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Heródoto narra a batalha de Salamina (480 a.C.)

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Trirremes se chocando em batalha naval. Ilustração moderna, autor desconhecido.

Sobre a fonte

Heródoto foi um historiador grego nascido em Halicarnasso, que viveu no século 5 a.C. Foi o autor de uma grande obra histórica conhecida como Histórias, nas quais narra, entre outros eventos, as Guerras Médicas (499-449 a.C.). Salamina foi uma das principais batalhas desse conflito. Foi essa grande derrota que levou os invasores persas a se retirarem definitivamente da Grécia, e a abandonarem os planos de conquista do ocidente.

História, de Heródoto. Trecho do Livro VIII - Urânia - XL (40) à CXII (112)

XL - Deixando Artemísio, a frota grega dirigiu-se para Salamina, onde permaneceu, a pedido dos Atenienses. Estes a tinham feito ir até ali, a fim de poderem enviar para fora da Ática suas mulheres e filhos, e, além disso, para melhor deliberar sobre o partido que deviam tomar, pois, vendo frustradas suas esperanças, precisavam concertar novas medidas nas circunstâncias presentes. Esperavam encontrar as tropas peloponésias acampadas na Beócia, prontas para lançar-se sobre os bárbaros, e, entretanto, não viam ninguém; ao contrário, eram informados de que essas tropas, não pensando senão em preservar a pele e defender o Peloponeso, esforçavam-se para fechar o istmo com uma muralha, sem se inquietarem com a sorte do resto da Grécia. Informados desse procedimento, os atenienses pediram aos aliados para permanecerem em Salamina.

XLI - Deixando a frota ancorada diante de Salamina, os soldados atenienses voltaram à pátria, fazendo publicar, logo à sua chegada, uma declaração, dizendo que cada qual podia pôr em segurança toda a família{135}. Diante disso, a maioria dos atenienses enviou suas famílias para Trezena, enquanto que outros escolheram Egina e Salamina. Apressaram-se a fazê-las sair da Ática, em obediência ao oráculo e, sobretudo, pela razão seguinte: Há no templo da cidadela, segundo afirmam os Atenienses, uma grande serpente, guardiã e protetora da fortaleza; e, como se ela existisse realmente, atiram-lhe, todos os meses, bolos de mel. Até aquela época, os bolos sempre desapareciam, mas, eis que começaram a aparecer intactos. A sacerdotisa do templo, tendo anunciado o fato aos Atenienses na ocasião em que a ameaça da invasão dos bárbaros pairava sobre a cidade, os habitantes, ao terem permissão para retirar-se dali com suas famílias, apressaram-se a fazê-lo, tanto mais que a própria deusa também abandonava a cidadela. Grande parte deles, depois de pôr em segurança a família, embarcaram para reunir-se à frota.

XLII - O resto da frota grega, que se conservava em Pógon, porto dos Trezênios, informado de que a força naval vinda de Artemísio se achava diante de Salamina, para ali também se dirigiu. O número de navios então concentrados nesse porto era bem maior do que o dos que tomaram parte no combate naval de Artemísio. Euribíades de Esparta, filho de Euríclides, que havia comandado os gregos no referido combate, mantinha-se no mesmo posto, embora não pertencesse à realeza. Os navios atenienses eram em maior número e os melhores da frota.

XLIII - Vejamos como estava constituída essa frota. Entre os Peloponésios, os Lacedemônios forneceram dezesseis navios; os Coríntios, um número igual ao enviado a Artemísio; os Siciônios quinze; os Epidáurios, dez navios; os Trezênios, cinco; os Hermioneus, três. Todos esses povos, com exceção dos Hermioneus, eram de origem dória, tendo vindo de Erinéia, de Pindo e, também, da Driópida. Quanto aos Hermioneus, são Dríopes, tendo sido expulsos por Hércules e pelos Mélios, do país hoje denominado Dórida. Era essa a força naval fornecida pelos habitantes do Peloponeso.

XLIV - Entre os gregos do continente, os Atenienses forneceram um número de navios igual ao dos outros aliados reunidos. Somente eles contribuíram com cento e oitenta navios, pois os Plateus não tomaram parte na batalha de Salamina, pelas razões que passo a expor. Tendo as forças gregas chegado a Cálcis, depois de sua partida de Artemísio, os Plateus desceram do outro lado, pelas terras da Beócia, e puseram-se a transportar para lugares seguros suas mulheres, filhos e escravos; e assim, inteiramente entregues a essa tarefa, acabaram por não tomar parte no combate. No tempo em que os Pelasgos ocupavam o país hoje conhecido pelo nome de Hélade, os Atenienses eram pelasgos e denominados Craneus. Sob o domínio de Cécrope, eram chamados Cecrópidas; e sob o de Erectides, um dos seus sucessores, Erectidas. Íon, filho de Xuto, tendo-se tornado seu chefe, passaram eles a chamar-se Iônios.

XLV - Os Megários forneceram o mesmo número de navios que haviam enviado a Artemísio. Os Ampracitas contribuíram com sete embarcações; os Leucádios, Dórios e originários de Corinto, com três.

XLVI - Entre os insulares, os Eginetas enviaram quarenta e dois navios, reservando alguns outros para a defesa do seu país. Os que combateram em Salamina eram excelentes veleiros.

Os Eginetas são dórios e originários de Epidauro. Sua ilha chamava-se outrora Enona. Os Calcídios forneceram vinte navios, que já haviam combatido em Artemísio, e os Erétrios, os sete que haviam tomado parte na mesma batalha. Os de Ceos forneceram o mesmo número com que haviam participado naquele combate. Os habitantes de Ceos são iônios e originários de Atenas. Os Náxios forneceram quatro navios. As tropas náxias tinham sido enviadas para juntar-se aos Medos; mas, sem dar nenhuma importância a essa ordem, dirigiram-se ao encontro dos gregos, a pedido de Demócrito, que então comandava um dos navios e que gozava de grande prestígio entre os seus concidadãos. Os Náxios são também iônios e descendem dos Atenienses. Os Estireus figuraram também em Salamina, com o mesmo número de navios que tinham enviado a Artemísio. Os Cítnios contribuíram apenas com um navio e um pentecótero (embarcação movida a cinco remos). Tanto os Estireus como os Cítnios são dríopes. Os Serífios, os Sífnios e os de Melos também prestaram sua colaboração, tendo sido os únicos, entre os insulares, a não dar terra e água aos bárbaros.

XLVII - Foram esses os povos que se fizeram representar na batalha de Salamina. Habitavam eles aquém dos Tesprócios e do Aqueronte. Os Tesprócios limitam-se com os Ampraciotes e com os Leucádios, que vieram do extremo da Grécia para tomar parte nessa guerra. De todos os povos que vivem para além dessas nações, somente os Crotonatas prestaram auxílio à Grécia quando tão fazê-lo, tanto mais que a própria deusa também abandonava a cidadela. Grande parte deles, depois de pôr em segurança a família, embarcaram para reunir-se à frota.

XLII - O resto da frota grega, que se conservava em Pógon, porto dos Trezênios, informado de que a força naval vinda de Artemísio se achava diante de Salamina, para ali também se dirigiu. O número de navios então concentrados nesse porto era bem maior do que o dos que tomaram parte no combate naval de Artemísio. Euribíades de Esparta, filho de Euríclides, que havia comandado os gregos no referido combate, mantinha-se no mesmo posto, embora não pertencesse à realeza. Os navios atenienses eram em maior número e os melhores da frota.

XLIII - Vejamos como estava constituída essa frota. Entre os Peloponésios, os Lacedemônios forneceram dezesseis navios; os Coríntios, um número igual ao enviado a Artemísio; os Siciônios quinze; os Epidáurios, dez navios; os Trezênios, cinco; os Hermioneus, três. Todos esses povos, com exceção dos Hermioneus, eram de origem dória, tendo vindo de Erinéia, de Pindo e, também, da Driópida. Quanto aos Hermioneus, são Dríopes, tendo sido expulsos por Hércules e pelos Mélios, do país hoje denominado Dórida. Era essa a força naval fornecida pelos habitantes do Peloponeso.

XLIV - Entre os gregos do continente, os Atenienses forneceram um número de navios igual ao dos outros aliados reunidos. Somente eles contribuíram com cento e oitenta navios, pois os Plateus não tomaram parte na batalha de Salamina, pelas razões que passo a expor. Tendo as forças gregas chegado a Cálcis, depois de sua partida de Artemísio, os Plateus desceram do outro lado, pelas terras da Beócia, e puseram-se a transportar para lugares seguros suas mulheres, filhos e escravos; e assim, inteiramente entregues a essa tarefa, acabaram por não tomar parte no combate. No tempo em que os Pelasgos ocupavam o país hoje conhecido pelo nome de Hélade, os Atenienses eram pelasgos e denominados Craneus. Sob o domínio de Cécrope, eram chamados Cecrópidas; e sob o de Erectides, um dos seus sucessores, Erectidas. Íon, filho de Xuto, tendo-se tornado seu chefe, passaram eles a chamar-se Iônios.

