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Notas

1 - Sósio Senecião era o amigo de Trajano e foi várias vezes cônsul. No grego. Sossius.
2 - Seu nome era Pittheus; e é assim que se lê no grego.
3 - Ao pobre mercenário. No grego, a um amigo. Piteu queria que se estivesse sempre pronto a recompensar os serviços prestados por um amigo. Foi sem dúvida por causa da rima que Amyot substituiu a máxima do mercenário.
4 - Onde pela religiosa do templo. No grego: onde pela Pítia.
5 - Quando ele chegasse à idade de homem assaz poderoso-No grego: e que, chegado à idade de homens, fosse assaz poderoso para, etc.
6 - Irmão de Egeu.
7 - O tridente, que é uma forquilha de três pontas, a insígnia de Netuno. o grego nomeia apenas o tridente. Todo o resto é a explicação de Amyot: longa demais. Talvez a tivesse julgado necessária para ser entendido num século em que era raro o conhecimento dos monumentos antigos.
8 - Nem quem os tirasse deste mundo. No grego: nem quem os contivesse.
9 - Os gregos nem nenhum autor antigo falam de uma cidade dos Ióxidas. Não era, pois, senão um povoado.
10 - É a cor da javalina. Essa cor é escura.
11 - Pequeno burgo entre Corinto e Mégara.
12 - Amyot, notas manuscritas.
13 - A rota de Teseu não podia conduzi-lo a Hermíona, que é na Argólida. Conjecturou-se que era preciso corrigir em Hermeu, lugar situado entre Atenas e Elêusis.
14 - Amyot devia ajuntar o que está no grego, e que se chama agora Hecatômbeon. Seria de desejar que ele sempre tivesse posto os nomes gregos dos meses. Hecatômbeon responde ao mês de julho, e não ao mês de junho.
15 - No grego: eles vieram de Esfeta abertamente em armas. Esfeta era um burgo da Ática.
16 - A Tetrápolis da Atica era composta de quatro cidades: Zênce, Maratona, Probalinto e Tricórito. Estrabão, liv. VIII.
17 - No grego: Creta.
18 - Pensa Dacier que eram enviadas crianças somente de nove em nove anos. E’ uma vingança lenta para um pai e para um rei que pune os Atenienses com a morte dos filhos. De resto, o grego é suscetível de ambos os sentidos.
19 - Num dos mais belos quadros encontrados em Hercu-lano, vê-se o Minotauro derrubado aos pés de Teseu. O mostro tem uma cabeça de touro sobre um corpo de homem. Crianças beijam as mãos, abraçam os joelhos de Teseu. Pitture Antiçhe d’Ercolano, t. I, tav. V.
20 - No grego: em sua "Republica", dos Botieus.
21 - Plutarco confunde aqui os dois Minos: o primeiro filho de Júpiter Astério e de Europa, famoso por sua sabedoria; o segundo, neto de Minos e filho de Licaste e de Ida. Foi aquele que impusera o tributo aos Atenienses. Vide o próprio Plutarco, cap. XXIV.
22 - No grego: e que depois de ter feito.
23 - O Pritaneu, lugar onde os magistrados de Atenas se reuniam.
24 - Acrescentem-se estas pala vras: tendo Dédalo e os banidos de Cândia por guias, e suprimam-se na frase seguinte.
25 - Sua irmã — não está no grego.
26 - Essa dança, depois de três mil anos, existe ainda na Grécia, e se chama a Candiota. Guys, testemunha ocular, dela apresenta pormenores curiosos. Viagem Literária à Grécia, Carta XIII. E’ vista representada na grande obra de Le Roy, As Ruínas dos Mais Belos Monumentos da Grécia, 2.ª edição, página 22 , estampa X.
27 - Grego: Pyaneprion.
28 - Vide as Observações, cap. XXVI.
29 - Demétrio de Falero foi nomeado chefe dos Atenienses 318 anos antes de Jesus Cristo.
30 - O grego: a festa das Oscofórias.
31 - As grandes Panatenéias eram celebradas todos os cinco anos no dia vinte e três do mês de Hecatômbeon, e as pequenas todos os anos no dia vinte do mês de Targélion. As Metécias celebravam-se no décimo-sexto dia de Hecatômbeon.
32 - O grego traz: para todo o resto, em tudo os igualou, de maneira que os nobres, etc.
33 - Pellerin publicou duas belas medalhas de Atenas, em uma das quais se vê a cabeça de um touro e na outra o combate de Teseu contra o Minotauro. Medalhas de Povos e Cidades, tomo I, página 246.
34 - Vide as Observações, cap. XXX.
35 - Ponto Euxino ou mar Negro.
36 - O grego: da Pítia.
37 - Hermón, Mercúrio. Hérmon, Hermo.
38 - É um erro de Amyot. Era preciso traduzir alcançando o Museu. O Museu ficava no recinto da cidade de Atenas de frente para a cidade. Museu, poeta mais antigo do que Homero, ali recitava seus versos e ali foi inumado. Pausânias, I, 25. Daí veio o nome de Museu dado àquela colina.
39 - No grego: Boedrômion.
40 - No grego: do Museu.
41 - No grego: do herói Calcódoon.
42 - Asse templo era consagrado à Lua, que se chamava Terra Olímpica no sistema da pluralidade dos Mundos. Falarei disso mais adiante, ao explicar o Tratado dos Oráculos que cessaram.
43 - Chamava-se Rus ou Rous, isto é, a torrente, por causa das águas que caíam da montanha vizinha. Pausânias, I, 41.
44 - No grego: um edifício em forma de losango.
45 - No grego: e perto do rochedo que se chama Cinoscéfalas.
46 - O grego acrescenta: embora ela fosse ainda criança.
47 - No grego: sua filha Cora.
48 - Lícofron e Tzetzes chamam-lhe Munito. Vide Méziriac, Comentários sobre as Epístolas de Oyídio, tomo I, página 127.
49 - No grego: queixar-se a Edomeu a respeito de Pirítoo.
50 - No ano 490 antes de Jesus Cristo.
51 - Afésion é que era arconte de Atenas, no quarto ano da 74ª olimpíada, quando Címon levou da ilha de Ciros os ossos de Teseu.
52 - No grego: do Ginásio. C.
53 - No grego: do mês de Pianéprion.
54 - Vide as Observações, cap. XLIV.
55 - Do mês de Hecatômbeon. C.
56 - Por causa da solidez do cubo, o número oito, primeiro número cúbico, era o emblema da firmeza imóvel de Netuno, que assegura e afirma a terra. A doutrina de Pitágoras estava cheia dessas imagens. Tomar a ele esse gosto no Egito. É o que se deve relembrar frequentemente, quando se trata de sua doutrina e do uso que ele faz dos números.

