mesmo tempo, cortar o cabelo e raspar a barba enquanto lia ou escrevia. Estivesse a conversar ou se se conservasse em silêncio, seu rosto era tranquilo e sereno a ponto dum chefe gaulês confessar aos seus que fora essa serenidade que o retivera e impedira de jogá-lo num precipício, como era a sua intenção, pois, na passagem dos Alpes, sob o pretexto de uma entrevista, conseguira acercar-se dele. Tinha os olhos claros e brilhantes. Queria, mesmo, que se acreditasse existir neles não sei que força divina. Ficava contente que, ao fixar alguém, obrigava-o a baixar os olhos, como se baixa diante do sol. Na velhice, via menos com o olho esquerdo. Seus dentes eram falhados, pequenos e desiguais. Cabelos, ligeiramente ondulados e quase louros. Supercílios unidos, orelhas medianas, nariz proeminente na parte superior e afilado na inferior. Tez, entre morena e branca. Talhe pequeno (embora o liberto Júlio Marato registre, nas memórias que deixou sobre Augusto, que ele atingia a cinco pés e nove polegadas de altura). Seus membros, porém, eram tão bem feitos e tão bem proporcionados que não se via nem se lhe podia notar a baixa estatura senão colocando-o, por compará-lo, ao lado de outra pessoa mais alta.

Seu corpo, ao que se diz, era cheio de manchas. Seu peito e seu ventre apresentavam, aqui e ali, sinais naturais que faziam lembrar, pela forma, disposição e número, as estrelas da Ursa celeste. Uma coceira contínua e o uso incessante e violento da almofada tinham-lhe produzido calosidades sob a forma de dartros vivos. O quadril, a coxa e a perna esquerda, possuía-os fracos, pois claudicava deste lado. De tempos em tempos sentia enfraquecer-se, também, o índex da mão direita, tão fraco que, quando o frio o entorpecia e contraía, apenas podia escrever com o uso de um anel de chifre. Da mesma forma, queixava-se da bexiga e não encontrava alívio à sua dor senão depois de haver expelido os cálculos, urinando.

Foi vítima, durante o curso da sua vida, de numerosas moléstias graves e perigosas, e principalmente depois da submissão dos cântabros, quando um catarro no fígado o levou ao desespero. Seguiu o método arriscado dos contrários e, como os tópicos quentes não lhe serviam de nada, foi obrigado, por determinações de Antônio Musa, a recorrer aos frios. Estava, também, sujeito a afecções anuais que o atacavam em épocas determinadas. Ao aproximar-se o dia do seu aniversário natalício, ficava, de ordinário, abatido. Ao começar a primavera, padecia sempre de um tumor no diafragma. O vento do meio-dia produzia-lhe constipações. Seu corpo, assim abalado, não suportava facilmente nem o frio, nem o calor. No inverno, usava uma toga larga e quatro túnicas de uma vez e, sob a última, um colete de lã. Enrolava as coxas e as pernas em faixas. No verão, dormia com as portas dos quartos abertas e, amiúde, num peristilo refrescado por jatos d’água e ventilado por um escravo. Incapaz de suportar o sol, mesmo no inverno, não passeava ao ar livre e até mesmo na sua casa, senão com um chapéu de abas largas. Viajava em liteira, e quase sempre à noite, lentamente, em pequenas etapas, a ponto de levar dois dias para ir a Preneste ou a Tibur. Se pudesse alcançar certa região por mar, preferia embarcar. Sustentava sua débil saúde à força de cuidados, sobretudo tomando banhos de raro em raro. Fazia-se friccionar, seguidamente, com óleo, e suava ao pé do fogo. Feito isso, banhava-se n’água morna ou aquecida sob um sol ardente. Todas as vezes que seus nervos reclamavam banhos de mar ou as termas de Alba, contentava-se em sentar-se num tamborete de madeira, a que chamava “dureta”, de uma palavra espanhola, e agitar alternadamente as mãos e os pés.