XLV - Os Megários forneceram o mesmo número de navios que haviam enviado a Artemísio. Os Ampracitas contribuíram com sete embarcações; os Leucádios, Dórios e originários de Corinto, com três.

XLVI - Entre os insulares, os Eginetas enviaram quarenta e dois navios, reservando alguns outros para a defesa do seu país. Os que combateram em Salamina eram excelentes veleiros.

Os Eginetas são dórios e originários de Epidauro. Sua ilha chamava-se outrora Enona. Os Calcídios forneceram vinte navios, que já haviam combatido em Artemísio, e os Erétrios, os sete que haviam tomado parte na mesma batalha. Os de Ceos forneceram o mesmo número com que haviam participado naquele combate. Os habitantes de Ceos são iônios e originários de Atenas. Os Náxios forneceram quatro navios. As tropas náxias tinham sido enviadas para juntar-se aos Medos; mas, sem dar nenhuma importância a essa ordem, dirigiram-se ao encontro dos gregos, a pedido de Demócrito, que então comandava um dos navios e que gozava de grande prestígio entre os seus concidadãos. Os Náxios são também iônios e descendem dos Atenienses. Os Estireus figuraram também em Salamina, com o mesmo número de navios que tinham enviado a Artemísio. Os Cítnios contribuíram apenas com um navio e um pentecótero (embarcação movida a cinco remos). Tanto os Estireus como os Cítnios são dríopes. Os Serífios, os Sífnios e os de Melos também prestaram sua colaboração, tendo sido os únicos, entre os insulares, a não dar terra e água aos bárbaros.

XLVII - Foram esses os povos que se fizeram representar na batalha de Salamina. Habitavam eles aquém dos Tesprócios e do Aqueronte. Os Tesprócios limitam-se com os Ampraciotes e com os Leucádios, que vieram do extremo da Grécia para tomar parte nessa guerra. De todos os povos que vivem para além dessas nações, somente os Crotonatas prestaram auxílio à Grécia quando tão fazê-lo, tanto mais que a própria deusa também abandonava a cidadela. Grande parte deles, depois de pôr em segurança a família, embarcaram para reunir-se à frota.

XLII - O resto da frota grega, que se conservava em Pógon, porto dos Trezênios, informado de que a força naval vinda de Artemísio se achava diante de Salamina, para ali também se dirigiu. O número de navios então concentrados nesse porto era bem maior do que o dos que tomaram parte no combate naval de Artemísio. Euribíades de Esparta, filho de Euríclides, que havia comandado os gregos no referido combate, mantinha-se no mesmo posto, embora não pertencesse à realeza. Os navios atenienses eram em maior número e os melhores da frota.

XLIII - Vejamos como estava constituída essa frota. Entre os Peloponésios, os Lacedemônios forneceram dezesseis navios; os Coríntios, um número igual ao enviado a Artemísio; os Siciônios quinze; os Epidáurios, dez navios; os Trezênios, cinco; os Hermioneus, três. Todos esses povos, com exceção dos Hermioneus, eram de origem dória, tendo vindo de Erinéia, de Pindo e, também, da Driópida. Quanto aos Hermioneus, são Dríopes, tendo sido expulsos por Hércules e pelos Mélios, do país hoje denominado Dórida. Era essa a força naval fornecida pelos habitantes do Peloponeso.

XLIV - Entre os gregos do continente, os Atenienses forneceram um número de navios igual ao dos outros aliados reunidos. Somente eles contribuíram com cento e oitenta navios, pois os Plateus não tomaram parte na batalha de Salamina, pelas razões que passo a expor. Tendo as forças gregas chegado a Cálcis, depois de sua partida de Artemísio, os Plateus desceram do outro lado, pelas terras da Beócia, e puseram-se a transportar para lugares seguros suas mulheres, filhos e escravos; e assim, inteiramente entregues a essa tarefa, acabaram por não tomar parte no combate. No tempo em que os Pelasgos ocupavam o país hoje conhecido pelo nome de Hélade, os Atenienses eram pelasgos e denominados Craneus. Sob o domínio de Cécrope, eram chamados Cecrópidas; e sob o de Erectides, um dos seus sucessores, Erectidas. Íon, filho de Xuto, tendo-se tornado seu chefe, passaram eles a chamar-se Iônios.

XLV - Os Megários forneceram o mesmo número de navios que haviam enviado a Artemísio. Os Ampracitas contribuíram com sete embarcações; os Leucádios, Dórios e originários de Corinto, com três.

XLVI - Entre os insulares, os Eginetas enviaram quarenta e dois navios, reservando alguns outros para a defesa do seu país. Os que combateram em Salamina eram excelentes veleiros.

Os Eginetas são dórios e originários de Epidauro. Sua ilha chamava-se outrora Enona. Os Calcídios forneceram vinte navios, que já haviam combatido em Artemísio, e os Erétrios, os sete que haviam tomado parte na mesma batalha. Os de Ceos forneceram o mesmo número com que haviam participado naquele combate. Os habitantes de Ceos são iônios e originários de Atenas. Os Náxios forneceram quatro navios. As tropas náxias tinham sido enviadas para juntar-se aos Medos; mas, sem dar nenhuma importância a essa ordem, dirigiram-se ao encontro dos gregos, a pedido de Demócrito, que então comandava um dos navios e que gozava de grande prestígio entre os seus concidadãos. Os Náxios são também iônios e descendem dos Atenienses. Os Estireus figuraram também em Salamina, com o mesmo número de navios que tinham enviado a Artemísio. Os Cítnios contribuíram apenas com um navio e um pentecótero (embarcação movida a cinco remos). Tanto os Estireus como os Cítnios são dríopes. Os Serífios, os Sífnios e os de Melos também prestaram sua colaboração, tendo sido os únicos, entre os insulares, a não dar terra e água aos bárbaros.

XLVII - Foram esses os povos que se fizeram representar na batalha de Salamina. Habitavam eles aquém dos Tesprócios e do Aqueronte. Os Tesprócios limitam-se com os Ampraciotes e com os Leucádios, que vieram do extremo da Grécia para tomar parte nessa guerra. De todos os povos que vivem para além dessas nações, somente os Crotonatas prestaram auxílio à Grécia quando tão grande perigo a ameaçava, enviando-lhe um navio sob o comando de Failo, três vezes vitorioso nos jogos píticos. Os Crotonatas são aqueus de origem.

XLVIII - Todos esses povos forneceram também trirremes, com exceção dos Mélios, dos Serífios e dos Sífnios, que, em compensação, forneceram navios de cinqüenta remos, muito bem equipados. Os Mélios, originários da Lacedemônia, forneceram dois; os Sífnios e os Serífios, que são iônios e descendentes dos Atenienses, contribuíram, cada qual, com um navio desse tipo. O número de navios fornecidos por esses aliados atingia um total de trezentos e setenta e oito, sem contar os de cinqüenta remos.

XLIX - Chegando a Salamina, os comandantes das cidades de que acabo de falar reuniram-se em conselho, tendo Euribíades proposto que cada um opinasse livremente sobre o local que lhe parecesse mais adequado para um combate naval na região em que se encontravam. A Ática estava fora de cogitações, devendo as deliberações voltar-se para o resto da Grécia. A maioria foi de parecer que se devia abrir velas para o istmo e oferecer batalha aos bárbaros em frente ao Peloponeso, alegando, em apoio à sua opinião, que se suas forças fossem derrotadas em Salamina, ficariam cercadas na ilha, sem nenhuma esperança de socorro, ao passo que, se o combate fosse travado no istmo, no caso de uma derrota cada um poderia retirar-se para seu país.

L - Enquanto os generais do Peloponeso assim deliberavam, um ateniense veio anunciar-lhes a entrada das forças persas na Ática, incendiando os lugares por onde passavam. O exército que havia tomado com Xerxes o caminho da Beócia, tendo incendiado Téspias, obrigando seus habitantes a retirar-se para o Peloponeso e para Plateias, havia chegado à Ática, onde espalhava a ruína e a devastação. Os persas tinham incendiado Téspias e Plateias porque os Tebanos lhes haviam informado que essas duas cidades não abraçaram a sua causa.

LI - Depois de haverem transposto o Helesponto, os bárbaros permaneceram durante um mês às margens do mesmo. Pondo-se novamente em marcha, chegaram, três meses depois, à Ática, que se achava sob o arcontado de Calíades. Apoderaram-se da cidade, que tinha sido evacuada, encontrando ali apenas um pequeno número de atenienses que se haviam refugiado no templo em companhia dos tesoureiros, e alguns pobres diabos que, entrincheirando-se nas portas e nas avenidas da cidadela, procuravam repelir os invasores. A situação precária daquela gente tinha-a impedido de ir para Salamina. Por outro lado, consideravam inexpugnável a muralha de madeira, como lhes fizera entender o oráculo, imaginando ser aquele o abrigo mais seguro, e não os navios.

