255 No ano 10 a. C.
256 No dia 13 de agosto do ano 10 a. C., no mesmo dia da inauguração do templo de Roma e de Augusto, cuja festa substituiu a do deus Lug.
257 No ano 6 d. C.
258 Celebrados no ano 12.
259 Silano desposara Emília Lépida, bisneta de Augusto. Era, pois, primo de Cláudio.
260 Monte do Lácio, onde ficava situado, a 800 metros de altura, um templo de Júpiter Lacial, término da procissão dos feriados latinos.
261 Dias do fim dos Saturnais, em que se enviavam estatuetas (sigilla) como presentes.
262 Aos sacerdotes de Augusto, criados no ano 14 e sorteados em número de 21, se associaram, pelo Senado, Tibério, Druso, Cláudio e Germânico.
263 A partir de 1º de julho de 37 e durante dois meses e 12 dias.
264 A começar pelas de Calígula.
265 27 de outubro de 39.
266 Cf. “Calígula”: constatada a morte de Caio César, os cônsules convocaram o Se-nado, não para refluir-se na Cúria, mas no Capitólio, porque aquela se chamava “Júlia”.
267 No ano 48.
268 No ano 46.
269 À instigação de Ânio Viniciano, Escriboniano, lugar-tenente de Cláudio na Dalmácia, tentou sublevar as tropas. Elas, porém, não o acompanharam. Escriboniano fugiu para a ilha de Issa, onde suicidou-se. Viniciano também se matou.
270 Cf. nota 263.
271 Em 42 e 43.
272 Em 47 e 51.
273 Em 47.
274 Em 21 a. C.
275 Sob a República. Foi Cícero quem defendeu Rabírio Póstumo.
276 Hoje ilhas de Hieras.
277 Hoje Bolonha-sobre-o-Mar.
278 Em maio do ano 44, Cláudio fez representar no Campo de Marte a tomada e o saque duma cidade da Bretanha.
279 Edifício construído por Agripa e assim chamado porque aí se distribuíram, a princípio, os boletins de voto, depois o soldo e os presentes destinados ao povo.
280 Trata-se da carestia verificada no ano 52.
281 Começado por Calígula, foi acabado por Cláudio, em 52.
282 Entre outras vezes, em 45 e 52.
283 Sob Tibério.
284 O duplo templo de Vênus Vitoriosa e da Vitória.
285 Como Estefânio, cf. “Augusto”.
286 A 25 de janeiro de cada ano.
287 Cf. Tácito, Anais, XII, 56.
288 Que vencera os bretões. Este foi o último cidadão que entrou em triunfo em Roma.
289 Ilhota do Tibre, em Roma mesmo, onde se erguia um templo a Esculápio.
290 Seleuco II.
291 Esses judeus, na realidade, eram os primeiros cristãos. Os romanos, porém, confundiam então a seita nascente com a dos judeus.
292 Cristo.
293 Seu pai, por conspiração. Sua mãe, por adultério.
294 Impelido por Narciso.
295 Sustentada por Calisto.
296 Apoiada por Palas.
297 A proposta foi feita por Vitélio.
298 À instigação de Palas.
299 Pompeu foi morto a punhaladas no seu leito e Silano, no dia do casamento de Cláudio com Agripina.
300 Que chegou a ser célebre pelo seu fausto.
301 De Drúsila, irmã do rei Ptolomeu. Duma segunda Drúsia, irmã do rei Agripa. Ignora-se o nome da terceira.
302 Chamado Vínio.
303 Isto é, um imbecil.
304 Sem dúvida, o filho do historiador.
305 Um diagrama virado, que distinguia o V consoante do V vogal. Um antissigma, correspondendo ao “psi” grego. Uma terceira letra correspondia ao Y.
306 Cf. Homero, Odisseia, XVI, 72.
307 Resposta do oráculo a Télefo, ferido por Aquiles e curado ainda por Aquiles, com a ferrugem da sua espada.
308 Na noite de 12 para 13 de outubro de 54.
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Estátua póstuma do imperador Cláudio como um deus. Museu do Vaticano.
Tibério Cláudio César Augusto Germânico (10 a.C.-54 d.C.) foi o quarto imperador romano da dinastia júlio-claudiana, e governou de 41 até a sua morte em 54. Nascido na atual Lyon, na Gália, foi o primeiro imperador romano nascido fora da península Itálica. Essa biografia de Cláudio faz parte de um livro intitulado "A Vida dos Doze Césares" escrito pelo historiador Suetônio, que viveu no século 2 d.C.
O pai de César Cláudio, predominado a princípio Décio e mais tarde Nero, nasceu três meses após o casamento de Lívia (que estava grávida) com Augusto. Suspeita-se que haja sido fruto dum comum adultério de Lívia com o seu sogro. Em todo caso, correram céleres estes versos:
“Nasceu de pais felizes, com três meses apenas!”
Esse Druso, no decorrer da sua questura e da sua pretoria, dirigiu a guerra da Rétia, a seguir a da Germânia e foi o primeiro dos generais romanos a navegar no oceano. Construiu, além do Reno, com um trabalho inaudito e extraordinário, trincheiras que ainda hoje se chamam “de Druso”. Após haver desbaratado o inimigo com frequência e tê-lo repelido para o fundo dos desertos, não cessou de persegui-lo senão depois da aparição duma mulher bárbara de estatura extra-humana, que o proibiu, em latim, de levar avante a sua história. Em paga destas façanhas recebeu as honras da ovação e os ornamentos triunfais255. Nomeado cônsul, imediatamente após a sua pretoria, retomou sua expedição, mas sucumbiu à doença nos quartéis de verão, que, por esse motivo, foram chamados “acampamento maldito”. Seu corpo, trazido a Roma pelos principais cidadãos dos municípios e das colônias, foi entregue nas mãos das decúrias de escrivães e sepultado no Campo de Marte. O exército erigiu-lhe um monumento funerário, em torno do qual, todos os anos, os soldados desfilavam em marcha acelerada e onde as cidades da Gália deviam oferecer sacrifícios públicos. Além disso, o Senado, entre outras numerosas homenagens, conferiu-lhe um arco-de-triunfo, em mármore, na Via Ápia, e a ele e aos seus descendentes o cognome de “Germânico”. Era encarado como tendo tido, ao mesmo tempo, o amor da glória e o espírito cívico. Realmente, às vitórias sobre o inimigo procurou juntar sempre os despojos mais opimos, perseguindo muito além da refrega os chefes germânicos, muitas vezes ao preço dos mais rudes perigos. Jamais dissimulou a sua intenção de restabelecer, caso pudesse, a República no seu antigo estado. É o que leva creio eu muita gente a afirmar que, suspeito a Augusto, fosse chamado da sua província e envenenado, porque hesitara em obedecer. A bem dizer, recordo este boato para ser completo e não porque o creia verdadeiro ou verossímil. Augusto queria de tal maneira a Druso que ainda em vida deste o instituíra coherdeiro, com seus filhos, conforme declarou um dia no Senado. E quando morreu, no elogio que lhe fez diante do povo, Augusto pediu aos deuses “que fizessem os Césares iguais aos Drusos e lhe concedesse a ele próprio um fim tão honroso como o seu”. E não contente de ter gravado no seu túmulo um epitáfio em versos, composto por ele mesmo, redigiu também, em prosa, memórias da vida dele. Druso teve muitos filhos de Antônia a Moça, mas deixou somente três: Germânico, Lívila e Cláudio.
Cláudio nasceu em Lião256, sob o consulado de Júlio Antônio e Fábio Africano, nas calendas de agosto, no dia mesmo em que se dedicava naquela cidade um altar a Augusto. Deram-lhe o nome de Tibério Cláudio Druso. Cedo, seu irmão mais velho, como entrasse por adoção na família Júlia, tomou o sobrenome de Germânico. Tinha ainda pouca idade quando lhe morreu o pai e durante quase toda a sua infância e sua adolescência viu-se atacado de várias moléstias pertinazes que lhe enfraqueceram de tal modo o espírito que chegaram a considerá-lo inapto para toda e qualquer função pública ou privada. Durante muito tempo, e mesmo depois de libertado da sua tutela, esteve confiado à guarda de outros e colocado sob as ordens dum preceptor, de quem se queixa num escrito “como dum bárbaro, antigo inspetor de coudelarias”, que lhe deram, propositadamente, para que lhe infligisse, sob mil cores, o mais “cruel tratamento”. Este seu estado de saúde foi a causa de que num espetáculo de gladiadores, oferecido por ele e seu irmão257, em memória de seu pai, exercesse a presidência, contrariamente ao uso, com a cabeça coberta por uma capa, e que, no dia em que tomou a toga viril, fosse conduzido ao Capitólio em liteira, cerca de meia-noite, sem o cumprimento de nenhuma outra solenidade.