Abandonou os exercícios a cavalo e os das armas imediatamente após as guerras civis e se dedicou ao jogo da pela. Logo, limitou-se a passeios em liteira ou a pé, terminando com corrida e saltos, envolto numa capa ou num sobretudo. Para descansar o espírito, ora pescava a anzol, ora jogava os dados ou as nozes com as crianças, agradáveis no seu aspecto e garrulice, trazidas por ordem sua, de todas as partes, especialmente da Mauritânia e da Síria. Tinha pavor dos anões, dos meninos disformes e de outras criaturas da mesma espécie, pois os considerava “ludíbrios da natureza” e “seres de mau presságio”.

Intelecto

Dedicou-se, na mocidade, à eloquência e às artes liberais com paixão e zelo extremos. Durante a guerra de Módena, não obstante os múltiplos afazeres, lia, escrevia e declamava conta-se todos os dias. Daí por diante não mais falou no Senado, perante o povo ou perante os soldados, sem primeiro compor ou meditar o discurso, se bem não lhe faltasse faculdade para improvisar repentinamente. Para não se expor às traições da memória, nem perder tempo a decorar, tomou a resolução de lê-los. Quanto às conversações particulares e mesmo às que travava com Lívia, sua mulher, se se tratava de assuntos importantíssimos, grafava-as e falava de acordo com os seus apontamentos, a fim de não ser levado pelas circunstâncias a falar de mais ou de menos. Falava com uma voz doce, com não sei que acento particular, e estudava assiduamente com um professor de declamação. Algumas vezes, porém, uma doença da garganta o obrigava a dirigir-se ao povo através da voz de um arauto.

Escreveu muitas e variadas obras em prosa, das quais leu algumas a uma roda de familiares que lhe formava o auditório, como Respostas a Bruto a respeito de Catão, cuja leitura foi terminada por Tibério, por se haver Augusto fatigado na leitura de uma grande parte, numa época em que já estava velho, ou como ainda as Exortações à filosofía e alguns volumes sobre a sua vida, que ele relata em 13 livros até à guerra dos cântabros, sem ir além. Cultivou superficialmente a poesia. Resta-nos um livro escrito por ele, em versos hexâmetros, cujo assunto, assim como o título, é A Sicília. Há, também, outro, pequeno, de epigramas, compostos geralmente durante o banho. Começara, com entusiasmo, uma tragédia: porém, descontente com o estilo, apagou-a. Como seus amigos lhe perguntassem “que fazia Ajax”, respondia “que seu Ajax se precipitara sobre a esponja”.

Adotou um gênero de composição elegante e equilibrado, evitando as frases vazias e farfalhantes e, como ele próprio asseverava, o mau cheiro das palavras que encerrassem pedantaria. Esforçou-se, sobretudo, por exprimir o mais claramente o seu pensamento. Para chegar a isso com mais facilidade, para poupar ao leitor ou ao ouvinte confusões e embaraços, não hesitou em ajuntar preposições às palavras, nem em dobrar repetidamente as conjunções, cuja supressão produz certa obscuridade, mas tudo isso com graça. Desdenhou, igualmente, a afetação e charlatanice, como vícios de gênero diferente. Atacava muitas vezes o seu caro Mecenas por causa dos seus “frisados” embebidos, como ele dizia, em óleo aromático e dos quais escarnecia, imitando-os humoristicamente. Tampouco poupava a Tibério, amante apaixonado, às vezes, de termos desusados e obscuros. Reprovava também em Marco Antônio a loucura de escrever coisas mais fáceis de admirar do que de compreender. Depois de gracejar a respeito do mau gosto e da inconsistência do seu estilo oratório, acrescenta: “Tu, também, tu balanças entre Címber Ânio e Verânio Flaco como modelos de estilo. Não sabes se empregarás as palavras que Caio Salústio pediu emprestadas às Origens, de Catão, ou se farás passar para a nossa língua o estilo verboso, mas oco, dos oradores asiáticos.” Noutra carta, louva o espírito da sua neta Agripa, dizendo-lhe: “Livra-te, sobretudo, de escrever ou de falar com afetação.”

