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Notas

(1) – Os de Sens.
(2) – Os de Reims.
(3) – Da Galia Celtica.
(4) – Outras edições trazem Antebrogio.
(5) – Os de Soissons.
(6) – Os de Beauvoisis, Oise.
(7) – A Inglaterra, ou Grã-Bretanha.
(8) – Os de Hainaut, vale do Sambre.
(9) – Os de Artois.
(10) – Os de Amiens, vale do Soma.
(11) – Os de Saint-Omer.
(12) – Os de Brabant, ducado de Cleves.
(13) – Os de Caux.
(14) – Os de Verin, e Vermandois.
(15) – Os de Narnur.
(16) – Os de Cologne, Liége, Buillon e Luxemburgo.
(17) – O rio Aisne.
(18) – Cidades, por povos, repúblicas, países, no mesmo sentido em que está Remos.
(19) – Bibracte, Bievre, distinta da Bivracte dos Heduos, Autum.
(20) – Testudem; para fazer a testudem que apresentava a figura de uma tartaruga, formavam em quadrado, conservando-se em pé a primeira fileira do lado dos inimigos, curvando-se as outras até a derradeira que punha joelho em terra, e levantando cada soldado sobre a cabeça o escudo apoiado contra os dos vizinhos, avançavam assim até às muralhas da praça; algumas vezes uma segunda fileira de soldados trepava sobre a primeira, e por cima desta espécie de teto chegava à altura dos muros.
(21) – Do exposto no c. 4 pode-se conjecturar que o exército belga era de 300 mil homens; e o de Cesar, constante de oito legiões e da cavalaria auxiliar, de 50 a 55 mil.
(22) – Veja-se o c. 2 deste livro.
(23) – Não nos sendo possível, a não querermos dar uma simples imitação de toda a passagem, dividir sem inconveniente este extenso período tão cheio de incidentes intimamente ligados, tratámos de apanhar o estilo para evitar a confusão. Os periodos desta natureza harmoniosos e claros no latim onde as relações das palavras são determinadas pelos casos, tornam-se de ordinário empeçados e obscuros nas linguas sem casos, como o português e suas análogas.
(24) – Nesse lugar do rio.
(25) – Fora, por seria; forma de condicional mui usada pelos clássicos, e abandonada depois porque se confundia com o pretérito, mas que cabe neste lugar, e ainda hoje se emprega em muitos casos.
(26) – Fronteiras, por território.
(27) – Novon, ou como querem outros, Soissons.
(28) – Mantas de guerra, espécies de casinholas movediças, a cujo abrigo aproximavam-se os sitiantes da praça para minar-lhe as muralhas. Tinha cada uma 16 pés de comprido, 8 de alto, e 7 de largo. Eram construídas de madeira leve com teto sólido para resistir às pedras lançadas pelos sitiados. Cobriam-nas com couros frescais por amor do fogo; e reunindo muitas de frente, formavam com elas uma como galeria rondante.
(29) – O terrado, montão de terra, calçada factícia mais ou menos elevada, feita para que as torres pudessem ser aproximadas da praça em terreno unido. Havia no alto das torres uma plataforma donde os soldados faziam tiros contra os sitiados.
(30) – Da cidade, isto é, do país, da república.
(31) – Beauvais, ou segundo outros, Gratepenche.
(32) – Da cidade, isto é, da república dos Hedues.
(33) – Fronteiras por território.
(34) – O Sambre.
(35) – Saqueadas as bagagens, convém não confundir bagagens com cargas na linha acima. ainda sob cargas: o primeiro termo designa as bagagens do exército em geral, as equipagens, as máquinas, etc.: o segundo, a bagagem particular de cada soldado isto é, além de suas armas, estacas para formar trincheiras, um machado, viveres para quinze dias, e às vezes para um mês.
(36) – Não tendo o português termos correspondentes aos latinos, declivis (inclinado para baixo) e addivis (inclinado para cima), empregámos para bem exprimir o pensamento do autor, os verbos freqüentativos, vir descendo, e ir subindo, que aliás comunicam muita animação ao dizer.
(37) – A cavalaria dos Atrebates e Veromanduos, que se haviam reunido aos Nervios, sendo que as forças dos últimos constavam de infantaria.
(38) – Mandar hastear o estandarte: este estandarte em latim, Vexillum, era uma pequena bandeira vermelha que se içava sobre o pretório ou tenda do general, quando havia batalha, como sinal para correr às armas.
(39) – Por materiais: isto é, por terra, troncos de árvores, cespedes, para a fábrica das trincheiras, antes muros dos arraiais, os quais eram verdadeiras praças fortes; se pusessemos, por fachina, não traduziríamos, o aggeris petendi causa, porque fachina é menos compreensivo que materiais.
(40) – Dar a senha: a senha não se transmitia, como entre nós, de viva voz, mas escrita em taboazinhas que os centuriões se passavam uns aos outros.
(41) – Ornatos ou distintivos dos oficiais superiores.
(42) – Os soldados romanos tinham envoltórios de peles para conservar os escudos em bom estado.
(43) – Os críados do exército: serviam os soldados, e não eram hóspedes nas armas, porque faziam os mesmos exercícios e combatiam quando era necessário.
(44) – Da porta decumana: a porta decumana por onde ordinariamente se serviam os criados, era oposta à pretoriana e ficava no fundo do campo.
(45) – Do cimo do monte: o monte ou cerro em que se achavam colocados os arraiais.
(46) – Primipilar, era o centurião da primeira centúria, o primeiro depois dos tribunos; assistia ao concelho de guerra e tornava-se cavaleiro de direito.
(47) – O escudo dos legionários, scutum, tinha quatro pés de altura.
(48) – O original diz ex tumudo, isto é, de um oiteiro. Empregámos neste caso a comparação, para como de um comoro atirar dardos, etc., por nos parecer que o português não comporta o arrojado da metáfora do texto.
(49) – Os Cimbros e Teutões exterminados por C. Muno.
(50) – Antes do aríete tocar no muro: entre os antigos, desde que o ariete tinha tocado no muro da praça sitiada, não era mais permitido entrar em ajuste com os sitiantes; se a praça era tomada, tudo quanto nela se continha, material, homens, mulheres, meninos, pertencia aos vencedores como despojo da guerra. O ariete ou vai-vem, era uma máquina de guerra que consistia numa enorme trave guarnecida em sua extremidade com uma cabeça de carneiro de ferro ou bronze, e suspensa a uma forte armação de madeira com cadeias de ferro, e grossos cabos. Punham-na em movimento a força de braços. Cem e às vezes mais soldados com o socorro dos cabos a puxavam para trás, e impeliam para diante de encontro ao muro da praça, onde feria com grande violência, abalando-o.
(51) – Os do Morbian.
(52) – Os do departamento da Mancha.
(53) – Os de Caraix, na Bretanha.
(54) – Os de Guingamp.
(55) – Os da diocese de Seez (Orne).
(56) – Os de Maine.
(57) – Os de Renes.
(58) – A Iliria.
(59) – Os de Chartrain.
(60) – Os de Anjou.
(61) – Os de Turena.
(62) – Quinze dias de suplicação: segundo comunicação do general vitorioso, eram pelo senado ordenadas suplicações, durante as quais os templos permaneciam abertos dois, três e quatro dias; os quinze dias concedidos a Cesar são uma brilhante exceção. Nesses dias havia banquetes públicos, a que assistiam as estátuas dos deuses deitadas sobre leitos; daí o nome, lectisternium, (lectus, leito, e sternere, deitar) dado a tais banquetes.