Aplicou-se, desde os verdes anos, às disciplinas liberais com um zelo fora do comum e, repetidas vezes, deu ao público amostras do seu saber, em cada gênero. Mesmo assim, porém, não conseguiu conquistar nenhuma consideração, nem despertar a esperança de maiores proveitos a seu respeito, futuramente.
Sua mãe Antônia asseverava sem cessar que ele era um monstro: não havia sido acabado, mas apenas esboçado pela natureza, e quando chamava alguém de imbecil dizia sempre “que era mais cretino do que seu filho Cláudio”. Sua avó Augusta tratava-o com o maior desdém. Só lhe falava muito raramente e não lhe dava conselhos senão por meio de bilhetes ásperos e secos, ou então empregando intermediários. Sua irmã Lívila, como ouvisse dizer certa vez que ele reinaria um dia, lamentou publicamente em altas vozes o povo romano, ameaçado dum tão iníquo quão indigno destino.
Quanto ao seu tio-avô Augusto, para que se saiba melhor o que pensava dele, de bom ou de mau, transcrevo aqui os principais trechos duma sua carta:
“Tive um encontro com Tibério, tal como me recomendaste, minha querida Lívia, a respeito do que é necessário fazer do teu neto Cláudio, durante os jogos Marciais258. Concordamos, um e outro, que era preciso fixar, duma vez por todas, o plano a seguir em relação a ele. Pois, se é normal, e, por assim dizer, intacto, por que titubear em fazê-lo passar pelas mesmas escalas e degraus transpostos pelo seu irmão? Se, ao contrário, nos parece que ele é retardado e enfermiço, tanto de corpo como de espírito, não devemos fornecer ensejo a que se riam à sua e à nossa custa homens que têm por costume escarnecer e ridicularizar esta espécie de coisas. Estaremos sempre atormentados se em cada conjuntura nos perguntamos, sem nada termos resolvido de antemão, se ele está ou não em estado de exercer qualquer emprego. Quando ao que tu pedes para o momento, nós não nos opomos a que ele tenha a solicitude da mesa dos pontífices nos jogos Marciais, caso consinta em seguir as opiniões do filho de Silano, seu parente259, que o impedirá de fazer tudo quanto possa colocá-lo em ressalto ou em ridículo. Nós não queremos que ele assista aos jogos do Circo, do camarote imperial. Colocado assim na frente do teatro, ficará muito em evidência. Não queremos que ele vá ao monte Albano260, ou que fique em Roma, durante os dias latinos. Realmente, por que não nomeá-lo para a prefeitura da cidade, se ele é capaz de seguir seu irmão no galgar a montanha? Aí tens, minha querida Lívia, o nosso parecer, com o qual estamos decididos a nos contentarmos duma vez por todas e duma maneira geral, a fim de não andarmos a flutuar incessantemente entre a esperança e o temor. Poderás, se quiseres, ler a Antônia esta parte da nossa carta.”
Numa outra epístola, diz ainda:
“Convidarei a jantar, todos os dias, durante a tua ausência, o jovem Tibério Cláudio, para que ele não coma, só com o seu Sulpício e o seu Atenodoro. Quisera ver o pobre infeliz escolher com mais cuidado, e duma maneira menos aérea, aquele a quem pudesse imitar pelos movimentos, pelo trajar e pelo porte: “Não conseguiu nada em coisa alguma, por menos séria que fosse”. Mas, quando seu espírito não se desgarra, vê-se brilhar com intensidade a generosidade da sua alma.”
Da mesma forma, ele fala numa terceira carta:
“Teu neto Tibério Cláudio pode encantar-me com as suas declamações, minha querida Lívia, e que eu morra se isso não me causou surpresa! Ele que fala tão pouco claramente, como, quando declama, pode dizer claramente o que é necessário dizer? Custa-me crer em tal coisa.”
Não se pode duvidar, depois disso, das resoluções tomadas por Augusto. Não o deixou exercer outro encargo a não ser o de sacerdote augural. Só o instituiu herdeiro entre os de terceiro grau, quase entre os estrangeiros, para um sexto somente, e não lhe legou mais do que 800 sestércios.
Seu tio Tibério, quando ele lhe pedira as honras, conferiu-lhe ornamentos consulares. Quando, porém, reclamou instantemente os poderes de cônsul, contentou-se em responder-lhe num bilhete “que lhe enviava 40 moedas de ouro para os saturnais e as sigilárias”261. Desde então, renunciando a toda esperança duma dignidade, abandonou-se à inércia, vivendo escondido ora no seu parque e na sua “vila” suburbana, ora no retiro da Campânia. Ao convívio dos homens mais abjetos aliou a vergonha dum ócio inveterado e o hábito infame da embriaguez e do jogo.
Entretanto, a despeito desta maneira de agir, não se lhe deixou jamais de testemunhar reverentes homenagens e respeito público. A ordem dos cavaleiros o escolheu duas vezes para chefe duma delegação: a primeira, quando pediram aos cônsules para conduzirem sobre as suas espáduas o corpo de Augusto até Roma. A segunda, quando os cônsules foram felicitados por haverem suprimido Sejano. Além disso, assim que chegava ao espetáculo, os cavaleiros tinham por costume se levantar e tirar suas capas. O próprio Senado propôs incluí-lo, extraordinariamente, no número dos sacerdotes de Augusto nomeados por sorteio262, e, pouco tempo depois, reconstruir, a expensas do Estado, sua casa destruída por um incêndio e lhe dar o direito de expressar o seu parecer junto com os consulares. Tibério, porém, aboliu este decreto, alegando a imbecilidade de Cláudio, e prometendo indenizá-lo dos prejuízos que tivera por meio das suas próprias liberalidades. Entretanto, ao morrer, instituiu-o herdeiro no terceiro grau, para uma terça. Por outro lado, deixou-lhe um legado de mais ou menos dois milhões de sestércios e, ademais, o recomendou nominalmente, entre outros parentes, aos exércitos, ao Senado e ao povo romano.
Sob Caio, enfim, filho de seu irmão, que no começo do seu reinado procurava por meio de toda espécie de obséquios fazer-se uma reputação favorável, alcançou as honras e geriu o consulado com ele durante dois meses263. Aconteceu, porém, que, a primeira vez que se dirigiu ao Fórum com os fasces, uma águia pousou na sua espádua direita. Assim, foi designado pela sorte para exercer, ao termo de quatro anos, um segundo consulado. Presidiu, em algumas oportunidades, aos espetáculos em lugar de Caio, sob as aclamações do povo, que gritava: “Viva o tio do imperador!” e também: “Viva o irmão de Germânico!”
Sem embargo, viveu sempre exposto às desconsiderações264. Era assim que, se porventura se apresentasse ao jantar um pouco mais tarde do que as horas fixadas, não o recebiam senão entre pragas e só depois de ter feito o circuito do triclínio. Toda vez que dormia após a refeição (o que acontecia comumente), crivavam-no de caroços de azeitona e de tâmaras. Em certas ocasiões, por brincadeira, deixavam que os bufões o fossem acordar a golpes de férula ou então de chicote. Tinham por costume, também, colocar-lhe tamancos nas mãos, enquanto roncava, a fim de que, ao despertar, repentinamente, esfregasse com eles o rosto.
Não esteve nem mesmo ao abrigo de sérios riscos. Primeiramente, durante o seu próprio consulado, foi demitido do cargo por demonstrar negligência na colocação e ereção das estátuas de Nero e de Druso, irmãos de César. A seguir, viu-se importunado de mil maneiras diferentes pelas denúncias chegadas quer do exterior, quer partidas dum membro qualquer da sua casa. Ao ser descoberta a conjuração de Lépido e de Getúlico265, fez parte da delegação enviada à Germânia para felicitar o imperador. Aí mesmo sua vida esteve em perigo. Caio Calígula fremiu de indignação com a escolha do seu tio, para lhe ser enviado, como se tratasse de tutelar um menino. Pretendem alguns que ele tenha sido jogado no Reno, vestido como viera. Desde então, foi o último dos consulares a dar seu parecer no Senado. E para que se pudesse vexá-lo melhor, não o interrogavam senão depois de interrogados todos os demais. Instruiu-se também contra ele um processo por crime de falsificação dum testamento que continha a sua assinatura. Por último, forçado a despender com a sua admissão a um novo sacerdócio a quantia de oito milhões de sestércios, caiu num tal abatimento que, não podendo libertar-se dos compromissos contraídos com o erário, assistiu à pronúncia do desvalimento dos seus bens, postos a venda, de acordo com a lei hipotecária, por um édito dos prefeitos.
