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Notas

151 Lugar reservado às virgens vestais e aos mais ilustres cidadãos.

152 Este Cláudio foi o fundador da marinha militar romana. Daí seu apelido de Caudex (planchas ligadas umas às outras e que formam uma jangada ou um navio).

153 Cf. Horácio, Odes, II, 4, 37.

154 L. Lívio Druso.

155 Os fasces.

156 Cf. Augusto; divorciado de Escribônia, viúva de duas personagens consulares, desgostoso da sua depravação, arrebatou Lívia Drúsila, embora grávida, do seu marido Tibério Nero.

157 Cidadezinha marítima do Lácio.

158 Cf. Augusto; ao celebrar o triunfo curul do Ânzio, a que precedeu o de Dalmácia e sucedeu o de Alexandria.

159 Tinha 18 anos.

160 Ela se casara, em segundas núpcias, com Asínio Gaio, filho do célebre Polião.

161 Suetônio exagera: Tibério exerceu a pretoria oito anos após sua questura, e o consulado sete anos após a sua pretoria.

162 De seis anos.

163 Cidade da Narbonesa

164 Bairro situado entre o Esquilino e o Célio.

165 Verso de Ênio.

166 Cf. Ilíada, X, 246-247.

167 Políbio.

168 Dois denários por dia.

169 O dia 16 das calendas de dezembro.

170 Quinto Hatério; cf. Tácito, Anais, I, 13.

171 A Sardenha, entre outras

172 Cidade da Ligúria.

173 Isto é, da Itália do Norte.

174 Em Antioquia.

175 Graças a Sejano, que transformou seu corpo em muralha.

176 Para acalmar a revolta das legiões na Germânia.

177 Era proibido ter mais de 15 mil dracmas.

178 Com a intervenção de Sejano.

179 Pequena ilha vizinha da ilha Pandatária, para onde havia sido exilada Agripina.

180 Cremúcio Cordo. Cf. Tácito, Anais, IV, 34.

181 De Lívila com Sejano.

182 Ele lhe tinha prometido Júlia, sua neta, filha de Druso, em casamento

183 A Mácron.

184 Cf. Augusto: Adotou um modo de escrever elegante e sóbrio, evitando as frases brilhantes mas vazias e, como ele próprio dizia, o mau cheiro das palavras inusitadas.

185 O primeiro era da Calcídica, na ilha Eubeia. Os dois outros, da ilha de Creta.

186 Cidadezinha marítima do Lácio.

187 De Temenos, povoação vizinha de Siracusa.

188 Pequena cidade, perto de Nápoles. p. 142

Fontes   >    Roma Antiga

Tibério, de Suetônio

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Estátua póstuma do imperador Tibério, em que ele é representado como um deus. Museu Vaticano.

Sobre a fonte

Tibério Cláudio Nero César (42 a.C. - 37 d.C.) foi imperador romano entre 18 de setembro do ano 14 até à sua morte, a 16 de março de 37. Era filho de Tibério Cláudio Nero e Lívia Drusa. Foi o segundo imperador de Roma pertencente à dinastia júlio-claudiana, sucedendo o seu padrasto Augusto. Essa biografia de Tibério faz parte de um livro intitulado "A Vida dos Doze Césares" escrito pelo historiador Suetônio, que viveu no século 2 d.C.

A família dos Cláudios

A família patrícia dos Cláudios (pois, há, também, de igual nome uma família plebeia, que lhe não era inferior nem em poder, nem em dignidade) saiu de Régilis, cidade dos sabinos. Daí veio ela com um séquito numeroso de protegidos estabelecer-se em Roma, recentemente fundada, a convite de Tito Tácio ou, o que é mais provável, de Ata Cláudio, chefe desta família. Seis anos, mais ou menos, após a expulsão dos reis, ela foi admitida pelos senadores no número das famílias patrícias. Recebeu, da República, terras além do Ânio para os seus sequazes, e, para ela, um lugar destinado a sepultura, ao pé do Capitólio151. Depois, com o decorrer do tempo, obteve 28 consulados, cinco ditaduras, sete censuras, sete triunfos e duas ovações. Dos diversos prenomes e sobrenomes que a distinguiam, rejeitou unanimemente o prenome de Lúcio, porque dois dos seus membros, que o adotaram, haviam sido condenados: um, por banditismo e outro, por assassínio. Mas, entre outros sobrenomes, tomou o de Nero, que em linguagem sabina significa bravo e valente.

Muitos Cláudios se distinguiram por numerosas façanhas. Outros, por numerosos delitos. Lembremos apenas os principais: Ápio Ceco, que dissuadiu a conclusão de uma aliança com o rei Pirro, considerada por ele pouco vantajosa. Cláudio Cáudex, o primeiro a passar o estreito com uma frota152, expulsou os cartagineses da Sicília.

Cláudio Nero esmagou Asdrúbal153, ao chegar da Espanha, com forças consideráveis, antes que este fizesse junção das suas tropas com as do seu irmão Aníbal. De outro lado, Cláudio Ápio, de Régilis, decênviro encarregado da redação das leis, havendo tentado, para saciar a sua concupiscência, reclamar, violentamente, como escrava, uma menina de condição livre, foi a causa de uma segunda secessão da plebe contra os patrícios. Cláudio Druso, depois de ter mandado erguer a sua estátua com um diadema na testa, perto do Fórum de Ápio, tentou apossar-se da Itália por meio dos seus prosélitos. Cláudio Pulcro, na Sicília, como visse que os frangos servidos aos auspícios não comiam, fê-los jogar ao mar para que bebessem, visto não quererem se alimentar. Depois, travou a batalha naval. Vencido e intimado pelo Senado a designar um ditador, indicou seu criado Glícias. As mulheres ofereceram também, igualmente, exemplos contrários. A mesma família deu as duas Cláudias: a que retirou as areias do Tibre, onde encalhara o navio que conduzia Cibele, mãe dos deuses, com a súplica, em voz alta, de “que permitissem as potestades que o navio a seguisse, se é que estavam seguras da sua castidade”; e a que foi julgada perante o povo por crime de lesa-majestade, crime esse de novo gênero, por ter ela feito o voto público num dia em que a multidão compacta consentia apenas na passagem do seu carro e desejado “que seu irmão Pulcro ressuscitasse e perdesse uma segunda frota para que, assim, houvesse, naquele momento, menos povo em Roma”. Aliás é fato inteiramente notório que, à exceção de Públio Clódio que para expulsar Cícero da cidade se fez adotar por um plebeu e, ainda por cima, mais jovem do que ele —, todos os Cláudios foram aristocratas e partidários absolutos das prerrogativas e do poder dos patrícios e se mostraram tão violentos e orgulhosos a respeito do povo que, mesmo sob o golpe de uma acusação capital, nenhum quis tomar o hábito de suplicante, nem humilhar-se em fazer rogatórios. Outros, no meio dos debates e das discussões, chegaram a agredir os tribunos do povo. Uma Cláudia, que era uma virgem vestal, subiu ao carro do seu irmão, que triunfava, apesar do povo, e o acompanhou até o Capitólio, a fim de que nenhum tribuno pudesse vetar ou interceder contra a homenagem.

Foi desta família que Tibério César tirou a sua origem e dos dois lados, ao mesmo tempo: seu pai descende de Tibério Nero e sua mãe de Ápio Pulcro, ambos filhos de Ápio Ceco. Lívia pertencia à família por parte do seu avô materno154, cuja adoção incluiu-a nela. Esta família, não obstante plebeia, foi, entretanto, das mais florescentes, honrada com oito consulados, com duas censuras, com três triunfos, com a própria ditadura e com um magistério de cavalaria. Foi, também, enobrecida por personagens notáveis, particularmente por Salinator e por Druso. Salinator, na censura, apontou todas as tribos como culpáveis de leviandade por tê-lo feito cônsul duas vezes e censor, depois de o ter condenado a uma multa, após o seu primeiro consulado. Druso adquiriu este sobrenome, para si e para os seus descendentes, por ter morto numa luta, corpo a corpo, o chefe inimigo chamado Drauso. Conta-se também que, exercendo o cargo de vice-pretor, trouxe da província da Gália o ouro, dado outrora aos Senones, por ocasião do sítio do Capitólio e que não lhe fora retomado à força por Camilo, como diz a lenda. Seu segundo sobrinho, nomeado patrono do Senado, em virtude do seu incansável concurso contra os Gracos, deixou um filho que, por se haver entregue a tramóias de toda espécie, numa semelhante dissensão, pereceu vítima de emboscada da fração adversária.

O pai de Tibério, questor de Caio César, comandante da frota na guerra de Alexandria, muito contribuiu para a vitória. Assim, foi nomeado pontífice, em lugar de Públio Cipião, e encarregado de conduzir colônias às Gálias, entre as quais as de Narbona e Arles. Entretanto, ao morrer César, quando todos, com medo de perturbações, propunham a anistia, ele chegou a opinar que se deliberasse a respeito das recompensas aos tiranicidas. Depois, ao concluir a sua pretoria, e ao ver, no fim do ano, a discórdia lavrar entre os triúnviros, conservou suas insígnias155 além do tempo legal, acompanhou o cônsul Lúcio Antônio, irmão do triúnviro, a Perúsia e, não obstante a submissão dos outros, ficou sozinho, a sustentar a sua causa, retirando-se em seguida: primeiramente, para o Preneste e a seguir para Nápoles. Após ter conclamado em vão os escravos à liberdade, rumou para a Sicília. Indignado, porém, por não ter sido recebido imediatamente por Sexto Pompeu e proibido de usar os fasces, passou-se para o lado de Marco Antônio, na Acaia. Em breve retornou com ele a Roma, ao ser a paz restabelecida entre todos, e cedeu a Augusto, que lha pedira, a sua mulher Drúsila156, que se achava grávida por então e já lhe havia dado um filho. Morreu pouco depois, deixando dois filhos: Tibério e Druso Nero.

Julgavam algumas pessoas que Tibério tivesse nascido em Fundi, dando crédito à frágil conjectura de que seu avô materno era de Fundi157 e que, logo em seguida, lhe fora levantada uma estátua da Felicidade por decreto do Senado. De acordo, porém, com as tradições mais numerosas e mais seguras, ele nasceu em Roma, no monte Palatino, no dia 6 das calendas de dezembro, sob o segundo consulado de Marco Emílio Lépido e Lúcio Planco, após a guerra de Filipe. É assim, aliás, que seu nascimento vem relatado nos fastos ou atos públicos. Não faltam autores, entretanto, que lhe datem o nascimento no ano precedente, sob o consulado de Hírcio de Pansa. Outros, no ano seguinte, sob o consulado de Servílio Isáurico e de Antonino.

Conheceu, ao nascer e durante a infância, a fadiga e o perigo. Companheiro dos seus parentes na fuga, traiu-os duas vezes com os seus vagidos, quando estes procuravam embarcar clandestinamente para Nápoles, no momento da invasão inimiga: uma vez, porque o arrancaram do seio da ama de leite; outra, porque o tiraram dos braços da mãe que naquele instante, crítico para as mulheres fracas, procurava aliviar-se do fardo. Conduzido à Sicília e à Acaia, foi publicamente confiado aos lacedemônios que se encontravam sob a proteção de Cláudio. Ao deixá-los, foram os fugitivos obrigados a terminar a viagem com uma marcha noturna. Ao atravessar, porém, uma floresta, levantou-se, rapidamente, de todos os cantos pelos quais tentassem atravessar, tanto fogo, e de tal maneira foram envolvidos, que Lívia teve queimada parte das vestes e do cabelo! Conservam-se e mostram-se ainda em Baia os presentes que lhe deu, em Sicília, Pompeia, irmã de Sexto Pompeu: uma clâmide, um broche e colares de ouro. De retorno à cidade, foi adotado, em testamento, pelo senador Marco Gálio. Recolheu sua herança, mas cessou logo de usar-lhe o nome, porque Gálio pertencera ao partido contrário ao de Augusto. Com a idade de nove anos proferiu, diante da tribuna róstria, o elogio do seu pai morto. Mais tarde, na adolescência, acompanhou o carro de Augusto, no triunfo do Ânzio158, montando o cavalo do tiro dianteiro esquerdo, enquanto Marcelo, filho de Otávio, cavalgava o da direita. Presidiu também aos Jogos Acácios e aos Jogos Troianos do Circo, onde dirigia o grupo dos rapazes mais idosos159.