Vê-se pelas suas cartas autógrafas que ele empregava amiudadamente, ao falar, termos notáveis. Por exemplo, se queria caracterizar devedores que jamais saldariam suas dívidas, dizia “que pagariam nas calendas gregas”. Se exortava alguém a suportar o estado presente das coisas, fosse qual fosse, assim se expressava: “Contentemo-nos com esse Catão.” Para exprimir a pronta solução da um negócio apressado, sentenciava: “Mais depressa do que se cozinham aspargos.” Escrevia sempre baceolus por stultus (tolo), pulleiaceus por pullus (filhote de animal), “eu me porto vaporosamente” por “eu me porto mal”, vacerosus por cerritus (louco). Da mesma forma, ele dizia simus por sumus e domos, no genitivo singular, por domus. Jamais escreveu de outro modo estas duas palavras para que se visse que da sua parte não havia erro, mas hábito. Mais do que tudo, notei no seu modo de escrever o seguinte: ele não separava as palavras, e, ao invés de passar para a outra linha as letras excedentes, colocava-as imediatamente por cima, contornando-as com um traço.

Quanto à ortografia, isto é, às regras e à maneira de escrever estabelecidas pelos gramáticos, não se conformava estritamente com elas. Parece que ele se filiava à opinião dos que pensam que se deve escrever tal qual se fala. Que ele invertesse ou transpusesse, muitas vezes, não apenas letras, mas, ainda, sílabas, é um erro comum a todo mundo. E eu não o mencionaria se não se historiasse (o que me parece estranho) que ele dera um sucessor a um lugar-tenente consular sob o pretexto de que era bruto e ignorante, por ter escrito ixi em lugar de ipsi. Todas as vezes que escrevia em algarismos, trocava o b pelo a, o c pelo b e assim por diante, quanto às outras letras. Ao invés de z, escrevia a.

Tampouco era medíocre o seu gosto para as letras gregas, nas quais sobressaiu muito. Foi seu mestre de eloquência Apolodoro de Pérgamo, já avançado em idade, que ele, rapaz ainda, conduzira consigo de Roma a Apolônia. Rapidamente enriqueceu-se de uma série de conhecimentos na intimidade do filósofo Aréus e dos seus filhos Dionísio e Nicanor. Não falava o grego correntemente, nem ousava escrever nesta língua. Porém, se as circunstâncias o exigiam, escrevia em latina e dava a outro para traduzir. A poesia grega não lhe era, também, inteiramente desconhecida. Costumava deleitar-se com a comédia antiga, fazendo representá-la nos espetáculos públicos. Na leitura dos autores duma e doutra língua, não procurava mais do que preceitos e exemplos úteis à vida pública ou privada. Transcrevia-os, palavra por palavra, e os enviava ordinariamente ou aos membros da sua casa, ou aos chefes dos exércitos e das províncias, ou ainda aos magistrados da cidade, conforme a necessidade de serem advertidos. Chegou, até, a ler livros inteiros ao Senado e outras vezes dava-os a conhecer ao público por meio dum édito, como os discursos de Quinto Metelo Sobre a propagação da família e os de Rutílio Sobre a maneira de construir. Queria provar deste modo que os dois assuntos haviam interessado muita gente antes dele e que os antigos também os tinham tomado a peito. Encorajou por todos os meios os gênios do seu século. Ouvia, com não menor boa vontade do que paciência, os que lhe liam não apenas versos e histórias, mas, ainda, discursos e diálogos. Entretanto, nunca animou ninguém a que o tomassem como assunto das suas obras, a menos que se tratasse de escritores eminentes e, assim mesmo, num estilo grave. Recomendava aos pretores que não permitissem a inclusão do seu nome nos concursos literários.

Superstições e presságios

Quanto às crenças supersticiosas, eis o que se conta a seu respeito: o trovão e os relâmpagos lhe produziam tal medo que chegavam a enfraquecê-lo, e para preservar-se deles carregava sempre, por onde andasse, uma pele de veado-marinho. À menor suspeita de uma tempestade mais ou menos forte, costumava retirar-se para um lugar secreto e abobadado, desde o tempo em que se assustara com o ziguezague de um raio, numa marcha realizada à noite, tal qual como o descrevemos linhas acima.