O Senado em corpo ia sacrificar ao templo de Júpiter Capitolino.

Empregámos aqui o termo suplicações, e não preces, não só porque o primeiro verte melhor, suplicatio, que tem força ativa, e vale o mesmo que o suplicar, como porque o segundo se confundiria no soar das vozes com as preces que a nossa Santa Igreja manda celebrar, confusão que ainda na aparência cumpre evitar.

Fontes   >    Roma Antiga

Comentários, de Júlio César - Livro 2

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Vencingetórix se rende à Júlio César. Pintura de Lionel Royer (1852-1926). Musée Crozatier, França. Via Wikimedia Commons.

Sobre a fonte

Nessa obra o político e general romano Júlio César narra as guerras romanas na Gália (58-50 a.C.) lideradas por ele e que levaram a conquista de toda a área que ficava entre os Alpes, os Pirineus, o Mar do Norte e o rio Reno. Os oito livros foram sendo escritos ao longo das campanhas e eram publicados em Roma para informar a população, além de servirem de publicidade para os sucessos de César.

Essa é uma tradução produzida em 1863, por isso algumas palavras podem estar com a gráfica diferente da atual.

Conjuram-se todos os Belgas contra o povo romano afora os Remos, cuja cidade, Bibracte, liberta César do cerco, enviando-lhe socorro

2.1 — Achando-se Cesar na Galia citerior a invernar, como acima mostramos, chegam-lhe freqüentemente rumores e logo participação de Labieno de se haverem os Belgas, a terça parte da Galia, segundo fica dito, conjurado contra o povo romano, e dado reféns entre si, sendo as causas da conjuração: primeiro, receiarem que, pacificada a Galia Céltica, fosse nosso exército conduzido a eles; depois, serem solicitados por alguns gauleses, deles porque assim como não queriam que os germanos se estabelecessem na Galia, assim levavam a mal que nosso exército nela invernasse e permanecesse; deles, porque inconstantes e levianos desejavam nova ordem de coisas; deles, ainda, porque na Galia são os reinos vulgarmente ocupados pelos mais poderosos e abundantes em cabedais para ter gente a soldo, o que menos facilmente podiam conseguir no domínio dos romanos.

2.2 — Abalado com estas notícias e comunicações, alista Cesar duas novas legiões na Galia citerior, e no princípio do estio manda o seu lugar-tenente Quincio Pedio marchar com elas para o interior da Galia. Começando a haver abundância de forragem nos campos, dirige-se em pessoa ao exército, e encarrega os Senões 1 e mais gauleses que vizinhavam com os Belgas, de observarem o que passava entre eles, e fazerem-no sabedor de tudo. Informam-no todos a uma voz que se juntavam forças, concentrando-se exército num ponto. Não hesita, então, em marchar contra os Belgas. Feito provimento de víveres, levanta campo, e chega a eles em coisa de quinze dias.