Casa com Agripina, divorcia-se e casa com Júlia

Ao envergar a toga viril, passou a juventude e todo o intervalo decorrido até a sua elevação ao principado sem nada de importante. Ofereceu dois combates de gladiadores. Um em memória do pai e outro em memória do avô, Druso, em tempos e lugares diferentes. A primeira vez, no Fórum. A segunda, no anfiteatro. Gladiadores eméritos aí se apresentaram, mediante a soma de cem mil sestércios. Ofereceu, também, jogos sempre com magnificência, a expensas da mãe e do avô. Desposou Agripina, filha de Marco Agripa, neta de Cecílio Ático, cavaleiro romano, a quem Cícero enviara cartas. Teve dela um filho, Druso, e não obstante dar-se bem com a mulher e tê-la novamente engravidado viu-se forçado a repudiá-la e casar-se a toda pressa com Júlia, filha de Augusto. Isto, porém, não aconteceu sem grande angústia, pois Tibério se sentia estreitamente ligado a Agripina e condenava a conduta de Júlia, que, mesmo em vida do primeiro marido, lhe fizera antecipações amorosas, como era do domínio público. Lamentou vivamente o ter-se divorciado de Agripina e, ao encontrá-la, certa feita, por acaso, atirou-lhe olhares tão ardentes e tão cheios de lágrimas que se evitou ela160 lhe aparecesse de novo, daí por diante. A princípio, viveu bem com Júlia, amando-se ambos mutuamente. Cedo, porém, afastou-se dela, a ponto de dormirem em leitos separados. Um filho, prova desse amor, nascido em Aquileia, morreu ainda criança. Perdeu na Germânia seu irmão Druso e conduziu-lhe o corpo até Roma, acompanhando-o a pé durante todo o trajeto.

Exército e funções públicas

Estreou nas funções cívicas defendendo, no tribunal de Augusto, o rei Aquilaus, os tralianos e os tessalianos, todos em processos diferentes. Interveio no Senado a favor dos habitantes de Laodiceia, Tiatira e de Quio, vítimas de um tremor de terra e que imploravam socorro. Acusou do crime de lesa-majestade, fazendo-o condenar, a Fábio Cipião, que conspirava contra Augusto ao lado de Varão Murena. Ocupava, ao mesmo tempo, dois cargos: o de provedor de mantimentos, que começavam a tornar-se reduzidos, e o de visitador dos ergástulos da Itália, cujos senhores haviam incorrido no odiosidade pública.

Iniciou-se, belicamente, na expedição contra os cântabros, na qualidade de tribuno militar. Mais tarde, conduzindo um exército ao Oriente, restituiu a Tigrana o reino da Armênia e, do alto do seu tribunal, colocou o diadema na sua cabeça. Recebeu, também, o estandarte que os partos haviam arrebatado a Marco Crasso. Depois disso, governou cerca de um ano a Gália Comata, agitada pelas incursões dos bárbaros e pelas discórdias dos chefes. Fez, então, a guerra da Rétia e da Vindelícia; em seguida, a da Panônia, e, finalmente, a da Germânia. Na da Rétia e da Vindelícia, submeteu os povos dos Alpes. Na da Panônia, transplantou para a Gália 40 mil homens que se entregaram sem condições e os estabeleceu nas terras que lhe haviam sido concedidas, ao longo do Reno. Em virtude dessas façanhas, recebeu a ovação e, segundo outras opiniões, foi o primeiro que entrou na cidade num carro com ornamentos triunfais, gênero novo de glorificação que ninguém, antes dele, se atribuíra jamais. Conseguiu magistraturas sem ter atingido ainda a idade necessária e exerceu, ininterruptamente161, a questura, a pretoria e o consulado. Após um intervalo162, foi cônsul pela segunda vez e recebeu até o poder tribunício por cinco anos!

Com uma tal messe de prosperidade e em pleno viço da mocidade, resolveu, entretanto, subitamente, retirar-se e afastar-se o mais possível da cena política. Tal atitude talvez fosse determinada pelo desgosto da mulher, a quem não ousava nem acusar, nem repudiar, mas, também, a quem não mais podia suportar. Ou, então, para evitar a assiduidade da censura, afirmar sua autoridade pela ausência e reforçá-la até mesmo no caso de que a República viesse a necessitar de seus serviços. Pensam alguns que, ao chegarem à idade adulta os filhos de Augusto, ele lhes tivesse concedido, espontaneamente, o segundo grau, que ele mesmo, durante muito tempo, ocupara e, por assim dizer, usurpara, a exemplo de Marco Agripa, que, tendo sido chamado à vida pública, se achava retirado em Mitilene, para que sua presença não parecesse, em absoluto, a de um concorrente ou a de um censor. O próprio Tibério, todavia, confessou, mais tarde, este último motivo. No momento, pretextando saciedade de honras e necessidade de repouso, solicitou uma licença e nem retornou às funções, não cedendo nem às vivas instâncias de sua mãe, nem às súplicas do seu avô, que se queixou, no Senado, de ficar, assim, abandonado. Fez mais: como procurassem retê-lo peremptoriamente, passou quatro dias sem comer. Enfim, foi-lhe concedida licença para partir. Deixou em Roma a mulher e o filho, desceu rapidamente a Óstia, sem responder uma só palavra aos que o acompanhavam e, dentre eles, não abraçou senão muito poucos e, assim mesmo, na ocasião de deixá-los.

De Óstia, pretendia perlongar as costas da Campânia, quando soube da enfermidade de Augusto. Parou um pouco. Porém, como se espalhasse o boato de que não se retirara para lá senão para ver realizarem-se-lhe as maiores esperanças, ganhando cada vez mais reputação, embarcou com tempo desfavorável para a ilha de Rodes, cujo clima doce e salubre o havia encantado ao visitá-la de volta da Armênia. Aí, contentou-se com uma casa modesta e um domínio que não era vasto, levando uma vida de simples cidadão, a passear de quando em quando pelos ginásios, sem litores nem criados e a entreter relações com gregos quase no mesmo pé de igualdade. Certa manhã em que organizava o seu programa diário, manifestou desejo de visitar todos os doentes da cidade. Seu pensamento, porém, foi compreendido às avessas pelos que o rodeavam e se expediram ordens para que todos os doentes fossem transportados para uma galeria pública e aí classificados, segundo o gênero da doença de cada qual. Tibério, impressionado com este espetáculo imprevisto, vacilou durante muito tempo sobre o que devia fazer e acabou por visitá-los apenas em redor e a pedir, por isso, desculpas junto do mais fraco e do mais obscuro cidadão. Uma única vez, pois o fato não mais se reproduziu, pareceu exercer os direitos que lhe conferia o poder tribunício. Como era assíduo às escolas e ao curso dos professores, travou, certa feita, uma violenta discussão com um deles. Tibério voltou tranquilamente para casa. Depois, retornou, de imediato, acompanhado de litores, chamou o seu insultador à barra do tribunal pela voz de um arauto e o remeteu à prisão. Avisaram-no, em seguida, que sua mulher Júlia havia sido condenada por devassidão e adultério e que a sua separação fora pronunciada em seu nome, dele, pela autoridade de Augusto. Embora contente com a notícia, achou que era de seu dever, enquanto estivesse ao seu alcance, escrever várias cartas para que o pai perdoasse à filha e para que se lhe deixasse, fossem quais fossem os agravos feitos, todo o dote que lhe fora concedido. Ao terminar o tempo do seu tribunato, confessou, afinal, que a sua partida de Roma não tivera outro escopo senão o de evitar qualquer suspeita de rivalidade com Caio e Lúcio. E pediu, estando para o futuro tranquilo a respeito deste ponto, pois o viam firme e muito comodamente no segundo lugar, que se lhe permitisse licença para rever os entes caros, de quem tinha saudades. Não a obteve, porém, e chegou a ser advertido de que não mais se lembrasse dos parentes, dos quais, de resto, manifestara tantos desejos de separação.

Auto-exílio em Rodes

Ficou pois, em Rodes, contra a vontade, e, a muito custo, conseguiu, por intermédio de sua mãe, que Augusto, para cobrir esta afronta, lhe permitisse o apresentar-se como seu lugar-tenente. Porém desde então viveu não somente como homem particular, mas como homem suspeito e timorato. Escondido no interior da ilha, evitava visitas de cortesia com que o atormentavam os navegantes daquelas paragens, pois ninguém assumia um posto de comando ou um cargo qualquer sem escalar em Rodes. Teve, ainda, os maiores motivos para inquietação: tendo ido a Samos, a fim de visitar Caio, seu afilhado, encarregado do Oriente, constatou que as acusações de Marco Lólio, companheiro e mestre de Caio, o malquistaram com este. Foi suspeitado, também, de se ter servido de alguns centuriões que lhe deviam o posto, os quais, após haverem dado baixa, se reuniam no seu acampamento, e de confiar a vários companheiros comissões equívocas. Parece que Tibério queria, assim, sondar o pensamento de cada um a respeito de uma próxima mudança. Como essa suspeita fosse confirmada por Augusto, ele não cessou de reclamar uma vigilância, fosse de que espécie fosse, para as suas ações e para as suas palavras.

Renunciou, também, aos exercícios habituais de equitação e, abandonando o vestuário patrício, ficou reduzido à capa e às sandálias gregas. Viveu cerca de dois anos neste estado, cada dia mais desprezado e mais odiado, a tal ponto que os habitantes de Nemauso163 derrubaram-lhe os retratos e as estátuas. Num jantar de amigos, em que se falou dele, um conviva prometeu a Caio “embarcar, logo e logo, para Rodes, se assim o ordenasse, e lhe trazer a cabeça do exilado”. Era assim que chamavam a Tibério. Foi, pois, menos o medo do que o perigo que o forçou a juntar seus pedidos aos de sua mãe, no sentido de solicitar a volta. Obteve-a graças ao acaso que o ajudou também um pouco. Augusto havia resolvido nada decidir a este respeito senão de acordo com a vontade do seu filho mais velho. Ora este estava então malquistado com Marco Lólio. Mostrou-se, assim, tratável e indulgente para com Tibério. Caio o permitiu. Tibério foi, pois, chamado, mas sob a condição de que não se imiscuiria, nem se ocuparia, absolutamente, do governo.

Retornou, após oito anos de ausência, com uma grande e inabalável esperança no futuro, concebida de acordo com os prodígios e presságios que tivera desde o início da vida. Grávida, querendo saber por diversos prenúncios se teria um menino, Lívia chocou, a pouco e pouco, nas suas mãos e nas de suas mulheres, um ovo furtado à ninhada de uma galinha. Dele saiu um pinto magnificamente provido de crista. O astrólogo Escribônio previu um brilhantíssimo destino à criança, chegando a assegurar que ela reinaria um dia, mas sem as insígnias da realeza (o poder dos Césares era então desconhecido). No começo da sua primeira expedição, como conduzisse o exército pela Macedônia para alcançar a Síria, aconteceu incendiarem-se, repentina e casualmente, os altares de Filipe, consagrados outrora às legiões vitoriosas. Sem demora, ao chegar à Ilíria, consultou o oráculo de Gerião, que o aconselhou a jogar os dados de ouro na fonte de Apona, a fim de obter uma resposta às suas perguntas. Ora, ao jogá-los, botou o mais alto número. Ainda hoje se podem ver esses dados no fundo da água. Poucos dias antes de ser chamado, uma águia, como outra jamais se vira em Rodes, pousou na cumeeira da sua casa. E na véspera do dia marcado para a partida, queimou-se-lhe completamente a túnica. Foi assim que pôde compreender toda a sabedoria do astrólogo Trasilo, que ele fizera vir a sua casa como mestre de filosofia, e que lhe afirmara que um navio, apercebido ao longe, lhe traria satisfação. Isto, na mesma ocasião em que Tibério, ao ver os acontecimentos tomarem um rumo penoso e contrário às predições, resolvera, num passeio com ele, atirá-lo ao mar, como impostor e indigno detentor dos seus segredos!

