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Notas

257 - A Sabedoria ou ciência do governo começou a esse tempo entre os gregos. Bem mais antiga foi ela no Oriente, como se vê nos livros de Davi e Salomão.
258 - Em grego, os demagogos, isto é, os oradores que dirigiam o povo.
259 - Terceiro ano da septuagésima segunda Olimpíada, ano memorável em que começou o grande brilho da Grécia.
260 - Em grego: "esta guerra estava por então em toda sua força e os eginetas tinham todo o mar em seu poder".
261 - No grego: que ele procurava todos os meios de ganhar dinheiro porque, etc.
262 - No texto: "prevost" — em nota: — "arconte".
263 - É um erro de Amyot. O Decreto de ostracismo era de dez anos. Veja-se o próprio Amyot na vida de Aristides. cap. XVII.
264 - O célebre vale de Tempé, o mais belo local da natureza, tia Tessália, cantado por todos os poetas.
265 - É um engano de Amyot. Aíetes que se chama hoje Fetio é uma cidade da Maenésia, e não uma ilha.
266 - Atualmente 4.668 Libras da nossa moeda.
267 - Esta batalha em que os Persas foram vencidos, deu-se no primeiro ano da septuagésima-quinta Olimpíada, 480 anos A. C.
268 - Artemísio é um promontório da ilha de Eubéia, atualmente Negroponto.
269 - Esses dois óbolos equivalem a um pouco mais de 5 sous de nossa moeda.
270 - Seis Libras de nossa moeda.
271 - É um erro de Amyot, como já foi notado no Cap. XI. O decreto do ostracismo foi de 10 anos.
272 - "Gouffrê", em francês.
273 - O casseron é uma pequena espécie de peixe voador que os romanos chamavam loligo. Esse peixe expele, um liquido negro.
274 - Uma coruja, o pássaro de Palas e símbolo particular de Atenas que se vê em quase todas as s uas medalhas.
275 - Trata-se de uma repetição do erro de Amyot, do qual Já se falou nos caps. XI e XXI.
276 - AEschili Perseae, v. 339.
277 - Que lançavam flechas.
278 - Espada, lança e couraça.
279 - No texto de Amyot — "dè traict et gect". A nota diz "jet".
280 - Dafeneforo.
281 - É a gloriosa vitória de Salamina obtida no primeiro ano da septuagésima quinta olimpíada, 480 anos A. C, a vinte do mês de Boedromion ou a 23 de setembro.
282 - Na comédia dos Cavaleiros. V. 815.
283 - É um erro. Deve-se ler Págaso, porto da Magnásia.
284 - "Rouant" no texto — circulando.
285 - Da ilha de Andros, que se chama ainda agora Andro.
286 - Amyot escreve "et avoit luy etc", quando deveria escrever "et l’avoit luy".
287 - Ialiso, cidade da ilha de Rodes.
288 - Esses três talentos equivalem a 14.000 libras de nossa moeda.
289 - É um erro de Amyot a que já nos referimos várias vezes. Plutarco fala do decreto de ostracismo que era de dez anos.
290 - Vinte talentos equivalem a 93.375 libras da nossa moeda.
291 - Sessenta mil escudos. Amyot. Agora 456.875 libras de nossa moeda.
292 - Agora 373.500 libras de nossa moeda.
293 - 1.800 escudos. Amyot. Agora 14.006 libras da nossa moeda.
294 - Agora 913-750 libras da nossa moeda.
295 - Em grego: "bom cavaleiro, mas que quanto ao resto, etc. Veja-se Platão, no Menon. t II. p. 93. C.
296 - Em grego: "o promontóno de Alcimo".

Fontes   >    Grécia Antiga

Vidas Paralelas: Temistócles, de Plutarco

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Busto de Temistócles? Imagem de origem desconhecida. Via Wikimedia Commons.

Sobre a fonte

Temístocles (524-460 a.C.) foi um político e general ateniense que viveu no século 5 a.C. É conhecido por liderar as forças de Atenas nas batalhas de Artemísio e Salamina, famosas derrotas persas diantes das forças do ocidente. A biografia de Temístocles faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Temístocles foi comparado ao cônsul e ditador romano Camilo.

I. Origem de Temístocles

I. A linhagem a que pertencia Temístocles pouco ajudou à sua glória, porque seu pai, chamado Nicocles, se bem que cidadão de Atenas, não era dos mais importantes da cidade, nativo do Burgo de Frear, da estirpe Leontida, e do lado de sua mãe ele era mestiço, como se diz, por ser ela estrangeira, como testemunham estes versos:

Abrotonon, nasci na Tracia,
Mas posso considerar-me tão venturosa
Que gerei para os gregos
O grande e tão cantado Temístocles.

Fânias, todavia, escreve que sua mãe não era da Trácia mas nativa do país de Caria, e não a chama Abrotonon, mas Euterpe, e Neantes acrescenta que era de Halicarnasso, cidade capital do reino de Cária, razão pela qual, sendo costume que as crianças mestiças, isto é. aquelas não nascidas de pai e mãe cidadãos naturais de Atenas, se reunissem para jogar e exercitar-se em um certo lugar chamado Cinosargos, parque destinado aos exercícios dos jovens, fora das muralhas da cidade e dedicado a Hércules, que, entre os deuses, não era também legítimo, mas bastardo por causa da mãe mortal: Temístocles insistiu tanto com alguns jovens das mais nobres casas da cidade, que os acabou levando ao parque de Cinosargos, onde os fez despir, ungir e exercitar-se com ele. Agindo assim, ele aboliu habilmente a diferença que se fazia antes, entre os mestiços e os cidadãos legítimos de Atenas. Não obstante o que fica dito, é certo que ele se ligava de alguma maneira à casa dos Licomedes uma vez que a capela dessa família, situada no burgo de Fila, tendo sido incendiada e queimada pelos bárbaros, Temístocles a mandou refazer à sua custa, e a enriqueceu e ornou de pinturas, como narra Simônides.

II. Sua juventude ardente e aplicada

II. É todavia, coisa aceita de todos, que desde o tempo de sua infância percebia-se já perfeitamente que ele era ardente, inquieto, avisado, de bom senso, ambicioso de grandes realizações e nascido para o manejo dos negócios. Nos dias e horas de folga nos estudos e de permissão para divertir-se, jamais brincava nem permanecia ocioso, como faziam as demais crianças, mas era sempre encontrado decorando ou compondo sozinho algum discurso cujo objeto era, na maior parte das vezes, a defesa ou acusação de um dos seus companheiros. Em razão disso dizia-lhe seu mestre frequentemente: «Não serás jamais pouca coisa, meu filho, mas é forçoso que sejas algum dia, um grande bem ou um grande mal.» Quando queriam, entretanto, ensinar-lhe qualquer noção, servindo apenas para reforma e civilização de costumes, ou bem uma dessas questões que se estudam por prazer e honesto passatempo, ele as aprendia com frouxidão e frieza; se era, porém, algo de sentido, servindo ao manejo dos negócios públicos, via-se ele tomar nota, querendo saber mais do que lhe permitia a idade, como alguém que se entrega à sua inclinação. Isso foi causa de que se vendo mais tarde objeto de zombaria em companhia de outros que tinham estudado essas artes de entretenimento honesto e elegante, foi levado para defender-se e revidar, a responder-lhes com palavras um pouco altivas e inamistosas, dizendo que ele, em verdade, não sabia afinar uma lira ou uma viola, nem tocar o saltério, mas que lhe pusessem entre as mãos uma cidade pequena, fraca e de pouco nome, e ele saberia bem encontrar os meios de a fazer grande, poderosa e de nobre nomeada.»

III. Seu estudo da Sabedoria, isto é, da ciência de governo

III. Escreve, todavia, Estesimbroto, que ele esteve na escola de Anaxágoras, e que estudou com Melisso, o filósofo da natureza, enganando-se nisso, profundamente, por não ter levado em conta a sequência do tempo, porque Melisso foi capitão dos samienses contra Péricle s quando este sitiou a cidade de Samos. Ora, é certo que Péricles era muito mais jovem que Temístocles e Anaxágoras se manteve em sua própria casa, morando com ele, sendo portanto, mais verossímil e mais tempestivo crer naqueles que dizem que Temístocles se propôs imitar Mnesifilo o Freariano, o qual não fazia profissão de orador nem de filósofo da natureza, como chamavam naquele tempo, mas sim daquilo que apelidava então sabedoria, a qual não era outra coisa do que prudência no manejo dos negócios e bom-senso e discernimento em matéria de estado e de governo, profissão essa que, iniciada com Solon257 tinha continuado de mão em mão, até ele, como uma seita de filosofia. Mas aqueles que vieram depois, a misturaram entre as artes de debate oral, e, pouco a pouco, transferiram o exercício dos’ atos, ao das palavras nuas, e em razão disso foram chamados sofistas, como quem dissesse, contrafação dos sábios. Quanto a este Mnesifiilo todavia, Temístocles se aproximou dele, quando já tinha começado a envolver-se no governo da coisa pública. Assim, foram os primeiros movimentos e impulsos de sua juventude muito variáveis e diversos, como daquele que se deixa ir onde o impele a impetuosidade de sua natureza, sem discipliná-la é guiá-la pelo julgamento da razão. Advinha disso que ele revelou grandes mutações de comportamento e costumes; em uma e outra direção, orientando-se muitas vezes para a pior, como ele mesmo confessou depois, dizendo que os potros mais rebeldes e selvagens são os que finalmente" se tornam" os melhores cavalos, quando domados, feitos e adestrados, como convém.

IV. Antiguidade desta ciência

IV. Quanto ao resto, todas as outras notícias que alguns vão acrescentando a isso, como a de que seu pai o deserdou, e sua mãe se deixou morrer voluntariamente de tristeza e dor ao ver os desmandos do filho, são, a meu aviso, coisas contestáveis, porque, ao contrário, há quem escreva, que seu pai mesmo, querendo dissuadi-lo de imiscuir-se no governo da coisa pública, foi-lhe mostrando ao longo da praia marítima, a carcaça de velhas galeras lançadas aqui e ali, dizendo-lhe que o povo fazia exatamente assim como os políticos258 quando não podiam mais servir.

V. Sua rivalidade com Aristides

V. Como quer que seja, é absolutamente certo que Temístocles se afeiçoou, imediata e conscientemente pela política, e bem cedo foi atingido pelo anseio de glória, de forma que, desejando desde o começo levar a melhor, sobre todos os demais audaciosamente, logo ao chegar, tomou a lança, contra os homens maiores e mais poderosos dentre os que se envolviam em negócios públicos, inclusive contra Aristides, filho de Lísímaco, o qual em tudo e por tudo se manteve sempre seu adversário. Parece entretanto, que a inimizade concebida contra este teve origem em uma causa assaz fútil: ambos se sentiram apaixonados do belo Estesilau, natural da cidade de Tios de acordo com o que narra o filósofo Ariston. Após o ciúme inicial, continuaram para sempre a tomar partidos contrários, não somente em seus assuntos privados, mas também no governo da coisa pública. Creio, contudo, que a diversidade dos seus costumes e condições, aumentou grandemente a inimizade e dissensão, mantida entre eles, porque Aristides sendo, por natureza, homem grave, reto e íntegro em sua vida, não tendendo em suas ações para a lisonja popular, nem para servir à sua própria glória, mas a fazer, dizer e aconselhar sempre o que ele considerava como melhor, mais justo e mais seguro para a coisa pública, era constrangido a se opor frequentemente a Temístocles que ia incitando o povo a empreender sempre coisas novas, pondo todos os dias em movimento uma medida inesperada com o fim de impedir a ampliação da autoridade de Aristides.

