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Navios holandeses. Dutch Ships in a Lively Breeze, pintura do século 17. The National Gallery of Art, Washington.
Publicado em 1624, esse é um panfleto escrito pelo holandês Jan Andries Moerbeeck com o objetivo de convencer o príncipe holandês e os membros da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, de que a conquista do Brasil seria vantajosa para a Holanda, tanto do ponto de vista econômico quanto político. A invasão holandesa ao Brasil começou seis anos depois, em 1630.
Sendo uma parte da proposição feita por Jan Andries Moerbeeck à Sua Alteza Maurício, Príncipe de Orange, etc, e a alguns outros Senhores comissionados dos altos e poderosos Estados Gerais dos Paixes Baixos Reunidos em Haia, aos 4, 5 e 6 de Abril. Ano 1623.
AMSTERDAM
Por Cornelis Lodewijcksz, vendedor da Praça do Livro, na esquina da Bolsa, na Bíblia Italiana.
Ano 1624.
O autor a todos os bons e fiéis
PATRIOTAS
Aqui tendes, amigos meus, uma parcela ou parte da proposição feita em Abril de 1623 à Sua Alteza Real o Príncipe de Orange, etc. e alguns outros senhores comissionados dos Estados Gerais dos Paises Baixos Unidos, a qual eu vos comunico, a-fim-de por ela aprenderdes como seria altamente proveitoso para a Companhia das índias Ocidentais, útil para a Comunidade ou República e nocivo para o Rei da Espanha que a citada Companhia tirasse ao citado Rei a terra do Brasil, e isto quanto antes. Agradecei ao Deus Todo-Poderoso porque esta minha proposição ou outra semelhante feita, possivelmente, por outros, já tenha sortido tal resultado. Isto é: que a Companhia é senhora da Baía (que é um dos principais lugares do mesmo país) e pedi-lhe que continue a inspirar e a encorajar os Estados Gerais, Sua Excelência Real de Orange, etc. e a Companhia das índias Ocidentais, a-fim-de que também as outras partes da minha proposição sejam postas em execução e efetuadas: assim todos nós teremos maiores e mais numerosos motivos de louvá-lo e honrá-lo. Vale. Em Emrick, aos 6 de Setembro de 1624.
Vosso Amigo sempre às ordens:
Jan Andries Moerbeeck.
MOTIVOS PORQUE A COMPANHIA DAS ÍNDIAS OCIDENTAIS DEVE TENTAR TIRAR AO REI DA ESPANHA A TERRA DO BRASIL, E ISTO QUANTO ANTES
As razões são muitas e de diferentes espécies, a saber:
Estando a Companhia das índias Ocidentais em perfeito estado, ela não pode projetar coisa melhor e mais necessária do que tirar ao Rei da Espanha a terra do Brasil, apoderando-se dela. As razões para isto são muitas, de varias espécies e obvias, das quais eu citarei apenas aquelas que, conforme a minha opinião, forem mais importantes.
Porque este país é dominado e habitado por duas nações ou povos, isto é, brasileiros e portugueses, que no momento são totalmente inexperientes em assuntos militares e, além disto, não têm a prática nem a coragem de defendê-la contra o poderio da Companhia das índias Ocidentais, podendo ser facilmente vencidos, principalmente quando forem agredidos ou assaltados com coragem varonil, magnanimidade neerlandesa, bom procedimento e prudência; e isto é possível se fôr feito de improviso.
Os portugueses que oferecerão maior resistência ou defesa são, na sua maior parte, da religião judaica, e, alem disto, inimigos natos e jurados da nação espanhola, razão porque se submeterão de boa vontade a V. Ex., ou facilmente serão levados a isto; ou, pelo menos, pouco se lhes dará a prosperidade da Coroa espanhola na defesa dessa terra, de sorte que não há dúvida de que a Companhia se poderá apoderar, em pouco tempo, de todo o Brasil. Para conseguir tal coisa é absolutamente necessário que a Companhia se mostre muito amigável e cortez para com a mesma nação, deixando a cada um liberdade de religião, fazendo aí boas leis e bom policiamento, administrando a cada um direito e justiça.