Adotado por Augusto

De volta a Roma fez seu filho Druso estrear no Fórum. Depois, deixou as Carinas164 e a casa de Pompeu para residir nas Esquílias, nos jardins de Mecenas. Aí, entregou-se inteiramente ao repouso, limitando-se apenas aos deveres de um particular, sem se ocupar de nenhuma função pública. Falecidos Caio e Lúcio, no espaço de dois anos, Tibério foi adotado por Augusto, ao mesmo tempo que seu irmão Marco Agripa, depois de ter sido, ele próprio, obrigado a adotar Germânico, filho de seu irmão. Desde então, não mais agiu como chefe de família. Não mais enfeixou nenhuma soma de direitos que a adoção lhe fizera perder. Não fez nenhuma doação. Não concedeu nenhuma alforria. Não recebeu nem mesmo heranças e legados, senão a título de pecúlio. A partir deste momento, nada foi negligenciado no sentido do fortalecimento da sua autoridade. Mormente depois da exclusão e do afastamento de Agripa, reavivou-se nele uma única esperança: a da sucessão.

Guerra na Ilíria

Concedeu-se-lhe novamente o poder tribunício por cinco anos. Confiou-se-lhe a tarefa da pacificação da Germânia. Após haverem apresentado a Augusto as suas credenciais, os embaixadores dos partos receberam ordem para o procurarem na sua província. Assim que teve notícia da defeção da Ilíria, começou a cuidar de uma nova guerra, que foi a mais importante de todas as guerras exteriores, excluídas as guerras púnicas. Empregou durante três anos 15 legiões e um igual número de forças aliadas, em meio a grandes dificuldades de toda sorte e apesar da absoluta carestia de trigo. Embora fosse chamado várias vezes, perseverou: menos de medo do que pelo receio de que um inimigo vizinho e poderoso viesse a perseguir os romanos, caso estes batessem espontaneamente em retirada. Foi fartamente recompensado pela sua perseverança, pois submeteu e reduziu ao seu poder toda a Ilíria, que se estende entre a Itália, o reino da Nórica, a Trácia e a Macedônia e entre o Danúbio e o golfo do mar Adriático.

Na Germânia

A oportunidade deste êxito rematou-lhe a glória já grande: pois quase ao mesmo tempo, Quintílio Varo pereceu na Germânia com três legiões e ninguém duvidava que, vencedores, os germanos se juntassem aos panonianos se, antes deste desastre, a Ilíria não fosse conquistada. Em virtude destes altos feitos, conferiram-lhe o triunfo e muitas outras notáveis honorificências. Senadores houve que propuseram se lhe desse o sobrenome de “Panônico”. Outros, o de “Invencível”. Outros ainda, o de “Piedoso”. Augusto, porém, se opôs aos sobrenomes, alegando que Tibério se contentaria com o que ele lhe deixasse após a morte. Ele próprio adiou seu triunfo, por causa do luto de que se cobrira a cidade com a derrota de Varo. Todavia, fez a sua entrada em Roma revestido da toga pretexta e coroado de louros. Subiu ao tribunal que se lhe erguera nos Recintos. Enquanto o Senado se conservava em pé, Tibério se sentou com Augusto entre os dois cônsules, e, após haver saudado o povo, foi conduzido de templo em templo.

No ano seguinte retornou à Germânia. Como estivesse convencido de que o desastre de Varo houvera sido causado pela temeridade e descuido daquele chefe, nada mais fez sem ouvir a opinião dos seus conselheiros. Ele, que sempre até então a ninguém mais consultava senão a sua própria vontade, começou daí por diante a apresentar, contrariamente aos seus hábitos, a várias pessoas, os seus planos de guerra, redobrando de vigilância. Pronto para passar o Reno, restringiu a bagagem a uma quantidade determinada e não autorizou a travessia senão depois de montar guarda à margem do rio, a fim de verificar a carga das carretas e impedir a condução do que não fosse necessário ou permitido. Do outro lado do Reno, tomou por princípio: não se alimentar a não ser sentado na relva. Nela dormir, sem fazer uso da tenda. Dar sempre por escrito as suas instruções para o dia seguinte, embora se tornasse necessário fazer face, depois, a um caso imprevisto, advertindo a todos que, se alguma dúvida surgisse, a ninguém mais se deveria recorrer a não ser a ele, a qualquer hora do dia ou da noite.

Exigiu uma disciplina severíssima e pôs em vigor todas as antigas maneiras de punição e desmoralização, chegando ao ponto de degradar, ignominiosamente, um comandante de legião por ter mandado soldados caçar na outra margem do rio, acompanhados de um liberto seu. Não obstante acreditasse muito pouco na sorte e no acaso, batalhava com mais confiança quando, nas vésperas, de repente e sem nenhuma causa conhecida, seu lume esmorecia e se apagava espontaneamente: presságio que em todos os seus empreendimentos não o tinha dizia ele enganado nunca, nem a si, nem aos seus antepassados. Num dia de vitória, porém, por pouco não foi assassinado por um tal Brutero, notado pelo seu estado de perturbação quando se dirigia para entre os que o cercavam. Posto na tortura, confessou o crime que premeditara.

Ao termo de dois anos retornou da Germânia para Roma, onde celebrou o triunfo que lhe fora conferido, escoltado de lugar-tenentes aos quais concedera os ornamentos triunfais. Antes de dirigir-se ao Capitólio, desceu do carro e atirou-se aos pés do seu pai, que presidia ao ato. Estabeleceu em Ravena, cumulando-o de formidáveis recompensas, Báton, chefe panônio, em sinal de agradecimento por tê-lo deixado escapar de uma posição desvantajosa, onde se achava cercado com o seu exército. Ofereceu ao povo um festim de mil mesas e distribuiu aos cidadãos 300 sestércios por cabeça. Dedicou, também, um templo à Concórdia e outro a Cástor e Pólux, em seu nome e em nome de seu irmão, à custa de presa de guerra.

Pouco depois, os cônsules o autorizaram, por lei, a partilhar com Augusto da administração das províncias e a fazer com ele o recenseamento. Encerrou as festas Lustrais e partiu para a Ilíria. Chamado inopinadamente, encontrou Augusto quase à morte, mas conseguindo respirar ainda. Ficou a sós com ele, em conferência secreta, durante um dia inteiro. Conforme eu sei, acredita-se geralmente que depois desta entrevista secreta os criados de quarto de Augusto ouviram-no gritar logo à saída de Tibério: “Infeliz povo romano, que vai cair sob tão pesadas mandíbulas!” Tampouco não ignoro que, segundo outros, Augusto lhe vituperava publicamente, e sem nenhuma dissimulação, o caráter feroz, a ponto de interromper bruscamente, ao vê-lo aproximar-se, qualquer conversação livre e alegre que porventura estivesse entretendo. Augusto só se resolveu a adotá-lo depois de vencido pelas instâncias da mulher, ou, então, movido pela ambição, sem suspeitar que um dia tal sucessor lhe fosse causar tanto arrependimento. Entretanto, não me posso deixar persuadir de que, numa resolução de tão grande importância, o mais circunspecto e o mais sábio dos príncipes tenha agido superficialmente. Creio, antes, que, pesados os vícios e as virtudes de Tibério, ele tivesse achado que as virtudes constituíam maior volume, tanto que, em plena assembleia, jurou que o adotava no interesse da República. Em numerosas cartas, ele o encara como um guerreiro habilíssimo e como o único apoio do povo romano. Entre outros exemplos, tomo, aqui e ali, algumas passagens: “Adeus, meu delicioso Tibério, sê feliz na tua empresa, general querido do meu coração e das Musas. Adeus, delicioso Tibério! Possa eu ser tão feliz quanto tu és o mais valente dos homens e o mais completo dos chefes.” E noutra parte: “Que esplêndida ordem reina nos teus quartéis de verão! Quanto a mim, meu caro Tibério, penso que não se pode chefiar mais sabiamente do que tu, no meio de tantas dificuldades e com soldados tão indolentes! Todos os que te seguiram afirmam que este verso pode ser aplicado em relação a ti165:

“Um único homem, vigilante, restabeleceu o Estado”.

“Embora se me depare um negócio que exija maduras reflexões ou me sobrevenha um forte acesso de humor, eu te juro: tenho saudades de ti, meu Tibério, e estes versos de Homero166 me vêm logo à memória:

‘Se ele me acompanhar, retornaremos ambos os dois do
meio das chamas, tanto é sábio o seu espírito!’

Quando leio ou ouço dizer que a continuidade dos teus esforços te enfraquece, que eu desapareça se não me arrepia o corpo inteiro! Suplico-te que te poupes, pois se soubermos que estás doente, eu e tua mãe morreremos de dor e a supremacia do povo romano ficará em perigo. Pouco importa que a minha saúde seja boa ou má: o que é preciso é que a tua seja boa. Adjuro os deuses a que te conservem entre nós e te concedam sempre ótima saúde, caso eles não detestem o povo romano.”

O falecimento de Augusto

Tibério não tornou público o falecimento de Augusto senão depois do assassínio do jovem Agripa. Foi um tribuno militar, encarregado da sua guarda, que o assassinou, depois de lhe haver lido a sentença de morte. Não se sabe se Augusto havia deixado esta ordem ao morrer, com o fito de suprimir todo e qualquer motivo de perturbação após o seu desaparecimento, ou se Lívia a ditara em nome de Augusto, com a aprovação ou sem a ciência de Tibério. Ao anunciar-lhe o tribuno que havia cumprido a sua ordem, Tibério respondeu-lhe que não dera ordem alguma e que ele, o executor, fosse prestar contas ao Senado. Sem dúvida, César não procurava, no momento, outra coisa senão evitar o ódio. Bem depressa, porém, deixou essa questão cair no esquecimento.

Tibério Imperador

Em virtude da sua investidura tribunícia, convocou o Senado, deu início a uma alocução e em seguida rompeu em soluços como se não pudesse conter a sua dor. “Fora melhor exclamou perder a vida com a palavra!” e entregou seu manuscrito a Druso, para que o lesse. Sem demora, trouxeram o testamento de Augusto. Dentre os seus signatários, só os da ordem senatorial tiveram licença para se aproximar. Os demais reconheceram suas chancelas fora da Cúria. Um liberto167 procedeu à leitura. O testamento começava assim: “Já que uma sorte funesta arrebatou-me os meus dois filhos Caio e Lúcio, nomeio Tibério César meu herdeiro para a metade e mais uma sexta.” Este fato aumenta ainda mais as supeitas dos que pensam que Augusto o instituíra seu sucessor mais por necessidade do que por preferência, de vez que se não furtou a semelhante preâmbulo.