2.3 — Chegando ali de improviso e mais depressa que toda suposição, os Remos 2 que dentre os Belgas são os mais vizinhos da Galia 3, deputam-lhe a Iccio e Andocumborio 4, os mais notáveis da cidade, com esta embaixada: “Que se punham a si e seus haveres sob a proteção e soberania do povo romano; pois, não tendo entrado na conjuração dos mais Belgas, estavam prontos a dar-lhe reféns e executar quanto ordenasse, bem como a recebê-lo em suas praças fortes e socorrê-lo com trigo e o mais de que houvesse mister; — que os outros Belgas conjuntamente com os germanos que habitavam aquém do Rim, se achavam todos em armas; — e tanta era a animosidade de todos esses, que nem ainda aos Suessiões 5, irmãos e consangüineos seus, que tinham as mesmas instituições e leis, o mesmo governo e magistrado, que eles, puderam dissuadir de tomar parte na conjuração.

2.4 — Inquerindo deles, quais e quantas cidades se achavam em armas, e de que forças dispunham, colhia em resultado procederem os Belgas pela mor parte dos germanos, que passando antigamente o Rim, e estabelecendo-se na Galia convidados pela fertilidade do solo, expulsaram os gauleses, que habitavam estes lugares; e serem os únicos que, em tempo de nossos pais, repeliram de suas fronteiras os teutões e cimbros, que assolaram toda Galia, originando-se daí arrogarem-se grande crédito e nomeada na milícia. Do número deles diziam os Remos saber ao certo, porque, ligados por parentesco e afinidade, tinham conhecimento de quantas tropas prometera cada povo para esta guerra na reunião comum dos Belgas: — Que dentre todos eram os Belovacos 6 os mais bravos, acreditados e numerosos, podendo apresentar cem mil guerreiros; e destes haviam prometido sessenta mil homens escolhidos, exigindo para si a administração geral da guerra: — Que os Suessiões, vizinhos seus, possuidores de vasto e fertilíssimo território, os quais tinham sido governados, ainda em nossos dias, pelo rei Diviciaco, o maior potentado da Galia, senhor de grande parte destas regiões bem como da Britania 7, e o eram agora pelo rei Galba, a quem por sua justiça e capacidade fora de comum acordo conferido o comando das forças reunidas, contavam doze praças fortes, e prometiam cinqüenta mil homens: — Que os Nervios 8, os mais ferozes e distantes dentre os Belgas, outro tanto; os Atrebates 9, quinze mil; os Ambianos 10, dez mil; os Morinos 11, vinte e cinco mil; os Menapios 12, sete mil; os Caletos 13, dez mil; os Velocasses e Veromanduos 14, outro tanto; os Aduatucos 15, dezenove mil; os Codrusos, Eburões, Ceresos e Pemnanos 16, chamados geralmente germanos, quarenta mil.

2.5 — Depois de haver exortado os Remos, dirigindo-lhes um discurso amigável, ordena Cesar venha à sua presença todo o senado, e lhe sejam dados em reféns os filhos dos principais da cidade; o que tudo é fielmente cumprido em dia marcado. Mostrando com muito empenho ao Heduo Diviciaco quanto importava à causa e salvação comum fazer diversão nas forças inimigas, para não se ter de combater com tanta multidão a um tempo; e que podia isso conseguir-se, se os Heduos com as suas invadissem o território dos Belgas, talando-lhes a campanha, o despede de junto a sua pessoa com tais instruções. Vendo que marchavam contra ele todas as tropas reunidas dos Belgas, e tendo aviso tanto dos exploradores que expedira, como dos Remos, de que já não estavam longe, deu-se pressa em passar o exército além do rio Axona 17, e aí acampou. Tinha esta posição a vantagem de fortificar um dos lados do campo com a margem do rio, tornar seguro dos inimigos tudo quanto ficava por trás dele, e fazer com que dos Remos e mais cidades 18 pudessem a ele transportar-se provisões sem risco. Havia no rio uma ponte; põe-lhe guarnição; e na margem oposta do mesmo deixa com seis coortes o seu lugar-tenente, Quincio Titurio Sabino; e os seus arraiais, manda fortificá-los com trincheira de doze pés de altura, e fosso de dezoito de profundidade.

2.6 — Distava destes arraiais oito mil passos a cidade dos Remos de nome Bibracte 19. Começam de assaltá-la os Belgas em sua marcha com grande fúria. Com dificuldade se sustenta ela nesse dia. Têm os belgas o mesmo sistema de atacar praças que os Gauleses; cercam-lhes as muralhas em toda extensão de multidão de homens, que entram de todos os lados a atirar pedras contra o muro até o despojar de defensores, deformando-se em testudem 20, arrombam as portas e derrocam o muro. Era isso, então, fácil pôr por obra, pois ninguém podia permanecer no muro, fazendo tiros com pedras e dardos uma tamanha multidão. Pondo a noite termo ao assalto, Iccio, que comandava a praça, o Remo de maior distinção e popularidade, entre os seus, um dos embaixadores que vieram a Cesar propor pazes, manda-lhe aviso: — Que se lhe não enviasse socorro, não se poderia defender mais tempo.

2.7 — Servindo de guias os mesmos correios de Iccio, a meia noite manda-lhe Cesar um socorro de frecheiros Numidas e Cretenses e fundibularios Baleares. Com a vinda destes não só cresceu nos Remos o ardor de resistir pela confiança na defesa, como pelo mesmo motivo abandonou os inimigos a esperança de apoderar-se da praça. Assim, demorando-se pouco tempo à vista dela, depois de talar a campanha aos Remos, e incendiar-lhes os lugares e edifícios vizinhos, marcham com todas as forças aos arraiais de Cesar, e a menos de dois mil passos colocam os seus, os quais, a julgar pelas fogueiras e fumarada, abrangiam o espaço de mais de oito mil.