Não menosprezava, em absoluto, os sonhos, nem os seus, nem os dos outros, se estes lhe diziam respeito. Na batalha de Filipe, resolvera não sair da sua tenda, em virtude do mau estado da sua saúde. Porém, prevenido do sonho de um amigo, saiu, no que fez muito bem, pois, tomado o seu acampamento, os inimigos se atiraram contra a sua liteira, furaram-na e reduziram-na a cacos, como si ele ali estivesse dormindo. Durante a primavera, era assaltado por mil visões terríficas, vãs e quiméricas. No decurso do resto do ano, estas visões eram mais raras. Ao tempo em que frequentava assiduamente o templo dedicado a Júpiter Tonante, no Capitólio, sonhou que Júpiter Capitolino se queixava do afastamento dos seus adoradores e que ele lhe respondera que a falta cabia ao Tonante, que lhe servia de porteiro. Em consequência, mandou pendurar campainhas na cumeeira do edifício como se penduram comumente nas portas. Foi também de acordo com uma visão noturna que ele pediu esmola ao povo, em determinado dia do ano, estendendo a mão em concha às pessoas que lhe ofereciam moedas.

Considerava absolutamente seguros certos auspícios e presságios. Se, de manhã, se calçava mal ou se calçava no pé direito o sapato do esquerdo, era um mau sinal. Se, no momento de partir para uma longa viagem, por terra ou por mar, orvalhava, era bom sinal: anunciava uma volta pronta e feliz. Impressionava-se sobretudo com os prodígios. Transportou para o santuário dos seus deuses penates uma palmeira nascida defronte da sua casa, por entre as junturas das pedras, e não poupou esforços para que ela vicejasse. Na ilha de Capri, à sua chegada, os galhos de um velho carvalho, enfraquecidos e já curvados para a terra, se altearam de novo: sentiu com isso tal alegria que trocou a ilha de Capri pela de Enária145. Tinha muito cuidado, também, com certos dias. Não se punha em marcha no dia seguinte ao da realização das feiras e não iniciava nenhuma tarefa séria no dia de “nonas”. Dizia ele numa carta a Tibério que não pretendia com isso senão evitar a funesta influência desta palavra.

Em relação aos ritos estrangeiros, tanto respeitou religiosamente os consagrados pela tradição como desprezou os demais. Recebido em Atenas no número dos iniciados, teve mais tarde de reconhecer e julgar em Roma privilégios de que eram detentores os sacerdotes da Ceres Ática. Como, porém, se adiantassem certos segredos, demitiu os assessores e o círculo de auditores para que pudesse ouvir, sozinho, as partes. Na sua viagem ao Egito, pelo contrário, não fez o menor rodeio para ver o boi Ápis e louvou seu neto Caio por não ter sacrificado, ao passar pela Judeia, ao deus de Jerusalém.