Fontes   >    Grécia Antiga

Vidas Paralelas: Teseu, de Plutarco

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Estátua de Teseu na Praça Sintagma, em Atenas.

Sobre a fonte

Teseu foi um rei lendário que teria governado em Atenas. É mais famoso por ter, segundo a mitologia grega, matado o Minotauro e libertado Atenas da obrigação de oferecer jovens para sacrifício em Creta. A biografia de Teseu faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Teseu foi comparado com Rômulo, o lendário fundador de Roma.

I. Começo dos tempos verdadeiros da História

I. Assim como os historiadores que descrevem a terra em figura, amigo Sósio Senecião 1, costumam suprimir nas extremidades de suas cartas as regiões de que não têm conhecimento e disso enumerar as razões em trechos da margem — além destes países aqui não há senão profundos areais sem água, cheios de animais venenosos, ou a vasa que não se pode navegar, ou a Cítia deserta pelo frio, ou ainda o mar gelado — também nesta minha história, na qual comparei as Vidas de alguns homens ilustres umas com as outras, tendo seguido todo o tempo do qual os monumentos estão ainda tão inteiros que sobre eles se pode falar com alguma verossimilitude ou escrever com real verdade, eu bem posso dizer dos tempos mais antigos e mais afastados do presente: o que antes existe não é mais que ficção estranha e não se encontram senão fábulas monstruosas que os poetas inventaram, onde não há certeza nem qualquer aparência de verdade. Todavia, tendo posto à luz as vidas de Licurgo, que estabeleceu as leis dos Lacedemônios, e do rei Numa Pompilio, pareceu-me que eu bem podia razoavelmente remontar ainda até Rômulo, pois que tão próximo estava de seu tempo — assim pensei longamente comigo mesmo, como diz o poeta Ésquilo:

Que campeão se medirá
Com tal homem?
Quem irá
Ao meu juízo de encontro?
Quem topará tal recontro?

E por fim resolvi comparar aquele que povoou a nobre e famosa cidade de Atenas com aquele que fundou a gloriosa e invencível metrópole de Roma: no que eu teria desejado que as fábulas daquela antiguidade se deixassem tão destramente limpar com meus escritos que lhes pudéssemos dar alguma aparência de narração histórica; mas, se acaso em alguns lugares saem um pouco audaciosamente fora dos limites da verossimilhança e não têm nenhuma conformidade com coisa crível, é necessário que os leitores graciosamente me escusem, recebendo de bom grado o que se pode escrever e recontar de coisas tão velhas e tão antigas.