Embora não tivesse hesitado em apoderar-se repentinamente do principado e em exercê-lo; embora houvesse tomado uma guarda militar, isto é, a força e a aparência da soberania, recusou-a durante muito tempo com extrema prudência. Ora criticava os amigos que o exortavam, dizendo “que eles ignoravam o monstro que era o Império”. Ora punha em dúvida com as suas respostas ambíguas e uma indecisão astuciosa o Senado que o reclamava, jogado aos seus pés. Muitos senadores chegaram a perder a paciência e um deles gritou no tumulto: “Ou aceitas ou desistes!” Um segundo lançou-lhe em face “que os outros geralmente tardavam em cumprir as promessas, mas que ele tardava em prometer o que lhe cumpria”. Enfim, aceitou o governo do Império quase à força, a deplorar a miserável e pesada servidão que se lhe impunha, mas não sem deixar de manifestar a esperança de, algum dia, desvencilhar-se de tal fardo. Suas palavras textuais foram: “Até que chegue o tempo em que vos pareça justo conceder algum repouso à minha velhice.”

A causa da sua hesitação residia no fato de temer iminentes perigos que o ameaçavam de todos os lados, o que o levava a dizer “que estava entre a espada e a parede”. Um escravo de Agripa, chamado Clemente, reunira, para vingar seu senhor, um grupo respeitável de homens. Lúcio Escribônio Libo, cidadão nobre, preparava uma revolução. Registraram-se duas revoltas de soldados: na Ilíria e na Germânia. Estes dois exércitos manifestavam pretensões extraordinárias e, antes de tudo, exigiam um soldo equiparado ao dos pretorianos168. Os soldados de Germânico recusavam-se a aceitar um príncipe que não fora nomeado por ele e incitavam vivamente o seu comandante para que tomasse o poder nas mãos. Germânico se opôs a isso com firmeza. Tibério, temeroso deste perigo, mais do que qualquer outro, pediu ao Senado que lhe indicasse as funções que achasse mais conveniente, nenhuma, porém, que lhe não fosse dado desempenhar sozinho, e nas quais se lhe associassem um ou mais colegas. Fez correr, também, que se achava enfermo, a fim de que Germânico esperasse mais pacientemente ou uma próxima sucessão ou a partilha do principado. Apaziguadas as sedições, armou uma cilada, para Clemente, submetendo-o ao seu poder. Quanto a Libo, não desejando iniciar o seu reinado com crueldades, somente dois anos depois o acusou perante o Senado, contentando-se, durante todo esse tempo, em tomar apenas algumas precauções. Certa vez em que sacrificava com ele, entre os pontífices, fez-lhe dar, em vez de uma faca de ferro, uma de chumbo. De outra feita, pedindo-lhe Libo uma entrevista secreta, não lha concedeu senão em presença do seu filho Druso e, assim mesmo, pegando-lhe da mão até ao fim da conferência, como se tivesse necessidade de se apoiar nele, ao caminhar de um lado para outro.

Livre de qualquer temor conduziu-se a princípio com muita moderação e quase como um cidadão particular. De numerosas e magníficas honorificências, não aceitou senão poucas e, assim mesmo, as mais modestas. Como o dia do seu nascimento169 coincidisse com o dos pequenos jogos circenses, permitiu a muito custo que se lhe desse, como homenagem, um carro com dois cavalos. Não aceitou nem templos, nem flamínios, nem sacerdotes. Proibiu que se lhe erigissem estátuas e imagens, sem licença da sua parte. E, quando o permitia, era somente sob a condição de que não fossem colocadas entre as efígies dos deuses, mas entre os ornamentos dos edifícios. Opôs-se também a que se jurasse em seu nome em qualquer ato e a que se desse ao mês de setembro o nome de “Tibério” e ao de outubro o de “Lívio”. Recusou, da mesma forma, o prenome de “Imperador” e o sobrenome de “Pai da Pátria”, assim como a coroa cívica que se queria colocar no vestíbulo do seu palácio. Não aditou, mesmo nas cartas, nome de “Augusto”, se bem lhe coubesse por herança, salvo nas dirigidas aos reis e aos soberanos. Não exerceu mais do que três consulados: um, durante poucos dias; o segundo três meses e o terceiro, na sua ausência, até aos idos de maio.

Era tal a sua aversão à lisonja que jamais permitiu a nenhum senador escoltasse a sua liteira, fosse para saudá-lo, fosse para lhe falar de negócios. Como uma personagem consular170 lhe tivesse ido pedir desculpas e tivesse querido se lhe atirar aos pés, foi tão brusca a sua saída que ela caiu no chão. Se, numa conversação qualquer, ou em qualquer discurso, dele se falasse de maneira excessivamente bajulatória, não hesitava em interromper, em repreender e em obrigar a pessoa a mudar logo de expressão. A quem quer que lhe chamasse “Senhor”, fazia sentir não mais desejar se lhe desse esse nome injurioso. Como lhe falasse alguém das “suas ocupações sagradas” e lhe fizesse sentir, outra pessoa, “que se apresentara ao Senado em virtude de uma ordem sua”, Tibério obrigou-os a mudarem de linguagem e a substituírem “ordem” por “conselho” e “sagradas” por “laboriosas”.

Insensível e indiferente aos ultrajes, aos boatos maledicentes e aos versos difamatórios espalhados contra ele e os seus, costumava repetir, de quando em vez, “que num Estado livre a língua e o espírito deviam ser, da mesma forma, livres”. Como o Senado lhe pedisse um dia para conhecer um crime dessa espécie, e perseguir os culpados, respondeu: “Nós não temos tempo para nos ocuparmos com trabalhos mais numerosos. Se abrirdes essa porta, não fareis mais nada. Sob este pretexto, todas as inimizades particulares se voltarão contra vós.” Há, ainda, dele, estas proposições cheias de moderação, pronunciadas no Senado: “Se alguém fala de mim de modo diverso do porque deveria falar, eu me esforçarei por prestar-lhe conta dos meus atos e das minhas palavras. Se, porém, ele persistir, então eu o odiarei à minha maneira.”

Esta feição de agir era tanto mais notável quanto, por suas atenções e deferências a respeito de cada um e a respeito de todos, ele próprio quase ultrapassara os limites da polidez. Colocando-se, no Senado, contra uma opinião de Quinto Hatério, falou: “Perdoa-me, te peço, se como senador combato teu parecer com tanta liberdade.” Depois, dirigindo-se a todos: “Tenho dito muitas vezes e hoje o repito, padres conscritos: um príncipe, útil e bom, que investistes dum poder tão grande e tão ilimitado, deve ser escravo do Senado e quase sempre de todos os cidadãos e, mais ainda, de cada um em particular. Não me arrependo de o ter dito. Encontrei e encontro ainda em vós senhores dedicados e benevolentes.”

Introduziu no Estado não sei que aparência de liberdade que conservou ao Senado e à Magistratura a sua antiga majestade e o seu antigo poder. Não houve nenhum negócio, pequeno ou grande, público ou particular, do qual não prestasse contas aos padres conscritos. Consultava-os a propósito dos impostos, dos monopólios, dos edifícios a serem construídos ou reparados e até mesmo sobre os recrutamentos e licenciamentos militares e sobre a distribuição das legiões e das tropas auxiliares. Perguntava-lhes, ainda, quais generais deviam ser conservados nos postos de comando; a quem entregar a direção das guerras extraordinárias; em que sentido e de acordo com quais fórmulas se devia responder às cartas dos reis. Tibério obrigou um prefeito de cavalaria, acusado de haver praticado violências e rapinas, a defender-se perante o Senado. Jamais entrou na Cúria a não ser sozinho. Um dia em que foi obrigado a comparecer ali em liteira, por se achar enfermo, ordenou, de contínuo, a volta dos que o acompanhavam.

Não se queixava nunca das decisões tomadas contra os seus pareceres. Se bem se opusesse à ausência dos magistrados eleitos, a fim de que fossem, pela sua presença, investidos nos seus respectivos cargos, um pretor designado obteve dele uma missão livre. De outra feita, foi de opinião que se permitisse aos habitantes das margens do Trébia o emprego de determinada soma, que lhes fora legada para a construção duma estrada. Mas não pôde conseguir que a vontade do testador deixasse de ser ratificada. Certa vez em que o Senado procedia ao voto por divisão, ele passou-se para o lado da minoria e ninguém o acompanhou. Também, nada em absoluto se fazia a não ser com a intervenção dos magistrados e segundo o direito consuetudinário. Tal era a autoridade dos cônsules que embaixadores da África iam procurá-los para se queixarem de que César, a quem se haviam dirigido, tratava dos seus processos com lentidão. Isto, porém, não causava a mínima surpresa, pois o próprio César se levantava diante dos cônsules e lhes abria passagem.

Repreendeu consulares colocados à frente de exércitos por não prestarem conta ao Senado de nenhum dos seus atos e por pedirem a ele, Tibério, opinião sobre a atribuição das recompensas militares, como se lhes faltasse autoridade para dispor delas ao seu alvedrio. Cumulou de elogios um pretor que, ao tomar posse do seu cargo, fizera reviver o uso de louvar publicamente os antepassados. Acompanhou até à pira os funerais de alguns ilustres cidadãos. Demonstrou igual modéstia a respeito de pessoa de menor condição e de coisas menores. Como os magistrados de Rodes lhe endereçassem, em nome da cidade, cartas sem assinatura, mandou chama-los e, longe de lhes fazer a menor censura, limitou-se a ordenar-lhes, apenas, que as assinassem. Em seguida, os demitiu. A Diógenes o Gramático, com quem se habituara a discutir todos os sábados, recusou-lhe uma audiência particular que lhe fora pedida, e mandou-lhe dizer por um pequeno escravo que voltasse no sétimo dia. Como este gramático se apresentasse à porta do seu palácio, em Roma, para saudá-lo, passado aquele prazo, contentou-se em adverti-lo que tornasse a voltar ao fim de sete anos. Respondeu aos governadores que lhe aconselhavam a gravar as províncias com novos impostos “que um bom pastor deve tosquiar o seu rebanho, mas nunca escorchá-lo”.

Adapta-se ao cargo de príncipe

Pouco a pouco, começou a mostrar-se como príncipe e a governar como tal. Sua linha de conduta, incerta durante muito tempo, tornou-se rapidamente conveniente e adaptada ao interesse público. A princípio, só intervinha para impedir abusos. Assim, cassou alguns decretos do Senado e muitas vezes se ofereceu aos magistrados como conselheiro, no julgamento de certas causas. Sentava-se ao lado deles ou frente a frente, no primeiro lugar. Se corria o boato de que um acusado ia, por proteção, escapar às penas da lei, aparecia de repente e, ou do seu lugar, ou do tribunal do questor, lembrava aos juízes o espírito das leis, o juramento, e o delito de que deviam tomar conhecimento. E caso notasse a infiltração de abusos nos costumes públicos, em virtude de incúria ou de usos perniciosos, tratava logo de corrigi-los.

Comprimiu a despesa dos jogos e dos espetáculos, reduzindo o salário dos atores e determinando o número de parelhas de gladiadores. Queixava-se vivamente de que os vasos de Corinto atingissem a preços tão exorbitantes e que três deles fossem vendidos por 30 mil sestércios. Foi de opinião que se fixassem limites ao luxo do mobiliário e que o Senado regulamentasse, todos os anos, o preço dos gêneros. A respeito disto, os edis receberam ordem de fiscalizar as tascas e as tavernas, proibindo-lhes a venda de pastéis. Para encorajar com o seu exemplo a economia popular, ele próprio mandava levar à mesa, nos banquetes solenes, carnes da véspera, muitas vezes já servidas, afirmando que uma metade do javali era tão boa como um javali inteiro. Revogou, por édito, o beija-mão e estatuiu que os brindes só lhe podiam ser oferecidos nas calendas de janeiro. Costumava elevá-los ao quádruplo por iniciativa própria. Fatigado, porém, com os incômodos que lhe proporcionavam, durante todo o mês, aqueles que não o puderam ver no dia da sua festa, não fez mais nenhuma restrição.