Embora a terra do Brasil seja maior do que toda a Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, Escócia, Irlanda e os dezessete Paises Baixos juntos, e embora os portugueses se tenham fixado em umas boas quatrocentas milhas, ao largo das costas marítimas, sendo eles milhares em número, contudo há apenas dois lugares mais importantes do mesmo país, isto é, Bahia e Pernambuco. E, em tendo sido os mesmos ocupados e fortificados e em se tendo feito algumas fortificações em certos lugares, colocando nelas algumas guarnições competentes, a Companhia das índias Ocidentais não somente se tornará senhora do país inteiro, como poderá manter a sua posse.
Estes dois lugares, isto é, Bahia e Pernambuco (nos quais consiste este grande pais, conforme ja disse), não dispõem de forças consideráveis ou fortalezas; de modo que, com a graça de Deus, os mesmos poderão ser e serão ocupados, conforme se vê e se experimenta diariamente, principalmente se a Companhia das índias Ocidentais para aí enviar oficiais corajosos, bons
soldados, mestres ou engenheiros experimentados e adequados instrumentos de guerra.
Estando as duas cidades mencionadas situadas perto do mar, poderá a Companhia aproximar-se delas imediatamente com seus soldados e instrumentos, podendo, em seguida, sitiá-las e assaltá-las sem o mínimo temor de enfraquecer seu exército terrestre com marchas por terra, ou de serem cortadas suas comunicações com os navios. Poderiam recolher-se a estes, se necessário, e deles deverão receber alimentos e outros objetos, sem contar que, nestas circunstancias (se o ataque fôr mantido em segredo), estes dois lugares ou cidades poderão ser atacados e tomados do modo mais inesperado.
E considerando que ao atacar seus inimigos deve-se pensar principalmente na possibilidade de manter os lugares ou cidades conquistadas, bem como assisti-las ou evacuá-las com toda a coragem se forem novamente ocupadas pelo inimigo, verá Vossa Alteza e Excelência que a Companhia das índias Ocidentais pode não somente conservar e manter essas duas cidades, isto é, Bahia e Pernambuco, como também assisti-las em tempo de maior pressão (se o Rei da Espanha as sitiasse novamente), lançando mão de muita coragem na defesa. Poderia, igualmente, evacuá-las com a maior facilidade e sem o mínimo perigo.
Visto como o Rei da Espanha, nosso inimigo, possue ilegalmente estas terras e cidades, tendo destituído de modo inconveniente e pouco cristão o verdadeiro dono do Reino de Portugal (ao qual pertence o Brasil) e também os legítimos herdeiros deste, isto é, S. Ex. o Príncipe de Portugal, que atualmente reside em Haia, há razões de sobra para esperar a assistência da Divina Justiça na obra da Companhia no Brasil, que pertence à Coroa Portuguesa.
Todos os bons Patriotas dos Estados Gerais, tanto no país como fora dele, pertencentes ou não à Companhia, esperam e desejam que a mesma se torne perfeitamente organizada e não duvidam de que ela possa causar grandes danos ao Rei da Espanha e prestar grandes serviços a esta república, que ficará aliviada nas suas guerras, pedindo, dia e noite, a Deus Todo Poderoso que lance sua santa benção sobre esta empresa, as quais invocações e bênçãos de Deus, como também as orações da comunidade não são de pequena importância mas de grande consideração. Portanto, para ter ou gozar esta proteção, estas bênçãos e orações, é absolutamente necessário, depois das invocações, planejar a coisa, isto é, tentá-la para dano da Espanha e a serviço da Holanda, ocupar as terras do Brasil, conforme provarei claramente a Vossa Alteza e Excelência.
A Companhia das índias Ocidentais conseguirá grande tesouro em navios e mercadorias, pois, por ocasião do assalto, haverá na Bahia e em Pernambuco grande quantidade dos mesmos, que dificilmente se poderiam esconder no interior. Logrará, também, moeda corrente, jóias, prata e ouro.
O Rei da Espanha, o clero e os negociantes particulares de Portugal têm naquele país grandes capitais, consistentes de terras, rendas, empréstimos sobre plantações, assim como mercadorias, que não se encontram muito para o interior, porem perto das duas mencionadas cidades. Assim, elas podem ser atacadas, confiscadas e conquistadas conjuntamente pela Companhia das índias Ocidentais.