LII - Os persas acamparam na colina situada defronte da cidadela e à qual os Atenienses denominam Areópago, e ali iniciaram o cerco, procedendo da seguinte maneira: lançaram contra as barricadas flechas com estopa enrolada numa das extremidades e na qual haviam deitado fogo. Os sitiados, embora colocados em situação extremamente difícil pela destruição das suas barricadas, continuaram, entretanto, a defender-se, não querendo aceitar as condições propostas pelos partidários de Pisístrato. Continuaram repelindo o inimigo; e quando este se aproximou das portas da cidade, fizeram rolar grandes pedras sobre ele. Desse modo, Xerxes, não podendo forçá-las com a facilidade que esperava, sentiu-se embaraçado quanto à decisão que devia tomar para levar a bom termo o seu intento.

LIII - Finalmente, os bárbaros descobriram uma passagem - pois, como predissera o oráculo, os Persas se tornariam senhores de tudo que os Atenienses possuíam no continente. Diante da cidadela havia um sítio escarpado, não guardado pelos defensores, que não imaginavam pudesse alguém subir por ali. Alguns bárbaros, todavia, o conseguiram, no trecho próximo à capela de Agraules, filha de Cécrope. Ao verem-nos no interior da cidadela, os defensores atenienses, que se sentiram tomados de maior desespero, suicidaram-se precipitando-se do alto da muralha, enquanto que os outros se refugiaram no templo; mas os persas que já haviam escalado as defesas forçaram as portas e mataram os suplicantes. Em seguida, saquearam o templo e incendiaram a cidadela.

LIV - Ao ver-se senhor absoluto de Atenas, Xerxes despachou um correio para Susa, a fim de comunicar a Artábano tão feliz acontecimento. No dia seguinte ao da partida do correio, convocou os banidos de Atenas que o haviam seguido e ordenou-lhes que subissem à cidadela e ali realizassem sacrifícios segundo os seus costumes. Não se sabe se assim agiu impelido por um sonho que tivera, ou porque se tivesse arrependido de haver incendiado o templo. Os banidos obedeceram prontamente.

LV - Quero citar aqui um fato relacionado com essa atitude do soberano persa. Existe na cidadela um templo dedicado a Erecteu, tido como filho da terra, e junto ao qual se vêem uma oliveira e um mar{136}. Os Atenienses afirmam que Netuno e Minerva ali os fizeram surgir em resultado da demanda havida entre eles pela posse do país{137}. Pois bem; aconteceu que o fogo ateado pelos bárbaros ao templo consumiu também a oliveira; mas, dois dias depois do incêndio, os banidos atenienses a quem Xerxes havia dado ordem de oferecer sacrifícios, subindo ao templo, notaram que o tronco da oliveira tinha dado um broto de um côvado de altura. Foi isso o que eles próprios declararam ao voltar do templo.

LVI - Ao serem informados sobre a sorte da cidadela de Atenas, os gregos reunidos em Salamina ficaram de tal maneira consternados, que alguns dos generais, sem mesmo aguardar a ratificação dos pareceres submetidos ao conselho, dirigiram-se para os seus navios e mandaram desfraldar velas, com a intenção de partir imediatamente. Todavia, os que permaneceram em conselho decidiram que a batalha devia ser travada diante do istmo. Ao cair da noite, deram por finda a reunião, voltando para seus respectivos navios.

LVII - Quanto Temístocles chegou a bordo do seu navio, Mnesífilo de Atenas inquiriu-o sobre o resultado das deliberações, e ao saber que ficara decidido fazer-se a concentração no istmo e combater-se diante do Peloponeso, disse: "Se levantarmos âncoras e deixarmos Salamina, não será no mar que combateremos pela pátria, pois ninguém conseguirá reter os aliados; o próprio Euribíades não o poderá; voltarão todos para suas respectivas cidades; a frota dispersar-se-á, e a Grécia perecerá por causa de uma medida errada. Vai e trata de anular essa decisão, e procura, por todos os meios, convencer Euribíades a mudar de idéia e a permanecer aqui".

LVIII - Temístocles aprovou o alvitre e, sem nada responder, dirigiu-se incontinênti ao navio de Euribíades. Ali chegando, disse-lhe que vinha tratar de assuntos de interesse comum. Euribíades fê-lo subir a bordo e perguntou o motivo que ali o trazia. Então, Temístocles, sentando-se ao seu lado, expôs-lhe a opinião de Mnesífilo, como se fosse a dele próprio, e, acrescentando vários outros motivos, conseguiu convencê-lo a convocar outra reunião.

LIX - Reunidos novamente todos os generais, Temístocles, antes que Euribíades lhes declarasse o assunto para o qual os havia convocado, falou-lhes como um homem vivamente empenhado em fazer prevalecer a sua opinião. Mas Adimanto, filho de Ocito e general dos Coríntios, ínterrompeu-o: "Temístocles - disse-lhe ele -, são fustigados com varas aqueles que, nos jogos públicos, partem antes dos outros". "Sim - replicou Temístocles -, mas aqueles que ficam na retaguarda nunca são coroados".

LX - Dando essa resposta, em que não transparecia arrebatamento ou cólera, voltou-se para Euribíades e, evitando repetir-lhe que os aliados se dispersariam tão pronto a frota levantasse âncoras de Salamina - pois desejava guardar as conveniências e achava que faltaria com elas acusando alguém na presença dos aliados -, assim lhe falou, alegando outros motivos:

"Euribíades, a salvação da Grécia está agora em tuas mãos; tu a salvarás se, convencido pelas minhas razões, ofereceres combate ao inimigo aqui mesmo, não dando ouvidos aos que são de parecer que a frota deve seguir para o istmo. Escuta e pensa as razões das duas partes. Oferecendo batalha no istmo, terás de combater em mar aberto, onde é perigoso fazê-lo, já que os nossos navios são mais pesados e em menor número do que os dos inimigos; e, mesmo que obtenhamos êxito, não deixaremos por isso de perder Salamina, Mégara e Egina, pois as forças terrestres dos bárbaros seguirão a sua força naval, resultando daí que tu próprio as conduzirás ao Peloponeso, expondo toda a Grécia a um maior risco.

"Seguindo os meus conselhos, eis as vantagens que nos advirão: primeiro, combatendo em lugar estreito, com um pequeno número de navios contra um número maior de navios inimigos, alcançaremos, segundo todas as probabilidades da guerra, uma grande vitória, pois um braço de mar nos é tão vantajoso quanto o será o mar largo para o inimigo. Em segundo lugar, conservaremos Salamina, onde deixamos nossas esposas e filhos. Vejo nisso ainda outra vantagem, que tu mesmo já deves ter pensado. Permanecendo aqui, não combaterás menos pelo Peloponeso do que se estivesses perto do istmo. Por conseguinte, se fores sensato não levarás, absolutamente, a frota para o Peloponeso.

"Se, como espero, batermos no mar os inimigos, eles retornarão em desordem, sem alcançar o istmo e sem poderem avançar para adiante da Ática. Salvaremos Mégara, Egina e Salamina, onde, aliás, um oráculo nos vaticinou completa vitória. Quando tomamos um partido de acordo com a razão, quase sempre logramos êxito; mas quando nos decidimos contra todas as possibilidades, o próprio deus não costuma apoiar-nos".

LXI - Nesse ponto, Adimanto de Corinto interrompeu pela segunda vez Temístocles, e, impondo-lhe silêncio, disse a Euribíades que não se deixasse levar pela opinião de um homem que não tinha mais pátria. Referia-se dessa maneira ao general ateniense porque Atenas tinha sido tomada e se achava em poder do inimigo. Temístocles, não podendo conter-se, dirigiu acerbas palavras a Adimanto e aos Coríntios, fazendo-lhes ver que os Atenienses teriam uma pátria e uma cidade mais poderosa que a deles, tão pronto tivessem à sua disposição duzentos navios{138} tripulados por seus cidadãos, porquanto não havia na Grécia um Estado mais forte para resistir a qualquer ataque.

LXII - Dirigindo-se, em seguida, a Euribíades, completou a sua oração dizendo: "Permanecendo em Salamina e agindo como homem sensato, salvarás a Grécia, se partires, serás o seu destruidor. Em nossos navios estão depositadas todas as nossas esperanças. Segue, pois, o meu conselho. De outro modo, iremos com as nossas esposas, filhos e escravos para Siris, na Itália, que nos pertence de longa data e da qual, segundo os oráculos, devíamos ter sido os fundadores. Espero que, quando te vires abandonado por aliados como nós, te lembrarás, então, de minhas palavras".

LXIII - Esse discurso fez Euribíades mudar de resolução. Penso que assim procedeu com receio de ver-se abandonado pelos Atenienses se levasse a frota para o istmo. Se a força naval ateniense se afastasse da luta, o resto da frota não seria suficientemente forte para resistir aos ataques dos bárbaros. Por conseguinte, mostrou-se ele favorável ao parecer de Temístocles, ficando decidido que a batalha seria travada em Salamina.

LXIV - Acatando a resolução de Euribíades, os comandantes da frota prepararam-se para o combate que seria travado com os persas no local escolhido. No dia seguinte, ao nascer do sol, registrou-se forte tremor de terra, sentido também no mar. Ante o fenômeno, as tripulações resolveram dirigir preces aos deuses e chamar os Eácidas em socorro da Grécia. Invocaram Ájax e Télamon, e enviaram um navio a Egina para trazer Éaco e o resto dos Eácidas.