Restabeleceu o antigo costume de acordo com o qual se punia, por uma assembleia constituída de parentes, à falta de público acusador, as matronas de vida incorreta. Desobrigou um cavaleiro romano do juramento a que estava obrigado para que pudesse repudiar a esposa surpreendida em adultério com o seu próprio genro, embora tivesse ele jurado nunca repudiá-la. Mulheres desprezíveis, para escapar às penas legais contra as matronas que esqueciam seus deveres e sua dignidade, tomavam a deliberação de se declararem cortesãs. E os moços mais libertinos das duas ordens submetiam-se espontaneamente à desonra duma condenação infamante para se não verem impedidos, por uma proibição do Senado, de comparecer ao teatro ou à arena. A fim de que não se pudesse procurar nenhum subterfúgio, Tibério condenou ao exílio todos esses homens e todas essas mulheres. Vedou o uso da laticlávia a um senador por se ter este retirado para o campo, nas calendas de julho, unicamente com o fito de alugar uma casa mais barata em Roma, esgotado o prazo das suas férias. Destituiu um questor por haver abandonado, no dia seguinte, uma mulher que lhe coubera, por sorteio, na véspera.

Interdisse a celebração das cerimônias estrangeiras, os ritos egipcianos e judaicos, obrigando os que eram afeitos a essas superstições a atirarem ao fogo as suas vestes religiosas com todos os seus aprestos. Sob o pretexto de serviço militar, distribuiu a juventude judaica pelas províncias de clima causticante171. Exilou da cidade o resto da nação israelita e os que praticavam culto semelhante, sob pena de servidão perpétua, em caso de desobediência. Expulsou também os astrólogos. Porém, como estes rogassem e prometessem abandonar a sua arte, foram perdoados.

Estabelece os pretorianos dentro de Roma

Teve, sobretudo, o cuidado de proteger o país contra os bandidos, contra os roubos e as sedições. Distribuiu pela Itália destacamentos militares mais numerosos do que de costume. Estabeleceu em Roma um campo para nele se acomodarem as coortes pretorianas errantes até então acantonadas ora aqui, ora ali. Reprimiu com extrema severidade motins populares e tratou de impedi-los para o futuro. Como se verificasse um assassínio, no teatro, por ocasião duma rixa, baniu os chefes das facções e os atores que deram motivo à querela e não consentiu jamais em absolve-los, não obstante os pedidos que em favor deles lhe formulou o povo. A populaça de Polência172 retivera, no Fórum, o enterro dum cabo-de-esquadra e não o queria deixar partir senão depois de extorquir dos seus herdeiros certa soma que se destinaria à realização dum espetáculo de gladiadores. Tibério expediu, de Roma, uma coorte e outra do reino de Cócio173, sem lhes dizer o motivo da mobilização. Depois, repentinamente, de armas na mão e ao som dos clarins, atirou-os contra a cidade por portas opostas e pôs para sempre a ferros a maior parte do povo e dos decuriões. Aboliu o direito de asilo por toda a parte onde ele estava em vigor. Como os habitantes de Cízica se entregassem a violências contra cidadãos romanos, César, por decreto público, cerceou-lhes a liberdade a que haviam feito jus na guerra com Mitrídates. Afogou, por intermédio dos seus lugartenentes, os levantes inimigos, sem empreender, entretanto, ulteriormente, nenhuma expedição. Interveio neles com hesitação, mas forçado a fazê-lo. Compeliu aos seus deveres os reis adversários e suspeitos, porém mais com ameaças e queixas do que pela força. Atraiu alguns destes à sua amizade com lisonjas e promessas e assim os conservou tais como Germano Maraboduo, Rascópolo da Trácia, Arquelau da Capadócia, cujos reinos foram reduzidos a províncias.

Durante os dois primeiros anos que se seguiram ao seu advento ao Império, não pôs o pé fora de Roma. Depois, não se ausentou senão para visitar as cidades vizinhas e, ainda assim, nunca foi além de Âncio. Seu afastamento era raríssimo e durava poucos dias apenas, se bem seguidamente anunciasse que tornaria a inspecionar as províncias e os exércitos. Realizava todos os anos preparativos para a viagem, reunindo veículos, organizando estações de posta nas colônias. Enfim, tolerou que se fizessem votos solenes pela sua excursão e pela sua volta, de tal forma que lhe chamavam, por gracejo, Calípede, personagem que corre incessantemente sem avançar um passo, como assevera um provérbio grego.

Quase morre em evento em Espelunca

Quando, porém, perdeu seus dois filhos (Germânico morreu na Síria174 e Druso em Roma) retirou-se para a Campânia. Quase todo mundo era acorde em pensar e assegurar que ele não tornaria jamais e que cedo encontraria a morte. De fato, não retornou a Roma e poucos dias depois, na ocasião em que ceava, perto de Terracina, numa “vila” denominada “Espelunca”, numerosas pedras enormes se desprenderam, por acaso, da abóbada do prédio e esmagaram diversos convivas e domésticos. Tibério escapou contra toda expectativa175.

Retira-se para Capri

Após haver percorrido a Campânia e feito em Cápua a consagração do Capitólio e em Nola a do templo de Augusto (foi esta a razão apresentada para a sua viagem), Tibério foi ter a Capri. Gostava, mais do que tudo, desta ilha, pela razão de ela ser acessível apenas por um ponto estreitíssimo da sua costa e também por ser rodeada por todos os lados de rochas escarpadas e imensamente altas e ainda, também, pela profundeza do mar. Chamado, porém, e reiteradamente pelo povo, em virtude do desastre de Fidenas, onde o desabamento dum anfiteatro fizera perecer mais de 20 mil pessoas, durante um espetáculo de gladiadores, passou para o continente e permitiu que dele se aproximasse todo mundo. Mostrou-se, assim, mais abordável do que ao partir da cidade, quando vedou o acercamento dos importunos e procurou isolar-se de todos os que o procuravam.

De volta, novamente, à sua ilha, abandonou de tal maneira os negócios do Estado que nunca mais, desde esse tempo, completou as decúrias dos cavaleiros, nunca mais permutou nem tribunos de soldados e prefeitos de cavalaria, nem governadores de província. Deixou, durante muitos anos, a Espanha e a Síria sem legados consulares. Permitiu que os partos se apossasem da Armênia, que os dácios e os sármatas saqueassem a Mésia, que os germanos invadissem as Gálias com grande desonra e não menor perigo para o Império.

Favorecido por um retiro que lhe oferecia toda espécie de libertinagem e que, por assim dizer, o furtava aos olhares da cidade, deu, finalmente, impulso a todos os vícios que mal dissimulara durante muito tempo. Vou recordá-los, um por um, desde as suas origens. Nos acampamentos, ao iniciar-se na carreira das armas, em virtude da sua excessiva intemperança, chamavam-lhe de “Claudius”, “Mero”, em vez de “Nero”. Mais tarde, quando imperador, na mesma época em que reformava os costumes públicos, passou uma noite e dois dias consecutivos a comer e a beber em companhia de Pompônio Flaco e Lúcio Pisão: a um, deu-lhe, imediatamente, a província da Síria. Ao outro, a prefeitura de Roma, declarando no decreto de nomeação “que eles eram os amigos deliciosos de todas as horas”. Tibério admoestara, certo dia, Séstio Galo, velho libidinoso e pródigo, outrora acusado de infâmia por Augusto, diante do Senado. Pouco tempo depois, convidou-o a cear sob a condição de que não modificasse, nem diminuísse em nada a sua maneira de proceder, devendo o serviço ser feito por moças nuas. Aos candidatos mais distintos que disputavam a questura, preferia os menos conhecidos para poder esvaziar na mesa um cântaro de vinho à sua saúde. Deu 200 mil sestércios a Ansélio Sabino por um diálogo em que o cogumelo, o papafigo, a ostra e o tordo se disputavam a preeminência. Por fim, instituiu um cargo novo: a administração dos prazeres, confiada a Tito Cesônio Prisco, cavaleiro romano.

No seu retiro de Capri mandou preparar, até, um teatro dos seus desbragamentos secretos. Reuniu aí, trazidos de toda parte, raparigas e favoritos e inventores de complexos monstruosos a que ele chamava “spinthrias”, para que, enlaçados numa tríplice cadeia, se prostituíssem mutuamente diante dele, e, deste modo, com estes espetáculos, pudessem os seus apetites amortecidos reanimar-se. Construíra, em vários sítios, quartos ornados de quadros e estatuetas representando cenas e figuras as mais lascivas, e proveu-se dos livros de Elefântida para que, pelas posturas por eles ensinadas, nenhum modelo viesse a faltar. Nas florestas e nos bosques das cercanias, consagrou, aqui e ali, lugares a Vênus e distribuiu, pelos antros e cavernas rochosas, grupos formados por jovens de ambos os sexos, vestidos de caprípedes e de ninfas. Trocadilhado com o nome da ilha, foi-lhe dado, publicamente, o apelido de “capríneo”.

Cobriu-se de outra infâmia maior ainda e mais ignóbil, na qual custa a crer-se. Tibério, ao que parece, ensinava crianças de tenra idade, às quais costumava denominar “seus peixinhos”, a refocilar-se e a brincar entre as suas coxas, enquanto nadava, e a pegá-lo com a língua e os dentes. Ensinava também a crianças já fortes, mas não ainda desmamadas, a lhe tomar o pênis tal como fariam com o seio da sua ama de leite, gênero de perversão a que o inclinavam, sem dúvida, sua natureza e sua idade. Como alguém lhe houvesse legado um quadro de Parrásio, em que Atlante entregava complacentemente a boca a Meleagro, e houvesse estipulado que, caso esta cena o chocasse, ele receberia em lugar da tela um milhão de sestércios, não somente preferiu o quadro, mas ainda lhe deu um lugar de honra no seu quarto. Recorda-se, da mesma forma, que ao oferecer, em certo dia, um sacrifício, seduzido pela beleza daquele que lhe apresentava o incenso, não pôde se conter e, apenas terminada a cerimônia, mandou pô-lo de lado e o desonrou imediatamente, assim como ao seu irmão, que tocava flauta. Em seguida mandou-lhes quebrar as pernas, a todos os dois, porque ambos lhe censuraram o opróbrio.

Divertiu-se também com a vida das mulheres, mesmo ilustres, como se pode ver, de maneira ruidosa, com a morte duma certa Malônia: mandou buscá-la e como ela se recusasse com absoluta firmeza a servir de instrumento à sua luxúria, Tibério entregou-a aos delatores e não cessou, durante a acusação, de lhe perguntar “se não estava arrependida”. Ao deixar a audiência, porém, Malônia correu para casa e atravessou o corpo com um gládio, depois de ter acusado, em altas vozes, de obscena, a boca “daquele velho pelado e repugnante”. Nos jogos que se realizaram em seguida, foram acolhidos com vivos aplausos os seguintes versos da autoria dum atelano: “O velho bode lambe a vulva da cabra.”

Econômico e agarrado ao dinheiro, jamais pagou salário aos seus companheiros de viagem e de expedição. Limitava-se somente a nutri-los. Não praticou com eles senão uma única liberalidade, e isso mesmo para agradar ao seu avô, logo que os dividiu em três classes, segundo a dignidade de cada um: à primeira, distribuiu 600 mil sestércios; à segunda, 400 e à terceira, 300, esta composta daqueles aos quais ele chamava, não seus amigos, mas seus “advogados”.

Não erigiu, durante seu reinado, nenhum monumento suntuoso. Os únicos trabalhos que empreendeu, o templo de Augusto e a restauração do teatro de Pompeu, se conservaram inacabados muitos anos. Não realizou, tampouco, nenhum espetáculo e rarissimamente assistiu aos por outros organizados. Temia que lhe fosse feita qualquer reclamação, mormente depois que se vira forçado a dar liberdade ao comediante Ácio. Mitigou a miséria de alguns senadores e, para livrar-se da obrigação de tal ajuda, declarou que daí por diante só socorreria aqueles que provassem ao Senado a legitimidade das suas necessidades. Assim a maior parte dos padres conscritos se absteve de reclamar auxílio por modéstia e por vergonha. Entre outros figurava Ortalo, neto do orador Quinto Hortênsio, que, com um patrimônio menos do que medíocre, se casara por instigação de Augusto e tinha quatro filhos.