Já que estamos tratando deste assunto, não será fora de propósito relatar aqui os presságios que lhe precederam o nascimento, os que o acompanharam e o seguiram e que eram de molde a fazer esperar e desejar-lhe uma grandeza futura e uma felicidade constante. Como caísse outrora um raio numa parte das muralhas de Velítris, respondeu o oráculo que um cidadão daquela cidade chegaria, um dia, ao poder. Confiantes nesta resposta, os habitantes de Velítris desencadearam subitamente uma guerra contra o povo romano e muitas outras mais tarde que quase os levaram à ruína. Não foi senão muito tempo depois que os acontecimentos provaram que aquela predição se referia ao poder de Augusto. Júlio Marato afirma “que poucos meses antes do nascimento de Augusto um prodígio anunciara publicamente, em Roma, que a natureza daria à luz um rei para o povo romano e que o Senado, assustado, proibira a educação das crianças nascidas naquele ano. Aqueles, porém, cujas mulheres estavam grávidas, atribuindo-se cada qual tamanha ventura, impediram que o senatus consulto fosse levado aos arquivos146. Li nos livros de Asclepíades Mendes Sobre as coisas divinas que Ácia, tendo ido à meia-noite a um sacrifício solene, em honra de Apolo, dormiu na sua liteira colocada no templo, ao passo que as outras matronas se retiravam; que, de súbito, uma serpente se arrastou para o seu lado, retirando-se pouco depois; que, ao acordar, purificou-se como se tivesse dormido com seu esposo; que, imediatamente, viu impressa no seu corpo uma serpente: marca que jamais conseguiu apagar, tanto assim que daí por diante se absteve de aparecer nos banhos públicos; que Augusto nasceu no décimo mês e passou, consequentemente, por filho de Apolo. A mesma Ácia, antes de dar à luz, sonhou que suas entranhas subiam para os astros e se desprendiam por toda a extensão da terra e do céu. Otávio, pai de Augusto, sonhou, também, que o esplendor do sol saía do seio de Ácia. No dia em que ele nasceu, como se discutisse na Cúria a conspiração de Catilina e como Otávio, em virtude do parto da sua mulher, tivesse chegado muito tarde, é fato notoriamente público que Públio Nigídio, ao saber da causa deste atraso, declarou que havia nascido um senhor para o universo. Mais tarde, Otávio, conduzindo seu exército através das regiões longínquas da Trácia, consultou, cumprindo no bosque sagrado do deus os ritos bárbaros, a respeito do seu filho. Recebeu dos sacerdotes a mesma resposta: logo que o vinho fora espalhado no altar, dele jorrou uma flama tão grande que ultrapassou a cumeeira do templo, projetando-se no céu. Ora, semelhante prodígio não acontecera senão para Alexandre Magno, ao sacrificar-se nos mesmos altares. Na noite seguinte, acreditou ver seu filho de um tamanho sobre-humano, armado do raio e do cetro, revestido dos despojos de Júpiter Altíssimo e Boníssimo, coroado de esplendores num carro ornado de loureiros, puxado por 12 cavalos duma brancura imaculada. Lê-se nas memórias de Caio Druso que, tendo a ama de leite deitado o bebê, de noite, no berço, no andar térreo, não o encontrou aí no dia seguinte. Depois de muita procura, foram encontrá-lo, afinal, no ápice de uma torre altíssima dormindo e voltado para o sol nascente. Assim que pôde falar, impôs silêncio às rãs, que faziam muito barulho na casa de campo de seu pai. Assegura-se que desde então as rãs nunca mais coaxaram ali. À altura do quarto marco miliário, na estrada da Campânia, enquanto almoçava num bosque, uma águia lhe arrancou bruscamente o pão das mãos, mas, de súbito, voltou, depois de um voo muito alto, para devolvê-lo em seguida, descendo suavemente. Quinto Catulo, após haver consagrado o Capitólio, teve visões durante duas noites consecutivas: na primeira, viu Júpiter Altíssimo e Boníssimo separar um dos numerosos meninos, de toga pretexta, que brincavam em torno do altar e colocar-lhe no seio o estandarte da República que ele empunhava. Na segunda, notou o mesmo menino nos joelhos de Júpiter Capitolino. Como ordenasse o seu afastamento, foi nisso impedido por um aviso do deus, dizendo-lhe que o educasse para a proteção da República. No dia seguinte, ao encontrar Augusto, que ele jamais vira em parte alguma, contemplou-o, não sem surpresa, pois, segundo afirmou, possuía uma perfeita semelhança com o menino com o qual sonhara. O primeiro sonho de Catulo é contado diferentemente por outros. De acordo com estes, numerosos meninos, de toga pretexta, pediram um tutor a Júpiter. Designou o deus, entre eles, um, ao qual deviam todos expor os seus desejos. Depois, porém, de lhes ter dado os dedos a beijar, ele os levou à boca. Marco Cícero, ao acompanhar César ao Capitólio, contava aos seus familiares um sonho que tivera na noite precedente: vira um rapaz, de belo aspeto, descer do céu, no meio de uma cadeia de ouro, e parar diante das portas do Capitólio, onde Júpiter lhe entregara um chicote. Depois, ao enxergar, de chofre, Augusto, que era ainda desconhecido da maior parte dos assistentes e que viera com o seu tio César ao sacrifício, assevera Cícero que era ele, justamente, o menino cuja imagem lhe aparecera durante o sono. Ao envergar Augusto a toga viril, a sua túnica laticlávia, descosida dos dois lados, caiu-lhe aos pés. Algumas pessoas concluíram disso que a ordem, da qual esta vestimenta é o distintivo, lhe seria, um dia, submetida. Ao procurar em Munda um local para organizar seu acampamento, encontrou o divino Júlio uma palmeira numa floresta que mandara abater e deu ordem para conservá-la como presságio de vitória. O renovo logo nascido desta palmeira cresceu de tal forma em poucos dias que não somente igualou, mas, ainda, cobriu com a sua sombra a palmeira mãe. Nela, um bando de pombas147 estabeleceu ninhos, não obstante a extrema repugnância desta espécie de pássaros por uma folhagem áspera e dura. Este prodígio foi conta-se o motivo mais imperioso que levou César a não querer outro sucessor senão o neto da sua irmã. Na sua retirada de Apolônia subira, em companhia de Agripa, ao observatório do matemático Teógenes. Como Agripa, que consultara em primeiro lugar, ouvisse predições magníficas e quase incríveis, Augusto se conservara calado e se obstinara em não querer dizer o dia do seu nascimento, acreditando, cheio de vergonha, ficar numa posição inferior à daquele. Quando, porém, depois de muitas negativas, se decidiu, não sem hesitação, a falar, Teógenes atirou-se-lhe aos pés e o adorou como um deus. Desde então foi tal a fé que Augusto depositou no seu destino que deu publicidade ao horóscopo e mandou cunhar uma medalha de prata com o signo do Capricórnio, sob o qual nascera.