2.8. — A princípio resolveu Cesar sobr’estar na batalha, já pela multidão 21, já pela apregoada bravura dos inimigos. Ia, porém, diariamente experimentando nos recontros da cavalaria o valor dos mesmos, como a ousadia dos nossos. Como viu não lhes serem os nossos inferiores, num lugar fronteiro aos arraiais oportuno por sua natureza para formar o exército em batalha, sendo que o monte onde acampava, levantado aos poucos da planície, tanto se estendia por davante, quanto podia ocupar um exército ordenado em batalha, oferecendo escarpaduras de ambos os lados, e de leve acuminado na frente terminava docemente em planície, feito antes de um e outro lado do monte um fosso transversal de quatrocentos passos com castelos nas extremidades, guarnecidos de tormentos, para que na refrega os inimigos cuja multidão era tamanha, não involvessem os nossos pelos flancos, deixando nos arraiais as duas legiões de próximo alistadas 22, para em caso de necessidade ter socorro à mão, ordena em batalha as seis restantes 23. Tirando suas tropas dos quartéis as formam também os inimigos em batalha.

2.9 — Havia entre o nosso e o exército inimigo uma lagoa não grande. Aguardavam os inimigos por que os nossos a passassem; estavam porém os nossos sob as armas para atacá-los, quando embaraçados começassem a fazê-lo. Travavam-se neste meio tempo combates de cavalaria entre os dois exércitos. Como nem uns nem outros tentassem a passagem, levando os nossos o melhor num recontro de cavalaria, reconduziu Cesar os seus a quartéis. Marcham logo dali os inimigos ao rio Axona, o qual demorava por trás de nossos arraiais, como fica demonstrado. Encontrando aí 24 vaus, por eles tentam passar parte das tropas no intuito de tomar o castelo comandado pelo lugar-tenente Quincio Titurio e cortar-nos a ponte; e não o conseguindo, de talar a campanha dos Remos, a qual nos era de grande utilidade para a sustentação da guerra, e tolher-nos o abastecimento de viveres.

2.10 — Ao sabê-lo por Titurio, transpondo a ponte com toda a cavalaria, Numidas leve-armados, fundibulários e frecheiros, marcha Cesar ao encontro do inimigo. Combate-se aí encarniçadamente. Acometendo aos Belgas embaraçados no rio, fazem os nossos neles mortandade grande; aos que audaciosamente tentavam passar por cima dos corpos dos seus, repelem-nos com um chuveiro de dardos; aos que primeiro haviam passado, acabam-nos, cercando-os com a cavalaria. Perdendo a esperança de conquistar Bibracte e passar o Axona, vendo que não abandonavam os nossos suas vantajosas posições para pelejar, e começando a experimentar falta de viveres, reúnem-se os inimigos em concelho, e deliberam voltar cada qual ao seu país, para acudir de todos os pontos em defesa comum dos que fossem primeiramente atacados pelo exército romano, porque, podendo tirar a subsistência de seus abundantes recursos, melhor era combater na própria casa, que na alheia. A este parecer, além de outros motivos, levou-os também o saberem que Diviciaco e os Heduos se aproximavam das fronteiras dos Velovacos. Impossivel fora 25 persuadir-lhes demorarem-se mais tempo, e não correrem em socorro dos seus.

Indo-lhes ao encalço, vence os Belgas na retirada

2.11 — Depois de tomada esta deliberação, saindo dos arraiais na segunda vela da noite com grande estrépito e tumulto, sem ordem nem comando certo, e desejando cada qual ser da dianteira e chegar mais depressa à casa, fizeram com que a partida se assemelhasse à fuga. Sabendo-o logo pelos espias, e receiando ciladas, por ignorar a causa da retirada, conteve Cesar nos arraiais tanto o exército como a cavalaria auxiliar. Ao romper dalva, sendo-lhe tudo confirmado pelos exploradores, para demorar-lhes a marcha da retaguarda, manda diante a cavalaria às ordens de seus tenentes Quincio Pedio e Lucio Aurunculeio Cotta; e fá-la seguir depois por três legiões ao mando de Tito Labieno. Acometendo estes a retaguarda inimiga, e acompanhando-a muitos mil passos, fazem grande mortandade nos que fugiam: pois, resistindo os derradeiros e sustentando bravamente o ímpeto dos nossos, os dianteiros que se julgavam livres de perigo, e não eram retidos por necessidade nem comando algum, ouvindo o clamor dos combatentes, rompiam as fileiras, e punham a salvação na fuga. Assim, sem o menor risco, matam os nossos tanta multidão de inimigos, quanta permitiu o espaço do dia, e terminando a carnificina com o pôr do sol, recolhem-se aos arraiais, como lhes fora ordenado.