VI. Sua sensibilidade à glória

VI. Consta que ele era tão arrebatado pela ambição de glória, e tão ardentemente atormentado pelo desejo de realizar grandes coisas, que sendo ainda bem jovem ao tempo em que a batalha de Maratona259 foi travada contra os bárbaros, na qual não se falava em outra coisa senão no valor do capitão Milcíades, vencedor da mesma, foi ele encontrado muitas vezes sozinho, sonhando e pensando de si para si, sem poder conciliar o sono à noite, nem querer, de dia ir aos lugares, ou frequentar as companhias a que antes estava acostumado, dizendo aos que estranhavam uma tão grande mudança em sua maneira de agir e perguntavam-lhe o motivo, «que a vitória de Milcíades não o deixava dormir», e isso porque os outros pensavam que a derrota dos bárbaros, nesse dia de Maratona, devia resultar no término definitivo da guerra. Temístocles, entretanto, pensava, ao contrário, ser apenas um começo de choques maiores, aos quais se ia preparando cada dia, para salvação da Grécia e para esse fim, adestrou desde logo a cidade, prevendo de longe, o que iria acontecer.

VII. Ele obriga Atenas a empregar o dinheiro de suas minas na construção de navios

VII. Por esse motivo, antes de mais nada, em relação aos Atenienses que tinham antes o costume de distribuir entre si o rendimento anual retirado das minas de prata, localizadas em um local da Ática, chamado Laurium, foi ele o único que ousou demonstrar ao povo a necessidade de para o futuro, suspender-se essa distribuição para empregar-se o dinheiro na construção de galeras em grande número para a guerra contra os eginetas260 a qual, por esse tempo, era a que mais pesava sobre toda a Grécia, em virtude de terem estes todo o mar em seu poder , tal era a quantidade de seus navios. Foi assim que Temístocles persuadiu mais facilmente seus concidadãos daquilo que pretendia nesse momento, sem ameaçá-los com o rei Dario nem com. os persas, porque estes estavam muito longe, e não havia receio, ao menos perfeitamente fundamentado, de que eles estivessem para vir, mas usando, oportunamente do ódio e do ciúme dos atenienses em relação aos eginetas. Do dinheiro em questão foram construídas cem galeras com as quais combateram e derrotaram, por mar, o rei Xerxes. E depois desse começo, atraindo aos poucos seus concidadãos e fazendo-os tender para a marinha, mostrando-lhes como por terra eram eles apenas bastante, fortes para enfrentar seus semelhantes, enquanto com o poder que podiam adquirir no mar, sê-lo-iam não só para defender-se dos bárbaros, mas também para impor a lei ao resto da Grécia, conseguiu assim fazê-los marinheiros e gente do mar, como diz Platão, ao passo que antes eram bons e rudes campeões de terra firme. Isso deu matéria aos seus inimigos para censurá-lo, mais tarde, por ter ele tirado ao povo de Atenas a lança do pavês para reduzi-lo ao banco e ao remo, seduzindo-o, em oposição a Milcíades que o contradizia nisso, como diz Estesimbroto. Se agindo assim foi ele causa de corromper-se a nitidez e pureza da coisa pública ou não, deixo a disputa ao filósofos, mas que a preservação da Grécia foi devida, todavia, por essa vez, à marinha, e que as galeras foram causa da recuperação de Atenas, além de outras provas que se possam aduzir, o próprio Xerxes o testemunhou, quando, com seu exército de terra, ainda inteiro, fugiu ao ver o do mar rompido e desfeito, como se confessasse não estar mais bastante forte para combater os gregos, deixando, a meu aviso, na Grécia, Mardônio, seu lugar-tenente, mais para impedir que os gregos o perseguissem, do que por esperança de subjugá-los.

VIII. Seu caráter

VIII. Escrevem alguns de Temístocles261 que era avidamente interessado no ganho, preocupando-se muito com isso, porque despendia regiamente e gostava de oferecer, frequentemente, sacrifícios e de recolher e tratar com distinção os estrangeiros, razão pela qual se fazia mister fosse diligente e ardoroso em acumular, para poder fazer face às suas despesas. Outros, ao contrário, o censuram por ter sido mesquinho e prático, ao ponto de fazer vender os presentes de comestíveis que lhe faziam. Pediu, de certa vez, um potro como donativo, a alguém de nome Dilfilides, possuidor de uma coudelaría. Recusando-lhe este, secamente, o pedido, foi Temístocles tomado de tão grande despeito, que o ameaçou de transformar-lhe a casa, antes de muito tempo, no cavalo de madeira com o qual Troia foi tomada, querendo abertamente, dar-lhe a entender que em breve lhe suscitaria processos e choques contra seus próprios parentes e mesmo contra seus criados.

IX. Não há dúvida que ele era o homem mais ambicioso do mundo. Ao tempo de sua juventude, ainda pouco conhecido, solicitou, com grande insistência, a um excelente tocador de citara, então em voga em Atenas, chamado Epicles, natural de Hermione, que viesse à sua casa para exercer e mostrar sua arte, a fim dê que muita gente, com vontade de ouvi-lo, procurasse sua residência e viesse a ele. Tendo do certo ano a festa e assembléia dos jogos olímpicos, quis manter casa aberta a todos os adventícios, com tendas ricamente decoradas e demais brilho de vida e de equipagem, à maneira de Cimon. Isso desagradou os gregos os quais consideravam essa despesa adequada e permissível a Cimon, em virtude de sua juventude e de sua alta linhagem, mas a ele que era homem novo e se fazia grande, mais do que seus bens e faculdades autorizavam, e mais do que lhe cabia, não somente deixou isso de ser-lhe louvado, mas foi considerado vangloria e presunção. Outra vez ele custeou uma tragédia, representada publicamente, ganhando o prêmio. Sendo já a esse tempo, a honra de vencer em tais jogos muito invejada e calorosamente disputada em Atenas, fez pintar sua vitória em um quadro que dedicou e mandou pendurar num templo, com a seguinte inscrição:

«Temístocles Freariano custeou,
Frínico a compôs,
Adímanto era arconte262»

X. Sua popularidade

X. Apesar disto ele agradava ao povo comum, em parte porque saudava cada cidadão pelo nome próprio, sem que ninguém o ajudasse a nomeá-los, e em parte também porque se mostrava juiz reto nos negócios particulares, como respondeu um dia ao, poeta: Simonides, natural de Quio, que lhe requeria qualquer coisa desarrazoada, quando governador da cidade: «Não serias bom poeta se cantasses contra as regras da música, nem eu bom governador se fizesse qualquer coisa contra as leis.» Uma outra vez, zombando do mesmo Simonides, disse-lhe «que ele não era sensato em maldizer os coríntios, visto que eram senhores de uma tão grande e poderosa cidade, nem em fazer-se retratar ao natural uma vez que era tão feio.»

XI. Ele faz banir Aristides

XI. O certo é que, adquirindo crédito, e tendo conquistado as boas graças da plebe, ele comprometeu de tal forma à Aristides, que, ao fim, fê-lo expulsar e banir da cidade de Atenas por cinco anos263, E como o rei da Pérsia estivesse a caminho para vir fazer guerra aos gregos, e os atenienses começassem a deliberar a quem elegeriam por chefe, conta-se que todos aqueles acostumados à política, sé recolheram temendo o perigo, e não houve senão um orador chamado Epicides, filho de Eufemides, homem eloquente mas covarde no íntimo, e ávido de dinheiro, que se apresentasse para pleitear esse cargo, com indícios de que ia obtê-lo. Foi por isso que Temístocles, temendo a geral perdição se a conduta da guerra viesse às mãos de uma tal personagem, comprou a dinheiro de contado, a ambição de Epicides, fazendo-o abandonar o intento.

XII. Sua firmeza

XII. Louva-se também grandemente o seu procedimento em relação ao intérprete que veio com os embaixadores do rei, para pedir água e terra, isto é, inteiro reconhecimento e obediência dos gregos, porque ele o fez prender e punir de morte em decreto público, por ter ousado empregar a língua grega na transmissão de ordens dos bárbaros. Foi também uma bela coisa, que a instâncias suas, Ártmío, natural de Zeléia, fosse marcado dê infâmia cornos filhos e toda sua posteridade, por ter trazido ouro do rei da Pérsia, para seduzir e corromper homens da Grécia, Mas o maior e mais louvável de seus atos nessa ocasião, foi o de acalmar e pacificar todos os conflitos que os gregos mantinham entre si, persuadindo às cidades que procrastinassem suas inimizades até o após-guerra, e consta que nisso, Quileu, arcadiano, o auxiliou mais que nenhum outro.

XIII. Ele é eleito capitão geral dos atenienses. Fá-los embarcar para ir combater contra Xerxes

XIII. Tendo então sido eleito capitão geral dos atenienses, tratou; incontinente, de fazer embarcar seus concidadãos nas galeras, insistindo em que eles deviam …abandonar sua cidade, para; ir por mar, ao encontro do rei dos bárbaros, o mais longe possível da Grécia, alvitre que o povo não achou bom, razão pela qual Temístocles conduziu, por terra, boa tropa de combatentes ao passo do Tempé264, com os lacedemônios, para defender contra os bárbaros essa entrada da Tessália, a qual não se tinha ainda declarado pelos medos, nem se bandeado com eles. Depois, entretanto, de se terem retirados os gregos, sem nada fazer, e tendo os tessalianos tomado o partido do rei, de tal forma que até o país da Beócia, todos se devotaram à causa dos bárbaros, começaram então os atenienses, a achar boa a opinião de Temístocles, de querer combater por mar, e o enviaram com os seus navios à cidade de Artemísio, para guarnecer o estreito. Quiseram ali, os outros gregos que os lacedemônios e seu almirante Euribíades, tivessem a preeminência no comando de todos, recusando-se os atenienses a marchar sob a direção alheia, porque eles sozinhos, nesse exército, tinham maior número de navios do que os outros gregos reunidos.