Depois da morte de César, ao entrar Augusto na cidade, de volta de Apolônia, viu-se repentinamente, sob um céu puro e sereno, um círculo semelhante a um arco-íris rodear o globo do sol e o raio golpear várias vezes o monumento de Júlia, filha de César. No seu primeiro consulado, ao consultar certa vez os áugures, 12 abutres lhe apareceram como acontecera a Rômulo. E, enquanto as imolava, os fígados das vítimas, estendidos, deixavam ver até a mais recôndita fibra, o que, conforme a crença dos conhecedores, não era mais do que presságio de um grande e feliz destino.

Mais do que todos, pressentiu de longe o resultado de todas as suas guerras. Quando as tropas dos triúnviros se concentraram para a cerca de Bolonha, uma águia, pousada na sua tenda, derrotou dois corvos que a atacavam à direita e à esquerda, atirando-os por terra. Todo o exército concluiu desse fato que a discórdia se acenderia, um dia, entre os chefes, como efetivamente veio a acontecer, tal qual como no presságio. Em Filipe, um tessalino anunciou-lhe a vitória da parte do divino César, cuja imagem lhe aparecera num caminho ermo. Nas cercanias de Perúsia, como o sacrifício não desse resultado, fez aumentar o número de vítimas. Os inimigos, porém, numa incursão, arrebataram-lhe todo o aparato do ritual. Os arúspices concordaram, então, em que todos os perigos e todas as infelicidades que acabavam de ser anunciadas ao sacrificador recairiam sobre os que possuíssem as entranhas das vítimas. Os acontecimentos não desmentiram a predição. Nas vésperas do combate naval nas costas da Sicília, Augusto passeava pela praia: um peixe saltou para fora d’água e caiu-lhe aos pés. No Ânzio, ao sair para o combate, encontrou um burrinho e seu guia: o homem chamava-se “Eutychus” (feliz) e o animal “Nicon” (vencedor). Vitorioso, erigiu aos dois uma estátua de bronze no templo que mandou construir no local do seu acampamento.

Sua morte

Também sua morte (de que falarei mais adiante) e sua apoteose foram anunciadas pelos prodígios mais evidentes. Ao ocupar-se do encerramento de uma festa lustral, no Campo de Marte, perante grande afluência popular, uma águia voou várias vezes em seu derredor e, dirigindo-se em seguida em direção ao templo vizinho, pousou em cima da primeira letra da gravação do nome de Agripa. Impressionado com este espetáculo, Augusto encarregou seu colega Tibério de pronunciar os votos que era costume formular para o lustro vindouro. Embora as tábuas já estivessem escritas e prontas, Augusto recusou principiar o que não devia terminar. Na mesma ocasião caiu um raio sobre a sua estátua, apagando-lhe a primeira letra do nome. O oráculo respondeu que ele não viveria mais do que 100 dias, número marcado pela letra C, e que seria colocado na categoria dos deuses, porque “aesar”, que era o resto do nome de “Caesar”, significa “deus” em língua etrusca. Dispôs-se, pois, a enviar Tibério à Ilíria e a acompanhá-lo até Benevento. Como visse, porém, que importunos o retinham, submetendo-lhe ao julgamento processos e mais processos, exclamou (e isto mesmo foi catalogado entre os presságios) “que, embora tudo o impedisse, não ficaria por muito tempo em Roma”. Pôs-se a caminho. Alcançou Astura148 e aí, contrariamente aos seus hábitos, embarcou de noite, à mercê dos ventos.