LXV - Diceu de Atenas, filho de Teócides, banido de sua pátria e gozando então de grande prestígio entre os Medos, contava que, achando-se, por acaso, na planície de Tria, em companhia de Demarato da Lacedemônia, depois que a Ática, abandonada pelos Atenienses, fora devastada pelo exército de Xerxes, viu erguer-se de Elêusis imensa nuvem de poeira, que parecia produzida por muitos milhares de homens em marcha. Espantados e não sabendo a que homens atribuí-la, ouviram, de repente, uma voz semelhante à do místico Iaco{139}. Acrescentava Diceu que Demarato, não instruído sobre os mistérios de Elêusis, perguntou-lhe o significado das palavras que acabavam de ouvir. "Demarato - respondeu ele -, alguma grande desgraça paira sobre o exército do soberano, e ele não pode evitá-la - pois, estando a Ática deserta, é, certamente, alguma divindade que fala. Ela saiu de Elêusis e vai em socorro dos Atenienses e dos aliados, isso me parece evidente. Se ela se dirige para o Helesponto, o rei e seu exército de terra correrão grande perigo; se tomar a direção de Salamina, onde se encontram os navios, a frota de Xerxes corre o risco de ser destruída. Os Atenienses celebram todos os anos essa festa em honra de Ceres e de Prosérpina, e iniciam nesses mistérios todos os que dentre eles e os outros gregos assim o desejam. Os hinos que ouves são os cantados na festa em louvor de Iaco". Ante a explicação dada pelo amigo, Demarato observou-lhe: "Vamos, Diceu; sê discreto e não fales de semelhante presságio a quem quer que seja. Se chegar ao conhecimento do rei o que acabas de contar, perderás a cabeça, pois nem eu nem pessoa alguma poderá obter o perdão para ti. Tranqüiliza-te; os deuses velarão pelo exército".

Diceu acrescentava que a nuvem formada pela poeira dirigia-se para Salamina, onde se encontravam as forças gregas, e que ele e Demarato deduziram disso que a frota de Xerxes estava votada ao aniquilamento.

LXVI - Quando as tropas navais de Xerxes tiveram como certa a perda dos lacedemônios, dirigiram-se de Tráquis a Histieu, onde permaneceram três dias, depois do que atravessaram o Euripo, atingindo Faleros três dias depois. As forças terrestres e navais dos bárbaros não eram menos numerosas, penso eu, ao entrarem na Ática, do que ao chegarem às Termópilas e ao promontório de Sépias; pois, em lugar dos que haviam perecido na tempestade, na passagem das Termópilas e no combate naval de Artemísio, coloco os outros povos que só depois passaram a acompanhar o soberano persa, tais como os Málios, os Dórios, os Lócrios e os Beócios. Xerxes foi ainda seguido pelos Carístios, pelos Ândrios, pelos Tênios e por outros insulares, com exceção dos habitantes das cinco ilhas cujos nomes já mencionei aqui. Com efeito, à medida que Xerxes avançava na Grécia, suas fileiras iam sendo engrossadas com tropas fornecidas por outros povos.

LXVII - Quando todas essas tropas chegaram, umas a Atenas e as outras a Faleros - com exceção dos pários, que esperavam em Citnos o desenrolar dos acontecimentos - Xerxes dirigiu-se à frota, para conferenciar com seus oficiais e saber quais os seus pontos de vista sobre as operações. Chegando a bordo de uma das embarcações, sentou no trono que lhe havia sido preparado, e ao seu lado tomaram lugar os tiranos das diferentes nações que participavam da expedição e os comandantes dos navios, cada um segundo a dignidade que lhes havia sido conferida pelo soberano, vindo em primeiro lugar o rei de Sídon, depois o de Tiro, e assim por diante. Todos acomodados de acordo com a categoria, Xerxes, querendo sondá-los, perguntou-lhes, por intermédio de Mardônio, se eram de opinião que ele devia travar a batalha no mar, e todos, a começar pelo rei de Sídon, manifestaram-se favoráveis, exceto Artemisa, que se dirigiu a Mardônio nestes termos:

LXVIII - "Mardônio, transmite ao rei estas minhas palavras. Senhor, depois das provas do meu valor que dei nos combates travados no mar, perto da Eubéia, considero justo que me permitais expor a minha opinião e dizer-vos o que julgo mais vantajoso para os vossos interesses. Sou de parecer que deveis poupar os nossos navios e que eviteis oferecer essa batalha naval, porque os Gregos são tão superiores no mar às tuas tropas, quanto os homens o são com relação às mulheres. Haverá necessidade de arriscar as vossas forças num combate naval? Não sois senhor de Atenas, o objetivo principal desta expedição? O resto da Grécia já não está ao vosso alcance? Ninguém pode resistir-vos, e os que tentam fazê-lo têm o fim que merecem. Permiti que vos diga de que maneira deveis, na minha opinião, agir, encarando a situação presente dos vossos inimigos. Se, em lugar de apressardes a batalha naval, mantiverdes vossos navios na enseada, ou se avançardes até o Peloponeso, tereis atingido o vosso objetivo final, pois as forças gregas não podem manter uma resistência prolongada, desde que não possuem, como estou informado, víveres suficientes nesta ilha; dispersar-se-ão, refugiando-se nas suas respectivas cidades. Não acredito que, se enviardes as vossas tropas para o Peloponeso, os peloponésios que se encontram em Salamina ali permaneçam tranqüilos e ofereçam ajuda aos atenienses; mas se precipitardes a batalha, receio muito que a derrota da vossa força naval acarrete também a das forças de terra. Sois o melhor dos soberanos, mas existem maus escravos entre os vossos aliados, tais como os egípcios, os cíprios e os cilícios, que de nada vos servirão".

LXIX - Os amigos de Artemisa recearam que essas palavras atraíssem sobre eles algum castigo da parte do rei. Os que a invejavam e sentiam despeito pela maneira altamente honrosa com que o soberano a tratava, mais do que a qualquer outro dos aliados, mostraram-se intimamente satisfeitos com o seu procedimento, não duvidando das desastrosas conseqüências. Todavia, quando Mardônio transmitiu a Xerxes as opiniões dos vários comandantes, este mostrou particular agrado pela de Artemisa. Ele, que já encarava essa princesa como uma mulher de valor, tributou-lhe, na ocasião, os maiores elogios. Apesar disso, preferiu seguir a opinião da maioria; e como pensava que as suas tropas não tinham cumprido bem com o seu dever no combate nas proximidades da Eubéia, com propósito deliberado, por não se achar ele presente, dispôs-se a ser espectador da batalha que ia ser travada em Salamina.

LXX - Dada a ordem de partida, a frota persa avançou para Salamina, colocando-se facilmente em linha de batalha; mas, estando próximo o fim do dia, resolveram adiar o ataque, e, durante a noite, prepararam-se para a manhã seguinte. Entretanto, o terror apoderou-se dos gregos e, sobretudo, dos peloponésios, que receavam, no caso de insucesso na luta, ficar cercados na ilha, deixando seu país sem defesa.

LXXI - As forças terrestres dos bárbaros partiram nessa mesma noite para o Peloponeso. Os peloponésios que ali haviam permanecido tinham tomado todas as medidas para impedir o inimigo de penetrar nas suas terras pelo continente. Sabedores da morte de Leônidas e do aniquilamento de suas tropas nas Termópilas, acorreram de todas as cidades para o istmo, sob o comando de Cleômbroto, filho de Anaxandrido e irmão de Leônidas. Chegando ao istmo, interceptaram o caminho que conduzia a Círon, e, seguindo a deliberação tomada em conselho, entregaram-se logo à tarefa de fechar o istmo com uma muralha, de ponta a ponta. A obra progredia rapidamente, e ninguém, entre tantos milhares de homens, estava isento do trabalho. Uns carregavam pedras, outros tijolos, madeira e cestos cheios de areia. O serviço era mantido ininterrupto, dia e noite.

LXXII - Os povos gregos que concorreram para a defesa do istmo foram os Lacedemônios, os Árcades, os Eleus, os Coríntios, os Siciônios, os Epidáurios, os Trezênios e os Hermioneus. Tais os povos que, vendo o perigo que ameaçava a Grécia, vieram em seu auxílio. O restante dos peloponésios não se inquietaram, absolutamente, com a situação, permanecendo em suas cidades, embora os jogos Olímpicos e as festas Cárnias já tivessem passado.

LXXIII - O Peloponeso é habitado por sete nações diferentes. Duas, originárias do país, ocupam ainda hoje o mesmo território que ocupavam outrora: os Árcades e os Cinúrios. Uma terceira, a dos Aqueus, deixou apenas o cantão que habitava, para fixar-se em outro, sem nunca ter abandonado o Peloponeso. As outras quatro nações - os Dórios, os Etólios, os Dríopes e os Lêmnios - são estrangeiras. Os Dórios possuem muitas cidades célebres; os Etólios, apenas a de Élis; os Dríopes possuem as de Hermíone e Ásine, nas vizinhanças de Cardâmile da Lacônia. Os Paroreatas são todos Lêmnios. Os Cinúrios, embora autóctones, são considerados iônios por alguns, tornando-se dórios sob o domínio dos Árgios, assim como os Orneatas e seus vizinhos. Todas as cidades das sete nações de que acabo de falar abandonaram a causa dos aliados gregos, mantendo-se neutras, favorecendo com essa neutralidade, segundo penso, os interesses dos Medos.