XIV. Cede o comando a Euribíades, general da Lacedemônia

XIV. Temístocles, porém, prevendo o perigo iminente, cedeu, voluntariamente, a Euribíades a autoridade do comando, e fez os atenienses condescenderem com isso, prometendo e assegurando-lhes que se eles se mostrassem gente de bem nessa guerra, os outros gregos, espontaneamente, se submeteriam, depois à sua obediência. Revela-se aí ter sido ele a principal causa da salvação da Grécia, salientando a honra e a glória dos atenienses ao fazê-los vencer os inimigos em coragem e os aliados e amigos em bondade. Tendo vindo entretanto, a armada barbaresca, ancorar ao lado da ilha dos Afetes265, e vendo Euribíádes de frente, tão grande número de barcos, espantou-se e sabendo que havia ainda outros duzentos que iam por cima, contornar a ilha de Ciate, quis imediatamente, retirar-se mais para dentro da Grécia, e aproximar-se do Peloponeso, a fim de que o exército marítimo se mantivesse perto do de terra, não considerando possível combater no mar, a força do rei Xerxes. Em virtude disso, os habitantes da ilha de Eubéia, temendo que os gregos os abandonassem, falaram secretamente com Temístocles, enviando-lhe boa soma de dinheiro, por intermédio de um certo Pelagon, dinheiro esse que "Temístocles recebeu, como o escreve Heródoto, dando-o a Euribíádes. Havia, porém, entre os cidadãos um de nome Aquíteles, capitão da galera que se denominava sagrada, o qual resistia fortemente à sua orientação, e não tendo dinheiro para pagar e entreter seus marinheiros, fazia todo o possível para partirem depressa. Temístocles irritou sua gente contra ele, mais do que já estava, até que correram sobre a sua galera, e lhe tomaram à força, seu jantar. Como Arquitetes ficasse indignado e furioso, Temístocles enviou-lhe pão e carne num cesto, em cujo fundo fez’ incluir um talento de prata266, dizendo-lhe para cear essa tarde, preocupando-se no dia seguinte, em prover o pessoal de sua galera, senão gritaria contra ele, e o acusaria aos seus concidadãos, de ter recebido dinheiro dos inimigos. Assim o escreve Fanias de Lesbos.

XV. Combate de Artemísio

XV. Enquanto isso os recontros que se davam dentro do estreito de Eubéia, entre gregos e bárbaros, não eram de grande consequência para a decisão de toda a guerra. Foi porém, como um ensaio útil para os gregos, fazendo-os ver por experiência, e no perigo mesmo do combate, que a grande quantidade de navios, a pompa c magnificência do seu equipamento, os brados soberbos e os cantos de vitória dos bárbaros, não adiantavam nada contra quem têm coragem de aproximar-se e combater mão a mão com o inimigo, e que não se deve dar importância a tudo isso, mas sim avançar diretamente ao choque com os homens é lançar-se ousadamente contra eles. O poeta Pindaro parece ter entendido isso muito bem, quando diz referindo-se à batalha de Artemísio267:

Os de Atenas plantaram o glorioso fundamento da liberdade grega. Porque, sem sombra de dúvida, a base da vitória é a firmeza, Este lugar, Artipísio, é uma costa da ilha de Eubéia268 voltada para o Norte, acima da cidade de Estiae, fronteira à região que obedecia, outrora, a Filoctetes, exatamente diante da cidade de Olison e onde há um templo de Diana, cognominada Oriental, não muito grande, circundado de árvores e envolto por um círculo de colunas de pedras brancas que, ao atrito da mão tomam a cor e produzem o cheiro do açafrão. Há em uma delas uma inscrição em versos elegíacos nos termos seguintes:

Depois de ter, outrora em choque marcial, batido no mar, aqui em frente, nações da Ásia em número infinito, os heróis, filhos de Atenas, fizeram edificar, em memória do fato, este monumento, à Diana, a santa, … quanto por eles foi, de fato, destruído o exército dos orgulhosos Medos. Mostra-se ainda hoje naquela costa, um lugar, onde há, no meio de muita areia, um pó escuro como cinza, avançando bem para dentro da terra, pensando-se que seja ali o local em que eles queimaram os mortos e as relíquias dos naufrágios.

XVI. Xerxes domina as Termópilas

XVI. Tendo, porém, chegado a notícia do que acontecera no passo das Termópilas, onde o rei Leônidas morrera, e de como Xerxes tinha conquistado aquela entrada por terra, retirou-se então o exército de mar, mais para dentro da Grécia, tendo-se colocado os Atenienses na retaguarda, últimos de todos, como quem tinha o coração alto, pela glória das proezas já praticadas. Passando Temístocles ao lado dos locais onde era necessário que os inimigos abordassem e se recolhessem a abrigo, gravou em letras grandes e grossas sobre as pedras que ali encontrava, por acaso, ou que fazia trazer expressamente aos mencionados lugares, onde o abrigo era bom para os navios, ou onde havia comodidade para aprovisionamento de água, palavras dirigidas aos Jônios incitando-os a voltar-se para o lado dos atenienses, que eram seus ancestrais e fundadores, e que combatiam pela liberdade, ou, pelo menos, a criar alguma dificuldade e a fazer o maior mal que pudessem ao exército dos bárbaros quando viessem a combater. Ele esperava com isso, fazer os Jônios passarem para seu lado ou, quando nada, colocar os bárbaros em situação de desconfiança frente a eles.

XVII. De resto, tendo entrado Xerxes pelo alto da província Dórica, no país da Fócida, queimando e destruindo a s cidades dos Fócios, os outros gregos não fizeram nenhum gesto para socorrê-los, muito embora os Atenienses pedissem a eles que se dispusessem a avançar contra os bárbaros, até a Beócia para preservar o país da Ática, enquanto eles tinham ido, por mar, até a costa de Artemísio. Ninguém todavia, lhes prestou ouvidos, mas queriam todos que se fizesse a retirada para o Peloponeso, e ali se reunissem todas as forças da Grécia dentro dos seus limites, fortificando-o com uma boa muralha que fosse de um mar ao outro. Os Atenienses ficaram muito descontentes com isso e também muito desencorajados e aborrecidos de se verem assim esquecidos e abandonados pelos outros gregos. Combater sozinhos contra tantos milhares de inimigos não se podia pensar, e não lhes restava outro expediente senão abandonar sua cidade, embarcando em seus navios, o que o povo recebia de muito má vontade considerando que não cabia mais preocupar-se nem de vencer nem de salvar-se, quando tivessem abandonado os templos dos seus deuses, e as sepulturas dos seus antepassados.

XVIII. Subterfúgio de Temístocles para inspirar coragem aos atenienses. Ele sustenta a coragem de Euribíades.

XVIII. Mas Temístocles, vendo que não podia humanamente convencer nem persuadir o povo a seguir a sua opinião, recorreu a um ardil como se faz algumas vezes nos jogos das tragédias, e começou a despejar sobre os atenienses sinais celestes, oráculos e respostas dos deuses, servindo-se, na ocasião, do dragão de Minerva por sinal e presságio celeste, o qual, por sorte, não compareceu, por esses dias ao templo, como era seu costume, encontrando os sacerdotes as oblações que lhe ofereciam cada dia, inteiras sem que as tivesse tocado de forma alguma. Em razão disso, preparados por Temístoclesr espalharam entre o povo o boato de que a deusa protetora da cidade a tinha abandonado, mostrando-lhes o caminho dó mar. Ele os conquistou por outro lado por meio da profecia que os ordenava escapar em muralhas de madeira, dizendo que às muralhas de madeira não significavam outra coisa senão os navios, e que por essa causa Apoio, em seu oráculo, chamava divina a Salamina, e não miserável nem desgraçada, porque ela devia atribuir seu nome a uma vitória muito feliz que os gregos aí ganhariam. Sendo assim recebido o seu conselho, expediu ele o decreto, que se colocasse a cidade de Atenas sob a salvaguarda de Palas, senhora e protetora do país, e que todos aqueles capazes, de pegar em armas, subissem às galeras enquanto, entrementes, cada um pensasse em retirar para qualquer lugar seguro sua mulher, seus filhos e seus escravos, como melhor lhe parecesse.

XIX. Lavrado esse decreto e autorizado pelo -povo, a maior parte dos Atenienses transportou seus pais e mães velhos, mulheres e filhos pequenos, para a cidade de Trezena, onde os Trezentinos os receberam muito honesta e humanamente, ordenando que eles fossem nutridos a expensas públicas, e dando-lhes dois óbolos269 de sua moeda por dia a cada um, o que equivale mais ou menos a quatorze dinheiros por cabeça, e permitindo às crianças apanhar frutos onde quer que os encontrassem, além de pagar mestres-escolas à custa de sua coisa pública para ensinar-lhes as primeiras letras. Aquele que se inscreveu como autor desse decreto foi um certo Nicágoras.

XX. Ora, por esse tempo, não tinham os Atenienses tesouro público, mas o Senado dos Areopagitas, como diz Aristóteles, forneceu a cada homem de guerra oito dracmas270, tendo sido esse, o principal meio de serem armadas as galeras. Clidemo todavia escreve que isso foi ainda uma artimanha de Temístocles, porque, tendo os Atenienses descido ao Pireu, simulou ele que o escudo de Palas, onde está gravada a cabeça de Medusa, tinha-se perdido e não se encontrava com a imagem da deusa, e, fingindo procurá-lo, esquadrinhou por toda parte e encontrou grande quantidade de prata que os particulares tinham escondido entre seus utensílios. Essa prata foi trazida a público e por esse meio, tiveram os homens da defesa, ao embarcar nos navios, com o que fazer suas indispensáveis provisões. Quando veio o momento da partida e toda a cidade tinha embarcado, causava pena e ao mesmo tempo produzia grande espanto àqueles que consideravam a ousadia e a firmeza desses homens que enviavam adiante deles, pais e mães para um lado, enquanto eles, sem ceder às lágrimas e aos gritos e abraços de suas mulheres e filhos que partiam, passavam corajosamente para a ilha de Salamina. Havia, além disso, todavia, velhos cidadãos que se era obrigado a deixar, por não ser possível transportá-los em virtude de sua velhice, o que provocava grande compaixão, havendo também, não sei que de lamentável, comovendo os corações, nos animais domésticos e privados que se viam correr de um lado para outro, significando com uivos a sua dor, no momento do embarque dos seus senhores e dos que os haviam criado. Entre esses animais, conta-se do cão de Xantipo, pai de Péricles, que não podendo suportar a mágoa de ser abandonado por seu dono, lançou-se ao mar atrás dele e nadando ao lado da galera onde estava, foi até a ilha de Salamina, onde, mal chegando, faltou-lhe o alento e morreu subitamente. Diz-se que é chamado ainda hoje, a Sepultura do cão, o lugar onde ele foi enterrado.