Depois de ter passado assim a maior parte da sua vida, chegou a imperador aos 50 anos de idade, pelo mais singular dos acasos. Rechaçado, com outros, pelos assassinos de Caio Calígula, no momento em que procuravam isolar a multidão, como se o imperador desejasse estar só, Cláudio se refugiou num pavilhão chamado “Herméu”.
Pouco depois, tomado de pavor com a notícia do assassínio, entremeteu-se até uma galeria solar vizinha e se ocultou ali, enrolando-se nas cortinas que cobriam a porta. Assim escondido, um simples soldado, que corria dum lado para outro, percebeulhe os pés, quis saber quem era e o arrancou do esconderijo. Como Cláudio, assustadíssimo, se lhe rojasse aos pés, o soldado o saudou, dando-lhe o título de imperador. Sem perda de tempo, conduziu-o para junto doutros soldados seus companheiros, vacilantes e sem conhecer outra coisa senão o furor. Colocaram-no numa liteira, e como seus escravos tivessem fugido, todos, foi conduzido, ora sobre os ombros duns, ora sobre os de outros, até ao acampamento, triste e nervoso, em meio a demonstrações de respeito da multidão, crente de que o estavam ameaçando com o suplício, injustamente. Recebido no interior das trincheiras, passou toda a noite entre sentinelas, com muito menos esperança do que segurança. Os cônsules, com o Senado e as cortes urbanas, haviam se apossado do Fórum266 e do Capitólio, prontos a proclamar a liberdade comum. Chamado Cláudio para aí externar o seu parecer, responderam “que estava retido pela força e pela violência”.
No dia seguinte, porém, como o Senado, em virtude do desânimo e da desinteligência provocados pelos votos antagônicos, se mostrasse mais negligente na continuação dos seus esforços, e como a massa que o rodeava reclamasse um único senhor e o designasse nominalmente, consentiu que os soldados armados prestassem, em assembleia, juramento em nome dele, prometendo a cada um 15 mil sestércios. Ele foi, assim, o primeiro dos Césares a comprar, a preço de ouro, a fidelidade dos soldados.
Firmado no poder, não teve outro pensamento senão apagar a lembrança dos dois dias em que se hesitara na mudança da estrutura do Estado. Promulgou um decreto em que se concedia o perdão e o esquecimento para tudo quanto havia sido feito e dito a este respeito e não voltou atrás.
Mandou matar apenas alguns tribunos e centuriões acumpliciados na conjuração contra Caio Calígula, não só para exemplo, mas também porque sabia terem eles reclamado o seu próprio desaparecimento. Daí por diante, devotado inteiramente aos seus deveres de piedade doméstica, decidiu que não haveria para ele juramento mais sagrado, nem mais familiar, do que o prestado “em nome de Augusto”.
Concedeu à sua avó Lívia honras divinas e, na pompa do Circo, um carro de elefantes semelhante ao carro de Augusto. Aos seus parentes, cerimônias fúnebres e, além disso, ao seu pai, jogos anuais no Circo, pelo aniversário do seu nascimento. À sua mãe, um carro que devia ser apresentado no Circo e o sobrenome de Augusta, que ela recusara em vida. Para honrar a memória do seu irmão, celebrada por ele a cada passo, fez representar uma comédia grega nos jogos napolitanos e a coroou, após sentença dos juízes. O próprio Marco Antônio não foi esquecido pelas honras e o respeito do seu reconhecimento. Fez saber, um dia, por meio dum édito, “que se empenhava tanto na celebração do aniversário do nascimento de Druso, seu pai, por ser o mesmo do seu avô Antônio”. Em homenagem a Tibério, concluiu o arco-do-triunfo, em mármore, ao lado do teatro de Pompeu, monumento esse que lhe havia sido conferido outrora pelo Senado, mas que ficara todavia inacabado. Quanto a Caio Calígula, na verdade cassou-lhe todos os atos e proibiu de se incluir o dia da sua morte no calendário das festas, mesmo que este coincidisse com o do seu advento ao Império.
Reservado e modesto pela sua própria educação, renunciou à adoção do título de “imperador”, recusou honorificências excessivas e celebrou sem brilho, como se tratasse duma simples cerimônia doméstica, os esponsais da sua família e o nascimento do seu neto. Não reabilitou nenhum exilado sem autorização do Senado. Solicitou, como uma graça, que lhe fosse permitido deixar entrar, ao seu lado, na Cúria, o prefeito do pretório e os tribunos militares e, também, que se ratificassem as sentenças judiciárias dos seus procuradores. Pediu aos cônsules o direito de estabelecer mercados nos domínios privados. Assistiu, assiduamente, aos inquéritos dos magistrados, na qualidade de conselheiro, e quando davam eles espetáculos levantava-se, como o fazia a multidão, à sua chegada e os saudava com o gesto e de viva voz. Pediu desculpas aos tribunos do povo, que foram procurá-lo no seu tribunal, de, constrangido pela estreiteza do lugar, não poder ouvi-los senão em pé.
Conseguiu de tal maneira, em pouco tempo, o amor e o favor público que, ao anunciar-se, após a sua partida para Óstia267, que ele perecera numa emboscada, o povo, consternadíssimo, não cessou de atirar ferozes anátemas aos soldados, classificados de traidores, e aos senadores, tachados de parricidas, até que várias pessoas mandadas pelos magistrados à tribuna róstria, garantiram que Cláudio estava são e salvo e já se avizinhava de Roma.
Contudo, não ficou resguardado contra as armadilhas. Pelo contrário, viu-se mesmo exposto a tentativas isoladas, a conspirações e, no fim, à guerra civil. Um homem do povo foi preso, na calada da noite, perto do seu quarto, com um punhal na mão. Foram presos também dois membros da ordem equestre, que o esperavam num logradouro público com um cacete ferrado e uma faca de caça para atacá-lo: um, à saída do teatro; outro, por ocasião dum sacrifício, no templo de Marte. Galo Asínio e Estatílio Corvino, netos dos oradores Palião e Messala, conspiraram268 para estabelecer um novo estado de coisas, associando à tramoia numerosíssimos libertos e escravos seus. Fúrio Camilo Escriboniano, seu lugar-tenente na Dalmácia, fomentou uma guerra civil269. Porém, foi preso no quinto dia, em virtude de viravolta das suas legiões rebeldes, levadas ao arrependimento por um escrúpulo religioso, quando, após haver recebido ordem de ir ao encontro do novo imperador, elas não puderam, fosse por acaso, fosse pela vontade divina, nem dispor as águias, nem arrancar, nem remover os estandartes.
Exerceu quatro consulados, afora o antigo270. Os dois primeiros, em seguida271. Os demais, com quatro anos de intervalo272 um do outro. O último durou seis meses. Os outros, dois meses. No terceiro, jamais desempenhado por nenhum outro imperador, substituiu um cônsul falecido.
No consulado ou fora dele, exerceu a justiça sempre com muito zelo, mesmo durante os dias solenes para si e para os seus, e, muitas vezes, mesmo durante as festas e as cerimônias religiosas que remontavam à mais alta antiguidade. Não seguiu as leis letra por letra, mas regulou a severidade ou a doçura das penas pelo bem e pela justiça, segundo os seus sentimentos pessoais. Foi assim que reabilitou, pela sua ação, aqueles que, formalmente, estavam desprestigiados perante os juízes ordinários, em virtude de muitos haverem questionado, e condenou às feras, ultrapassando a pena fixada pela lei, aqueles contra quem havia provas de que tivessem cometido grave dolo.