LXXIV - Os gregos que se encontravam no istmo ocupavam-se da construção da muralha com o maior ardor, como se ela lhes fosse o último recurso e já tivessem perdido a esperança de conseguir êxito no mar. Os que se encontravam em Salamina, informados da marcha dos bárbaros, sentiram-se igualmente tomados de terror, embora menos por eles próprios do que pelo Peloponeso. Perplexos com a imprudência de Euribíades, trocaram impressões, secretamente, sobre a situação, acabando por manifestar-se abertamente e reunindo-se, então, em conselho. A questão foi novamente agitada. Uns achavam que deviam seguir para o Peloponeso, sendo preferível expor-se pela defesa deste, do que permanecer em Salamina e ali combater por um país já subjugado. Os atenienses, os eginetas e os megários, porém, eram de parecer que deviam lutar no lugar onde se encontravam.

LXXV - Notando que a opinião dos peloponésios tendia a prevalecer, Temístocles abandonou secretamente o conselho e enviou, sem perda de tempo, um mensageiro numa barca ao local onde se encontrava a frota dos persas, instruído sobre o que devia fazer aos invasores. Esse emissário, de nome Sicínio, era da família de Temístocles e preceptor dos filhos deste. Algum tempo depois de terminada a guerra, Temístocles cumulou-o de riquezas, incluindo-o entre os cidadãos de Téspias quando essa cidade foi repovoada. Chegando a bordo de um dos navios da frota persa, Sicínio assim se dirigiu à oficialidade: "O comandante dos atenienses, estando bem intencionado com relação ao vosso soberano, preferindo o êxito das vossas armas ao dos Gregos, enviou-me secretamente aqui para vos comunicar que estes últimos, atemorizados ante a aproximação da vossa frota, estão decidindo se devem ou não empreender a fuga. Não vos resta senão praticar a mais bela de todas as vossas ações, não permitindo que eles escapem. Não existe acordo perfeito entre eles, levantando discussões estéreis entre si, em lugar de concertar planos para resistir às vossas forças". Desincumbindo-se da missão que lhe confiara Temístocles, Sicínio deixou a frota sem mais demora.

LXXVI - Considerando sincera a declaração do emissário, os persas enviaram um contingente de tropas para a ilha de Psitália, situada entre Salamina e o continente. Cerca da meia-noite, a ala esquerda da frota avançou para Salamina, a fim de envolver os gregos, ao mesmo tempo que os navios que se achavam em torno de Ceos e de Cinosura começaram a movimentar-se, cobrindo todo o estreito, até Muníquia. Essa manobra tinha por fim impedir que os gregos escapassem, podendo eles, os persas, vingar-se finalmente da derrota que lhes fora imposta em Artemísio. Quanto ao desembarque de tropas em Psitália, assim o fizeram porque essa ilha, achando-se perto do local onde devia travar-se a batalha, os guerreiros batidos na luta certamente procurariam refúgio ali, e eles poderiam, então, salvar seus adeptos e matar os adversários. Essas medidas foram tomadas secretamente, durante a noite, a fim de que os gregos nada percebessem.

LXXVII - Quando reflito sobre esses acontecimentos, não posso contestar a verdade dos oráculos, quando eles se exprimem de uma maneira tão clara como esta: "Quando eles cobrirem com seus navios a margem sagrada de Diana e a de Cinosura, e, cheios de louca esperança, tiverem devastado a ilustre cidade de Atenas, a Vingança reprimirá o Desdém, filho da Insolência, que, no seu furor, pretende fazer ressoar o seu nome por todo o universo. O bronze fundir-se-á com o bronze{140}, e Marte tingirá de sangue o mar. Então, o filho de Saturno e a augusta Vitória levarão aos Gregos o dia da liberdade".

Exprimindo-se Bácis de maneira tão clara, não ouso contradizer os oráculos e não aprovo que outros o façam.

LXXVIII - As discussões continuavam em Salamina entre os comandantes da frota grega, que ignoravam estar sendo envolvidos pelos bárbaros e julgavam que estes permaneciam no mesmo lugar onde os tinham visto durante o dia.

LXXIX - Mantinham-se ainda em conselho, quando chegou de Egina, Aristides, filho de Lisímaco. Aristides era ateniense, tendo sido relegado ao ostracismo pelo povo, embora fosse um homem de bem e amante da justiça, como vim a saber, analisando os seus costumes. Apresentando-se diante do conselho, Aristides dirigiu-se a Temístocles, que, por certas razões, o detestava, para conferenciar com ele. As proporções dos males presentes faziam-nos esquecer todos os ressentimentos, e Temístocles dispôs-se a escutá-lo. Aristides já ouvira falar do empenho dos peloponésios em retirar-se para o istmo. Por isso, foi logo dizendo a Temístocles: "Esqueçamos por um momento as nossas desavenças e tratemos de ver, nas circunstâncias atuais, de que maneira poderemos prestar maiores serviços à pátria. Não importa que os peloponésios estejam ou deixem de estar interessados na partida da frota. O que interessa é que o inimigo investe decididamente contra nós, pois sou testemunha ocular das suas manobras. Os coríntios e o próprio Euribíades não poderiam retirar-se agora, mesmo que quisessem. Volta à reunião e transmite a eles o que acabo de te dizer".

LXXX - "Tua opinião me parece acertada - respondeu Temístocles - e folgo deveras com a notícia que nos trazes de que o inimigo toma a iniciativa de nos atacar. Era isso o que eu mais desejava, e fui eu próprio quem o forçou a agir assim, ao ver que os nossos não se decidiam a dar-lhe combate. Peço-te que faças, tu mesmo, essa comunicação ao conselho, a fim de que não pensem que estou procurando enganá-los dizendo-lhes que o inimigo já iniciou as manobras de ataque. Entra, pois, e dize-lhes em que pé estão as coisas. Se acreditarem em ti, tanto melhor; se não, não faz diferença, pois se, como dizes, estamos cercados por todos os lados, não poderemos fugir ao combate".

LXXXI - Apresentando-se aos chefes aliados reunidos em conselho, Aristides disse-lhes que vinha de Egina e que encontrara dificuldade em passar, sem ser percebido, por entre a frota persa, que envolvia por todos os lados a dos gregos. Por isso, aconselhava-os a se porem de atalaia. Feita a comunicação, Aristides deixou a reunião, e os comandantes aliados mantiveram-se ainda por algum tempo discutindo acerca da notícia, a maioria não lhe querendo dar crédito.

LXXXII - A dúvida prevalecia ainda no seu espírito, quando viram chegar um trirreme cheio de fugitivos tênios comandados por Panécio, filho de Sosímenes, trazendo-lhes notícias exatas sobre a situação. Para perpetuar esse fato, mandaram gravar no tripé consagrado a Delfos os nomes dos tênios entre os dos que haviam contribuído para a derrota de Xerxes. Esse navio tênio, que passou para o lado dos gregos em Salamina, completou, com o de Lemnos que se juntara antes em Artemísio, o total de trezentos e oitenta navios da frota grega, cujo número original era de trezentos e setenta e oito embarcações.

LXXXIII - Os comandantes aliados, dando fé à comunicação dos tênios, prepararam-se para o combate, reunindo suas tropas logo ao raiar a aurora. Temístocles, agindo da mesma maneira, arengou às suas, insuflando-lhes ânimo. Fez, no seu discurso, um paralelo entre as grandes ações e os procedimentos covardes, entre os gestos que dependem da natureza e da condição humana, exortando-os a adotar a atitude que lhes parecesse mais gloriosa. Terminada a arenga, ordenou aos combatentes que subissem aos seus navios. Mal haviam eles embarcado, chegava de Egina o navio enviado em busca dos Eácidas. Momentos depois, os gregos faziam avançar toda a frota ao encontro do inimigo.

LXXXIV - Logo que a força naval grega se pôs em movimento, os persas lançaram-se sobre ela. Os navios gregos recuaram um pouco na direção da costa, sem virar de bordo, para cair em seguida sobre o inimigo, quando Amínias, ateniense e habitante do burgo de Palena, avançou à frente dos outros e abordou um navio persa, ficando, todavia, em situação embaraçosa. Os outros acorreram em seu auxílio; e assim teve início o combate, segundo a versão dos Atenienses. Dizem, porém, os Eginetas, que foi o navio enviado aos Eácidas o primeiro a entrar em contato com a frota persa. Há quem diga também que um fantasma apareceu aos combatentes gregos sob a forma de uma mulher e, com voz bastante forte para ser ouvida por toda a frota, animou-os a avançar, depois de tê-los assim censurado ao vê-los indecisos e receosos: "Infelizes, quando cessareis de recuar?"