XXI. Vendo os Atenienses lamentar a ausência de Aristides e temendo que por despeito ele tendesse para o lado dos bárbaros, e que, agindo assim viesse a ser causa da ruína dos negócios da Grécia, porque ele fora banido, antes da guerra, por cinco anos, em virtude de manobras de Temístodes 271, baixou este um decreto, e é um dos seus grandes atos, permitindo a volta de todos aqueles que tivessem sido banidos em tempo anterior, para vir fazer, dizer e aconselhar, aos seus concidadãos, o que considerassem ser o melhor para a salvação da Grécia. Euribíades, constituído capitão geral de todo o exército de mar dos gregos, em virtude da dignidade da cidade de Esparta, homem a quem faltava coragem quando necessária, pretendendo sair dali e retirar-se para o istmo do Peloponeso272, onde todo o exército de terra dos Peloponesianos se tinha reunido, Temístocles se opôs a isso, resistindo forte e firmemente. Foi nessa ocasião que ele deu certas respostas notáveis, recolhidas e anotadas cuidadosamente depois. Tendo-lhe dito Euribíades, certo dia «Temístocles, no jogo dos prêmios aqueles que se levantam antes do tempo são esbofeteados», «é verdade, respondeu-lhe Temístocles, mas aqueles também que se mantêm entre os últimos, não são jamais coroados». Uma outra vez, levantando Euribíades, o bastão que trazia nas mãos, como se quisesse bater-lhe disse-lhe Temístocles: «Bate se queres, desde que ouças». Euribíades, em consequência, admirando-se de ver nele tão grande cordura, e tão grande paciência permitiu-lhe dizer tudo quanto quis, e começava já Temístocles a conduzi-lo à razão, quando alguém que ali se encontrava disse-lhe: «Não fica bem a um homem que já não tem cidade nem lar, pregar a quem os tem ainda, que os abandone», Temístocles voltando-se para ele, replicou: «Nós, disse ele, homem covarde e mal que és, abandonamos voluntariamente casas e muralhas, não querendo submeter-nos ao jugo da servidão, só por temor a perder coisas sem alma nem vida; nossa cidade, todavia, não deixa de ser a maior de toda a Grécia, porque é uma frota de duzentas galeras prestes a combater, que vieram aqui para salvá-los se o desejardes, mas se vos ides, abandonando-nos pela segunda vez, ouvi,-reis, antes que passe muito tempo, que os Atenienses possuem uma outra cidade livre, e têm tantas terras e tão boas, como as que aqui tiverem perdido». Essas palavras fizeram imediatamente Euribíades pensar e temer que os Atenienses quisessem partir e abandoná-los.

Mas como um outro eretriano tentasse ainda alegar algumas razões contra o conselho de Temístocles, não se pôde este conter e disse-lhe: «Cabia que vós também falasseis de guerra, vós que pareceis exatamente com os calamares:273 porque tendes bem uma espada mas falta-vos coração». Escrevem alguns que enquanto Temístocles falava, percebeu-se, do convés de sua embarcação, uma coruja274 voando a mão direita dos navios, a qual foi pousar na ponta do mastro de uma galera, dando causa a que os outros gregos, condescendendo com à sua opinião, se preparassem para o combate.

XXII. Temor dos gregos

XXII. Mas quando a frota dos vasos inimigos atingiu, na costa da Ática, a região do porto Falérico, onde cobria todo o litoral da zona, até a distância que a vista podia atingir, e que o próprio Xerxes, em pessoa, veio acampar com seu exército de terra, ao longo da costa marinha, revelando todo ó seu poder, tanto o de mar como o de terra reunidos, todas as belas razões e demonstrações de Temístocles se esvaíram então, da memória dos gregos e os Peloponesianos volvendo outra vez os olhos, para o modo pelo qual poderiam retirar-se para o istmo do Peloponeso, irritavam-se quando se pretendia falar com eles em outra coisa. Decidiuse, em resumo, que na noite seguinte levantar-se-iam as velas, determinando-se aos pilotos que se mantivessem prontos para partir.

XXIII. Temístocles os mostra a necessidade de combater

XXIII. Temístocles desolado de que os gregos se afastassem assim uns dos outros, retirando-se, cada um, para a sua cidade e abandonando a vantagem que lhes dava a natureza do local e o estreito braço de mar, onde se achavam concentrados, pensou consigo mesmo, diante disso, como poderia remediar o caso, e decidiu adotar o estratagema de um certo Sicino, persa de nação, aprisionado outrora na guerra e que amava Temístocles, sendo preceptor de seus filhos. Enviando-o. secretamente, ao rei da Pérsia, deu-lhe a entender que Temístocles, capitão geral dos Atenienses, desejando muito tornar-se seu servidor, advertia-o, desde logo, que os gregos pretendiam fugir e aconselhava-o a não deixá-los escapar, atacando-os com conhecimento de causa, enquanto se mantinham perplexos e atemorizados, longe do seu exército de terra, de forma a destruir-lhes de um golpe, todo o seu poder no mar.

XXIV. Xerxes supondo que esta advertência viesse de um homem desejoso de prosperidade em seus negócios, a recebeu com grande alegria e imediatamente fez saber aos seus capitães de marinha que deviam, com calma, embarcar sua gente nos navios, enviando, porém, imediatamente, duzentos deles, para ir, por detrás fechar a saída do estreito e envolver totalmente as ilhas, a fim de que não se salvasse um único dos inimigos, o que foi feito. Aristides filho de Lisímaco percebendo, em primeiro lugar, a manobra, foi ao alojamento de Temístocles, apesar de ser seu inimigo, por ter sido banido por cinco275 anos em virtude de seus enredos, como já narramos antes, e tendo-o feito sair, contou-lhe como estavam cercados. Temístocles que, aliás, conhecia bastante a bondade da personagem, e estava muito satisfeito de que tivesse vindo procurá-lo em sua tenda, comunicou-lhe o estratagema urdido por intermédio de Sicino, rogando-lhe que o ajudasse a reter os gregos e a procurar, com ele, tendo em vista que a sua palavra tinha a maior autoridade, que se combatesse dentro do estreito de Salamina. Aristides, louvando o seu bom senso, dirigiu-se aos outros capitães das galeras para exortá-los e incitá-los a. combater. Não se acreditava ainda, entretanto, em tudo quanto ele lhes dizia, quando chegou uma galera tenediana, capitaneada por um certo Panecio, a qual, tendo-se furtado às hostes dos bárbaros, trouxe notícias certas de como o estreito tinha sido realmente fechado, de tal sorte, que, além da necessidade, a raiva concebida pelos gregos os levou a querer tentar a sorte da batalha.

XXV. Na manhã seguinte, o nascer do dia, sentou-se Xerxes num lugar muito elevado de onde via a frota dos seus navios e a linha do seu exército naval, acima do templo de Hércules, como o escreve Fanodemo, região entre a ilha de Salamina e a costa da Ática, onde o canal tem a menor largura, ou, como diz Acestodoro, sobre os limites do território de Megara acima da ponta vulgarmente chamada Cornos, onde fez levantar um trono de ouro mantendo ao lado dele muitos secretários para redigirem, por escrito, tudo que acontecesse na batalha.

XXVI. Quando porém, Temístocles sacrificava aos Deuses sobre a galera capitânia, trouxeram-lhe três jovens prisioneiros muito belos de rosto, e ricamente paramentados com vestes e joias de ouro, constando serem filhos de Sandace, irmã do Rei, e de um príncipe chamado Autarcto. Assim que o adivinho Eufrantides’ os percebeu, tendo observado também que à sua chegada, saíra do sacrifício uma grande chama clara e, ao mesmo tempo alguém entre os assistentes, espirrara ao lado direito, segurou Temístocles pela mão, determinando-lhe que sacrificasse esses três prisioneiros ao deus Baco cognominado Omestes, que equivale a dizer cruel: porque, agindo assim, somente sei salvariam os gregos, mas conseguiriam a vitória sobre os seus inimigos. Temístocles desnorteou-se ao ouvir uma ordem tão estranha e terrível, mas a multidão, segundo seu costume, de esperar a salvação, nos grandes perigos e questões quase desesperados, mais de meios estranhos e desarrazoados na aparência, do que dos sensatos e comuns, começou a invocar o deus a uma voz, e constrangeu-o, aproximando os três prisioneiros do altar, a cumprir o sacrifício na forma ordenada pelo, adivinho, assim como escreve Fanias Lesbiano, homem sábio em filosofia, e grande conhecedor de histórias e da antiguidade.

XXVII. Número dos navios de Xerxes

XXVII. Quanto ao número dos navios barbarescos, o poeta Esquilo, na tragédia intitulada por ele «Os Persas», como se o soubesse exata e verdadeiramente, assim se manifesta:

O Rei Xerxes tinha em conjunto
Entre os quais havia duzentos e sete
Que ultrapassavam quaisquer
outros, em velocidade.276

Os atenienses tinham cento e oitenta, sobre cada um dos quais havia dezoito homens de guerra, sendo quatro arqueiros277 e os demais portadores de arma branca.278

XXVIII. Temístocles se põe a favor do vento

XXVIII. Não foi Temístocles menos sábio e avisado em escolher o tempo, do que o foi na escolha do lugar do combate, porque ele esperou para alinhar seus barcos em formação de batalha até a hora em que costumava levantar-se, ordinariamente, um grande vento do lado do mar, agitando enormes vagas dentro d o canal. Este vento não prejudicava as galeras gregas, chatas e baixas como eram, mas para os navios barbarescos com proas levantadas, altos bordos e pesados de manejo, o vento causava grandes estragos porque os fazia dar o flanco aos gregos que os iam atacar imediatamente, batendo-os com ligeireza, com os olhos sempre prontos para ver o que lhes ordenava Temístocles, como sendo ele quem entendia melhor do que nenhum outro o que se devia fazer e também porque, junto a ele, o almirante de Xerxes, Ariamenes, homem de coragem pessoal, e entre, os irmãos do Rei, indiscutivelmente 0 melhor e o mais justo, combatia sobre um grande navio a golpes de dardos de chuços279, nem mais nem menos dó que se estivesse sobre a muralha de algum castelo. Avançou assim sobre a galera na qual combatiam juntos Aminias Deceliano e Sósicles Pediano, e como os dois navios se entrechocassem de frente enroscando-se nos grampos e gatos de bronze, ele saltou para dentro da galera mas aqueles lhe ofereceram ousada resistência e a golpes de dardo, o lançaram ao mar. O seu corpo, flutuando entre os outros náufragos, foi reconhecido pela rainha Artemísia que o tendo recolhido, levou-o ao rei Xerxes.

XXIX. Vitória de Salamina

XXIX. Ora enquanto a batalha se desenvolvia em tais termos, conta-se que apareceu no ar, do lado da cidade de Eleusis, uma grande chama, ouvindo-se uma voz alta e um grande clamor pela planície triasiana até o mar, como se houvesse considerável número de homens cantando juntos, em alta voz, o cântico sagrado de Iaco, e parecia que, da multidão dos cantores, levantava-se pouco a pouco, uma nuvem pelo ar, a qual, partindo de terra, ia dissolver-se e cair sobre ás galeras no mar. Outros afirmavam terem Visto figuras e imagens de homens armados, que da ilha de Egina estendiam as mãos para as galeras gregas, pensando-se que fossem os Eacidas, de quem, sé tinha invocado o amparo antes da batalha, em públicas orações.

XXX. O primeiro que tomou um navio aos inimigos, foi Liçômedes ateniense, capitão de uma galera, o qual, tirando-lhe os paramentos e insígnias, a consagrou e dedicou a Apoio cognominado porta-louro280, isto é, vitorioso. Os outros gregos mantendo-se na frente, em número igual ao dos bárbaros por causa do braço de mar onde combatiam, o qual era estreito, não permitindo a estes vir ao combate senão em fila, onde se entrechocavam estorvando-se uns aos outros, em virtude da sua grande multidão, tanto os apertaram que finalmente, ao entardecer os constrangeram à fuga, depois de ter resistido e lutado até à noite, ganhando assim a tão renomada e gloriosa vitória281 da qual se pode, em verdade, afirmar o que dela disse Simônides:

Jamais nação bárbara,
Nem grega, realizou, no mar.
Feito de guerra tão raro, e tão digno de nota.

e isso foi feito pela proeza e grande coragem daqueles que aí combateram mas particularmente pela habilidade e sábia conduta de Temístocles.