Sua última doença principiou por uma diarreia. Percorreu então as costas da Campânia, contornou as ilhas vizinhas e demorou quatro dias num retiro em Capri, no repouso mais absoluto e excelentemente humorado. Num dia em que perlongava a baía de Puzoles, os passageiros e marinheiros de um navio de Alexandria, que acabava de atracar, vestidos de branco, coroados de flores e a queimarem incenso, cumularam-no de votos de felicidades e de louvores extraordinários, dizendo “que graças a ele viviam; graças a ele navegavam; graças a ele gozavam da liberdade e da riqueza”. Encantadíssimo com essas demonstrações, distribuiu a cada um dos seus companheiros 40 peças de ouro e lhes fez prometer, sob juramento, que não comprariam com aquela soma senão mercadorias de Alexandria. Nos dias seguintes, distribuiu ainda, entre outros presentes de vária espécie, togas e mantos, sob a condição de que os romanos adotariam o vestuário e a língua dos gregos e os gregos o vestuário e a língua dos romanos. Assistia assiduamente aos exercícios dos efebos, numerosos dos quais eram educados ainda em Capri, dentro dos antigos princípios. Chegou a mandar servir-lhes um banquete na sua presença, permitindo e exigindo mesmo que os deixassem brincar à vontade, inclusive apanhar os frutos, as iguarias e os objetos que se lhes atirassem. Numa palavra: não se furtava a nenhuma sorte de divertimento. Chamava à ilha vizinha de Capri “Apragópolis” (cidade do ócio), em virtude da madraçaria em que viviam os do seu séquito, nela recolhidos. Entre os seus favorecidos havia um, de nome Masgaba, a que tinha por costume chamar “Ctiste””, como se fora o fundador da ilha. Este Masgaba havia um ano que era morto. Sentado à mesa, notou Augusto certa vez que uma grande multidão, de archotes em punho, se tremia em torno do seu túmulo. Então, improvisou este verso, que pronunciou em voz alta:

“Eu vejo a tumba do meu Ctiste toda em chamas.”

E voltando-se para Trasilo, companheiro de Tibério, que se deitara na mesa de costas e que ignorava o que se estava passando, perguntou-lhe Augusto de que poeta era aquele verso. Como hesitasse o seu interlocutor, compôs ainda este:

“Vês acaso Masgaba honrado pelo fogo?”

e tornou a fazer-lhe a mesma pergunta. Como Trasilo se limitasse a responder-lhe que os versos, fosse quem fosse o autor, eram excelentes, Augusto riu às gargalhadas e expandiu-se em gracejos. Sem tardança, passou a Nápoles, embora estivesse sempre mais ou menos doente dos intestinos. Todavia, assistiu aos jogos ginásticos quinquenais, instituídos em sua honra, e atingiu, em companhia de Tibério, o termo da viagem. Na volta, porém, agravando-se o seu estado de saúde, acamou-se em Nola. Mandou chamar Tibério, conversou com ele secretamente, durante muito tempo, e, desde então, não mais se interessou por nenhum negócio de importância.

No último dia de volta procurou informar-se, repetidas vezes, sobre se seu estado provocava tumulto lá fora. Pediu um espelho, mandou pentear os cabelos e friccionar as faces, que estavam flácidas. Recebeu depois os amigos e lhes perguntou “se achavam que havia representado bem a farsa da vida” e ajuntou o final:

“Se tudo correu bem, aplaudi a peça e batei palmas prazenteiramente.”

A seguir, despediu-se e solicitava notícias da filha de Druso, que estava doente, aos que chegavam da cidade, quando desfaleceu, subitamente, nos braços de Lívia, a quem disse: “Lívia, lembra-te da nossa união: vive e sê feliz.” A morte que o destino lhe concedeu foi suave, tal qual sempre desejara: pois, todas as vezes que ouvia dizer que alguém morrera logo e sem padecimentos, almejava para si e para os seus igual “eutanásia” (conforme a palavra que costumava empregar). Não deu, antes de entregar a alma, senão um único sinal de perturbação mental, em virtude de um susto subitâneo: queixava-se que estava sendo arrebatado por 40 rapazes. Isto foi ainda mais um presságio do que uma mostra de fraqueza do seu espírito. Pois foi este o número exato de soldados pretorianos que conduziram seu corpo publicamente.