Além do mais, no exame dos negócios públicos e nas decisões a tomar, era de uma diversidade de humor espantosa: ora circunspecto e sagaz, ora irrefletido e impetuoso, ora frívolo e quase inconsciente. Ao passar em revista as decúrias, no despacho dos trabalhos judiciários, demitiu, por ambicioso, um cavaleiro que respondera à chamada, dissimulando a isenção com que beneficiara os próprios filhos. Como outro, interpelado por seus adversários a respeito de um processo pessoal, pretendesse que este não era da competência dos interpelantes, mas da jurisdição ordinária, Cláudio obrigou-o a julgar imediatamente esse processo, perante a sua pessoa, a fim de poder observar, vendo-o sentenciar em causa própria, até que ponto ia sua retidão no julgamento dos feitos alheios. Certa mulher não reconheceu seu filho. As provas eram insuficientes de ambos os lados. Ele forçou-a à confissão e prescreveu-lhe o casamento com o rapaz. Pronunciava-se facilmente a favor dos presentes contra os ausentes, sem verificar se esta ausência era voluntária ou imperativa. Havendo alguém falado que se deviam cortar as mãos dum determinado falsário, mandou chamar o carrasco, depressa, com o cutelo e o cepo. Num processo contra um estrangeiro que se fizera passar por romano, ligeira disputa se travou entre os advogados para saber si o órgão da defesa devia falar de toga ou de capa. Cláudio, procurando dar provas de inteira imparcialidade, ordenou que os advogados mudariam de veste à medida que acusassem ou defendessem. Noutro processo, assegurou, crê-se, por escrito, “que era do parecer dos que tinham razão”, o que o desconsiderou de tal forma que recebeu do público mais de uma manifestação de desagrado. Alguém, para justificar a ausência de uma testemunha que ele mandara convocar na sua província, dissera-lhe que ela se achava na impossibilidade de comparecer e, durante muito tempo, disfarçou a causa dessa ausência. Depois de submetê-lo a um longo interrogatório, Cláudio exclamou: “A causa é justa: a testemunha morreu.” A outro, que lhe fora agradecer o ter deixado um réu apresentar a sua defesa, acrescentou: “É a regra.” Pessoas antigas me contaram que os advogados abusavam da sua paciência quando ele descia do tribunal, não somente com interpelações, mas ainda o retinham, segurando-o por uma ponta da toga e, às vezes, até mesmo pela própria perna. Ninguém se espantará com isso se souber que no calor da discussão um advogado grego deixou escapar esta frase: “Tu também: és velho e corrompido!” É fato notório que um cavaleiro romano, acusado de haver praticado obscenidades com certas mulheres (mas, falsamente), ao ver citadas contra si e ouvidas, ao mesmo tempo, como testemunhas, prostitutas matriculadas, arremessou sobre a cabeça de Cláudio o estilete e as pranchas que tinha na mão, criticando-lhe de modo acérrimo a estupidez e a crueldade, e ferindo-lhe, assim, gravemente, o rosto.
Exerceu, também, a censura273, interrompida, por muito tempo, desde os censores Planco e Paulo274. Exerceu-a, porém, com a mesma desigualdade, a mesma diversidade de humor e de conduta. Por ocasião da revista dos cavaleiros, demitiu, sem castigo, um rapaz coberto de opróbrio, mas tido e havido por seu pai como irreprochável, dizendo-lhe “que ele tinha o seu censor”. A outro, mal afamado pela sua devassidão e pelos seus adultérios, advertira-o apenas “de dar pasto aos apetites da sua idade com mais moderação ou, pelo menos, com mais discrição”. E perguntou-lhe: “Por que se torna necessário que eu saiba quem é a tua amante?” E como cancelasse de outro, a pedido de amigos, a nota de infâmia que lhe havia dado, comentou: “Entretanto, a raspadura subsiste.” Não somente riscou do quadro dos juízes um homem ilustre e que formava entre os principais elementos da província da Grécia porque não sabia latim, mas, ainda, o recusou na categoria dos estrangeiros. Jamais tolerou que alguém se imiscuísse na sua vida. Defendia-se pessoalmente sem ajuda de advogados, como podia. Reprovou muitos cidadãos, alguns dos quais não o esperavam, por motivo de um novo gênero que consistia em abandonar a Itália sem lhe participar ou pedir-lhe licença. Chegou a repreender um cidadão por ter acompanhado um rei na sua província, recordando-lhe que, no tempo dos seus antepassados275, Rabírio Póstumo tivera intentada contra si uma acusação de lesa-majestade por ter, com o fim de salvaguardar uma dívida, acompanhado Ptolomeu a Alexandria. Tentou condenar, por isso, maior número de indivíduos, mas, por negligência da parte dos seus agentes, sofreu a decepção de só encontrar, geralmente, inocentes: aqueles a quem imputava a falta de viverem celibatariamente ou de não possuírem filhos provaram que eram casados, eram pais e eram ricos. Um, que fora acusado de ter querido suicidar-se com uma facada, mostrou, despindo-se, que no seu corpo não havia nenhum ferimento. Nota-se, também, entre outros fatos da sua censura, o de haver recomprado e feito aos pedaços um carrocim de prata, trabalho magnífico, posto a venda nas Sigilárias, e o de, num só dia, ter publicado 20 éditos, dos quais dois merecem ser mencionados. Num, recomendava “que se calafetassem os tonéis, em virtude de abundância das vindimas”. Noutro, “que não havia melhor remédio contra a mordedura de cobra do que o suco do teixo”.
Não realizou senão uma única expedição e, assim mesmo, modesta. Foi quando o Senado lhe conferiu os ornamentos triunfais. Como achasse esta distinção inferior à majestade imperial e desejasse a honra de um triunfo real, escolheu de preferência, para o adquirir, a Bretanha, em que ninguém ainda pusera o pé, desde o divino Júlio, e que se sublevara. Embarcou em Óstia, e por duas vezes esteve a ponto de soçobrar, em virtude dum violento temporal, cerca de Ligúria e ao longo das Ilhas Stoechadas276. Continuou o trajeto por terra, de Marselha até Gesoríaco277, onde operou a travessia. E após haver recebido, dentro de poucos dias, a submissão duma parte da ilha, sem combate nem efusão de sangue, retornou a Roma, seis meses depois da partida, e triunfou com extraordinária pompa278. Permitiu a vinda à cidade, para esse espetáculo, não somente aos governadores das províncias, mas ainda a alguns exilados. Entre os despojos inimigos colocou, à frente do seu palácio, uma coroa naval ao lado duma coroa cívica, para assimilar que ele atravessara e, por assim dizer, domara o oceano. Sua mulher Messalina acompanhava-o de carro. Atrás dele marchavam os que haviam merecido os ornamentos triunfais, todos a pé e em toga pretexta, salvo Crasso Fruge, que montava a cavalo, ornado de faleras, e vestia um manto ornado de palmas, porque era a segunda vez que obtinha tal honorificência.
Preocupou-se sempre, com a máxima solicitude, com a cidade e seus meios de aprovisionamento. Durante o longo incêndio do bairro Emiliano, ficou duas noites no local das distribuições279. E como o número de soldados e de escravos se mostrasse insuficiente, apelou para o auxílio, por intermédio dos magistrados, do povo de todos os demais bairros. Depois, colocou diante da massa corbelhas cheias de dinheiro e a concitou a garantir os socorros, recompensando cada qual com um salário digno do seu trabalho. Como escasseasse o trigo280, após vários anos de esterilidade, ele foi um dia arrostado pela multidão no meio do Fórum e viu-se tão coberto de injúrias quanto de migalhas de pão que não pôde senão a muito custo ganhar o seu palácio, por uma porta de trás. Desde aí, não mais deixou de providenciar para que os gêneros não faltassem mesmo no inverno. Garantiu, efetivamente, aos negociantes, lucros fixos, assumindo o compromisso dos prejuízos sofridos em virtude de mau tempo. Concedeu ótimas vantagens àqueles que construíssem navios para o comércio, proporcionando-lhes, segundo a condição de cada um: dispensa da lei Pápia-Popeia, para os latinos; privilégios das mães de quatro filhos, para as mulheres. Essas concessões subsistem ainda hoje.
Preferiu realizar, antes, grandes trabalhos necessários do que trabalhos em grandes números. Eis os principais: o aqueduto começado por Caio Calígula281 e também o canal de escoamento do lago Fucino e o porto de Óstia. Cláudio sabia que Augusto recusara aos márcios, a despeito dos seus reiterados pedidos, a construção destas duas últimas obras e que o divino Júlio, depois de as haver iniciado muitas vezes, abandonara esse propósito, em face das dificuldades que se apresentavam. Levou à cidade, por um conduto de pedra, duas fontes frescas e exuberantes da água Cláudia, chamadas: uma, “Cerúlea” e outra, “Cúrcio e Albudino”. Da mesma forma, um braço do novo Ânio, que foi repartido por numerosos e belíssimos reservatórios. Atirou-se à empresa do lago Fucino na esperança de conseguir não menos proveito do que glória, pois muitos particulares prometeram construir o canal às suas custa, sob a condição de lhes serem concedidas terras dessecadas. Terminou, em meio às maiores dificuldades e ao fim de 11 anos, o canal, do comprimento de três mil passos, ora cavado no solo, ora cortado na montanha, no qual trabalharam, incessantemente, 30 mil operários.
Edificou um porto em Óstia, circundando-o de dois molhes, à direita e à esquerda, e cerrando a entrada com um dique profundamente alicerçado. Para consolidar melhor essas bases, afundou, primeiramente, um navio no qual fora transportado do Egito um enorme obelisco. Depois, sobre pilares, elevou uma altíssima torre à imitação do farol de Alexandria, para que os navios, guiando-se pelos fogos noturnos, pudessem seguir a sua rota.