XXXI. Depois desta batalha naval, Xerxes na teimosia do despeito pela sua perda, pretendeu aterrar o braço de mar para fazer atravessar, sobre um dique, o seu exército de terra para a ilha de Salamina. Temístocles, querendo sondar a opinião de Aristides, disse-lhe, trocando ideias, ser ele de opinião que se avançasse até o estreito de Helesponto com o exército de mar, para romper ali a ponte de navios que Xerxes fizera construir, a fim, disse ele «de capturarmos a Ásia na Europa». " Aristides não achou bom esse conselho «porque», afirmou, «nós temos até agora combatido esse Rei bárbaro que não pensava senão divertir-se, mas nós o fechamos na Grécia e reduzimos um inimigo que comanda tão grande força, à necessidade de lutar para salvar a vida, ele não se divertirá mais, contemplando a batalha como um passatempo, sentado comodamente sob um pavilhão dourado, mas tentará todas as possibilidades e ele próprio será visto em toda parte, por temor ao perigo, para, provavelmente, reabilitar-se, diligentemente, da falta cometida por negligência, provendo melhor à sua situação, quando perceber que se jogam nela, sua vida e seu estado conjuntamente. Portanto, Temístocles, eu seria de aviso não somente de não romper a ponte que ele fez construir, mas até, se o pudéssemos, de construir-lhe uma nova, para expulsá-lo o mais cedo possível, para fora da Europa». Respondeu-lhe então Temístocles: «Uma vez que assim lhe parece, será preciso que nos aconselhemos juntos, e inventemos um meio de fazê-lo sair sem mais delongas.».

XXXII. Fuga de Xerxes

XXXII. Estando ambos de acordo, Temístocles enviou incontinente um dos eunucos do Rei, isto é, um de seus criados de quarto chamado Arsaces. encontrado entre os prisioneiros, por quem o fez ciente de que os gregos, tendo ganho a batalha por mar, tinham decidido, em seu conselho, ir ao estreito do Helesponto para romper a ponte de navios que ali tinha sido edificada por sua ordem, desejando ele adverti-lo disso pela afeição que lhe dedicava, a fim de que, quanto ante s, decidisse retirar-se dos mares dominados pelos gregos, para repassar à Ásia o mais cedo possível, enquanto seriam dadas ordens para distrair os aliados confederados, de forma a que não o perseguissem imediatamente. O Rei bárbaro, ouvindo essas notícias, ficou tão atemorizado que partiu com toda a rapidez. De resto, o bom senso e sábia previdência de Temístocles e Aristides, nessa ocasião se mostraram, de forma evidente, mais tarde, na batalha que os gregos travaram diante da cidade de Platéia contra Marconio, lugar-tenente de Xerxes, o qual, não tendo senão uma pequena fração do poderio real, colocou, todavia, os gregos, em grande perigo de total perdição.

XXXIII. Honras prestadas a Temístocles

XXXIII. Ora, quanto às vilas e cidades que combateram nesta batalha, escreve Heródoto que a de Egina conquistou o prêmio de valentia e quanto aos homens particulares, os gregos o adjudicaram a Temístocles, embora de má vontade, pela inveja votada à sua glória, porque, tendo-se retirado todos os capitães, depois da batalha, para o estreito, à entrada do Peloponeso, jurando sobre o altar dos sacrifícios que dariam seus votos a quem melhor lhes parecesse merecê-los, de acordo com as suas consciências, atribuiu cada um deles a si próprio o primeiro posto em valor, e o segundo a Temístocles. Os próprios Lacedemônios o levaram a Esparta onde atribuíram a seu almirante Euribíades, a honra da coragem e a Temístocles a da sabedoria e prudência, em razão do que lhe deram um ramo de oliveira juntamente com o mais belo carro existente em toda a cidade, enviando trezentos dos seus jovens para comboiá-lo até o limite de suas terras.

XXXIV. Na primeira festa e assembleia dos jogos olímpicos, realizada depois desta vitória, conta-se que, quando Temístocles entrou no parque onde se desenrolavam os jogos, os assistentes deixaram de olhar os combatentes e durante todo o dia mantiveram os olhos fixos nele mostrando-o com o dedo aos estrangeiros que não o conheciam é testemunhando com palmas, quanto o estimavam. Sentiu-se Temístocles tão alegre com isso que, segundo ele mesmo confessou a seus familiares, colheu nesse momento o fruto de tantos trabalhos suportados antes, pela salvação da Grécia, de tal forma era, por natureza, ambicioso e ávido de honrarias como se pode facilmente reconhecer, por alguns fatos e ditos notáveis, recolhidos dele.

XXXV. Sua paixão e glória. Memoráveis palavras suas

XXXV. Tendo sido eleito almirante de Atenas, não despachava quaisquer negócios, privados ou públicos, parceladamente, à medida que se apresentavam, mas remetia-os, em conjunto, para o próprio dia de seu embarque, a fim de que, quando o vissem despachar tantos assuntos a um tempo, falando simultaneamente com tanta gente, o considerassem ainda mais, como grande homem, atribuindo-lhe maior autoridade. De outra feita, passeava ele pela praia marinha, contemplando os corpos dos bárbaros lançado s à costa pelo mar e vendo alguns que mantinham cadeias e braceletes de ouro, continuou o caminho, mas mostrando-os, a um seu familiar que o seguia, disse-lhe, «Recolhe isto para ti, uma vez que tu não és Temístocles». A um certo Antifates que fora outrora um belo jovem e se recusara, altivamente, a ele, sem darlhe importância, indo-lhe depois fazer a corte, quando o viu chegado a grande autoridade: «Jovem, meu amigo», disse ele, «embora muito tarde, nós nos tornamos ambos, repentinamente bem comportados». Afirmava que os Atenienses não o honravam nem o estimavam em tempo de paz, Dias quando ameaçava qualquer tempestade bélica, e eles se viam em perigo, corriam a ele da mesma forma que se faz com a sombra de um plátano, quando sobrevêm uma chuva repentina, ao qual, depois quando volta o bom tempo, o povo esgalha e lhe corta os ramos. A um indivíduo natural da ilha de Serife que altercando com ele, disse-lhe não ser por seu valor pessoal mas pela nobreza da cidade onde nascera, que ele tinha adquirido tanta glória: «É verdade, respondeu-lhe, mas nem eu teria adquirido jamais grande honra se nascesse Serifiano, nem tu se tivesses nascido ateniense.»

XXXVI. Outra vez em que um dos capitães da cidade, em virtude de qualquer bom serviço prestado à cousa pública, se glorificasse diante de Temístocles e comparasse seus gestos aos dele, este, em resposta, lhe propôs uma parábola: «O Dia Seguinte da Festa, atritou-se certa vez com ela, lançando-lhe em rosto, que ele não fazia senão trabalhar, sofrendo todo o peso consequente a ela que não fazia nada, senão gastar e passar bem com aquilo que os outros haviam ganho. «Dizes a verdade, respondeu-lhe a festa mas se eu não tivesse existido antes de ti, tu não existirias neste momento.» Assim também se eu não tivesse existido naquele tempo, vós outros, onde estaríeis neste momento?» Seu filho abusava um pouco exageradamente da afeição que lhe dedicava a mãe, abusando dele também, através dela, pelo que dizia, brincando, Temístocles, «que seu filho tinha mais poder que qualquer homem existente na Grécia porque», afirmava, «os atenienses comandam os outros gregos, eu comando os atenienses, ela a mim e ele a ela». Querendo, além disso, ter sempre alguma coisa de singular, diferente dos outros em tudo e por tudo, ao fazer anunciar uma herdade que desejava vender, determinou ao oficial de justiça, que apregoava, que acrescentasse na sua proclamação, ter a herdade um bom vizinho. De dois candidatos pretendentes de sua filha, ele preferiu o honesto ao rico dizendo «que desejava antes para genro um homem falto de bens, do que bens a que faltasse o homem». Tais foram as respostas e ditos de Temístocles.

XXXVII. Ele reconstrói as muralhas de Atenas

XXXVII. Mas depois de ter feito as coisas que aqui expusemos, ele ensaiou imediatamente reconstruir a cidade e as muralhas de Atenas, corrompendo por dinheiro os oficiais da Lacedemônia, para que eles não criassem empecilhos, assim como escreve Teopompo, ou, como todos os outros dizem, ludibriando-os com a seguinte artimanha: ele foi a | Esparta, como embaixador, enviado expressamente por se terem queixado, os da Lacedemônia, que os Atenienses fechavam outra vez sua cidade com muralhas. Um orador chamado Poliarco os acusava diante do conselho de Esparta, tendo sido especialmente mandado para esse fim, pelos eginetas. "Temístocles negou tudo com força e firmeza, dizendo-lhes que para se informarem da verdade, enviassem lua gente ao local, querendo, com essa dilação ganhar o tempo necessário ao acabamento das muralhas, e também que os Atenienses retivessem como reféns, pela segurança" de sua pessoa, aqueles que fossem enviados a Atenas para a verificação, como de fato aconteceu, porque, informados os Lacedemônios sobre a verdade do que ocorria, não lhe fizeram nenhum mal, mas dissimulando o descontentamento de se verem assim ludibriados por ele, o devolveram são e salvo.

XXXVIII. Reconstrói o Pireu

XXXVIII. Fez ele depois equipar e fortificar o porto do Pireu, considerando a conveniência do local para adaptar a cidade inteiramente à marinha. Nisso ele seguiu o conselho quase totalmente contrário ao dos antigos reis de Atenas, os quais, como se diz, tratando de subtrair seus homens à marinha para acostumá-los a viver sem frequentar o mar, plantando, semeando e lavrando diligentemente suas terras, inventaram e publicaram a fábula conhecida da deusa Palas segundo a qual disputando ela o padroado da Ática com Netuno, produziu e mostrou aos juízes a oliveira, ganhando com isso seu processo. Temístocles não adaptou assim o porto do Pireu à cidade de Atenas, como disse o poeta Aristófanes282, mas antes ajustou a cidade ao Pireu e a terra ao mar. Com essa orientação ele aumentou o poder do povo contra os nobres e tornou a plebe mais audaciosa, em virtude do que veio a autoridade a cair em mãos de marinheiros, embarcadiços, pilotos e demais gente da marinha, razão pela qual a própria tribuna das arengas, situada na praça de Pnix, olhava para o mar. Os trinta tiranos que vieram depois, removeram-na porém, dali fazendo-a voltar-se para o lado de terra, sendo de opinião que o poderio marítimo engendrava e mantinha a autoridade do governo popular, e que em contraposição, os que vivem do trabalho da terra, suportam mais pacientemente o governo da nobreza.