LXXXV - Os fenícios formavam lado a lado com os atenienses, na ala que dava para Elêusis, a oeste; e os iônios em frente aos lacedemônios, na ala voltada para leste e para o Pireu. Alguns destes últimos conduziram-se covardemente, com propósito premeditado, atendendo às exortações de Temístocles; mas a maioria agiu com hombridade e bravura. Poderia citar aqui os nomes de muitos dos seus capitães que capturaram navios aos gregos; mas limitar-me-ei a declinar os de Teomestor, filho de Androdamas, e o de Fílaco, filho de Histieu, ambos de Samos. São os únicos a que faço menção porque a bravura valeu a Teomestor a soberania de Samos, concedida pelos Persas, e porque Fílaco, incluindo-se no número dos que angariaram a admiração e estima do soberano, teve como recompensa uma grande extensão de terra.

LXXXVI - Grande parte da frota persa foi destruída pelos atenienses e eginetas. Os bárbaros, combatendo desordenadamente, sem tática alguma, contra forças que se batiam em boa ordem e obedecendo a um método de luta, estavam mesmo fadados a esse revés. Portaram-se, no entanto, com maior bravura do que em Eubéia, superando mesmo a atuação até ali mantida, cada um esforçando-se ao máximo e vendendo caro a derrota, pelo temor que lhes inspirava Xerxes, que supunham estar observando o desenrolar da batalha.

LXXXVII - Dado o grande número de combatentes de ambos os lados empenhados no combate, não posso precisar a maneira com que se houveram, em particular, bárbaros e gregos. Posso, contudo, mencionar uma façanha de Artemisa, que veio aumentar ainda mais a estima que já lhe tributava o soberano persa. Quando grande era a desordem entre os navios de Xerxes, essa princesa, vendo que não podia escapar à perseguição de um navio ateniense, porque tinha pela frente vários navios amigos e o seu era o que mais próximo se achava das embarcações inimigas, tomou, de súbito, uma decisão arrojada, conduzindo-se de maneira feliz. Acossada pelo navio ateniense, lançou-se sobre um navio amigo, tripulado pelos Calíndios e no qual se achava Damastino, soberano destes últimos. Ignoro se ela havia tido alguma diferença com esse soberano enquanto os persas ainda se encontravam no Helesponto, se assim agiu premeditadamente, ou simplesmente porque o navio dos calíndios se achava, por acaso, na frente do seu, no momento em que procurava, de todas as maneiras, escapar à perseguição que lhe movia a embarcação ateniense. Como quer que seja, Artemisa atacou-o e fê-lo soçobrar, e o resultado foi que o comandante do trirreme ateniense, vendo-a atacar um navio bárbaro e imaginando que o seu navio era grego, ou que, tendo passado para o lado dos aliados, combatia por eles, fez-se de bordo para ir juntar-se ao resto da frota.

LXXXVIII - Usando desse artifício, Artemisa logrou conservar a vida e atrair ainda mais sobre si a estima de Xerxes, embora tivesse prejudicado a causa deste, que jamais supôs fosse amigo o navio por ela atacado e destruído. Dizem que o soberano, atento ao desenrolar do combate, viu quando o navio da princesa se lançou sobre um outro, e que alguém que se achava ao seu lado observou-lhe: "Senhor, vede com que coragem Artemisa combate e como pôs a pique aquele navio inimigo!" Então Xerxes procurou saber se aquela façanha tinha sido realmente praticada por Artemisa. Todos disseram que sim; que conheciam muito bem o navio da princesa pela figura que trazia na proa, não duvidando que a embarcação posta ao fundo fosse inimiga. Para maior felicidade de Artemisa, ninguém do navio calíndio se salvou para acusá-la. Assegura-se haver Xerxes declarado na ocasião: "Os homens estão-se conduzindo como mulheres, e as mulheres como homens". Tal a frase que lhe atribuem.

LXXXIX - Ariabines, filho de Dario e irmão de Xerxes, um dos comandantes das forças navais persas, pereceu nessa batalha, bem como grande número de figuras de alta categoria, tanto persas como medos e da parte dos aliados. Não foram grandes as perdas registradas entre os gregos. Como eram exímios nadadores, os que não pereciam pela mão dos inimigos quando seu navio era destruído, ganhavam a costa a nado. Mas os bárbaros, na sua maioria, eram tragados pelas águas, por não saberem nadar. Os persas perderam grande parte dos seus navios da seguinte maneira: quando os que iam na frente batiam em retirada, os que navegavam logo atrás, esforçando-se por tomar a dianteira, para dar provas ao soberano da sua bravura e intrepidez, chocavam-se com os que viravam de bordo, espatifando-se.

XC - Os fenícios, tendo perdido seus navios nessa confusão, acusaram, perante o rei, os iônios de traição e de serem os responsáveis pela sua perda; mas um fato inesperado veio salvar a cabeça dos generais iônios e fazendo com que o castigo revertesse sobre os próprios fenícios. Faziam estes ainda suas acusações, quando um navio samotrácio, lançando-se sobre uma embarcação ateniense, enviou-a para o fundo do mar. Ao mesmo tempo, um navio egineta caiu sobre o da Samotrácia, metendo-o também a pique. Os samotrácios, porém, excelentes guerreiros, rechaçando a golpes de dardo os combatentes do navio egineta e abordando-o, conseguiram tornar-se senhores do mesmo. Essa façanha salvou os iônios. Testemunhando o fato, Xerxes, que se sentia deprimido com o resultado da batalha e acusava a todos de serem os culpados, mandou imediatamente degolar os fenícios acusadores, para que não mais caluniassem gente mais brava do que eles. Sentado ao pé do monte Egaleu, situado diante de Salamina, o soberano persa assistia ao desenrolar da luta; e quando percebia alguma ação de vulto da parte dos seus, informava-se logo sobre quem a tinha praticado, anotando um dos seus secretários o nome do autor da façanha, bem como do seu pai e da cidade a que pertencia. Ariaramnes, nobre persa e amigo dos iônios, achando-se presente na ocasião em que os fenícios os acusaram, tomou a sua defesa, muito contribuindo para a perda dos últimos.

XCI - Enquanto essas coisas se passavam, os bárbaros, postos em fuga, procuravam alcançar o porto de Faleros; mas os eginetas que se mantinham no estreito caíram sobre eles, praticando feitos memoráveis. Aproveitando-se da confusão reinante entre os inimigos, os atenienses iam destruindo os navios que resistiam e os que fugiam, o mesmo fazendo os eginetas com os que caíam ao seu alcance, de maneira que, quando um navio persa conseguia livrar-se dos atenienses, vinha cair nas mãos dos eginetas.

XCII - Em meio a esses acontecimentos, Temístocles, perseguindo os persas, encontrou Polícrito, filho de Crio de Egina, que atacava um navio sidônio. Este havia capturado um navio egineta enviado em missão de reconhecimento à ilha de Cíatos e comandado por Piteu, filho de Isquenous, que recebeu inúmeros ferimentos ao bater-se contra os persas e cuja vida estes pouparam por admiração à sua coragem. Piteu recuperou assim a liberdade, regressando a Egina. Polícrito, reconhecendo logo o navio do almirante ateniense pela figura que o ornava, chamou em voz alta Temístocles, censurando-o de modo acerbo pela acusação feita aos eginetas de se inclinarem para os medos; e enquanto o invectivava, mantinha o ataque contra o navio sidônio. Quanto aos bárbaros que conseguiram conservar seus navios na fuga, retiraram-se eles para o porto de Faleros sob a proteção das forças de terra.

XCIII - Os eginetas foram os que mais se distinguiram nessa batalha, e depois deles os atenienses. Entre os primeiros sobressaiu-se Polícrito, e entre os segundos Eumenes de Anagironte e Amínias de Palena, que perseguiu o navio de Artemisa. Se ele soubesse que essa princesa estava no navio, não teria cessado de dar-lhe caça enquanto não o capturasse, pois era essa a ordem que havia recebido dos comandantes atenienses, que prometeram uma recompensa de dez mil dracmas a quem a fizesse prisioneira, de tal forma ficaram indignados de ter uma mulher vindo combatê-los. Artemisa, porém, conseguiu ludibriar seu perseguidor, como relatei mais atrás.

XCIV - Dizem os atenienses que Adimanto, tomado de pavor no primeiro choque com o inimigo, abriu velas e fugiu, e que os coríntios, vendo o navio capitânia da sua frota fugir, retiraram-se também. Chegando perto do templo de Minerva Ciras, na costa de Salamina, estes últimos encontraram uma falua enviada pelos deuses. Supõe-se ter havido nisso qualquer coisa de divino, pois a falua, aproximando-se dos coríntios, que ignoravam o que se passava com o restante da frota, os que a tripulavam disseram-lhes: "Adimanto, traidor dos gregos; tiveste pressa em fugir, e, entretanto, eles estão vitoriosos e obtêm todas as vantagens que visavam". Não tendo Adimanto acreditado no que diziam, os tripulantes da barca acrescentaram que se dispunham a ficar como reféns e que eles, os coríntios, podiam executá-los, se os aliados já não tivessem alcançado a vitória. Diante disso, Adimanto e os que o acompanhavam viraram de bordo, regressando para junto da frota, já depois da batalha. Tal o boato espalhado pelos Atenienses, mas os coríntios negam essa versão, pretendendo ter-se destacado mais que todos no combate naval, tendo muitos gregos a apoiá-los.