Aceita a rendição dos Suessiões, Belovacos e Ambianos; debela os Nervios que resistiam com vigor conjuntamente com os Atrebates e Veromanduos

2.12 — Um dia depois, antes que os inimigos se recobrassem do terror e fuga, abala Cesar com o exército para as fronteiras 26 dos Suessiões que vizinham com os Remos, e, avançando a marchas forçadas, chega a Novioduno 27. Tentando tomá-la de assalto na passagem, por lhe constar achar-se balda de defensores, em razão da largura do fosso e altura do muro, o não pôde conseguir, se bem a defendessem poucos. Assentando arraiais, faz construir mantas de guerra 28, e aparelhar todo o necessário para sitiá-la. Neste comenos entra de noite na praça multidão de Suessiões escapos da derrota. Concluídas de pronto as mantas, e feito o terrado 29 com as competentes torres, assombrados com o gigantesco de tais obras, por eles nunca vistas, nem conhecidas de nome sequer, mandam embaixadores a Cesar propor-lhe o renderem-se, e obtêm a sua conservação, intercedendo os Remos.

2.13 — Recebendo em reféns os principais da cidade 30 juntamente com dois filhos do mesmo rei Galba, e de posse de todas as armas da praça, aceita Cesar a submissão dos Suessiões, e marcha contra os Belovacos que se haviam passado com seus haveres para Bratuspancio 31. Achando-se com o exército cerca de cinco mil passos desta cidade, saem dela todos os anciões, e estendendo as mãos para ele, significam-lhe com palavras que vinham pôr-se debaixo de sua proteção e domínio, nem faziam guerra aos romanos. Da mesma forma, ao chegar à praça e assentar dos arraiais, extendendo as mãos do muro, entram meninos e mulheres a suplicar-lhe paz a seu modo.

2.14 — Por eles intercede Diviciaco, que licenciando as tropas dos Heduos, depois da retirada dos Belgas, voltava para junto de Cesar, e fala nesta substância: “Que em todo tempo haviam os Belovacos sido amigos e aliados da cidade 32 dos Heduos, mas impelidos por seus cabecilhas que espalhavam suportarem os Heduos, escravizados por Cesar, todo gênero de afrontas e indignidades, fizeram guerra ao povo romano desquitando-se de seus aliados — E agora, cônscios de haverem sobre sua cidade atraído grande calamidade, tinham os impulsores da guerra fugido para Britania — Que imploravam a notória clemência de Cesar não só os Belovacos, como os Heduos por eles: pois, usando de clemência com seus protegidos, havia Cesar de aumentar o crédito dos Heduos entre todos os Belgas, de cujas tropas e recursos costumavam ajudar-se na guerra.”

2.15 — Em honra de Diviciaco e por amor dos Heduos, promete Cesar tomá-los sob sua proteção e conservá-los; mas como era cidade de grande autoridade entre os Belgas e sobresaía em multidão de homens, exige-lhes seiscentos reféns. De posse destes e de todo armamento da praça, marcha daí para as fronteiras 33 dos Ambianos, que se submetem sem demora. Eram com estes comarcãos os Nervios, de cuja índole e costumes informando-se, colhe em resultado: “Não terem com eles entrada alguma mercadores, pois não consentiam lhes levassem vinho nem outros objetos de luxo, com que julgavam entorpecerem-se os ânimos e enervar-se o vigor; — serem mui rudes e bravos; — censurarem e acusarem os mais Belgas por se haverem submetido aos Romanos, renegando o pátrio valor; — e blasonarem de que não haviam mandar embaixadores a Cesar, nem aceitar composição alguma.”

2.16 — Indo pelas fronteiras destes com três dias de marcha, é informado pelos cativos de estar o rio Sabis 34 não mais de dez mil passos distante de seus arraiais; acharem-se todos os Nervios acampados além deste rio, e aguardarem, aí, a vinda dos Romanos, fazendo causa comum com eles os Atrebates e Veromanduos, vizinhos seus, os quais haviam atraído a seu partido; esperarem ainda pelas tropas dos Aduatucos que já vinham em marcha; e haverem depositado as mulheres, e os que eram pela idade inúteis para combater, num lugar onde, por causa dos lagos, não podia penetrar o exército.

2.17 — À vista disso, manda Cesar adiante exploradores e centuriões escolher lugar próprio para arraiais. Dentre os Belgas submetidos e restantes Gauleses acompanhavam-no muitos nesta expedição, dos quais uns certos, como depois se soube dos cativos, observando a marcha ordinária de nosso exército nesses dias, fogem de noite para os Nervios, e persuadem-nos de que, medeiando grande quantidade de bagagens entre legião e legião, era coisa de nonada atacar a primeira legião quando entrasse no lugar dos arraiais, ainda sob cargas, achando-se distantes as outras que, derrotada ela, e saqueadas as bagagens 35, não ousariam resistir-lhes. Favorecia ainda o alvitre o emaranhado das selvas, porque não possuindo cavalaria a cuja sustentação nunca se dedicaram, e fortes só por sua infantaria, para impedir as incursões da cavalaria dos vizinhos, golpeavam os Nervios as árvores ainda tenras que curvavam para o chão, e entremeiando com plantas de espinhos os espaços entre os ramos que àquelas nasciam dos lados, formavam sebes que apresentavam na fortaleza a aparência de muros, por onde não só se não podia entrar, mas nem ainda enxergar. Contando com este obstáculo à marcha de nosso exército, entenderam dever abraçar o conselho.

2.18 — Era o lugar, pelos nossos escolhidos para arraiais, um monte que desde o cimo vinha igualmente descendo até o rio Sabis, de que atrás falamos: cerca de duzentos passos do rio, nascia outro monte que ia parelhamente subindo 36, fronteiro e contrário a esse, por baixo descoberto, e no alto coberto de bosques a não poder a vista penetrar-lhe dentro. Tinham-se os inimigos ocultos nestes bosques; no descoberto avistavam-se ao longo do rio poucas guardas de cavalaria. Era a profundidade do rio de perto de três pés.