Distribuiu, em várias oportunidades, gratificações282 ao povo. Ofereceu-lhe, também, numerosos espetáculos triviais nos locais de costume. Imaginou e fez reviver os de antigamente e em locais onde ninguém, antes dele, sonhara realizá-los. Nos jogos para a consagração do teatro de Pompeu, presa outrora de incêndio283, mas por ele reconstruído, o sinal foi dado de uma tribuna colocada na orquestra, após haver ele oferecido um sacrifício nos templos que dominam o teatro284 e ter descido, passando por entre a assembleia sentada e silenciosa. Celebrou também jogos seculares. Achava que Augusto antecipara a restauração desses jogos ao invés de reservá-los para o tempo prescrito, não obstante ter ele próprio declarado nas suas memórias “que Augusto, decorrido muito tempo após a sua interrupção, os havia reposto no seu lugar, calculando os anos com exatidão”. Foi entre risos que acolheu a voz do vociferador, convidando, de acordo com o uso solene, “para os jogos que ninguém jamais vira, nem nunca mais veria”, pois sobreviviam ainda pessoas que haviam assistido aos antigos espetáculos e alguns dos atores que tomavam parte neles285 eram os mesmos que tinham figurado nos de outrora. Efetuou, com frequência, também, jogos no circo do Vaticano, em que uma caçada de feras alternava-se com uma corrida de carros. Ornou o circo máximo de barreiras de mármore e marcos dourados, os quais eram, antes, respectivamente de tufo e de madeira. Reservou aí localidades particulares aos senadores, habitualmente misturados com a assistência. Além das lutas de quadras, concedeu, também, jogos troianos e caçadas à maneira africana com um esquadrão de cavaleiros pretorianos, tendo à frente seus tribunos e o próprio prefeito. Ademais, fez vir cavaleiros tessalianos, que davam caça, na arena do circo, a ferocíssimos touros, saltando sobre eles, quando já cansados, e derrubando-os pelos cornos. Executou combates de gladiadores de vários gêneros e em diversos sítios. Deste, houve um anual286, no campo dos pretorianos, sem caça nem aparato. Outro, completo e regular, nos Recintos, e, no mesmo ponto, outro ainda, extraordinário e de pequena duração, apelidado por ele de “Sportula”, porque, no dia da estreia, mandara anunciar, por édito, “que convidara o povo para uma espécie de pequena ceia improvisada e sem cerimônia”. Não houve um só gênero de espetáculo em que ele não se mostrasse afabilíssimo e lhano a ponto de levantar a mão esquerda, como o povo, e contar nos dedos as moedas de ouro prometidas aos vencedores. Seguidamente fazia os assistentes rebentarem de riso com as suas exortações e os seus rogos, ora chamando-lhes “meus senhores”, ora misturando as suas frases de pilhérias frias e forçadas. Por exemplo, como Palumbo fosse reclamado, ele prometeu mandá-lo “se estivesse preso”. A seguinte passagem tem o mérito do bom senso e do propósito: como tivesse concedido a um gladiador de carro a licença pedida pelos seus quatro filhos, insistentemente, e isto com grande satisfação geral, fez circular pranchetas, sem demora, em que mostrava ao povo “a necessidade de ter muitos filhos; e que visse o crédito e a proteção que eles constituíam para um gladiador”. Determinou a representação, no Campo de Marte, da tomada e do saque duma cidade, para dar a imaginação da guerra e da submissão do rei dos bretões, à qual ele próprio presidiu, com a sua vestimenta de guerra.
Mais ainda: antes de ter procedido ao escoamento do lago Fucino, ofereceu uma naumaquia287. Como, porém, os combatentes exclamassem “Salve, imperador, os que vão morrer te saúdam!”, Cláudio respondeu: “Saúdo-vos a vós!” Por causa dessa resposta, ninguém mais quis combater, pois foi interpretada como palavra de mercê. Vacilou por algum tempo sem saber se os mataria a ferro ou a fogo. Por fim, retirou-se do seu lugar, correu ao longo do lago, não sem titubear duma maneira grotesca, e, ora com ameaças, ora com promessas, conseguiu a adesão dos atletas ao combate. Neste espetáculo se chocaram duas esquadras: uma da Sicília e outra de Rodes, composta cada qual de 12 trirremes, aos sons de buzina dum Tritão de prata que emergira do meio do lago por meio dum maquinismo.
Reformou certas práticas relativas às cerimônias religiosas, à vida civil ou militar, assim como à condição das três ordens, interna e externamente: ou restabelecendo o que fora abolido, ou instituindo coisas novas. No recrutamento por cooptação dos colégios de sacerdotes, não nomeou ninguém sem que prestasse juramento. Observara cuidadosamente, toda vez que um tremor de terra era sentido na cidade, se o sacerdote prescrevia, ao povo reunido, festas expiatórias. Sempre que um passado de mau agouro aparecia na cidade ou pousava no Capitólio, fixava um dia para as orações públicas e, ele próprio, na qualidade de sumo-pontífice, subia a tribuna róstria para, após haver separado a multidão dos operários e dos escravos, advertir o povo.
No despacho dos negócios de Estado, divididos, anteriormente, entre os meses de inverno e de verão, suprimiu as interrupções. A jurisdição dos fideicomissos, tradicionalmente a cargo de magistrados anuais e circunscrita apenas à cidade, foi-lhe outorgada a título perpétuo e, por outro lado, atribuída a cada autoridade provincial. Ab-rogou um artigo da lei Pápia-Popeia, instituído por Tibério César, em que era negada aos sexagenários capacidade para procriar. Decretou que os tutores seriam dados aos pupilos, singularmente, pelos cônsules e que aqueles cujas províncias estivessem interditas por estas autoridades seriam expulsos de Roma e da Itália. Apresentou ele mesmo o exemplo duma nova modalidade de degredo, impedindo aos cidadãos de se afastarem da cidade além do terceiro marco miliário. Quando tinha de tratar dum negócio importante, assentava-se na Cúria, no banco dos tribunos, entre as cadeiras dos cônsules. Avocou a si o direito de conceder licenças, encargo esse pertencente ao Senado, por usança.
Deferiu os ornamentos consulares até mesmo aos procuradores, cujos ordenados eram de 200 mil sestércios. Aos que recusavam a dignidade de senador, ele cassava a dignidade equestre. Se bem houvesse afirmado, a princípio, que não escolheria nenhum senador que não fosse bisneto de cidadão romano, conferiu a laticlávia ao filho adotado por um cavaleiro romano. Mesmo assim, temendo ser reprovado, invocou o censor Ápio Ceco, progenitor da sua raça, que admitira como senadores filhos de libertos. Ignorava que no tempo de Ápio, e mesmo durante muito tempo depois dele, dava-se o nome de “libertos” não àqueles que recobrassem a liberdade, mas aos homens livres nascidos deles. Decidiu que o colégio dos questores, encarregado do calçamento das ruas, organizasse um combate de gladiadores; arrebatou-lhe as províncias de Óstia e da Gália e lhe cometeu a guarda do tesouro de Saturno, da qual estavam encarregados, nos intervalos, pretores ou antigos pretores. Outorgou os ornamentos triunfais a Silano, noivo da sua filha, antes de ter atingido a idade púbere. Prodigalizou essas honras a tantos outros mais idosos e com tanta facilidade que, numa carta escrita em nome de todas as legiões, se lhe pedia “concedesse, ao mesmo tempo, os ornamentos triunfais e o comando dum exército aos legados consulares, a fim de que não pudessem eles encontrar, de maneira alguma, pretexto para guerras”. Conferiu a ovação a Aulo Pláucio288 e à sua entrada em Roma foi ao seu encontro e, tanto à subida como à descida do Capitólio, conservou-se ao seu lado. A Gabino Secundo, após haver batido os cáucios, povo da Germânia, permitiu-lhe tomar o sobrenome de “Cáucico”.
Melhorou a organização militar dos cavaleiros, dando-lhes um esquadrão depois da corte e o tribunato de legião depois do esquadrão. Estabeleceu um soldo e um gênero de serviço fictício, denominado “supranumerário”, que dava direito a um título sem função. Vedou aos soldados, por meio dum senatus consulto, entrar para saudá-los, nas casas dos senadores.