Duas vezes apenas foi generoso, publicamente: uma, quando emprestou ao povo cem milhões de sestércios, pelo prazo de três anos, sem juros. Outra, quando indenizou alguns proprietários de ilhotas de casas consumidas pelo fogo, no monte Célio. Ao primeiro ato, obrigou-o um pedido de adjutório, do povo, que atravessava uma crise pecuniária. Efetivamente, ele decretara, por um senatus consulto, que os usurários inverteriam dois terços do seu patrimônio em terras e que os devedores pagariam a mesma proporção das suas dívidas em moeda corrente, medida essa inexequível. O segundo ato tinha por escopo suavizar a aspereza dos tempos. Emprestou tanta importância a este benefício que desejou mudar o nome do monte “Célio” para o de “Augusto”. Quanto aos soldados, a não ser a duplicação das doações do testamento de Augusto176, nunca os beneficiou com um gesto de largueza, exceto a concessão de mil denários a cada pretoriano para que se não deixassem manobrar por Sejano e alguns presentes às legiões da Síria por serem as únicas que não colocaram nenhuma imagem de Sejano nos seus estandartes. Não concedeu, também, senão raríssimas licenças aos veteranos, à espera de que sua velhice lhes traria a morte e que a morte traria a economia. Da mesma forma, não amparou as províncias com o menor auxílio, salvo as da Ásia, em que várias cidades haviam sido destruídas por um tremor de terra.

Com o passar dos tempos recorreu à rapina. É notório que o áugure Cnéio Lêntulo, possuidor de grande fortuna, suicidou-se em virtude do terror e da angústia produzidos por ameaças, vendo-se forçado a instituir Tibério como herdeiro universal. Condenou Lépida, senhora da mais alta nobreza, para gáudio de Quirino, consular riquíssimo e sem filhos, que, após 20 anos de divórcio, a acusou de o ter querido envenenar. Além doutros, confiscou os bens dos principais cidadãos das Gálias, das Espanhas, da Síria e da Grécia, sob o pretexto de tão frívolas e impudentes calúnias que, a alguns, não pôde fazer outra acusação senão a de que possuíam uma parte dos seus bens em moeda corrente177. Numerosas cidades e cidadãos se viram privados das suas antigas imunidades e dos seus direitos sobre as minas e os impostos. Vonono, rei dos partos, expulso pelos seus súditos, refugiado na Antioquia com o seu fabuloso tesouro, sob a proteção do povo romano, foi perfidamente despojado e assassinado.

Seu ódio aos parentes irrompeu primeiramente contra o seu irmão Druso, a propósito duma carta em que este lhe propunha forçar Augusto a restabelecer a liberdade. Sem demora, investiu também contra outros. Bem longe de demonstrar à sua mulher Júlia, ao ser desterrada, sentimentos de afeto e consideração, coisa facílima, proibiu-a de sair de casa e de ver quem quer que fosse, embora seu pai lhe houvesse dado uma cidade por prisão. Suprimiu-lhe, da mesma maneira, o pecúlio que lhe concedera o pai, assim como a sua pensão anual, com a desculpa de respeito ao direito público e alegando que Augusto nada previra a respeito deste caso em seu testamento. Tolerou escassamente sua mãe Lívia, sob a alegação de que ela reivindicava uma parte de poder igual à sua. Evitou entrevistas com ela, assiduamente, para fazer crer, assim, que se não deixava conduzir por seus conselhos e que, às vezes, quando os seguia, era com muito custo. Indignou-se vivamente quando propuseram no Senado ajuntar aos seus títulos mais o de filho de Lívia e que se lhe chamasse filho de Augusto. Também não permitiu que se desse a Lívia o título de “Mãe da Pátria”, ou recebesse, em público, nenhuma homenagem assinalada. Advertia-a, com frequência, a “não se meter em negócios importantes que não conviessem a uma mulher”, mormente depois que a viu, por ocasião dum incêndio, perto do templo de Vesta, intervir em pessoa e concitar o povo e os soldados a combater o fogo com ardor, tal como tinha por costume fazer ao tempo do seu marido.

Sem demora, a respeito dela, chegou até ao ódio. Ao que parece, foram as seguintes as causas que o originaram. Como ela lhe solicitasse insistentemente para que inscrevesse nas decúrias um homem que recebera o direito de cidadania, respondeu-lhe Tibério que só o faria sob a condição de mencionar no registro “que este favor lhe fora extorquido por sua mãe”. Lívia, profundamente ofendida, tirou dum cofre antigos bilhetes de Tibério e lhos leu. Tão indignado este ficou, que ela teve de esconder esses bilhetes por muito tempo. E tal foi a acrimônia com que ela lhos apresentou que, pensa-se, foi essa a causa principal do seu exílio. Durante os três anos que viveu afastado da sua mãe, não a viu senão uma vez, um único dia, e pelo espaço de algumas horas. Ao ter notícia de que caíra doente, não se apressou em visitá-la. Ao sabê-la morta, demorou tanto a aparecer que, ao realizarem-se os funerais, o cadáver de Lívia já estava completamente putrefato. Não consentiu lhe fossem prestadas honras divinas, fazendo crer que era essa a vontade de sua mãe. Deu seu testamento por nulo e, em pouco tempo, levou à ruína todos os amigos e familiares da falecida, mesmo aqueles que ela, ainda moribunda, encarregara da execução dos funerais. Um, dentre estes, pertencente à ordem equestre, foi condenado aos trabalhos hidráulicos.

Não dedicou amor paterno nem ao seu próprio filho Druso, nem ao seu filho adotivo Germânico. Odiava os vícios de Druso, que possuía, com efeito, um caráter fraco e levava uma vida dissoluta. Também não lhe sentiu a morte. Apenas terminados os funerais, retomou suas ocupações costumeiras, sem suspender por muito tempo, em sinal de pesar, o andamento da justiça. Fez mais: como embaixadores de Ílion lhe tivessem apresentado pêsames um pouco tarde, respondeu-lhes, rindo, “que ele, Tibério, também lhes apresentava, em troca, condolências pela perda enorme dum cidadão eminente como Heitor”. Mostrou-se tão ciumento de Germânico que atingiu ao cúmulo de rebaixar-lhe as façanhas ao nível de atos inúteis e de apresentar as suas mais gloriosas vitórias como funestas à República. Queixou-se, no Senado, de que este príncipe tivesse ido a Alexandria, em virtude duma imensa fome reinante ali, sem ao menos lhe pedir conselhos. Acredita-se, até que ele utilizou Cnéio Pisão, legado da Síria, para a morte de Germânico. Pensam também outros que Pisão, acusado logo deste crime, teria revelado as instruções de Tibério se não se visse forçado a mantê-las em segredo. Eis por que escreveu-se em muitos lugares e gritou-se muitas vezes durante a noite: “Entrega-nos Germânico!” O próprio Tibério confirmou mais tarde esta suspeita, perseguindo, também, da maneira mais cruel, a mulher e os filhos de Germânico.

Como sua nora Agripina se lamentasse, com certa aspereza, após o desaparecimento do seu marido, ele, tomando-a pela mão, citou-lhe este verso grego: “Porque não reinas, minha filha, acreditas que te fazem injustiça.” Desde então não se dignou mais de falar-lhe. Certa vez em que ele pôs na mesa algumas frutas, Agripina não ousou comê-las. Daí por diante não mais a convidou, fingindo crer que ela o acusava de ter querido envenená-la. Na realidade, toda esta cena estava combinada178, para que ele pudesse submetê-la à prova, com o seu oferecimento, e para que ela se pudesse livrar duma morte seguríssima. Por fim, acusou-a falsamente de pretender refugiar-se ora ao pé da estátua de Augusto, ora junto do exército, terminando por bani-la na Pandatária. Como ela o injuriasse, Tibério fez-lhe arrancar um olho, a golpes de azorrague, por um centurião. Agripina resolveu deixar-se morrer de fome. Tibério constrangeu-a a engolir o alimento, obrigando-a a abrir a boca. Ela, porém, resistiu e morreu. Resolveu, então, Tibério, cobri-la de todas as calúnias e propôs incluir o dia do seu aniversário no rol dos dias nefastos. Exigiu se soubesse não ter consentido que a estrangulassem e a arremessassem das Gemônias e deixou passar um decreto em que se lhe rendia graças por ter usado de tal clemência, ao mesmo tempo que se consagrava uma oferenda, em ouro, a Júpiter Capitolino.

Após a morte de seus filhos, restavam-lhe, de Germânico, três netos: Nero, Druso e Caio, e de Druso, um único: Tibério. Recomendou aos padres conscritos os dois filhos mais velhos de Germânico: Nero e Druso. O dia da estreia deles na carreira militar foi celebrado com donativos à plebe. Ao ter conhecimento, porém, de que no princípio do ano se haviam oficiado votos públicos pela conservação deles, observou ao Senado “que tais honras não deviam ser atribuídas senão ao mérito comprovado e à idade”. Desde então, pondo a nu a profunda baixeza do seu caráter, os colocou à mercê das acusações de todo mundo. Depois, como empregasse mil ardis para impeli-los à pratica de injúrias e, assim, comprometê-los, acusou-os numa carta cheia de amargas censuras e, logo que foram declarados inimigos públicos, matou-os a fome: Nero, na ilha Pôncia179 e Druso, nos subterrâneos do Palatino. Acredita-se que Nero foi obrigado a suicidar-se quando viu o carrasco, enviado por ordem do Senado, lhe apresentar a corda e os ganchos. Quanto a Druso, privaram-no de alimento a tal ponto que quase comeu a palha do próprio colchão. Os restos mortais de ambos foram dispersos de tal maneira que só a muito custo puderam mais tarde ser recolhidos.

Além dos seus antigos amigos e familiares, Tibério se rodeara de 20 dos principais cidadãos de Roma, a título de conselheiros dos negócios públicos. Destes, apenas dois ou três conseguiram salvar a vida. Todos os demais pereceram, sob os mais variados motivos, entre outros Élio Sejano, que, na sua ruína, arrastou numerosas pessoas. Tibério o havia elevado ao cúmulo do poder, nem tanto por amizade, quanto para enganar, com seus artifícios, os filhos de Germânico e assegurar a sucessão do império ao neto que lhe restava de Druso.

Tibério não foi mais benigno para os seus comensais gregos, cuja companhia lhe agradava particularmente. Certo dia perguntou a um tal Zênon, que manejava seu idioma natal com extrema correção, “que dialeto era aquele que falava, tão enfadonho?” Zênon respondeu-lhe que era o dialeto dórico. Foi exilado para a Cinária, pois Tibério pensara que estava sendo criticado pela sua retirada de outrora (os habitantes de Rodes falam o dórico). Como tivesse por costume formular, na mesa, diferentes questões derivadas das suas leituras cotidianas e soubesse que o gramático Seleuco se informava dos seus domésticos a respeito dos autores que ele lia mais seguidamente, estando assim preparado para as discussões, César o isolou da sua roda e, mais tarde, levou-o ao suicídio.

Sua natureza cruel e impassível, não a dissimulou nem mesmo na infância. Parece que foi o seu professor de retórica, Teodoro Gadareu, quem primeiro a descobriu com sagacidade e a caracterizou com propriedade, chamando-lhe, toda vez que o admoestava, “lama diluída em sangue”. Sua crueldade, porém, revelou-se melhor ao assumir a autoridade do Império, mesmo no começo, quando procurava ganhar o favor do povo fingindo moderação. Um bufão, à passagem dum cortejo fúnebre, encarregou, em altas vozes, o defunto de dizer a Augusto “que a herança que ele deixara ao povo ainda não havia sido entregue”. Tibério mandou buscá-lo, pagou a parte que lhe tocava e mandou-o ao suplício, recomendando-lhe que contasse a verdade ao seu pai. Pouco depois, como um certo Pompeu, cavaleiro romano, lhe recusasse alguma coisa no Senado, ameaçou-o de prisão, assegurando-lhe “que dum Pompeu ele faria um pompeano”, gracejo cruel trocadilhado com o nome do homem e a sorte do antigo partido político.