A nação portuguesa fixou-se em umas quatrocentas milhas à beira da costa marítima do Brasil, de modo que ali se pode chegar com um exército e explorá-la, plantando cana, produzindo açúcar, tabaco e gengibre, semeando outros frutos e vendendo todos esses gêneros aos negociantes de Portugal ou, então mandando-os para cá. Há, pois, nessa terra muitas pessoas ricas e poderosas, às quais se poderia aplicar, por motivo da conquista, um imposto por cabeça, em proveito da Companhia das índias Ocidentais. Tal imposto importará em muito e será pago sem grandes oposições, visto que aquelas pessoas, bem como todos os residentes portugueses serão, em troca, libertados da tirania e da inquisição espanholas e levados à obediência de Sua Majestade e Excelência. Terão, igualmente, todos os gêneros de primeira necessidade em maior abundância e por menor preço, ficando de posse de seus bens com maiores garantias e gozando outros benefícios, que seria longo enumerá-los aqui.
De tudo isso aparece claramente que a Companhia das Indias Ocidentais recobrará, com proveito, as despesas feitas, e em breve tempo, tendo-se em vista, principalmente, a presa que será encontrada nas duas referidas cidades e nos lugares vizinhos, a qual consistirá de mercadorias, navios, munições de guerra, produtos da terra, rendas, dívidas das plantações, como já foi dito, pois durante a pilhagem dos habitantes, por parte dos soldados e marinheiros, tudo isso reverteria à Companhia. Os soldados e marinheiros obterão, também, muita presa, tanto em moeda corrente, como em jóias, pratarias, vestidos preciosos, linho e outras coisas, uma vez que estando essas duas cidades tão perto do mar e sendo de tão fácil acesso, não terão os seus habitantes tempo para transportá-los, ocultá-los ou mandá-los para outros lugares. Se a Companhia das índias Ocidentais permitir, de boa vontade, essas pilhagens, obterá tão grande reputação que, em todos os tempos, poderá dispor de tanto pessoal quanto precisar.
Não padece a menor dúvida que a presa e os prêmios ordinarios, segundo o costume, da carga de volta que a Companhia obterá desses países possam cobrir as despesas de transporte. A sua organização poderá tornar-se grande e poderosa e, por conseguinte, apta e capaz de ocupar e conservar esses lugares, sem que isso lhe cause maiores despesas, porque cada caixa de açúcar paga, ordinariamente, de carga do Brasil para Portugal pelo menos vinte florins e, de Portugal para cá, pelo menos oito florins, de sorte que cada caixa de açúcar pode levar vinte e oito ou trinta florins de carga, afora outra quantia igual que o Rei da Espanha obtém em direitos de entrada e saída.
Tudo isso junto importa em cerca de 77 toneladas de ouro, que a Companhia das índias Ocidentais poderá tirar anualmente destas terras. Deduzindo-se desse total as despesas anuais para a guerra tanto no mar como em terra, afim de manter em sujeição tais lugares e defendê-los contra o Rei da Espanha, as quais importarão aproximadamente em 27 toneladas de ouro, resta ainda para a Companhia um lucro anual de 50 toneladas líquidas de ouro, obtido com emprego de capital menor do que esta quantia. Para isso, porem, é necessário que se proceda com prudência, ordem e habilidade.
O Rei da Espanha perderá, assim, grande parte da sua índia Ocidental, com todas as suas terras, rendas, produtos, lucros e impostos.
Assim ficará patente em todo o mundo a coragem indomavel de Vossa Magestade, bem como a grande e firme resolução da Companhia das índias Ocidentais e a sua boa administração, o que levará o desânimo ao coração dos nossos inimigos e coragem aos ânimos dos vossos súditos, assim como uma viva esperança a todos os vossos amigos.
Assim, a Companhia das índias Ocidentais obterá meios e ocasião de arrebatar ao Rei da Espanha as suas outras terras e reinos decentemente, sem perigo e sem despesas, porque com os lucros do comercio com o Brasil ela poderá manter poderosas frotas e muitos milhares de soldados e atacar de improviso o Brasil, seja de frente, desde o Mar do Norte, seja de trás, desde o Mar do Sul, com tropas frescas e navios, ocupando, assim, as suas terras.