Confiscou os bens dos filhos de libertos que se faziam passar por cavaleiros romanos. Reduziu novamente à servidão os ingratos e aqueles a quem se queixavam os patrões e declarou aos seus advogados que não faria justiça contra os seus próprios libertos. Alguns cidadãos, que não queriam dar-se ao incômodo de cuidar deles, abandonavam seus escravos doentes na ilha de Esculápio289. Em vista disso, baixou um decreto determinando que todos aqueles que haviam sido abandonados podiam considerar-se livres e que, embora curados, não mais recairiam sob o poder dos antigos senhores. Acrescentou mais: que se houvesse alguém que achasse melhor matar o seu escravo do que abandoná-lo, fosse acusado de homicídio. Recomendou, por um édito, aos viajantes, que não atravessassem as cidades da Itália senão a pé, em cadeira ou liteira. Concentrou em Puzoles e em Óstia uma corte, como prevenção em caso de incêndio. Proibiu aos indivíduos de condição estrangeira o uso de nomes romanos, ou, pelo menos, de nomes patronímicos. Condenou ao machado, no campo Esquilino, os usurpadores do direito de cidadania romana. Reverteu ao Senado a administração das províncias de Acaia e da Macedônia, que Tibério reservara para si mesmo. Cassou a liberdade dos lícios, em virtude das suas funestas dissensões intestinas. Devolveu-se aos rodenses, em virtude do arrependimento de que deram provas em relação às suas faltas pretéritas. Concedeu aos habitantes de Ílion, como ancestrais do povo romano, a título perpétuo, a diminuição dos tributos, após ter feito a leitura duma velha carta, escrita em língua grega, em que o Senado e o povo romano prometiam ao rei Seleuco290 aliança e amizade, sob a condição de manter os ilionenses, a eles unidos pelos laços do sangue, livres de qualquer imposto. Expulsou de Roma os judeus291, sublevados constantemente por incitamento de Cresto292. Permitiu aos delegados germânicos que se sentassem na orquestra, emocionado ao ver com que simplicidade e com que confiança aqueles embaixadores, que se haviam misturado com o povo, ao divisarem os partos e os armênios abancados entre os senadores, corriam espontaneamente em direção aos mesmos lugares, a exclamarem, em altas vozes, que aqueles não lhes eram superiores nem em coragem nem em condição. Aboliu, inteiramente, entre os gauleses, a religião dos druidas, tão ferozmente bárbara que, sob Augusto, havia sido interdita apenas para os cidadãos romanos. De outro lado, esforçou-se por transferir da África para Roma o culto de Elêusis. Além disso, propôs reconstruir, a expensas do erário do povo romano, o templo de Vênus Ericina, na Sicília, desfeito em ruínas por vetustez. Nisso, porém, como, aliás, em grande parte dos atos de todo o seu principado, governou não tanto pela sua vontade quanto pela das suas mulheres e dos seus libertos. Quase sempre e por onde quer que andasse, mostrava-se tal como exigia a sua fantasia.
Adolescente ainda, teve duas noivas: Emília Lépida, bisneta de Augusto, e Lívia Medulina, cognominada também Camila, da prístina família do ditador Camilo. À primeira, repudiou-a virgem ainda, porque seus parentes haviam descontentado Augusto293. Perdeu a segunda, por doença, no dia mesmo marcado para a realização dos esponsais. Casou-se em seguida com Pláucia Urgulanila, cujo pai triunfara, e logo depois com Élia Petina294, filha de um consular. Divorciou-se duma e doutra. De Petina, por pequenas ofensas. De Urgulanila, em virtude da sua libertinagem e duma suspeita de homicídio. Depois destas, casou-se com Valéria Messalina, filha do seu tio Barbato Messala. Ao saber, porém, independentemente dos seus excessos e das suas torpitudes, que ela chegara ao ponto de desposar Caio Sílio e que o contrato assinado se encontrava nas mãos dos áugures, mandou assassiná-la e declarou na presença dos pretorianos reunidos “que, como não tivesse sorte com os casamentos, estava resolvido a conservar-se celibatário e que, se o não conseguisse, se daria morte pelas próprias mãos”. Sem embargo, não pôde furtar-se ao estabelecimento imediato duma aliança com aquela mesma Petina, expulsa outrora do seu leito, e com Lólia Paulina295, que fora mulher de Caio César. Seduzido, porém, pelos encantos de Agripina296, filha de Germânico, seu irmão, que lhe fazia carícias para conquistar o seu coração, subornou senadores para que propusessem297, na sessão imediata, forçá-lo a casar, como se isso constituísse um alto interesse para o Estado, e conceder aos demais a faculdade de efetuarem semelhantes uniões que até então eram tidas como incestuosas. Passado apenas um dia, casou-se com Agripina, mas não encontrou ninguém que lhe seguisse o exemplo, exceto um liberto e um centurião primipilário, a cuja cerimônia ele assistiu em pessoa, acompanhado de Agripina.
Teve filhos das suas três mulheres. De Urgulanila, Druso e Cláudia; de Petina, Antônia; de Messalina, Otávia e Germânico, a quem deu logo o sobrenome de “Britânico”. Perdeu Druso em Pompeia, antes de ter atingido a puberdade: uma pera, com a qual brincava, atirando-a para o ar e apanhado-a na boca, o estrangulou.
Poucos dias antes, ficara noivo da filha de Sejano. Por isso, não me admiro que haja quem assegure tenha ele sido morto insidiosamente por Sejano. Fez expor e abandonar Cláudia, completamente nua, diante da porta da sua mãe, como filha do seu liberto Botero, embora ela houvesse nascido cinco meses antes do seu divórcio e tivesse começado a criá-la. Casou Antônia com Cneio Pompeu o Grande, depois com Fausto Silano, rapazes da mais alta nobreza; e Otávia, com o seu enteado Nero, depois de tê-la prometido a Silano. Quanto a Britânico, nascido no 20º dia do seu reinado, e durante o seu segundo consulado, recomendou-o, com insistência, pequenino ainda, aos soldados, levando-o pela mão à assembleia; e ao povo, tendo-o, nos espetáculos, sentado nos joelhos ou à sua frente. Misturava sua voz à voz da multidão que o aclamava. Adotou Nero298, um dos seus genros. Quanto a Pompeu e a Silano, não somente os renegou, mas ainda os assassinou299.
Dos seus libertos, honrou, principalmente, o eunuco Posides300, a quem, no seu triunfo da Bretanha, gratificara, entre os guerreiros, com uma lança. Não honrou em menor grau Félix, colocado à frente das coortes, dos esquadrões e da província da Judeia e marido, que fora, de três rainhas301. Honrou também Harpócrates, a quem conferira o direito de se fazer conduzir em liteira pela cidade e dar espetáculos públicos, e ainda Políbio, seu professor, que muitas vezes caminhava entre os dois cônsules. Mais, porém, que todos os outros amou Narciso, seu secretário, e Palas, seu intendente, a quem, por um decreto do Senado, se permitiu cumular não somente de altas honorificências, mas ainda das honrarias da questura e da pretoria. De mais, tolerou de tal modo que eles amontoassem e pilhassem riquezas que, ao se lamentar certa vez da penúria do seu tesouro, alguém lhe disse, não sem razão, “que, se os seus dois libertos consentissem em partilhar com ele os seus bens, ele nadaria na abastança”.
Entregue, como já o asseverei, a estes e às suas mulheres, exerceu não o papel de um imperador, mas o de um criado. Foi em proveito de cada um deles, e mesmo para satisfazer os seus apetites carnais e os seus caprichos, que ele lhes prodigava honras, exércitos, mercês e, as mais das vezes, sem disto ter o menor conhecimento. Sem entrar em minudências nem enumerar a revocação das suas liberalidades, a cassação dos seus julgamentos, as falsificações ou modificações feitas abertamente por eles nos decretos de nomeação dos oficiais, podemos dizer que mandou matar Ápio Silano, seu sogro; as duas Júlias, uma filha de Druso, outra filha de Germânico, sob acusações vagas e sem lhes conceder o direito de defesa. Agiu da mesma forma em relação a Cneio Pompeu, casado com a mais velha das suas filhas, e a Lúcio Silano, noivo da mais moça. Pompeu foi assassinado na cama dum adolescente que ele amava. Silano se viu constrangido a abdicar a pretoria no quarto dia antes das calendas de janeiro e morreu no princípio do ano, justamente no dia do casamento de Cláudio com Agripina. Castigou tão rigorosamente e com tanto desembaraço 35 senadores e mais de 300 cavaleiros romanos que como um centurião lhe tivesse ido comunicar a morte duma personagem consular, dizendo-lhe “que fizera o que lhe haviam encomendado” respondeu nada haver encomendado, mas que, em todo caso, não desaprovava o ato, pois, conforme lhe haviam assegurado os seus libertos, os soldados tinham cumprido o dever, correndo espontaneamente a vingar o seu imperador. O que parece incrível é que, na questão do casamento de Messalina com o adúltero Sílio, ele tivesse assinado do seu próprio punho as pranchetas do contrato, na certeza de que se tratava duma simulação arranjada com o fim de afastar e de desviar para cima de outra cabeça um perigo de que ele próprio se achava ameaçado, pela manifestação de alguns prodígios.