XXXIX. Projeto de Temístocles para atribuir a Atenas a hegemonia sobre toda a Grécia, rejeitado por injusto

XXXIX. Temístocles se capacitou ainda de algo muito mais importante para tornar a cidade de Atenas poderosa no mar, porque, tendo-se recolhido toda a frota do exército naval dos gregos depois da retirada de Xerxes, ao porto de Pégaso283 para invernar, disse ele, certo dia, em assembleia pública do povo, que imaginara uma coisa muito útil e salutar para ele, embora não fosse expediente para ser declarado publicamente. O povo ordenou-lhe que a comunicasse a Aristides e caso ele a considerasse boa, fosse executada prontamente. Temístocles declarou a este que aquilo que tinha no pensamento era incendiar o arsenal aonde se tinham recolhido os navios dos gregos, queimando-os conjuntamente. Ouvido o conselho, Aristides voltou-se para o povo, dizendo-lhe não haver nada mais útil, nem mais injusto do que o imaginado por Temístocles. Determinaram-lhe então, os Atenienses que ele abandonasse inteiramente a ideia.

XL. Sua sábia política para manter o equilíbrio

XL. Enquanto isso, os Lacedemônios tendo proposto ao Conselho dos Anfitriões, assembleia geral dos Estados de toda a Grécia, que as cidades gregas não participantes da liga dos Helenos contra os bárbaros, fossem afastadas desse Conselho, Temístocles, temendo que se os arginos, os tessalianos e ainda os tebanos viessem a ser postos fora, se tornassem os lacedemônios os mais fortes em número de votos, fazendo por esse meio tudo o que lhes agradasse nesse Conselho, falou tão bem pelas cidades que se queriam eliminar que fez os deputados, com assento nessa Assembleia, mudarem de opinião., mostrando-lhes não ter havido mais que trinta e uma cidades somente compreendidas na liga, entre elas algumas muito fracas e pequenas, não sendo razoável que com a eliminação de todo o resto da Grécia, a autoridade total do Conselho, viesse a cair entre as mãos de duas ou três das principais cidades apenas. Foi essa a principal causa de virem depois os lacedemônios a querer-lhe muito mal, estimulando Cimon o mais que puderam, como um adversário para se opor sempre a ele, no manejo dos negócios atenienses. Temístocles incorreu também na malquerença dos aliados e confederados de Atenas, por deslocar-se, circulando de um lado para outro284 entre as ilhas, pedindo dinheiro aos habitantes, como se pode inferir da proposta que fez aos andrianos285, de quem pretendeu obter dinheiro, e da resposta recebida, como escreve Heródoto, porque, declarando-lhes que lhes trazia dois deuses poderosos, Amor e Força, responderam-lhe os andrianos que eles tinham também dois, não menos grandes, que lhes impediam dar-lhe, isto é, Pobreza e Impossibilidade.

XLI. O poeta Timocreonte censura-o por concussão

XLI. A esse respeito Timocreonte, poeta Ródio, o agride bem duramente, acusando-o de readmitir, por dinheiro, muitos dos banidos e que, pela cobiça de ganhar certa quantia tinhao 286 traído e abandonado, a ele que era seu hóspede e seu amigo. Os versos onde ele o diz são os seguintes:

Nem Pausânias nem Leotiquides,
Nem Xantipo são para mim
Grandes capitães perto de Aristides;
Este é o melhor que saiu de Atenas.
Temístocles eu não menciono,
Ele é odiado a justo título de Latona,
Porque é um traidor, um mau e um mentiroso
Que por pouco dinheiro recusou
Covardemente a seu hóspede antigo,
Timocreonte, a volta ao seu país
Laliso287; e pela soma e preço
De três talentos de prata288 mal ganhos,
Fez voltar a alguns do exílio
E a outros banir injustamente
Ou matar sem crime que o merecesse;
Depois fez-se ao mar como aventureiro
Sempre por dinheiro, o concussionário.
Que depois manteve um taverneiro
Ordinário, avarento e interesseiro
Nos jogos sobrados da Assembleia Ístmica,
Servindo aos que frequentavam sua mesa
Carne fria, e eles, comendo-a, desejavam
Não ter pertencido jamais ao tempo do falso
Temístocles Por sua maldade,

Ele o injuriou porém de forma bem mais ultrajante, e mais a descoberto, depois que Temístocles foi exilado e condenado, e isso em uma canção que começa assim:

Ó Musa, seja por ti a fama
Destes meus versos,
disseminada entre os Gregos.
Assim como é justo e razoável.

Conta-se que o motivo de ter sido banido Timocreonte, liga-se à inteligência mantida por ele com os bárbaros, tendo sido Temístocles um dos que o condenaram, razão pela qual, quando o próprio Temístocles foi, depois, acusado do mesmo crime, Timocreonte compôs contra ele os versos seguintes:

Timocreonte não foi portanto o único
Que tratou com os medos;
Houve outros tão maus quanto eu;
Não sou a única raposa pelos campos

XLII. Ele faz sentir excessivamente os seus serviços

XLII. Mas além de tudo isso, já começavam seus próprios concidadãos, por inveja a prestar ouvido, de boa vontade, aos que o caluniavam e diziam mal dele. Cuidando obviar ao mal, ele foi constrangido a agir de maneira a tornar-se ainda mais odioso, porque, discursando, muitas vezes ao povo, rememorava-lhe seus benefícios e serviços, e vendo que a gente se aborrecia, dizia-lhe: «por que vos cansais de receber continuamente o bem da mesma origem?» Ele desagradou, também profundamente a muitos quando apelidou Diana, na dedicatória do templo que lhe mandou construir, de Aristóbulo que significa de muito bom conselho, querendo dizer com isso que tinha dado à sua cidade e a todos os gregos, um conselho muito bom e sábio. Edificou também o templo que está no distrito de Melita perto de sua casa, no local onde os carrascos expõem hoje, os corpos dos executados pela justiça, e onde são trazidas também as vestes e as cordas dos criminosos, enforcados, ou justiçados por qualquer outro meio. Havia ainda contemporaneamente a nós, nesse templo de Diana Aristóbulo, uma pequena imagem de Temístocles, a qual mostra e dá claramente a conhecer que ele tinha não somente o coração e a inteligência elevados, mas também o rosto cheio de majestade.

XLIII. É banido pelo ostracismo

XLIII. Os atenienses finalmente o baniram e relegaram para fora da cidade por cinco anos289, com a intenção de reduzir-lhe a autoridade e seu exagerado prestígio, como tinham o costume de fazer com todos aqueles cujo poder lhes parecia excessivo, e desmesurado, para a igualdade que deve existir entre os cidadãos de um estado popular; porque essa forma de banir por um certo período, denominada ostracismo, não constituía punição de crime nenhum mas era uma espécie de satisfação e alívio à inveja da plebe, a qual sentia prazer em diminuir e rebaixar aqueles que pareciam excedê-la muito em grandeza, evitando-se, por tal meio, o veneno da sua malquerença com essa redução de honrarias. Tendo sido assim expulso de Atenas, ele se recolheu a Argos.

XLIV. Traição de Pausânias, que confia o segredo a Temístocles

XLIV. Adveio entrementes, o caso de Pausânias, que deu pretexto e meio, aos seus inimigos para o atacarem; mas quem se inscreveu contra ele como acusador e parte, em matéria de traição, foi um certo Leobotes filho de Alcmeonte, natural do burgo de Agraula, encarregado pelos espartanos que também o perseguiram; porque Pausânias não tinha antes revelado nada a Temístocles da traição maquinada, embora fosse seu grande amigo. Quando porém o viu expulso do seu país, suportando muito impacientemente o exílio, teve, nesse momento a ousadia de comunicar-lhe, solicitando-lhe, quisesse vir com ele, e mostrando-lhe cartas que o rei da Pérsia lhe havia escrito, incitava-o contra os gregos, como sendo gente ingrata e de má natureza. Temístocles rejeitou com firmeza a solicitação, declarando-lhe abertamente que não queria ter com ele nenhuma participação nesse assunto, sem contudo revelar a ninguém no mundo, as propostas que Pausânias lhe fizera, nem denunciar jamais a decisão deste, fosse porque confiasse em sua desistência ou porque considerasse fatal que tudo viesse logo a ser descoberto por outro meio, tendo em visa que Pausânias aspirava desvairadamente, a coisas muito incertas, sem propósito, nem possibilidade nenhuma.

XLV. O povo quer prendê-lo. Ele foge para Corfú

XLV. Ora, depois que Pausânias foi munido com a morte, encontraram-se entre os seus papéis algumas cartas e escritos que tornavam Temístocles muito suspeito e os lacedemônios gritando de um lado, contra ele, seus invejosos de outro, também o responsabilizavam e o acusavam em Atenas, durante sua ausência. Respondeu-lhes a princípio, Temístocles através de cartas nas quais escrevia ao povo não ser verossímil que ele, que procurara sempre dominar, por todos os meios, e não tinha nascido para servir, nem para isso sentia nenhuma inclinação, tivesse pensado, de qualquer forma em vender sua liberdade e a dos gregos aos bárbaros inimigos. O povo, entretanto, excitado por seus desafetos, enviou gente para prendê-lo a fim de apresentá-lo à Assembleia dos estados da Grécia, onde seria julgado pelo conselho. Sentindo desde logo o vento, transportou-se Temístocles para a ilha de Corfu, por lhe ser a cidade reconhecida, por um favor que lhe concedera outrora> porque tendo tido os de Corfu, certa diferença contra os de Corinto, Temístocles apaziguou sua disputa, sentenciando a seu favor, e condenando os coríntios a multa de vinte talentos290 a eles destinada, e ordenando que gozassem em comum da ilha de Leucadia, como tendo; sido povoada por habitantes de uma e outra cidade, conjuntamente.

XLVI. De Corfú ao Épiro

XLVI. Dali fugiu ele para o Épiro, onde, perseguido por atenienses e lacedemônios, foi constrangido a lançar-se em uma aventura muito incerta e bem perigosa, indo entregar-se entre as mãos do rei dos molossos, Admeto, o qual tendo solicitado qualquer coisa aos atenienses em tempos passados, tinha sido despedido assaz vergonhosamente, por Temístocles então no auge do prestigio, pelo que muito se indignou esse rei contra ele, sendo evidente que se o tivesse então, apanhado nas mãos, tê-lo-ia maltratado. No calamitoso exílio em que se encontrava, todavia, considerou que a malquerença já envelhecida do rei, era menos temível que o ódio e a. inveja inteiramente atuais dos seus concidadãos. Por esse motivo foi como suplicante de Admeto entregar-se à sua discrição, de uma maneira nova e diferente da comum, porque, tomando entre os braços o filho do rei, ainda criança, foi lançar-se de joelhos junto ao altar doméstico, o que os molossos consideraram como a mais urgente forma de súplica, que ninguém ousaria afastar nem recusar. Dizem alguns ter sido a própria Ftia, mulher do rei, que lhe deu conhecimento desse costume do país, levando, além disso, seu filho para perto do mencionado altar. Escrevem outros que foi o próprio Admeto que lhe ensinou essa premente maneira de suplicar, para poder escusar-se diante de quem exigisse a sua pessoa, com o dever decorrente da religião que o impedia entregá-lo.