Por esse mesmo tempo, como um pretor lhe perguntasse se se tornava necessário perseguir os crimes de lesa-majestade, respondeu que era preciso executar as leis e as fez executar da maneira mais atroz. Alguém arrebatara a cabeça duma estátua de Augusto, substituindo-a por outra. O caso foi levado ao Senado. Em razão da existência de dúvidas a respeito, recorreu-se à tortura. Como o réu fosse condenado, esta espécie de crime, a pouco e pouco, tomou tal extensão, que incorria em pena capital quem batesse num escravo ou mudasse de roupa, perto da estátua de Augusto. Quem entrasse nas latrinas ou no lupanar com uma moeda ou um anel em que figurasse a sua efígie. Quem reprovasse qualquer palavra sua, ou qualquer dos seus atos. Enfim, assassinou-se um cidadão porque deixara que lhe fossem prestadas homenagens, na sua colônia, no mesmo dia em que haviam sido tributadas outrora a Augusto.

Atos de truculência e brutalidade

Sob a cor de austeridade e de reforma moral, mas na realidade para dar aso ao seu pendor natural, Tibério cometeu tantos e tamanhos atos de truculência e de brutalidade que vários contemporâneos, em versos, lhe censuraram o presente e lhe predisseram o futuro:

“O’ duro e desumano, queres que eu te diga tudo em duas palavras?
Que eu morra se tua mãe puder te amar!”
“Tu não és cavaleiro. Por quê? Não tens mil sestércios?
Contudo, Rodes te foi dado por exílio.”
“Tu mudaste a idade de ouro de Saturno, César!
Graças a ti vivemos agora na idade de ferro.”
“O vinho o enfastia. Todavia ele tem sede de sangue e o bebe tão
avidamente como outrora bebia vinho puro”
“Guarda, ó Rômulo, o teu Silas feliz para ele, mas não para ti.
Guarda Mário também, se queres, mas após a sua volta.”
“Guarda ainda Antônio a excitar as guerras civis,
as mãos sujas de mais de um assassínio,
e diz se é o fim de Roma. Reinará em meio ao sangue o que vem do
exílio para reinar.”

Tibério queria, a princípio, que estes versos fossem atribuídos a homens que não o podiam suportar e representassem menos a expressão dos verdadeiros sentimentos que os animavam do que o da raiva e da cólera. E dizia de quando em vez: “Que me odeiem, contanto que me aprovem.” Cedo, porém, ele próprio demonstrou a justeza daqueles ataques.

Poucos dias após a sua chegada a Capri, num momento em que se achava só, um pescador lhe apresentou, subitamente, um enorme salmão. Tibério mandou esfregar-lhe a cara com o próprio peixe, amedrontado como estava, de que este pescador viesse ter junto a ele por trás da ilha, subindo por cima das rochas escarpadas. O pescador, ao sofrer a pena, felicitou-se por não lhe ter apresentado, também, uma grande lagosta que havia pescado. César mandou, igualmente, rasgar-lhe as faces com este crustáceo. Puniu com a morte um soldado pretoriano por haver caçado um pavão num pomar. Durante certa viagem, como se enleasse numa moita a liteira que o conduzia, saltou para fora e quase matou, a golpes de azorrague, o centurião das primeiras coortes, encarregado de reconhecer o caminho.

Cedo transbordou-se na prática de toda espécie de atrocidades. Não lhe faltavam alvos: primeiro perseguiu os amigos da sua mãe. Mais adiante, os dos seus netos e da sua nora e, por fim, os de Sejano e até mesmo os seus simples conhecidos. Foi, sobretudo, após a morte deste que Tibério se mostrou mais perverso, o que serviu para demonstrar claramente que ele não estava acostumado a ser industriado por Sejano, mas que era este quem lhe fornecia as oportunidades de que carecia. Todavia, nas sumárias e breves memórias que escreveu da sua vida, ousou confessar “que punira Sejano porque descobrira seus furores contra os filhos do seu filho Germânico”. Na realidade, ele próprio mandara matar um deles, quando Sejano caíra em suspeita. E o outro, quando a sua ruína estava já consumada. Seria tarefa muito longa recordar, um a um, todos os seus atos de ferocidade. Contentar-me-ei, contudo, em dar, deles, uma ideia geral. Não se passou um só dia, fosse este embora de festa religiosa, que não ficasse assinalado por uma execução. Numerosos cidadãos foram acusados e condenados com suas mulheres e filhos. Era proibido aos parentes chorar os condenados à morte. Importantes recompensas foram conferidas aos acusadores e, muitas vezes, às testemunhas. Não se contestava o testemunho de nenhum dos delatores. Qualquer delito era considerado como capital. Mesmo algumas simples palavras podiam constituir crime. Censurou-se um poeta por ter, numa tragédia, agravado Agamenon com ultrajes. A mesma censura foi feita a um historiógrafo180 por ter chamado a Bruto e a Cássio “os últimos romanos”. Tratou-se, da mesma forma desumana, a outros autores. Suas obras foram destruídas, não obstante haverem sido aprovadas muitíssimos anos antes, após a sua leitura, em presença de Augusto. Arrebatou-se a certos prisioneiros não somente o consolo do estudo, mas ainda a possibilidade da conversação e do entretenimento. Entre os que estavam convocados a comparecer ao tribunal, uns se feriram a si próprios, em suas casas, certos, como estavam, da condenação e para se livrarem das torturas e da ignomínia. Outros tomaram veneno em plena Cúria. Porém, depois de pensados os seus ferimentos, semimortos, ainda palpitantes, se viram jogados novamente na prisão. Todos os supliciados foram atirados das gemônias e puxados na ponta dum croque. Desta forma e desta escada, num só dia, foram arrastados e atirados 20. Havia, entre eles, mulheres e crianças. Quanto às virgens, como o uso e a tradição proibissem o seu estrangulamento, eram primeiramente violadas pelo carrasco e depois estranguladas. Obrigava-se a viver os que desejavam morrer. Tibério olhava a morte como um castigo tão leve que, ao saber que um réu, chamado Carvílio, se adiantara ao carrasco, gritou: “Carvílio me escapou!” Certo dia em que visitava as prisões, respondeu a alguém que lhe pedia apressasse o suplício: “Ainda não me reconciliei contigo.” Determinada personagem consular descobriu nos seus anais que, por ocasião dum concorridíssimo banquete ao qual César comparecera, um anão, de pé junto à mesa, entre outros bufões, lhe perguntou, inopinadamente e em voz alta, por que Pacônio, acusado de crime de lesa-majestade, conservava a vida, havia tanto tempo? Tibério exprobrou, no momento, a pergunta indiscretíssima, mas, poucos dias depois, escreveu ao Senado pedindo-lhe a execução, o mais cedo possível, da pena em que incorrera Pacônio.

Assim que teve conhecimento da maneira por que morreu Druso, seu furor mais cresceu e exasperou-se. Acreditava que o filho havia sucumbido em virtude de doença e excessos. Quando, porém, soube que perecera envenenado pela perfídia da sua própria mulher, Lívila, e de Sejano, não mais poupou a ninguém nem tormentos, nem suplícios. Tão intensamente se entregou a instruir o processo, durante dias inteiros, que, ao lhe ser anunciada a chegada duma personagem de Rodes, mandou aplicar-lhe a tortura como se fosse um daqueles que deviam ser castigados. Ao reconhecer, porém, o seu erro, ordenou que o matassem para que essa injustiça não se divulgasse. Vê-se ainda, em Capri, o lugar das execuções, de onde ele mandava precipitar os condenados, na sua presença, depois de tê-los feito sofrer os mais longos e refinados martírios. Um grupo de marinheiros recebia as vítimas e espancava os cadáveres, a golpes de varas e de remos, temerosos de que ainda lhes restasse algum sopro de vida. Tibério imaginara, entre outros gêneros de suplícios, fazer, de maneira astuciosa, que seus convivas bebessem grande quantidade de vinho. De repente, amarrava-lhes o pênis para que, assim, sofressem duplamente: com as ligaduras e a vontade reprimida de urinar. Se a morte não se tivesse adiantado e Trasilo não o tivesse persuadido a adiar alguns dos seus projetos, levando-o a esperar por mais longa vida, teria imolado ainda outros inocentes e não teria poupado nem mesmo os seus restantes netos. Pois Caio era-lhe suspeito. Tibério desprezava-o como fruto adulterino181. Esta suposição não é inverossímil. De quando em vez, ele costumava dizer “que Príamo era feliz por ter sobrevivido a todos os parentes”.

De que, em meio a tantos horrores, não somente tenha vivido, odiado e detestado, mas ainda exposto ao terror e até mesmo aos ultrajes, provam-no muitíssimos indícios. Proibiu as consultas aos arúspices em segredo e sem testemunhas. Pretendeu, até dissolver os oráculos vizinhos de Roma. Assustado, porém, pela majestade das “sortes” do Preneste, recuou, porque, como mandasse transportá-las a Roma, numa caixa hermeticamente fechada, não as encontrou senão depois que a caixa fora levada de novo para o templo. Não ousou licenciar um ou dois consulares, aos quais oferecera províncias, e os reteve junto a si até que lhes fossem dados sucessores, alguns anos após. Durante esse intervalo, conservaram os seus cargos e faziam executar as ordens que recebiam, constantemente, por lugar-tenentes e auxiliares.

Depois da condenação da sua nora e dos seus netos, não lhes permitiu jamais que se transportassem dum lugar para outro a não ser encadeados, em liteira fechada e com escolta militar que, por toda parte, impedia pedestres e viandantes de olharem e pararem.

Derruba Sejano

Enfim, para derrubar Sejano, que conspirava, embora visse que se celebrava publicamente o aniversário do seu nascimento, e que em muitos lugares suas estátuas de ouro eram reverenciadas, usou de astúcia e de ardil melhor do que da autoridade imperial. Primeiramente para afastá-lo do seu lado, sob pretexto honroso, tomou-o como colega no seu quinto consulado, conforme ele lhe havia solicitado, após um longo intervalo e durante a sua ausência. Pois bem, depois de o ter enganado com a promessa duma aliança182 e do poder tribunício, incriminou-o inopinadamente numa carta vergonhosa e miserável, em que, entre outras coisas, pedia aos senadores “que lhe enviassem um dos cônsules para conduzi-lo, apesar da sua avançada idade, só, perante a Cúria, com uma escolta militar”. Mesmo nessa época, cheio de desconfiança e a temer comoções populares, dera ordem183 para pôr seu neto Druso, ainda detido nos cárceres de Roma, em liberdade, e, caso as circunstâncias o exigissem, fazer dele um chefe de Estado. Tibério possuía à sua disposição navios aprestados para a fuga, a fim de levá-lo, em caso extremo, para junto de uma qualquer das legiões. De quando em quando observava, do alto dum rochedo elevado, sinais que ele fizera colocar ao longe, cada qual de acordo com determinado acontecimento, de medo que os correios chegassem tarde demais. Embora aniquilada a conjuração de Sejano, Tibério nunca mais se tranquilizou, nem se firmou. Durante os nove meses que se lhe seguiram, não mais saiu da casa de campo chamada “Casa de Júpiter”.