Por causa do grande tráfego que há nas terras do Brasil e por causa da grande quantidade de açúcar e de outras mercadorias que daí procedem, a Companhia sempre terá, aí, grande número de navios, os quais poderão ser usados ao lado dos navios ordinários de guerra que a Companhia sempre manterá nesse lugar para a sua defesa. Nestas condições, o mesmo país poderá ser facilmente defendido contra o poderio do Rei da Espanha.
Finalmente, com isto será lançado o fundamento para pôr em liberdade os outros Paises Baixos, visto como o Rei da Espanha será, assim, obrigado a despedir aqui neste país ao menos a metade de seus soldados, porque a sua prata terá outro trabalho a fazer e porque deverá conduzir a guerra no solo das suas próprias terras das índias Ocidentais contra a Companhia das índias Ocidentais. Vossa Alteza e Excelência, pois, com o seu grande poderio, poderá conquistar e ocupar as mesmas terras, conforme todos os entendidos julgam comigo.
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Eu poderia alegar, aqui, outros motivos que vêm a propósito mas por achar suficiente o alegado não acrescentarei mais nada e passarei às outras partes da minha proposição.
Lista de tudo que o Brasil pode produzir anualmente
O principal negocio de todo o Brasil consiste na cultura da terra e no estabelecimento de engenhos. É notório que, no ano de 1623, havia entre o Rio São Francisco e o Rio Grande, nas Capitanias de Pernambuco e Paraíba, cerca de 137 engenhos, dos quais apenas dez produziam 70 mil arrobas de açúcar, que somavam 3.500 caixas, pois cada caixa continha vinte arrobas; sendo cada caixa taxada à razão de 300 florins, perfazia-se o total: | 105.000 florins |
A quantidade total da qual foram descontados os mencionados dízimos tinha subido a 700.000 arrobas de açúcar. Destas, a Companhia aproveitou 25%, ou sejam 175.000 arrobas. Contendo cada caixa 20 arrobas, temos 8.750 caixas que, taxadas a 300 florins, somam: | 2.625.000 florins |
Assim, gozava a Companhia de grandes lucros provenientes de fretes, porque cada caixa pagava cerca de 40 florins, sendo 20 florins por caixa pagos ali, adiantadamente, o que somava, em cerca de 3.500 caixas: | 700.000 florins |
Ainda gozava a citada Companhia de um novo imposto sobre o açúcar, a saber: um vintém para cada libra de açúcar branco, três quartas partes de um vintém para cada libra de açúcar mascavado e meio vintém para cada libra de açúcar panela; o que, segundo a avaliação total, como se segue, rendia, sobre 20.000 caixas de açúcar branco, a 14 florins por caixa: | 280.000 florins |
10.000 caixas de açúcar mascavado, a 10 florins e 10 stuivers por caixa: | 105.000 florins |
5.000 caixas de açúcar panela, a 7 florins por caixa: | 350.00 florins |
Somando os elevados direitos sobre o açúcar, temos o total: | 420.000 florins |
Ainda o pagamento antecipado dos direitos de comboio: | 0 florins |
Elevar-se-ia anualmente a renda da outorgada Companhia das índias Ocidentais, somente na parte relativa ao açúcar: | 4.795.000 florins |
Afora isso, tem direito a mencionada Companhia a dízimos sobre todos os produtos, como o gado e outras coisas, e, ainda, a dízimos sobre a inspeção do tabaco, peles, artefatos, etc, que também importam em muito.
Tudo isso não poderá ser explorado se a terra não fôr repovoada e os arruinados engenhos restaurados e postos em atividade; o que seria necessário que acontecesse para este Estado com o povo desta terra, que é tão industrioso quanto os de qualquer outra nação, para que ele, de tempos em tempos, pusesse em prática novos inventos, pelo uso dos quais os mesmos engenhos poderiam ser administrados com menores despesas e maiores lucros, e inventasse e aplicasse, num país tão fértil, vários meios que seriam úteis e prestimosos para o sustento da vida humana.
Por tudo isso, o valiosíssimo dízimo do açúcar, em conjunto, assim como os impostos sobre o consumo, serão acrescidos de ano para ano, e a Companhia receberá riquezas correntes, afim-de poder continuar a guerra ofensiva e dar aos participantes, anualmente, bons dividendos.