XLVII. Na Pérsia enfim

XLVII. Entrementes, Epícrates Acarniano, encontrou meios de subtrair secretamente sua mulher e filhos para fora de Atenas, enviando-os a ele, razão pela qual foi depois chamado à Justiça, e executado, a instâncias e por perseguição de Cimon conforme o escreve Estesimbroto, o qual esquecendo isso pouco depois, não se sabe como, ou bem, atribuindo o esquecimento a Temístocles, diz que ele n avegou para a Sicília onde pediu a filha de Hierão, tirano de Siracusa, em casamento, prometendo-lhe, se fosse aceito, conquistar todos os povos da Grécia, submetendo-os inteiramente. Não tendo Hierão as-sentido, diante da sua recusa, tomou Temístocles o caminho da Ásia. Isto porém não é verossímil, porque Teofrasto escreve no seu tratado sobre a realeza, que Hierão, tendo enviado cavalos para correr na festa dos jogos Olímpicos, e fazendo erigir aí uma tenda magnífica, suntuosa e rica, Temístocles discursou aos Gregos, demonstrando-lhes que se devia estraçalhar e saquear a tenda do tirano, sem permitir que seus cavalos corressem com os outros, nos jogos sagrados, em disputa do prêmio de velocidade. Tucídides declara que ele desceu até o outro mar, embarcando na cidade de Pidna, sem que ninguém o conhecesse a bordo, até o vento lançá-los sobre a ilha de Naxos, sitiada, casualmente, nesse momento, pelos atenienses, pelo que temendo abordar ali, foi ele constrangido a declarar quem era, ao capitão e ao piloto do navio, aos quais, em parte com súplicas e em parte com ameaças de os acusar aos atenienses de não ter sido por ignorância mas por dinheiro que eles o haviam recebido a bordo, forçou-os a passar ao largo, tomando a rota da Ásia.

XLVIII. Quanto a seus bens, seus amigos desviaram e salvaram boa parte deles enviando-os à Ásia, mas a parte descoberta e confiscada, escreve Teopompo, atingiu o valor de 100 talentos291, não mencionando Teofrasto mais que oitenta292, quando sua fortuna não valia três,293 ao tempo em que começou a imiscuir-se no governo da coisa pública. Quando atingiu a cidade de Cumas, Temístocles viu muita gente em toda a costa marinha, que o observava para prendê-lo, notando-se entr e outros um certo Ergóteles e um Pítódoro, por ser a presa grandemente ambicionada por gente desejosa de realizar proveito de qualquer coisa e por qualquer meio, e isso porque o rei da Pérsi a tinha feito proclamar, ao som de trombeta, que daria duzentos talentos a quem o trouxesse. Ele fugiu, por esse motivo, para uma pequena cidade da nação Eólica, chamada Egas, onde ninguém o conhecia a não ser seu hospedeiro, Nicógenes, o mais rico e mais opulento entre todos os eólicos, mantendo relações com senhores de prestígio junto ao rei da Pérsia. Temístocles ficou alguns dias escondido em sua casa, durante os quais uma tarde, depois do festim de um sacrifício, o preceptor dos filhos desse Nicógenes, chamado Olbio, tendo sido subitamente transportado e posto fora de si por inspiração divina, começou a pronunciar alto estes versos:

Dá tua voz à noite negra,
E teu conselho e tua vitória.

Estando Temístocles na noite seguinte deitado em seu leito, sonhou que tinha uma serpente enroscada em torno do ventre, a qual, deslizando ao longo do pescoço, atingiu-lhe a face; transformando-se, então, subitamente em uma águia que o envolveu entre suas asas e levantando-o, arrebatou-o pelo ar e o levou bem para longe até ele perceber um bastão de ouro semelhante aos que os arautos trazem na mão, sobre o qual a águia o colocou firmemente, tão bem, que ele se sentiu então livre do medo desesperado e da grande perturbação em que se achava. Para conduzi-lo em segurança à corte, Nicógenes recorreu, por esse motivo, ao seguinte estratagema:

As nações bárbaras, em sua maior parte, inclusive a persa, são, por natureza, estranha e cruelmente zelosas das mulheres, não somente das d esposadas, mas também das escravas e concubinas, guardando-as tão cuidadosamente, que ninguém as vê jamais fora, mas se mantêm sempre encerradas em casa, e quando saem pelos campos são levadas em carros bem fechados, cobertos inteiramente, de sorte que não se pode ver dentro. Temístocles tomou um carro preparado dessa maneira, depois de instruir sua gente a responder aos que encontrassem pelo caminho e perguntassem quem ia ali dentro, que se tratava de uma jovem grega do país da Jônia, conduzida a um dos senhores da corte. Segundo dizem Tucídides e Caronte Lampsasceno, foi depois da morte de Xerxes que Temístocles se dirigiu para ali, onde falou com seu filho. Mas Éforo, Dinon, Clitarco, Heráclides e muitos outros, escrevem que foi com o próprio Xerxes. Parece, todavia, que a afirmação de Tucídides concorda melhor com as crônicas e as tábuas onde está registrada a sequência do tempo, muito embora elas mesmas não sejam muito precisas.

XLIX. Temístocles então, atingindo o limiar do perigo dirigiu-se primeiro a Artabano, capitão de mil homens de infantaria, e disse-lhe que era Grego de nação e queria falar ao rei sobre coisas de alta importância que o interessavam profundamente. Respondeu-lhe Artabano desta maneira: «estrangeiro, meu amigo, as leis e costumes dos homens são diferentes, e uns consideram honesta uma coisa, outros outra, mas é honroso para todos observar as do próprio país. Ora, quanto a vós outros Gregos, dizem que estimais a liberdade e a igualdade acima de tudo; quanto a nós, entretanto, entre muitos belos costumes e leis que possuímos, nos parece mais belo o de reverenciar e adorar nosso rei, como a imagem do deus da natureza que mantém todas as coisas em seu ser e sua plenitude. Sendo assim, se te queres acomodar a nossa maneira de agir, e adorar o rei, poderás vê-lo e falar-lhe, mas se tens outro desígnio, ser-te-á necessário negociar e tratar com ele por interposta pessoa, porque tal é o costume do país. e o rei não dá jamais audiência a ninguém que não o tenha primeiramente adorado».

Tendo Temístocles ouvido esse propósito, respondeu-lhe: «Senhor Artabano, eu vim aqui desejando aumentar a glória e o poder do rei e portanto, não somente obedecerei às vossas leis, pois isso agrada a Deus que elevou o império da Pérsia a esta grandeza, como farei também que venha adorá-lo, mais gente do que atualmente o adora: não seja’, portanto, por isso que não vá eu mesmo declarar ao rei o que lhe tenho a dizer». «Mas quem diremos nós perguntou-lhe então Artabano, que tu sejas? Porque te ouvindo falar não parece seres homem de baixa categoria». Temístocles respondeu-lhe: «Quanto a isso, Artabano, ninguém o saberá antes do rei». Assim o narra Fânias, e Eratóstenes em um tratado escrito por ele sobre a riqueza, onde acrescenta que Temístocles teve acesso a este Artabano, e lhe foi recomendado, por intermédio de uma mulher, eretriana, pelo mesmo entretida.

L. Sua entrevista com o rei da Pérsia

L. Conduzido, então, diante do rei, manteve-se de pé, sem dizer palavra, depois de lhe ter feito a reverência até que o rei fez o intérprete perguntar-lhe quem era. Perguntou-lhe o intérprete e ele respondeu: «Senhor rei, eu sou Temístocles ateniense, que banido e expulso do meu país pelos gregos, me retirei para junto de ti, consciente de ter feito muito mal aos persas, mas considerando ter-lhes feito ainda maior bem, por ter impedido os gregos de perseguir-vos quando, tendo colocado os negócios da Grécia em segurança, e meu país fora de perigo, pareceu-me que podia ser-vos também agradável. Ora, quanto a mim, meus sentimentos se acordam ao calamitoso estado em que me encontro no momento, porque venho deliberadamente para reconhecer como uma graça se te agrada reconciliar-te comigo amigavelmente, e para pedir-te perdão, caso ainda estejas irritado contra mim. Rogo-te, contudo, senhor que, tomando a inimizade dos gregos por mim como testemunho dos serviços que prestei à nação persa, queiras usar d o meu destino como de ocasião e materna para mostrar tua virtude antes que para satisfazer a paixão de tua ira, porque, salvando-me a vida, salvarás um suplicante que se ofereceu francamente à tua graça, e fazendo-me morrer destruirás um inimigo dos gregos». Pronunciando essas palavras ele acrescentou que os Deuses, por muitos sinais e argumentos, o tinham incitado a vir entregar-se a ele, narrando a visão que tivera, em sonho, na casa de Nicógenes, e recitando o oráculo de Júpiter Dedoniano, pelo qual lhe fora determinado que ele recolhesse para junto de quem se designava como Deus, supondo tratar-se dele porque, Deus e ele se consideravam, e eram na verdade, dois grandes reis.

LI. O rei tendo-o ouvido falar nada lhe respondeu, de momento, embora possuído de grande admiração pelo seu bom senso e ousadia, mas depois, entre seus amigos, disse considerar-se feliz da boa sorte de ter-se Temístocles retirado para junto dele, e orou ao seu grande deus Arimã para que estimulasse sempre em seus inimigos, essa vontade de expulsar o maior número de pessoas de bem e de grandes homens existentes entre eles. Conta-se que o rei sacrificou aos deuses, rendendo-lhes graças e começou imediatamente a banquetear-se de tal maneira que, à noite, sonhando, durante o mais profundo de seu sono gritou três vezes de alegria: «Eu tenho comigo Temístocles, o ateniense». No dia seguinte de manhã, tendo chamado as principais personagens da corte, fez também vir Temístocles, o qual nada esperava de bom, principalmente quando viu os guardas que estavam à porta o olharem com má catadura, dirigindo-lhe injúrias quando o viram, e ouviram o seu nome. Especialmente Roxanes, um dos capitães, quando Temístocles passou a seu lado para aproximar-se do rei, sentado sobre o trono, disse-lhe baixinho, suspirando, enquanto os demais conservavam profundo silêncio: «Ó serpente grega, astuta e maliciosa, a sorte do rei te trouxe aqui.».

LII. Quando ele chegou diante do soberano, entretanto, e fez outra vez a reverência, este o saudou e dirigiu-lhe a palavra amavelmente dizendo-lhe que já lhe devia duzentos talentos294, uma vez que se tendo apresentado por si mesmo, cabia-lhe receber o prêmio em dinheiro, prometido a quem o trouxesse; prometeu-lhe ainda muito mais, garantindo-lhe segurança ao determinar-lhe que dissesse livre e francamente tudo o que entendesse no tocante aos negócios da Grécia. Respondeu-lhe então Temístocles: «a palavra do homem se parece exatamente a uma tapeçaria de histórias e figuras porque, numa e noutra as belas imagens aí colocadas são vistas, quando estendidas e desenroladas, e ao contrário não aparecem e se perdem quando recolhidas e dobradas, razão pela qual ele tinha necessidade de tempo para poder desenvolver sua palavra». O rei achou esta comparação muito própria e adequada, e como lhe concedesse o tempo que desejasse, pediu-lhe Temístocles um ano, durante o qual, tendo aprendido suficientemente a língua persa, falou depois ao rei, diretamente, sem intérprete.