XCV - Aristides, filho de Lisímaco e natural de Atenas, a quem já me referi como homem de bons princípios e altas qualidades, distinguiu-se também nessa jornada. Tomando consigo um bom número de soldados atenienses bem armados, que encontrou à beira-mar, em Salamina, levou-os para a pequena ilha de Psitália{141}, matando todos os persas que ali se encontravam.

XCVI - Terminado o combate, os gregos rebocaram para Salamina todos os navios danificados que se encontravam nas imediações da ilha e prepararam-se para uma nova ação bélica, contando que o soberano persa lhes desse uma segunda batalha com o que restava da sua frota. Entretanto, grande parte dos navios persas que escaparam à destruição foi impelida pelo vento oeste para a costa da Ática denominada Cólis, ficando o inimigo praticamente privado da sua força naval. Cumpriam-se, assim, os oráculos de Bácis e de Museu com relação à batalha naval, da mesma forma que um outro divulgado muitos anos antes desses acontecimentos, por Lisístrato, adivinho ateniense, e concernente aos despojos dos navios arrastados para a costa. Este último oráculo, cujo sentido havia até então escapado aos gregos, era concebido nestes termos: "As mulheres de Cólis farão grelhas com os remos". Isso devia acontecer depois da partida do soberano.

XCVII - Logo que Xerxes reconheceu a sua derrota, receando que os gregos, a conselho dos iônios ou por iniciativa própria, se dirigissem ao Helesponto para destruir as pontes, e que, surpreendido na Europa, ali corresse o risco de perecer, pensou em fugir; mas, desejando ardentemente vingar-se da derrota sofrida, procurou ligar Salamina ao continente por meio de uma ponte, feita com os navios de carga dos fenícios, realizando todos os preparativos, como se pretendesse oferecer-lhes nova batalha naval. Vendo-o agir dessa maneira, os gregos ficaram persuadidos de que ele se preparava para continuar a guerra; mas sua intenção não escapou à sagacidade de Mardônio, que lhe conhecia perfeitamente a maneira de pensar.

XCVIII - Enquanto se entregava a esses preparativos, Xerxes despachou um correio para a Pérsia levando a notícia do grande insucesso das suas forças navais ante os gregos. O serviço de correios dos Persas era realizado com grande eficiência e rapidez, estando muito bem coordenado. De légua em légua havia um posto, onde se mantinham homens e cavalos, prontos para partir a qualquer momento, de dia ou de noite, sob quaisquer condições de tempo, correndo celeremente. Chegando ao primeiro posto, o primeiro correio entregava o despacho a um segundo, este a um terceiro, e assim sucessivamente, passando o despacho de uma mão para outra, da mesma maneira que entre os Gregos o facho passa de mão em mão nas festas de Vulcano. A essa corrida de posto em posto os Persas denominam na sua língua angareion.

XCIX - Quando chegou a Susa a notícia, trazida pelo primeiro correio, de que Xerxes se tornara senhor de Atenas, os persas que ali haviam permanecido sentiram-se tomados de intenso júbilo, juncando as ruas de mirto, queimando essências aromáticas, realizando festins e entregando-se a toda espécie de prazeres. A segunda notícia, porém, deixou-os consternados. Puseram-se a rasgar as vestes em desespero, soltando gritos lamentosos e acusando Mardônio de ter sido o causador de tão grande desgraça. A perda dos navios, contudo, afligia-os menos do que a idéia de vir o seu soberano a perecer ou ser feito prisioneiro, e só se sentiram tranqüilos quando o viram de regresso.

C - Por sua vez, Mardônio, vendo Xerxes perturbado e aflito com o resultado desfavorável da batalha naval, supôs logo que o soberano pensava em abandonar a Ática, e acreditando que seria punido por havê-lo aconselhado a atacar a Grécia, achou que devia expor-se a novos riscos, considerando que lhe era forçoso, ou subjugar o país ou ali perecer de maneira honrosa. Depois de muito refletir, prevaleceu no seu espírito o desejo de submeter a Grécia. Com essa idéia a martelar-lhe a mente, dirigiu-se a Xerxes, dizendo-lhe: "Senhor, não vos contristeis com o duro golpe que acabais de sofrer no mar. A decisão desta guerra não depende da vossa frota, mas das vossas forças de terra, isto é, da vossa cavalaria e da vossa infantaria. Se fizerdes uso delas, os gregos, que supõem estar tudo terminado, não deixarão os seus navios para se oporem às vossas tropas, e os aliados do continente não ousarão enfrentar-vos. Os que já tentaram fazê-lo foram punidos como mereciam. Ataquemos, pois, imediatamente, o Peloponeso, se assim estiverdes disposto. Se achais, porém, que não devemos fazê-lo, obedeceremos do mesmo modo. Não vos desencorajeis, todavia. Os gregos não contam com recursos suficientes para uma guerra prolongada, e não poderão evitar nem a escravidão nem o ajuste de contas final que então exigireis pelo presente e pelo passado. Eis como, na minha opinião, deveis proceder, senhor; mas se estiverdes resolvido a bater em retirada com o vosso exército, não permitais, senhor, que os persas sirvam de joguete aos gregos. Vossos interesses ainda não foram prejudicados por culpa dos persas, e não podeis acusar-nos de nos termos portado covardemente em qualquer circunstância. Se os fenícios, os egípcios, os cíprios e os cilícios não cumpriram bem o seu dever, a culpa deles não nos atinge, e não deveis voltá-la contra nós. Por conseguinte, senhor, não sendo os persas os culpados do vosso insucesso, dignai-vos seguir o meu conselho. Se, não obstante, estiverdes decidido a não permanecer aqui por mais tempo, voltai para os vossos domínios; mas dai-me trezentos mil homens à minha escolha, e tudo farei para submeter a Grécia ao vosso jugo".

CI - Xerxes, sentindo com essas palavras sua dor acalmar-se e a alegria renascer-lhe na alma, respondeu a Mardônio que ia pensar bem na sua sugestão e que depois lhe anunciaria suas intenções. Enquanto deliberava sobre o assunto com os persas que havia convocado, desejou o soberano ouvir também a opinião de Artemisa, em cujos conselhos depositara sempre maior confiança do que nos dos outros. Mandou, pois, chamá-la, e quando ela chegou, ordenou aos persas e aos guardas que se retirassem do recinto da conferência, e falou-lhe nestes termos:

"Mardônio exorta-me a permanecer aqui e a atacar o Peloponeso, procurando mostrar-me que os persas e as minhas forças de terra nada têm a ver com o insucesso que vimos de experimentar. Oferece-se mesmo para dar-me provas disso. Insinua-me, também, a tentar novamente a sorte das armas, ou a voltar para os meus Estados com as minhas tropas, deixando-lhe trezentos mil homens de sua escolha, com os quais me promete subjugar a Grécia. Dize-me, Artemisa, tu que tão prudentemente me aconselhaste a não oferecer combate naval aos gregos, qual dos dois partidos devo tomar?".

CII - "Senhor - respondeu Artemisa -, é difícil indicar-vos o melhor caminho; mas, nas circunstâncias presentes, acho que deveis regressar à Pérsia, deixando aqui Mardônio com as tropas que vos pede. Já que ele assim o deseja, que tente subjugar a Grécia. Se ele for bem sucedido, tereis todas as honras da façanha, pois essa conquista terá sido obra dos vossos escravos. Se, ao contrário, a empresa não for coroada de êxito, como ele espera, isso não constituirá uma grande infelicidade para vós, uma vez que continuais vivendo e vossa casa se mantém florescente. Enquanto viverdes e vossa casa subsistir, os Gregos terão de sustentar muitas batalhas para defender sua liberdade. Se Mardônio sofrer um revés, pouco importa. Levando à derrota e à morte um dos vossos servos, os Gregos só terão alcançado com isso uma fraca vantagem sobre vós. Não deveis, todavia, senhor, regressar sem haverdes ateado fogo à cidade de Atenas, como o prometestes ao empreender esta expedição".

CIII - Essa opinião de Artemisa agradou sobremaneira a Xerxes, tanto mais que ela se coadunava com a sua própria maneira de pensar. Não obstante, ainda que todos os seus o aconselhassem a permanecer e continuar a luta, creio que ele não o teria feito, de tal maneira se achava aterrorizado. Depois de fazer os maiores elogios a Artemisa, disse-lhe que partisse para o Éfeso levando em sua companhia alguns dos seus filhos naturais que se haviam incorporado à expedição. Hermotimo de Pédaso, que ocupava lugar de destaque entre os eunucos do soberano, foi encarregado de acompanhá-los e protegê-los.

CIV - (Os Pedásios habitam ao norte de Halicarnasso. Dizem que quando se encontram ameaçados por alguma desgraça, tanto eles como os seus vizinhos vêem crescer uma longa barba na sacerdotisa de Minerva, que vive em Pédaso, e que esse fenômeno já se verificou em duas ocasiões.)