2.19 — Seguia Cesar com todas as tropas, precedido por sua cavalaria; mas a ordem e o teor da marcha eram diversos dos que foram pelos Belgas denunciados aos Nervios, Ao aproximar-se do inimigo, conduzia na forma do costume seis legiões expeditas, com as bagagens no couce, guardadas pelas duas legiões, de próximo alistadas, as quais fechavam a marcha. Atravessando o rio, empenham-se nossos cavaleiros, fundibularios e frecheiros, em luta com a cavalaria dos inimigos 37. Acolhendo-se essa aos seus nos bosques, e voltando novamente de lá para atacar os nossos e não ousando estes persegui-la além do espaço descoberto, demarcavam neste meio tempo o lugar dos arraiais, e começavam de fortificá-lo as seis legiões primeiramente chegadas. Mal dão fé de nossas primeiras bagagens aqueles que se ocultavam nos bosques, era esse o sinal entre eles convencionado para o ataque, na mesma ordem de batalha em que se achavam postados, voam com todas as tropas, e arremetem contra nossa cavalaria. Repelida e desordenada esta na primeira investida, correm com incrível rapidez ao rio, a ponto de se verem a um tempo inimigos nos bosques, inimigos no rio, inimigos a braços com os nossos; e subindo pelo monte acima com a mesma rapidez, acometem os arraiais, precipitando-se sobre os que estavam ocupados em fortificá-los.

2.20 — Tudo isto tinha Cesar a fazer a um tempo: mandar hastear o estandarte 38 anunciador da batalha, tocar alarme, chamar os soldados ocupados nas fortificações, recolher os que tinham ido mais longe por materiais 39, ordenar o exército em batalha, exortá-lo e dar a senha 40. A mor parte destas coisas impediam-nas a brevidade do tempo e a crescente aluvião e incursão dos inimigos. A tais dificuldades eram único remédio a ciência e prática dos soldados que adestrados nas precedentes batalhas, podiam prescrever-se não menos acertadamente o que convinha fazer, que recebê-lo de outros; porquanto proibira Cesar a todo lugar-tenente seu retirar-se da obra e de sua legião, antes de concluída a fortificação dos arraiais. Assim, à vista da celeridade e vizinhança dos inimigos já sem dependência de ordem executavam eles por si que importava.

2.21 — Ordenando o necessário, corre pois a exortar os soldados, por onde lhos depara o acaso; e chegando à décima legião, só lhe dirige estas palavras — Que retenha a lembrança do antigo valor, conserve-se firme, e sustente galhardamente o ímpeto dos inimigos. E como estes já estavam a alcance de tiro, dá o sinal do combate. Correndo depois à outra parte para o mesmo fim, acha já o soldado empenhado na luta. Tamanha foi a estreiteza do tempo, e tal o ardor do inimigo no atacar, que não houve espaço para acomodar insígnias 41, nem pôr capacetes, nem tirar capas a escudos 42. A qualquer parte que ia ter o soldado, ao deixar o trabalho da fortificação, alinhava-se junto aos primeiros pendões que encontrava, para não perder tempo em procurar os seus.

2.22 — Formado o exército em ordem de batalha mais segundo a natureza do lugar, o declive do monte, e a necessidade presente o requeriam, que segundo a ciência e tática militar, sendo que em diversas legiões cada uma resistia ao inimigo em parte diversa, e que, como fica dito, metiam-se de permeio sebes densíssimas, interceptando a vista entre aquelas, não era possível colocar reservas a propósito, nem dar providências onde e como era mister, nem a todas transmitir ordens de um só. Assim, em posição tão excepcional, eram também vários os sucessos da batalha.

2.23 — Colocados como se acharam na ala esquerda, os soldados da nona e décima legiões, arremessando os pilos do alto, precipitavam no rio os Atrebates cansados da carreira e desangrados pelas feridas, pois lhes haviam esses cabido em sorte; e perseguindo-os com as espadas nos rins, matavam grande número deles, embaraçados ao tentarem-lhe a passagem. Não duvidando, depois, atravessar o rio, e avançar em lugar desigual, convertiam eles novamente à fuga aos inimigos, que voltando rosto, renovavam o combate. Da mesma forma, em outra parte, outras duas diversas legiões, a undécima e oitava, rechaçando os Veromanduos que lhes faziam frente, descendo do alto, pelejavam nas mesmas margens do rio. E, então, desguarnecidos quase inteiramente os arraiais pela frente e parte esquerda, ocupando a ala direita a legião duodécima e não longe dela a sétima, os Nervios, comandados por seu supremo caudilho Boduognato, feitos num corpo arremetem todos contra este único ponto, deles no empenho de envolver as legiões pelo lado aberto, deles no de ganhar o lugar cimeiro do campo.