Além disso, as várias afrontas que recebia de todos os lados ulceravam-lhe a alma inquieta. Os condenados atiravam-lhe mil invectivas, quer cara a cara, quer nos libelos depostos sobre a orquestra. De tantos modos isto o feriu que o pudor lhe fazia desejar que todos esses agravos ficassem escondidos e desconhecidos. Muitas vezes os desprezava e chegava, até, a publicá-los e difundi-los ele próprio. Viu-se retalhado numa carta de Artabano, rei dos partos, em que lhe reprochava os parricídios, os assassínios, a covardia, a luxúria e o convidava a satisfazer o mais breve possível, com a morte voluntária, o ódio tão justo dos seus concidadãos.

Enfim, sob a sua responsabilidade, confessou ou pouco faltou para isso todos os seus crimes numa carta cujo começo é o seguinte: “Que vos escreverei, ‘padres conscritos’? Ou como vos escrevei? Ou que deixarei de vos escrever neste momento? Que os deuses e as deusas me façam perecer mais ferinamente do que me sinto perecer todos os dias!” Muita gente acreditava que a sua presciência a respeito do futuro lhe dera, antecipadissimamente, a visão das cruezas e do desdouro que lhe reservava o destino e que por esta razão, desde que assumira as rédeas do Império, recusara obstinadamente o título de “Pai da Pátria”. Da mesma forma, não permitiu que se jurasse em nome dos seus atos, medroso de que tão grandes honras o fizessem aparecer mais indigno ainda. É isto, pelo menos, o que se pode concluir do discurso que ele pronunciou sobre esses dois assuntos, quando diz “que se haveria de parecer sempre consigo mesmo e que não mudaria de conduta, absolutamente, enquanto se sentisse espiritualmente forte. Entretanto, era preciso tomar cuidado, por exemplo, da maneira por que o Senado se empenhava em seguir os atos dum homem que podia mudar sob o predomínio de certas circunstâncias”. Afirmava ainda: “Se jamais duvidastes do meu caráter e do meu devotamento referente a vós (e eu anelo a vinda do meu último dia ante de vos ver mudar a meu respeito), o título de ‘Pai da Pátria’ não aumentará em nada as minhas honorificências e só servirá para que sejais acusados de leviandade por me haverdes dado esse sobrenome, ou de inconstância por haverdes sustentado, em relação a mim, um julgamento contrário.”

A aparência de Tibério

Tibério era possante e robusto, talhe acima do meão, espáduas largas e peito amplo. Tinha o resto dos membros, até à extremidade dos pés, iguais e bem proporcionados. Sua mão esquerda era mais ágil e mais forte do que a direita, cujas articulações eram tão vigorosas que ele furava com o dedo uma fruta verde e intacta, e com um piparote feria a cabeça duma criança e até mesmo a dum rapaz. Tez branca. Cabelos um pouco longos atrás da cabeça, a cobrir-lhe o pescoço, uso esse que era um hábito de família. Rosto belo, mas sujeito a cobrir-se de botões eruptivos. Olhos muito grandes e coisa estranha! enxergavam mesmo de noite, nas trevas, mas durante pouco tempo e logo que se entreabriam, após o sono. Depois, tornavam-se menos penetrantes. Caminhava com o pescoço teso e inclinado para trás, o ar habitualmente melancólico e, as mais das vezes, silencioso. Não falava ou falava muito pouco com aqueles que o rodeavam. Falava vagarosamente e não sei com que gesticulação amaneirada dos dedos. Augusto notou nele todos estes modos desagradáveis e cheios de arrogância e tratou de desculpá-lo perante o Senado e o povo, declarando “que eram defeitos de natureza e não de caráter”. Sua saúde, que era excelente, conservou-se inalterável durante quase todo o tempo do seu reinado, se bem que a partir da idade de 30 anos dela tratasse a seu talante, sem a ajuda nem os conselhos dos médicos.

No que se relacionava com os deuses e a religião, era bastante negligente, pois se afizera à astrologia e estava plenamente persuadido de que tudo no mundo obedecia à determinação do destino. Entretanto, temia excessivamente o trovão, quando o céu se apresentava ameaçador. Tibério não deixava de trazer à cabeça uma coroa de louros, porque, como era crença, as folhas do loureiro abrigavam contra o raio.

Intelecto

Cultivou, com muito cuidado, as letras latinas e gregas. Em eloquência latina, tomou por guia o velho Corvino Messala, a quem seguira desde a juventude. Seu estilo, porém, à força de afetação e de purismo184, tornou-se confuso, embora ele se mostrasse melhor improvisando do que compondo. Escreveu, também, um canto lírico intitulado Lamentações sobre a morte de César. Da mesma maneira, escreveu poesias gregas, em que imitou Euforião, Riano e Partênio185. Estes poetas faziam-lhe as delícias. Mandou guardar seus escritos e seus retratos nas bibliotecas públicas ao lado dos principais autores antigos, o que deu causa a que a maioria dos eruditos lhe enviassem abundantes comentários sobre aqueles autores. Sem embargo, foi sobretudo ao conhecimento da história mitológica que ele se dedicou e com tal cuidado que ia até à ninharia, até ao ridículo. As questões que propunha ordinariamente aos gramáticos, espécie de homens a que se afeiçoara particularmente, como já foi dito, eram mais ou menos da seguinte forma: “Quem era a mãe de Hécuba? De que nome gozava Aquiles entre as moças? Quais são as canções habituais das Sereias?” No dia em que entrou pela primeira vez na Cúria, após a morte de Augusto, para satisfazer a um tempo só à piedade filial e à religião, sacrificou, a exemplo de Minos, com incenso e vinho, mas sem tocar flauta, como fizera outrora por ocasião da morte do seu filho.

Embora manejasse a língua grega com precisão e desembaraço, não a usou, contudo, em parte nenhuma. Além do mais, dela se absteve no Senado e de tal maneira que, tendo de falar em “monopólio”, começou desculpando-se por ter de empregar uma palavra estrangeira. Certa vez em que, num decreto do Senado, se lia o vocábulo “emblema”, Tibério manifestou a opinião de que se devia trocar esse termo alienígena por outro latino, asseverando que, se se não encontrasse, se deveria recorrer a uma perífrase. Impediu também um soldado, a quem se lhe pedira o testemunho em grego, de responder noutro idioma que não fosse o latino.

Tentativas de retornar a Roma

Durante todo o tempo do seu retiro, tentou duas vezes retornar a Roma. Na primeira vez, fez-se transportar em trirreme até os jardins vizinhos da Naumáquia. Soldados enfileirados às margens do Tibre tinham ordem de fazer voltar todos aqueles que iam ao seu encontro. Na segunda, avançou pela Via Ápia até o sétimo marco miliário, limitando-se a ver os muros da cidade, sem dela se aproximar, fazendo, em seguida, meia-volta. Não se conheceu o motivo dessa decisão. Mais tarde, porém, soube-se que o medo era devido a um prodígio. Havia uma serpente que era o seu encanto. Certa vez em que, conforme seu costume, ia dar-lhe alimento da sua própria mão, encontrou-a devorada pelas formigas. Esse fato o advertia contra a violência da multidão. Retornando, pois, às pressas, à Campânia, caiu doente em Astúria. Depois, sentindo-se um pouco melhor, prosseguiu até Circeia186. Aí, para afastar toda e qualquer suspeita de doença, não somente assistiu aos jogos militares, mas animou-se ainda a lançar dardos na arena. Pouco depois, sentiu uma pontada do lado, e uma corrente de ar, apanhada já quando agasalhado, provocou-lhe uma recaída. Todavia, manteve-se ainda firme por algum tempo e, transportando-se para Misena, não modificou em coisa alguma os hábitos da sua vida cotidiana, nem mesmo os festins e outros prazeres, tanto por intemperança quanto por dissimulação. Efetivamente, seu médico Cáricle, como estivesse para gozar férias, ao sair dum banquete e ao tomar-lhe a mão para beijar, pensou Tibério que o esculápio lhe queria tomar o pulso e convidou-o a ficar, a sentar-se à mesa e prolongou o festim. Não abandonou o vezo que tinha de se colocar em pé no meio do triclínio, com um litor ao lado, e saudar, chamando pelo nome, cada um dos convivas que o cumprimentasse.

Entretanto, como tivesse lido nos atos do Senado que alguns acusados, a respeito dos quais se limitara a escrever sucintamente que haviam sido apontados por delatores, “estavam sendo absolvidos, mesmo sem interrogatório”, tremeu, pensando que estava sendo desprezado, e resolveu, a todo custo, recolher-se a Capri, não ousando mais agir a não ser em lugar bem seguro. Retido, porém, pelas tempestades e pela agravação da moléstia, morreu pouco depois numa “vila” de Lúculo, com 78 anos de idade e 23 de reinado, aos 17 dias antes das calendas de abril, sob o consulado de Cnéio Acerrônio Próculo e de Caio Pôncio Nigrino. Pensam alguns que Caio lhe houvesse dado um veneno lento e consuntivo. Querem outros que, no declínio dum acesso de febre, lhe tivessem sido negados os alimentos que pedia. Há, também, quem diga que foi afogado no travesseiro e que, tornando a si, reclamava o seu anel que lhe havia sido arrebatado durante o desmaio. Escreveu Sêneca “que ao ter compreensão de que ia desfalecer, Tibério escondeu seu anel, como quem queria dá-lo a alguém. Instantes depois, colocou-o novamente no dedo e, assim, quedou-se por muito tempo imóvel, a mão esquerda fechada. De repente, chamou seus criados e, como ninguém lhe respondesse, levantou-se para logo cair sem forças, não longe do leito”.

No último aniversário do seu nascimento, acreditou ver, em sonho, um Apolo Temenita187 duma grandeza e lavor maravilhosos, que ele fizera transportar de Siracusa para colocá-lo na biblioteca do novo templo. Afirmava-lhe a divindade “que ele não lhe poderia fazer a consagração”. Dias antes da sua morte, a torre do farol desabou em Capri, em virtude dum tremor de terra. Em Misena, a cinza do fogo com que se aquecia o triclínio, extinto e frio, já havia tempo, subitamente se inflamou ao fim do serão e crepitou teimosamente até alta noite.

Sua morte

Sua morte causou tanta alegria no seio do povo que, à primeira notícia, todo mundo corria pelas ruas, gritando alguns: “Tibério, ao Tibre!” Outros suplicavam à terra-mãe e aos deuses manes que não o acolhessem à sua sombra, mas que o mandassem para o meio dos ímpios. Ainda outros ameaçavam seu cadáver com o croque e as gemônias, exasperados pela lembrança da sua antiga fereza e das atrocidades cometidas ainda recentemente. Como um senatus consulto estatuísse que o castigo dos condenados seria adiado para o décimo dia, era pensamento de todos que a pena dalguns infelizes estava já sem efeito desde o dia em que se soube da morte de Tibério. Imploraram a piedade pública. Como, porém, na ausência de Caio não havia ninguém a quem se pudesse recorrer, os guardas, temerosos de transgredirem as ordens recebidas, estrangularam-nos e os atiraram das gemônias. O ódio cresceu contra o tirano, como se, após a sua morte, o banditismo ainda subsistisse. Ao transportarem-lhe o corpo de Misena, a maior parte do povo gritava “que era preciso conduzi-lo antes a Atela188 e queimá-lo no anfiteatro”. Foi levado a Roma por soldados, e cremado em funerais públicos.

Tibério fizera, dois anos antes, um duplo testamento. Um estava na sua mão. Outro, na dum liberto. Eram ambos idênticos e traziam a chancela de pessoas as mais humildes. Por esse testamento, instituiu herdeiros, por frações iguais, aos seus netos: Caio, filho de Germânico, e Tibério, filho de Druso, um podendo herdar do outro. Deixou legados, também, a numerosas pessoas, entre as quais as virgens vestais, a todos os soldados, a cada cidadão romano e até mesmo, separadamente, aos guardas dos bairros da cidade.

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