LIII. Ele recebe honroso tratamento. O rendimento de três cidades lhe é atribuído

LIII. Supuseram os não pertencentes à corte que ele tivesse falado apenas dos negócios gregos, mas como a esse tempo, aparecesse ali, muita novidade e mudança, foram os grandes de opinião que ele ousara falar também a respeito deles, razão pela qual votaram-lhe depois grande inveja, porque a honra dispensada pelo rei a outros estrangeiros, não era nenhuma em comparação à que conferia a Temístocles, a quem levava à caça consigo, tendo-lhe permitido ver sua mãe com a qual ele obteve familiaridade e tendo assistido, por ordem expressa do rei, aos discursos dos sábios da Pérsia sobre a filosofia secreta, denominada por eles magia. E como Demarato Lacedemônio se encontrava ao mesmo tempo na corte da Pérsia, e foi um dia convidado pelo próprio rei a pedir-lhe, de presente, o que entendesse, solicitou aquele, lhe fosse outorgada a graça de poder andar pela cidade de Sardes com o chapéu real sobre a cabeça, como fazem os reis da Pérsia. Mitropausto, primo do rei, disse tocando-lhe na mão: «Demarato, o chapéu real que pedes, se estivesse sobre tua cabeça, quase não cobriria cérebro nenhum, porque ainda que Júpiter tivesse o seu raio para tê-lo na mão, não serias Júpiter por isso.» O rei lhe fez uma áspera admoestação por esse importuno pedido, e entrou em tão grande cólera contra Demarato, que era de pensar que jamais o perdoaria. Temístocles, entretanto, intercedeu tão bem por ele, que conseguiu restabelecer sua posição. Conta-se dos reis sucessores, vindos depois, sob os quais os negócios persas se mesclaram com os dos gregos como jamais acontecera antes que quando queriam tomar a seu serviço alguma personagem da Grécia, prometiam-lhe, escrevendo-lhe, que eles a fariam maior junto a eles, do que fora Temístocles junto a Xerxes. Relaciona-se com tudo isso o fato que também é contado., de ele mesmo, já muito acreditado e seguido por muita gente que o cortejava em virtude da autoridade por ele adquirida, certa vez que se achava à mesa, servido magnificamente de todos os alimentos delicados, ter-se virado para os filhos dizendo: «meus filhos, estaríamos perdidos se não tivéssemos estado perdidos.» Escreve a maior parte dos historiadores ter-lhe sido atribuída a renda de três cidades para seu pão, seu vinho e sua subsistência, a saber Magnésia, Lampsaco e Miunto; Neantes Ciziceno e Fânias, entretanto, acrescentam ainda duas outras, Percota e Palescepse, uma para seu vestuário e outra para seu dormitório.

LIV. Quando ele desceu às províncias baixas unto ao mar para inquirir dos negócios da Grécia, ouve um senhor persa chamado Epixies, governador da alta Frígia que lhe armou uma cilada, tendo, com grande antecedência, contratado alguns assassinos pisidianos para matá-lo quando ele chegasse à cidade de seu governo chamada «Cabeça de Leão»; Gomo ele, porém dormisse um dia em seu alojamento, por volta da tarde, a mãe dos deuses apareceu-lhe e lhe disse: «Temístocles, não chegues à «Cabeça de Leão», por temor ao Leão; e por esta advertência eu te peço tua filha Mnesiptólema para minha serva.» Temístocles, acordando em sobressalto nesse momento, fez sua oração à deusa e afastando-se da entrada principal, tomou outro rumo. Ultrapassando depois a cidade, acampou quando já era noite. Aconteceu porém que uma das bestas que carregavam sua tenda, tombou por acaso no rio, pelo que sua gente estendeu as tapeçarias, totalmente, molhadas, à luz da lua para secá-las. Os pisidianos não tendo podido discernir de longe, ao luar, que eram tapeçarias estendidas para secar, pensaram tratar-se da própria tenda habitada por Temístocles, e caíram sobre elas com as espadas nuas na mão, esperando encontrá-lo aí dormindo; quando chegaram e já levantavam uma ponta da tapeçaria, alguns dos homens de Temístocles, de sentinela, perceberam-nos e correram sobre eles, prendendo-os. Temístocles, escapando assim a esse perigo espantou-se muito do favor que lhe dispensara a deusa, aparecendo a ele, e em agradecimento, quando atingiu a cidade de Magnésia mandou edificar aí um templo a Dindimena, onde fez entrar como religiosa, sua filha Mnesiptleóma.

LV. Transitando, todavia, pela cidade de Sardes ia visitando, por desfastio, os templos e as oferendas aí existentes. No templo da mãe dos deuses viu uma imagem de uma donzela feita de cobre com dois côvados de altura, que se chamava Hidrófora, isto é, portadora de água e era uma estátua que ele mesmo dedicara outrora, tendo-a mandado fazer com o dinheiro resultante das multas a que haviam sido condenados os que furtavam e desviavam água pública de Atenas, quando era ele superintendente das águas. E fosse porque lhe fizesse mal ver essa bela imagem prisioneira entre as mãos dos bárbaros, ou porque quisesse mostrar aos atenienses quanto prestígio e autoridade ele desfrutava em todos os países obedientes ao rei, falou com o governador da Lídia, pedindo-lhe por favor, concordasse em devolver essa imagem à Atenas. O bárbaro zangou-se muito com o pedido, dizendo-lhe que escreveria sobre isso ao rei. Temístocles sentiu tanto medo com isso que se viu constrangido a recorrer às mulheres e concubinas do governador e, subornando-as por dinheiro, fê-las interceder por ele para amainar a ira do sátrapa. Depois disso ele se conduziu bem mais prudentemente e com mais reserva em todas as coisas, temendo já a inveja dos bárbaros, porque, como escreve Teopompo, deixou de passear daqui para ali pela Ásia, mantendo-se porém, demoradamente na cidade de Magnésia, gozando aí, em paz, dos donativos e benefícios do rei, honrado e venerado como uma das maiores personagens da Pérsia, enquanto o rei estava impedido com os negócios das altas províncias asiáticas, e não tinha tempo de preocupar-se com os da Grécia

LVI. Revolta do Egito, excitada pelos atenienses. A Pérsia se arma contra Atenas. Temístocles suicida-se para não servir contra sua pátria

LVI. Mas quando chegaram notícias de que o Egito se tinha rebelado, apoiado pelo favor e auxílio dos atenienses, e de que as galeras gregas vinham correr até a ilha de Chipre e as costas da Cilícia, e de que Cimon dominava todo o mar, volveu-se, por isso, o pensamento do rei para a resistência contra os gregos, a fim de impedi-los que crescessem em seu detrimento. Começou-se assim a recrutar gente, despachar capitães, e enviar mensageiros à Magnésia ao encontro de Temístocles. a quem o rei determinava que superintendesse aos negócios gregos, mantendo as promessas feitas. Mas Temístocles sem mostrar-se ferido nem irritado pelo rancor contra seus concidadãos, nem emocionado pelo desejo do grande poder e autoridade que podia ter nessa guerra, ou talvez não considerando que fosse coisa da qual pudesse sair-se bem, tendo em vista, especialmente, que a Grécia tinha então três grandes capitães e que Cimon, entre os outros, prosperava admiravelmente e, mais ainda, com vergonha de macular a glória de tantos belos feitos, de tantos triunfos e vitórias ganhas por ele, tomou uma resolução, cheia de sabedoria de pôr fim à própria vida, na forma a ele conveniente, porque, oferecendo um solene sacrifício aos deuses, no qual festejou seus amigos de quem se despediu, bebeu depois sangue de touro como o afirma a voz mais corrente ou, como dizem outros, uma espécie de veneno que mata o homem dentro de 24 horas, e acabou assim, os seus dias na cidade de Magnésia, após ter vivido até a idade de sessenta e cinco anos, a maior parte dos quais desempenhando sempre, ofícios e grandes cargos.

LVII. O rei da Pérsia o admira. Seus filhos.

LVII. Conta-se que o rei da Pérsia tendo sabido a causa e a maneira de sua morte, o estimou ainda mais que antes, por isso, tendo continuado a tratar sempre bem, seus amigos e parentes, porque ele deixou filhos tidos de Arquipe filha de Misandro da cidade de Alopecia, a saber, Arquéptoles, Polieucto e Cleofanto a quem o próprio Platão filósofo menciona, dizendo que era295 homem de armas bastante bom, mas sem mérito no demais. Quanto aos outros mais idosos, Neocles morreu de uma mordida de cavalo e Adiocles, foi adotado como filho, por seu avô Lisandro. Temístocles deixou ainda muitas filhas, entre as quais Mnesiptólema da segunda mulher, que foi casada com seu irmão Arquéptoles o qual não era da mesma mãe; Itália, casada com um certo Pantidas, natural de Quio; Sibaris casada com Nicomedes ateniense e Nicômaca casada com Fasicles sobrinho de Temístocles, a quem seus irmãos a deram em casamento na própria cidade de Magnésia, após a. morte do pai, sustentando e educando este, a mais jovem de todas que se chamava Ásia.

LVIII. Seu túmulo magnífico em Magnésia

LVIII. Em relação ao mais, sua sepultura magnífica vê-se ainda na praça de Magnésia, mas quanto a seus ossos, não se deve acreditar no que escreve Ândocides, em discurso feito a seus amigos, quando afirma que os atenienses, tendo encontrado relíquias do seu corpo, as jogaram ao vento, porque isso não passa de uma ficção para irritar os nobres contra o povo. Filarco também, em sua história, nem mais nem menos do que se fosse uma tragédia, arma por assim dizer engenhoso mito no qual faz aparecer não sei que Neocles e Demópols filhos de Temístocles, para levar os leitores à compaixão, mas não há ninguém que não veja imediatamente tratar-se de coisa contestável e de pura invenção. Diodoro o geógrafo, num tratado por ele escrito sobre as sepulturas diz, mas por conjectura do que por ciência certa, que junto ao porto do Pireu, do lado de quem vem da cabeça de Aícimo296 há uma ponta em forma de cotovelo dentro da qual quando se dobra sua extremidade, o maré sempre liso, encontrando-se aí uma base grande e longa, onde há como que a forma de um altar, dizendo ele ser a sepultura de Temístocles, e pensa mesmo que o poeta cômico Platão, o testemunha nestes versos:

Tua sepultura é situada no ponto exato
Para ser saudada pelos mercadores;
Ela verá todos os que entrarem
No porto, e. dele saírem;
E caso se trave algum combate
No mar, ele contemplará o choque.

LIX. Sua posteridade, homenageada até o tempo de Plutarco

LIX. Os de Magnésia, finalmente, fixaram algumas honrarias para os descendentes de Temístocles que duram até hoje; gozava delas, ao meu tempo, um outro Temístocles Ateniense, com o qual mantive conversação familiar e amizade, em casa do filósofo Amônio

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