2.24 — Ao mesmo tempo nossos cavaleiros e peões armados a ligeira, que sendo conjuntamente rechaçados no primeiro assalto, como fica dito, acolhiam-se ao abrigo dos arraiais, encontrando inimigos pela frente, fugiam de novo para outra parte; e os criados do exército 43, que avistando da porta decumana 44 e do cimo do monte 45 os nossos passarem o rio vencedores, tinham saído a prear, vendo depois andarem inimigos nos arraiais, desatavam também a fugir. Ouvia-se igualmente o clamor e frêmito dos que acompanhavam as bagagens, e tomavam aterrados para outro lado. Abalado com isto, a cavalaria dos Treviros, que tem entre os Gauleses opinião de mui esforçada, e vinha em auxílio de Cesar, enviada por sua cidade, vendo encherem-se os arraiais de multidão de inimigos, estarem em aperto e quase cercadas as legiões, fugirem derramadamente em todas as direções creados, cavaleiros, fundibularios e Numídas, voltava para os seus, dando nossas coisas por perdidas e levando consigo a notícia de havermos sido derrotados, e acharem-se os inimigos de posse de nossos arraiais e bagagens.

2.25 — Depois de haver exortado a décima legião, passa Cesar à ala direita, onde vê os seus assoberbados pelo inimigo, e cerrados com os estandartes num lugar, embaraçarem-se no combate uns aos outros os soldados da duodécima legião, mortos todos os centuriões da quarta coorte juntamente com o alferes, tomado o estandarte, mortos ou feridos quase todos os centuriões das demais coortes, e entre esses trespassado de muitas e graves feridas o valorosíssimo primipilar 46 Publio Sextio Baculo, a ponto de não poder suster-se, mostrarem-se os restantes remissos, e retirarem-se da peleja, evitando os tiros, alguns dos da retaguarda abandonados a si; não cessarem de vir inimigos subindo pela frente, nem de apertar por um e outro lado; e acharem-se as coisas no último apuro, sem haver socorro de que se pudesse lançar mão; tomando então o escudo de um soldado da retaguarda, pois não trouxera o seu, avança para a primeira linha, e manda os soldados carregarem sobre o inimigo, abrindo as fileiras, para melhor se poderem servir das espadas. Recobrados com sua vinda esperança e ânimo, porque ainda em tal extremidade desejava cada um mostrar-se corajoso diante do general, retarda-se por um pouco o ímpeto dos inimigos.

2.26 — Vendo achar-se da mesma forma assoberbada a sétima legião, que estava postada perto, recomenda Cesar aos tribunos dos soldados façam juntarem-se pouco e pouco as legiões, e atacarem o inimigo reunidas. Depois de executada a manobra, podendo auxiliar-se uns aos outros, e não temendo ser cercados pelo inimigo, entram a resistir mais ousadamente, e a pelejar com maior ardor. Neste comenos eram os soldados das duas legiões, que na retaguarda guardavam as bagagens, vistos pelo inimigo do cimo do monte dobrar o passo à notícia da batalha; e Tito Labieno, depois de senhor dos arraiais inimigos, observando das alturas o que se passava nos nossos, mandava-nos em socorro a décima legião, que conhecendo pela fuga dos cavaleiros e criados em que extremidade estavam as coisas, e quanto risco corriam as legiões, os arraiais e o general, punha toda diligência na celeridade da marcha.

2.27 — Tamanha foi a mudança operada com a vinda desses, que os mesmos nossos que haviam caído crivados de feridas, renovavam o combate, apoiando-se nos escudos 47; os criados, ao ver o terror nos inimigos, até inermes os atacavam armados; e os cavaleiros, para a troco de esforço resgatar a vergonha da fuga, por toda parte combatiam na frente dos legionários. Mas, ainda na última esperança de salvação, tanto valor mostravam os inimigos, que, caídos os primeiros, vinham-lhes por sobre outros, que pelejavam de cima dos corpos desses, acumulando cadáveres sobre cadáveres, para como de um comoro 48 atirar dardos contra os nossos, e reenviar-lhes os pilos interceptados: de modo que não é de admirar se homens de tal coragem ousaram, no acometer, passar tão largo rio, galgar tão altas ribanceiras, e subir a lugar tão empinado, sendo que tamanha intrepidez facil tornava o dificílimo.

2.28 — Dada esta batalha e destruído quase inteiramente o povo e nome dos Nervios, os anciãos que conjuntamente com meninos e mulheres se achavam, como dissemos, acantoados nos esteiros e lagoas, ao receber a notícia dela, como nada julgassem defeso a vencedores, nem seguro para vencidos, por acordo comum dos que restavam, mandam embaixadores a Cesar, e lhe fazem sua submissão. No mencionar a calamidade da cidade diziam ver-se reduzidos de seiscentos a três senadores e de sessenta mil apenas a seicentos homens capazes de pegar em armas. Mostrando-se misericordioso com miseráveis e suplicantes, os conserva Cesar com todo cuidado, permitindo-lhes usarem de suas terras e cidades, e ordenando aos vizinhos proibissem aos seus ofendê-los e prejudicá-los.

Da mesma forma os Aduatucos

2.29 — Os Aduatucos, que acima dissemos virem com suas tropas em marcha a socorrer os Nervios, voltaram do meio do caminho, ao saber desta batalha; e abandonando todas suas cidades e castelos, se passaram com tudo o que era seu, para uma praça admiravelmente fortificada pela natureza; pois tinha por todos os lados em roda altíssimas rochas talhadas a pique, oferecendo unicamente por um deles uma subida doce de cerca de duzentos passos, a qual haviam cingido de duplicado altíssimo muro, colocando neste, moles de grande peso e traves aguçadas. Descendiam esses dos Cimbros e Teutões que, ao passar à nossa província e à Itália, tinham aquém do Rim deixado uns seis mil homens de guarda às bagagens, que não podiam levar consigo. Estes, depois de mortos aqueles 49, perseguidos muitos anos pelos vizinhos, ora atacando numa parte, ora defendendo-se em outra, feita por último a paz com todos, escolheram este lugar para seu domicílio.