Morreu no mesmo quarto em que morrera seu pai Otávio, sob o consulado dos dois Sextos, Pompeu e Apuleio, no décimo quarto dia das calendas de setembro, à nona hora do dia, com 66 anos de idade menos 35 dias. Os decuriões dos municípios e das colônias conduziram seu corpo de Nola a Bovilis, durante a noite, em virtude da estação corrente, ao passo que de dia depositavam o corpo na basílica de cada cidade ou no maior dos templos existentes. Em Bovilis, a ordem dos cavaleiros o recebeu, conduzindo-o à cidade, e o colocou no vestíbulo da sua própria casa. O Senado mostrou-se zeloso na organização da pompa dos seus funerais e em honrar-lhe a memória. Entre outros projetos, uns propuseram que o enterro passasse pela porta triunfal, precedido da Vitória, que está na Cúria, e seguido de crianças nobres dos dois sexos a cantarem nênias, enquanto que outros queriam que no dia das exéquias se trocassem os anéis de ouro149 por anéis de ferro, e outros, ainda, desejavam fossem-lhe os ossos recolhidos por sacerdotes dos colégios superiores150. Um senador propôs dar o nome de Augusto ao mês de setembro porque ele nascera e morrera neste mês. Outro, que todo o espaço de tempo decorrido entre o seu nascimento e a sua morte recebesse o nome de “século de Augusto” e assim fosse registrado nos fastos. Todas estas honras foram limitadas. Fizeram-lhe o elogio em dois lugares: diante do templo do divino Júlio, por Tibério, e diante dos antigos Rostros, por Druso, filho de Tibério. Os senadores carregaram-no nos ombros até ao Campo de Marte, onde o cremaram. Aí, um antigo pretor jurou que vira a imagem de Augusto, incinerada, subir ao céu. Os principais da ordem equestre, em túnica, sem cinto, pés descalços, recolheram as cinzas e as depositaram no mausoléu que ele próprio em vida erigira entre a Via Flamínia e a margem do Tibre, durante o seu sexto consulado, e cujas boscagens e passeios que o contornam ele abrira então à frequência pública.

Seu testamento

Seu testamento, feito sob o consulado de Lúcio Planco e Caio Sílis, aos três dias das nonas de abril, um ano e quatro meses antes da sua morte, e composto de dois cadernos, escritos em parte pelo seu próprio punho e em parte pelo dos seus libertos Políbio e Hilaríão, foi levado pelas vestais que o haviam recebido em depósito com mais três volumes igualmente selados. Tudo foi aberto e lido no Senado. Augusto instituiu herdeiros, em primeira linha, a Tibério e Lívia, ordenando-lhes que lhe conservassem o nome. Em segunda, Druso, filho de Tibério, Germânico e seus três filhos do sexo masculino. Em terceira, numerosos parentes e amigos. Legou ao povo romano 40 milhões de sestércios. Aos tribunos, três milhões e 500 mil sestércios. Aos soldados pretorianos, mil sestércios por cabeça. Aos legionários, 300. Determinou que se pagasse esta soma em dinheiro, que ele a tinha sempre reservado em caixa. Fez vários outros legados, dos quais alguns iam até 20 mil sestércios. Concedeu o prazo de um ano para o seu pagamento e pediu desculpas pela mediania do seu patrimônio, afirmando que não tocava aos seus herdeiros quantia superior a 150 milhões de sestércios, embora no espaço dos 20 últimos anos recebesse mais em testamento de amigos. O Estado, porém, absorvera todas as heranças. Proibiu que as Júlias, filha e neta, quando morressem, fossem enterradas no seu túmulo. Dos três volumes, um continha prescrições sobre os seus funerais. O outro, um sumário das suas ações, feito para ser gravado em pranchas de bronze na fachada do seu mausoléu. O terceiro, um quadro sinótico de todo o Império, o número de soldados na ativa, as somas que se encontravam no Erário e nas Caixas e o saldo dos impostos. Deixou até o nome dos libertos e dos escravos a quem se podiam pedir contas.

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