CV - Não conheço ninguém que mais cruelmente se tenha vingado de uma injúria do que esse Hermotimo. Tendo sido, certa vez, capturado por inimigos, foi vendido a Paniônio, da ilha de Quios. Paniônio vivia de um tráfico infame: comprava jovens de bela aparência e reduzia-os à condição de eunucos, conduzindo-os a Sardes e ao Éfeso, onde os vendia a muito bom preço; pois a fidelidade dos eunucos tornava-os, entre os bárbaros, mais apreciados do que os outros homens. Vivendo desse tráfico, como já disse, Paniônio reduziu a essa triste condição grande número de jovens, entre os quais Hermotimo. Este, porém, não foi dos mais infelizes: levado para Sardes entre outros presentes destinados a Xerxes, conseguiu, em pouco tempo, conquistar junto ao soberano um prestígio maior do que todos os outros eunucos.

CVI - Quando Xerxes se encontrava em Sardes e dispunha-se a lançar suas forças contra a Grécia, Hermotimo, indo desempenhar certa missão em Atárnea, cantão da Mísia, cultivado pelos habitantes de Quios, ali encontrou Paniônio. Tendo-o reconhecido, testemunhou-lhe a maior amizade, e, começando por enumerar todos os bens que ele, Paniônio, lhe havia feito, disse-lhe que estava disposto a fazer-lhe outros tantos em sinal de reconhecimento, se seu antigo senhor quisesse estabelecer-se, com toda a família, em Sardes. Paniônio, encantado com o oferecimento, transferiu-se para Sardes, instalando-se na casa de Hermotimo, com a mulher e os filhos. Quando o teve em seu poder juntamente com a família, o eunuco assim lhe falou: "Oh homem vil e infame! Tu, o mais torpe de todos os homens; que ganhas a vida com a mais iníqua das profissões! Que mal te havíamos feito, eu e os meus, para me privares do meu sexo, reduzindo-me a um farrapo de homem? Imaginaste, porventura, que os deuses ignorariam a tua ação nefanda? Celerado! Por um justo castigo, eles te lançaram, por meio de um ardil, às minhas mãos, a fim de que pudesses sofrer a pena que te vou aplicar". Isso dizendo, Hermotimo mandou buscar os quatro filhos de Paniônio e obrigou-o a mutilá-los ele próprio. Paniônio, ante a atitude decidida do eunuco, não teve outro remédio senão executar as ordens. Hermotimo obrigou, em seguida, os meninos a fazerem a mesma operação no pai, vingando-se assim do ultraje que sofrera.

CVII - Tendo confiado os filhos a Artemisa, a fim de que ela os conduzisse para o Éfeso, Xerxes mandou chamar Mardônio e ordenou-lhe que escolhesse, em todo o exército, as tropas que desejava, dizendo-lhe que agisse de maneira a cumprir a promessa que lhe fizera. Nesse mesmo dia, ao anoitecer, os comandantes da frota partiram de Faleros, por ordem do soberano, com os navios que lhes restavam, dirigindo-se para o Helesponto com a maior celeridade possível, a fim de guardar as pontes por onde Xerxes devia passar. Quando os bárbaros chegaram próximo a Zóster{142}, tomaram por navios os pequenos promontórios que avançam mar a dentro naquele ponto, e ficaram de tal maneira aterrorizados, que fugiram em desordem. Reconhecendo, afinal, o equívoco, reuniram-se novamente e prosseguiram viagem.

CVIII - Quando o dia surgiu, os gregos, vendo as forças terrestres persas no mesmo lugar, julgaram que os navios inimigos se achavam também em Faleros; e, supondo que os invasores iam oferecer-lhes outra batalha, prepararam-se para defender-se. Quando, porém, souberam da partida da frota, resolveram imediatamente sair em sua perseguição. Navegaram até Andros, tentando localizá-la; mas não o conseguindo, aportaram a essa ilha, onde se reuniram para deliberar. Temístocles foi de parecer que deviam continuar perseguindo o inimigo através do mar Egeu, seguindo depois diretamente para o Helesponto, a fim de destruir as pontes por onde deveriam regressar os bárbaros. Euribíadss opinou de modo contrário, achando que, se as pontes fossem destruídas, tal fato acarretaria grandes desgraças para a Grécia, pois se o soberano tivesse a retirada cortada e fosse obrigado a permanecer na Europa, havia de aliciar novas tropas contra os Gregos; ao passo que se fugisse, seus exércitos podiam ser mais facilmente atacados. Esse parecer recebeu a aprovação dos generais do Peloponeso.

CIX - Temístocles, vendo que não conseguiria persuadir a maioria dos aliados a seguir para o Peloponeso, mudou de tática, e, voltando-se para os atenienses, que se mostravam indignados por se deixar escapar o inimigo e queriam, à viva força, ir ao Peloponeso, mesmo que os aliados não os seguissem, assim lhes falou: "Já tenho me encontrado em situações semelhantes a esta, e com freqüência ouvi falar de tropas vencidas e com o moral abatido que conseguiram recuperar a energia e reagir com denodo num novo encontro com seus adversários. Assim, pois, atenienses, já que conseguimos dissipar, contra nossa expectativa, essa ameaçadora nuvem de bárbaros, não devemos perseguir o inimigo que foge. Não são às nossas forças que devemos essa vitória, mas aos deuses e aos heróis, que se sentiram revoltados contra a ação de um mortal, de um ímpio, de um celerado, que, sem estabelecer distinção entre o sagrado e o profano, mandou queimar os templos e destruir as estátuas das divindades, mandou fustigar o mar e aplicar-lhe um ferro em brasas. Eles, os deuses e os heróis, não puderam admitir que esse homem tivesse em suas mãos o império da Ásia e da Europa. Já que o perigo foi afastado, permaneçamos tranqüilos no nosso país e ocupemo-nos de nós mesmos e de nossas famílias. Que cada um trate da reorganização da sua casa e se entregue com entusiasmo ao cultivo de suas terras. Na volta da Primavera iremos, então, ao Helesponto e à Iônia". Temístocles assim se expressava tendo em mente atrair as boas graças do soberano persa e nos seus domínios encontrar asilo no caso de os Atenienses levantarem contra ele alguma questão perigosa, o que, na realidade, não deixou de acontecer.

CX - Essas palavras ardilosas convenceram os atenienses presentes às deliberações, que estavam tanto mais dispostos a acreditar em Temístocles quanto o tinham em conta de homem sensato, que tantas provas já lhes dera de sua prudência e espírito esclarecido. Logo que viu sua opinião aceita pelos atenienses, Temístocles enviou ao encontro do soberano um bote com emissários de sua inteira confiança e incapazes de revelar a quem quer que fosse o que lhes fora confiado, ainda que fossem submetidos a torturas. Entre esses mensageiros figurava o escravo Sicínio. Atingindo a costa da Ática, Sicínio, deixando os companheiros no bote, foi em busca de Xerxes, dirigindo-se a ele nos seguintes termos: "Temístocles, filho de Néocles, general dos Atenienses, o mais bravo e o mais hábil de todos os aliados, enviou-me aqui para dizer-vos que, zeloso dos vossos interesses, logrou reter os gregos que queriam perseguir a vossa frota e destruir as pontes que lançastes sobre o Helesponto. Podeis, pois, agora, retirar-vos tranqüilamente". Feita a comunicação, os mensageiros fizeram-se de regresso.

CXI - Os gregos, tendo resolvido não mais perseguir a frota dos bárbaros e não destruir as pontes do Helesponto, cercaram Andros, com o propósito de destruí-la. Os habitantes dessa ilha tinham sido os primeiros a recusar a Temístocles o dinheiro que este lhes exigira. Tendo o general, ao fazer-lhes o pedido, alegado que eles não poderiam deixar de fazer um donativo a duas grandes divindades - a Persuasão e a Necessidade, que assistiam os Atenienses - responderam eles que Atenas, protegida por essas duas divindades, era, com muita razão, rica e florescente, e o território de Andros, ao contrário, pouco favorecido, isso porque duas divindades perniciosas, a Pobreza e a Incapacidade, se compraziam em persegui-los, não querendo jamais abandonar a ilha. Assim, estando em poder dessas divindades, não tinham meios para fornecer o dinheiro que lhes era solicitado, e que nunca o esplendor de Atenas seria maior que a precariedade de Andros.

CXII - Ávido de dinheiro, Temístocles mandou pedi-lo aos outros insulares pelos mesmos emissários, que lhes falaram na mesma linguagem, ameaçando, em caso de recusa, de sitiá-los e massacrá-los a todos. Por esse meio conseguiu Temístocles obter grandes somas dos Carístios e dos Pários, receosos de represálias, pois sabiam do prestígio de que ele gozava perante os generais. Ignoro se outros insulares contribuíram também, mas sinto-me inclinado a crer que aqueles não foram os únicos. Nem por isso, todavia, os Carístios foram deixados tranqüilos. Somente os Pários conseguiram apaziguar Temístocles com altas somas de dinheiro e esquivar-se ao ataque dos gregos. Foi assim que Temístocles, na ignorância dos outros generais, explorou os insulares durante sua permanência em Andros.

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