2.30 — À primeira chegada de nosso exército faziam eles freqüentes sortidas, contendendo com os nossos em pequenas refregas; fechados depois por uma circunvalação de doze pés, vinte cinco mil em circunferência, com muitos castelos fortificados, continham-se dentro da praça. Quando, concluídas as mantas de guerra, e construído o terrado, viram levantar-se ao longe uma torre, a princípio perguntavam do muro, zombando de nós, para que se fazia tamanha máquina a tamanha distância? com que mãos ou forças confiavam homens de tão pequena estatura, somos geralmente desprezados dos Gauleses por nossa estatura pequena comparativamente à sua, assentar contra o muro uma torre de tão enorme peso?

2.31 — Quando porém a viram mover-se e apropinquar-se aos muros, abalados com tão novo e extraordinário espetáculo, enviam a Cesar embaixadores a propor pazes nestes termos: “Que julgavam ser não sem auxílio divino o fazerem os romanos guerra, podendo mover com tanta presteza máquinas de tamanha altura, para combater de perto; — que ao domínio dos mesmos se submetiam a si e quanto lhes pertencia, implorando, se Cesar por sua notória clemência resolvesse conservar os Aduatucos, uma única coisa, que era o não serem despojados das armas, porque tinham por inimigos a quase todos os vizinhos, que lhes invejavam o valor, e dos quais se não podiam defender sem armas; — e se a tal extremidade haviam de ser reduzidos, melhor lhes era acabarem logo às mãos dos Romanos, que serem mortos a tormento por aqueles, entre os quais costumavam dominar.

2.32 — A isto respondeu Cesar: “Que mais por costume seu, que pelo merecerem eles, havia conservar-lhes a cidade, se se rendessem antes do ariete tocar no muro 50, não podendo, porém, ser aceita a submissão sem prévia entrega das armas; — que faria por eles o mesmo que fez pelos Nervios, pois havia determinar aos vizinhos não contendessem com os submetidos ao povo romano.” Levada aos seus esta resposta, replicaram que executariam quanto lhes fosse ordenado. Arrojando, então, do muro no fosso fronteiro à praça tamanha quantidade de armas, que os montões delas quase igualavam a mor altura do muro e do terrado, mas retendo oculta cerca de terça parte, como depois se verificou, patenteadas as portas, estiveram de paz todo o dia.

2.33 — Pela volta da tarde manda Cesar fechar as portas, fazendo sair da cidade os soldados, para que com a noite não praticassem algum desacato contra os habitantes. Estes, porém, concertado de antemão, como se evidenciou, o plano de traição, por julgarem que, depois de sua submissão, os nossos ou não haviam de fazer a guarda do campo, ou pelo menos haviam fazê-la mal, deles com as armas que retiverem ocultas, deles com escudos de cascas de árvores e vimes tecidos, que tinham à pressa coberto de couro conforme a brevidade do tempo, na terceira vela da noite, por onde a subida para nossas fortificações parecia menos árdua, arremetem subitamente da praça com todas as suas forças. Dado à pressa o alarma por meio de fogos, segundo anteriores ordens de Cesar, para ali se corre dos próximos castelos; e com tanta bravura pelejam os inimigos, quanta era de esperar de homens resolutos que combatiam em caso extremo e lugar desigual, contra os que lhes faziam tiros das trincheiras e torres, e quando toda esperança de salvação estava posta só no valor. Mortos até quatro mil deles, são os restantes repelidos para dentro da praça. No seguinte dia, depois de arrombadas as portas, não resistindo já ninguém, e introduzidos os nossos, manda Cesar vender em almoeda tudo quanto existia dentro da praça. O número total dos vendidos, segundo as relações apresentadas pelos compradores, foi de cinqüenta e três mil cabeças.

Publio Cassio vence os Armoricos

2.34 — Entrementes, por Publio Crasso, que com uma legião tinha mandado para as partes dos Venetos 51, Unelos 52, Osismos 53, Curiosolitas 54, Esuvios 55, Aulercos 56 e Redones 57, povos vizinhos do Oceano, é feito sabedor de que todas essas marítimas cidades se haviam submetido ao poder e domínio dos Romanos.

Ações memoráveis depois da pacificação dos Belgas

2.35 — Pacificada assim toda Galia, tal foi a nomeada desta guerra que grassou pelos bárbaros, que até nações que habitavam além do Rim, enviaram embaixadores a Cesar, obrigando-se a dar-lhe reféns e cumprir quanto ordenasse. Como, porém, tinha pressa de ir à Itália e ao Ilirico 58, adiou ele para o princípio do próximo estio a resposta a tais embaixadas; e levando as legiões a quartéis de inverno entre os Carnutes 59, Andes 60 e Turones 61, cidades vizinhas do teatro da guerra, pôs-se a caminho para Itália. Foram por esta campanha decretados, em vista de suas comunicações, quinze dias de suplicações 62, o que antes dele ainda a nenhum general havia acontecido.

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