Não lhe faltava, em absoluto, um certo ar de grandeza e de dignidade, quer estivesse de pé, quer sentado, quer em repouso. Era de corpo delgado e bem feito, mas não magro. Bela fisionomia e belos cabelos brancos. Pescoço grosso. Quando caminhava, porém, seus joelhos, pouco sólidos, desapareciam sob o seu corpo. Quer gracejasse ou se mostrasse sério, possuía mil ridiculices: riso desgracioso, cólera mais feia ainda. Espumava a ponto de umedecer as narinas. Por outra parte, sentia a língua embaraçar e a cabeça tremer continuamente, por pouco que trabalhasse nalguma coisa.
Sua saúde foi tão boa após o seu advento ao Império quanto má havia sido antes, à exceção das dores do estômago, que, no momento das fortes crises, o faziam pensar no suicídio.
Ofereceu notáveis e repetidos festins e quase sempre em lugares tão espaçosos que, ordinariamente, tomavam assento neles, ao mesmo tempo, 600 convivas. Organizou uma ceia em cima do canal de escoamento do lago Fucino e por pouco não foi tragado pela massa d’água que se escapara e inundara o local. Fazia jantar sempre seus filhos com meninos e meninas nobres, que comiam, de acordo com o uso, sentados ao pé dos leitos. A um conviva302 que passava por ter furtado uma taça de ouro, repetiu-lhe o convite para o dia seguinte e colocou-lhe à frente um vaso de barro. Diz-se até que chegou a preparar um édito “permitindo soltar flatos e peidos na mesa”, porque soubera que um dos seus convivas tinha estado em perigo, em virtude de se haver contido por pudor.
A qualquer hora, e estivesse onde estivesse, sentia sempre grande vontade de comer e beber. Um dia em que instruía um processo no Fórum de Augusto, tentado pelo cheiro duma refeição que se preparava para os sacerdotes no templo de Marte, que lhe ficava vizinho, deixou seu tribunal, subiu até aos sacerdotes e sentou-se com eles à mesa. Jamais abandonou o triclínio sem se sentir repleto de alimentos e de bebida, tanto que se deitava em seguida, de costas, e, enquanto dormia de boca aberta, metiam-lhe nela uma pena a fim de lhe aliviar o estômago. Seu sono era rápido. Levantava-se comumente antes da meia-noite. Em compensação, porém, dormitava durante o tempo em que administrava a justiça e era a muito custo que os advogados, levantando a voz de propósito, o arrancavam dessa sonolência. Em matéria de amor, era luxuriosíssimo com as mulheres, abstendo-se completamente dos homens. Teve muita predileção pelos jogos de azar e, a este respeito, chegou a escrever um tratado. Costumava jogar até mesmo no carro em que viajava, e o tabuleiro se achava tão bem ajustado à viatura que o jogo não se baralhava.
Evidenciava a sua natureza cruel e sanguinária tanto nas pequenas como nas grandes coisas. Fazia executar sem demora as torturas e os castigos reservados aos parricidas e exigia que essas ações fossem levadas a cabo na sua presença. Como desejasse assistir em Tibur a um suplício à moda antiga e como o carrasco ainda lá não se encontrasse quando os culpados já se achavam atados ao poste, obstinou-se em esperar até à noite a chegada de um verdugo de Roma. Nos espetáculos de gladiadores, dados por ele ou por outros, mandava degolar aqueles que tombavam, mesmo por acaso, sobretudo os reciários, só para lhes fixar o rosto ao expirarem. Como um par de combatentes se tivesse entrematado, mandou fazer prontamente das espadas dum e doutro duas pequenas facas para o seu uso. Tinha tanto prazer em contemplar os bestiários e gladiadores que combatiam ao meio-dia que se dirigia para o circo de manhã cedo e continuava sentado no seu lugar mesmo quando todo o povo já havia saído para almoçar. Além dos gladiadores designados, obrigara a combater, subitaneamente, alguns operários, trabalhadores e outros indivíduos da mesma condição social, sob o pretexto de que um andaime, um autômato ou qualquer máquina estivesse funcionando mal. Chegou a fazer descer à arena um dos seus nomenclatores, tal com estava, de toga.
Ninguém mais timorato e desconfiado do que ele. Nos primeiros dias do seu reinado, embora afetasse, como já o dissemos, maneiras dum simples cidadão, jamais ousou comparecer aos festins a não ser rodeado de batedores, armados de lanças e servido por soldados. Não visitava nenhum doente sem, antes, mandar varejar o quarto, apalpar e sacudir o colchão e as cobertas. Depois, teve sempre junto a si gente encarregada de revistar, e com extremo rigor, todos aqueles, sem exceção, que iam saudálo. Não foi senão no ocaso do seu governo e, assim mesmo, a muito custo, que consentiu em derrogar a praxe de revista nas mulheres, nos rapazes em pretexta e nas raparigas, e da apreensão, aos seus secretários e copistas, das caixas de penas ou de buris que carregavam. Por ocasião duma revolta popular, Camilo, não duvidando de que pudesse amedrontá-lo mesmo sem desencadear a guerra, o intimou, por meio duma carta injuriosa, ameaçadora e arrogante, a se demitir do cargo de imperador e a se dedicar a uma vida ociosa, como simples particular. Cláudio, entretanto, depois de se ter aconselhado com os principais cidadãos do Império, ainda se perguntou se devia obedecer a tal injunção.
Ficou tão apavorado com as conspirações que lhe haviam sido delatadas à ligeira que tentou abdicar. Quando, como o recordei mais acima, um homem armado de gládio foi preso ao seu lado no momento em que sacrificava, se apressou em convocar o Senado, pela voz dos seus arautos, para se queixar, com lágrimas nos olhos e entre exclamações, da sua infeliz condição, que lhe não permitia estar em segurança em parte alguma, e teimou em não aparecer em público durante muito tempo. Expulso do seu coração o ardente amor que votava a Messalina, não tanto por causa da indignidade dos ultrajes dela recebidos, mas porque temia o perigo da morte, acreditando estivesse o Império nas mãos do adúltero Sílio. Foi nesse instante que, transtornado por um vergonhoso terror, fugiu para o campo. Em todo o percurso da viagem não indagou outra coisa a não ser se o Império ainda se conservava em seu poder.
Não houve, em absoluto, suspeita alguma, mesmo provida da mais insignificante autoridade, que, ao despertar-lhe viva inquietação, não o compelisse a tomar medidas de precaução e de vingança. Certo litigante, um dia, ao saudá-lo, o chamou à parte e lhe declarou que presenciara, em sonho, o seu assassínio. Depois, fingindo reconhecer o matador, desenhou-lhe a figura dum adversário que estava em vésperas de apresentar seu libelo. Cláudio mandou arrastar o pretenso indicado ao suplício como se ele tivesse tomado parte no fato. Dessa mesma maneira, conforme se conta, pereceram Ápio Silano, Messalina e Narciso, que tramaram a sua perda, repartiram-se os papéis: este, aparentando terror, abalançou-se um dia, pelo seu quarto adentro, afirmando-lhe haver sonhado que Ápio o esperava para matá-lo. A outra, afetando surpresa, narrou que, desde muitíssimas noites, vinha tendo também o mesmo sonho. Poucos instantes após, anunciava-se, de ânimo premeditado, que Ápio se dirigia para o palácio. Com efeito, na véspera havia recebido ele ordem para ali comparecer àquela hora. Cláudio, como se o sonho se houvesse verificado completamente, sem demora, ordenou-lhe a prisão e a execução. E não hesitou em narrar o caso, no dia seguinte, ao Senado, com todas as suas particularidades, e render graças ao seu liberto que velava pela sua salvação, mesmo quando dormia.
Como se sentisse predisposto à cólera e ao ressentimento, pedia desculpas destes dois defeitos, num édito. Prometeu que “um seria breve e inofensivo” e o outro “jamais seria injusto”. Lamentou-se duramente dos habitantes de Óstia, porque não enviaram navios ao seu encontro, logo ao entrar no Tibre. Depois de os haver censurado amargamente, perdoou os cidadãos que não sabiam escolher a oportunidade para interpelá-lo em público. Proscreveu, sem os ouvir e sem que tivessem culpa, o secretário dum questor e um senador que havia exercido a pretoria. O primeiro, por ter demandado contra ele (ao tempo simples particular), com demasiado ímpeto. O segundo, por ter punido, como edil, os locatários dos seus domínios, que vendiam, apesar da proibição, carnes cozidas, e ter mandado vergastar o intendente que interviera no assunto. Por esta mesma razão, arrebatou aos edis a polícia das tavernas. Longe de guardar silêncio sobre a sua imbecilidade, procurou, ao contrário, provar nalguns dos seus discursos que a havia simulado propositadamente sob Caio Calígula, por não dispor doutro meio de escapar ao perigo e alcançar os fins almejados e, pouco depois, aparecia um livro intitulado, Ressurreição dos tolos, que tinha por objetivo provar “que ninguém simula estultice”.
Causava espanto, entre outras coisas, a sua faculdade de esquecer e a sua irreflexão, ou, para empregar outra terminologia, o seu “embotamento” e a sua “insensibilidade”. Sentando-se à mesa pouco tempo depois de ter mandado matar Messalina, perguntou “por que não vinha a imperatriz?” Convidou muitíssimos daqueles que havia condenado à morte a, no dia seguinte, jantar ou conversar com ele, e, como julgasse que tardavam, enviou-lhes um mensageiro para lhes censurar o retardamento. Desde o momento em que contratou com Agripina um casamento ilegítimo, não cessou, em todos os seus discursos, de chamar-lhe “sua filha” e sua “alma” e de repetir “que ela nascera e crescera nos seus joelhos”. Quando estava para fazer Nero entrar na sua família, e como se achasse muito pouco ainda o ter adotado um enteado, estando o seu próprio filho já adulto, repetia a cada instante que “ninguém jamais entrara, por adoção, na família Cláudia”.
Mostrava-se muitas vezes de tal modo distraído, na sua linguagem e na sua conduta, que se tinha a impressão de que ele não sabia quem era, nem com quem, nem em que hora, ou em que lugar falava. Num dia em que tratava do problema dos carniceiros e dos negociantes de vinho, na Cúria, exclamou: “Eu vos pergunto, pela vossa fé, quem pode viver sem um pedaço de carne?” E descreveu a abundância reinante nas antigas tavernas, pelas quais costumava andar outrora à procura de vinho. Deu seu voto a um candidato à questura, entre outros motivos, “porque seu pai lhe havia dado água fresca, com muita oportunidade, duma feita em que estivera doente”. Conduziu uma mulher ao Senado como testemunha: “Ela foi declarou Cláudio liberta e a criada de quarto da minha mãe, porém me considerou sempre como o seu senhor. Digo isso porque ainda há gente na minha casa que não me considera como seu dono”. Como os habitantes de Óstia lhe pedissem uma mercê, publicamente, encolerizou-se e gritou do alto do seu tribunal que não lhes devia favor nenhum para agradecer e “que ele era livre como qualquer outro”. Aliás, a sua expressão favorita para qualquer circunstância era: “Então, pensas que sou um Teogônio?”303, ou então: “Fala sem me tocar.” Usava muitíssimas outras proposições análogas, inconvenientes para a boca de um simples cidadão e com mais forte razão para a dum príncipe que não era desprovido nem de eloquência, nem de instrução, e que se consagrara com pertinácia aos estudos liberais.
Na juventude empreendera escrever a história, à instigação de Tito Lívio304 e com a ajuda de Sulpício Flávio. Ao submeter, porém, o seu ensaio, pela primeira vez, a um numeroso auditório, foi com grande dificuldade que o leu até o fim, pois apanhara um resfriado. Além disso, no começo da leitura, como vários bancos se tivessem quebrado ao peso dum auditório de obesos, estalou o riso e, mesmo depois de acalmado o tumulto, não pôde impedir que, de instante a instante, o incidente fosse recordado e as risadas irrompessem de novo. Durante o seu reinado escreveu muito, também, e mandava assiduamente proceder à leitura das suas obras. A sua história começa do assassínio do ditador César. Passando, porém, aos tempos posteriores, tomou como ponto de partida a paz que sucedeu às guerras civis, pois sentiu que não podia tratar livremente da verdade dos tempos anteriores, reaparecendo muitas vezes neste capítulo a sua mãe e a sua avó. Deixou dois volumes da primeira parte e 41 da segunda. Compôs, da mesma forma, umas Memórias da sua vida em dois volume, onde há mais falta de espírito do que de elegância. Escreveu ainda uma Defesa de Cícero, eruditíssima, em resposta aos livros de Asínio Galo. Inventou três novas letras305 e as incorporou ao alfabeto corrente, como se fossem necessárias. Quando era ainda um simples particular, publicou um volume explicando a razão de ser daqueles novos sinais gráficos. Feito imperador, foi com a maior facilidade que os impôs ao uso, como os outros. Esta maneira de escrever se encontra na maior parte de livros, atos públicos e inscrições.
Não foi com menor devotamento que se dedicou aos estudos gregos. Confessava, sempre que lhe aparecia motivo, o seu amor por esta língua e proclamava-lhe a excelência. Disse a um bárbaro que dissertava em grego e em latim: “És hábil numa e na outra das nossas línguas...” E ao recomendar a Acaia aos senadores, declarou “que esta província lhe era cara pelas relações estabelecidas com os seus estudos comuns”. Repetidamente, no Senado, respondia em grego aos embaixadores, num discurso inteiro. No seu tribunal, citava copiosamente versos de Homero. Toda vez que se vingava dum conspirador, ao perguntar o tribuno de guarda, conforme o uso, qual a palavra de ordem, quase que não dava outra senão esta:
“Repelir todos os inimigos, mas em primeiro lugar o que me ofende.”306
Enfim, escreveu 20 livros em grego sobre a história dos tirrênios e oito sobre a dos cartagineses. Decidiu-se que a cada ano, em dias marcados, seriam lidas sucessiva e totalmente, diante dum auditório, num, a história dos tirrênios, noutro, a história dos cartagineses.
Já no fim da vida dera mostras, não equívocas, de arrependimento por ter desposado Agripina e adotado Nero. Efetivamente, como seus libertos lhe recordassem, entre elogios, a sua atitude, condenando no dia anterior uma mulher acusada de adultério, redarguiu-lhe “que era também destino seu ter esposas impudicas, mas não impunes”. Depois, abraçando estreitamente várias vezes a Britânico, que ele encontrara à sua passagem, exortou-o “a crescer, para que pudesse suceder em todos os seus atos”. E acrescentou em grego: “Aquele que feriu, curará”307. E como estivesse decidido a conferir-lhe a toga, pois sua estatura o permitia, embora de tenra idade ainda, determinou: “É para que o povo romano tenha, enfim, um verdadeiro César”.
Pouco depois, escreveu seu testamento, que recebeu a oposição da chancela de todos os magistrados. Antes, porém, de prosseguir avante, foi impedido por Agripina, que sua consciência, aliás, tanto quanto a dos delatores, acusava de numerosos crimes. Ninguém duvida que ele tivesse morrido envenenado. O ponto sobre o qual há dúvidas, porém, é o que se refere ao lugar e à pessoa que lhe haja ministrado a droga mortífera. Narram alguns que isso aconteceu na cidadela, durante um festim com os pontífices, e que o autor foi o eunuco Haloto, seu pregustador. Opinam outros que o caso se registrou durante uma ceia doméstica, e que a própria Agripina foi quem misturou a peçonha num prato de boletos, de que muito gostava. Há, também, outras versões diferentes relativas aos fatos que se seguiram à cena do envenenamento. Referem inúmeras pessoas que, logo após ele ter ingerido o tóxico, perdeu a palavra e, depois de ter experimentado, durante toda a noite, as dores mais atrozes, morreu ao nascer do dia. De acordo com outras, ainda, ele começou por sentir um torpor completo. A seguir, como lhe subissem os alimentos, vomitou tudo. Então, propinaram-lhe veneno novamente. Mas não se sabe bem se lho deram a ingerir numa sopa, sob o pretexto de que necessitava restaurar as energias perdidas, ou se o aplicaram num clister como para aliviá-lo, fazendo-o evacuar, da indigestão que tivera.
Sua morte conservou-se encoberta até que tudo estivesse arranjado relativamente ao seu sucessor. Assim, fizeram-se súplicas e mais súplicas, como se ele estivesse doente. Histriões foram levados, dissimuladamente, ao palácio para dar a impressão de que ele estava desejando esse gênero de diversões. Faleceu três dias antes dos idos de outubro308, sob o consulado de Asínio Marcelo e Ancílio Aviola, com 64 anos de idade e 14 de reinado. Seus funerais se efetuaram com a pompa usada pelos imperadores e o incluíram no número dos deuses. Esta honra, de que se viu privado e despojado por Nero, foi-lhe logo restituída por Vespasiano.
Os maiores presságios da sua morte foram: a aparição duma dessas estrelas de cabeleira a que chamam cometa. A queda dum raio no túmulo do seu pai Druso. E a morte, no mesmo ano que a dele, da maior parte dos magistrados. Parece que ele próprio não ignorava nem disfarçava que se estavam aproximando os últimos dias da sua existência. Há disso um bom número de provas. Assim, ao designar os cônsules, não nomeou nenhum para além do mês em que morreu. A última vez que foi ao Senado, depois de ter aconselhado longamente seus filhos à concórdia, recomendou com insistência aos senadores a juventude de um e do outro. Finalmente, na sua última audiência, do alto do seu tribunal, disse e redisse que “ele atingira ao termo da vida humana”, embora seus auditores afastassem horrorizados este presságio.