II. Relações do Teseu e Rômulo

II. Ora, pareceu-me que Teseu tinha muitas coisas semelhantes a Rômulo, porque, tendo sido ambos gerados clandestinamente e fora de legítimo matrimônio, também tiveram ambos o murmúrio de haverem nascido da semente dos deuses:

Ambos valentes, como todos sabem.

Tiveram ambos o bom-senso conjunto à forca do corpo e, das duas mais nobres metrópoles do mundo, um fundou a de Roma e o outro reuniu em um corpo de cidade os habitantes da de Atenas. Um e outro raptaram mulheres, e nem um nem outro pôde evitar a infelicidade de querelar com os seus e de sujar-se com o sangue de parentes próximos; e, mais, sustenta-se que um e outro acabaram incorrendo no ódio e malquerença de seus cidadãos, se queremos ao menos receber por verdadeiro o que sobre isso se escreve menos estranhamente e onde há mais aparência de verdade.

III. Nascimento de Teseu

III. Teseu, pois, a par de seu pai, descendia em linha direta do grande Erecteu e dos primeiros habitantes que atingiram o país da Ática, os quais foram depois chamados Autóctones, o que vale tanto como dizer nascidos da terra mesma, porque não há memória de que tenham jamais vindo de alhures; e, do lado de sua mãe, tinha saído de Pélope, que em seu tempo foi o mais poderoso rei de toda a província do Peloponeso, não tanto pelas riquezas quanto pela multidão de filhos, de tal maneira que dava as filhas, das quais tinha bom número, aos maiores Senhores do pais, e ia semeando os filhos, que eram também em bom número, pelas cidades, francas, achando meio de lhes fazer ter delas os governos, Piteu2, avô materno de Teseu, foi um deles, o qual fundou a pequena cidade de Trezena e teve a reputação do mais sábio e prudente homem do seu tempo; mas a ciência e a prudência, que então estavam em estima, consistiam todas em graves sentenças e ditos morais, como são aqueles pelos quais o poeta Hesíodo tem sido tão estimado em seu livro intitulado «As Obras e os Dias», no qual livro se lê ainda resentemente esta bela sentença que se diz ser de Piteu; Pagar logo tu deves o salário Que prometes ao pobre mercenário3. Ass im escreve mesmo o filósofo Aristóteles; e o poeta Eurípides, chamando a Hipólito discípulo do santo Piteu, dá a entender assaz em que reputação ele era tido.

IV Mas, desejando Egeu, assim como se diz, saber como poderia ter filhos, dirigiu-se na cidade de Delfos ao oráculo de Apoio, onde4 pela religiosa do templo lhe foi respondida esta profecia tão renomea da, a qual lhe defendia tocar e conhecer mulher enquanto não estivesse de retorno a Atenas; e, porque as palavras da profecia eram um pouco obscuras, retornou pela cidade de Trezena, para comunicá-las a Piteu. As palavras da profecia eram tais:

Homem em que a virtude está formada,
Fique a pata do bode bem atada,
Enquanto não te encontres em Atenas.

Isso entendido, persuadiu-o Piteu, ou por algum ardil o afinou de sorte que o fez deitar com sua filha chamada Etra. Egeu, pois, após ter tido sua companhia, conhecendo que era a filha de Piteu que deitara com ele e suspeitando que ela estava grávida de suas obras, deixou-lhe uma espada e sapatos, os quais escondeu debaixo de. uma grande pedra, oca justamente na medida necessária para conter o que ali colocava, e não o disse a ninguém no mundo, senão a ela mesma, encarregando-a de que, se porventura tivesse um filho, quando5 este chegasse à idade de homem assaz poderoso para remover a pedra e tomar o que ele deixara debaixo, o enviasse com tais insígnias o mais secretamente que pudesse, sem que nenhum outro tivesse disso conhecimento: porque temia muito os filhos de um chamado Palas6, os quais espiavam todos os meios.de o fazer morrer e o desprezavam porque ele não tinha filhos e eles eram cinquenta irmãos, todos gerados pelo mesmo pai. Isso feito, ele se foi; e Etra, alguns meses depois, deu à luz um belo filho, o qual desde então se chamou Teseu, como quiseram dizer alguns, por causa dessas insígnias de reconhecimento que o pai colocara debaixo da pedra. Todavia, há outros que escrevem ter sido isso depois, em Atenas, quando o pai o reconheceu e o confessou seu filho; mas, durante os primeiros anos da juventude, nutrido em casa de seu avô Piteu, teve um mestre e governador chamado Cônidas, em honra do qual os Atenienses até hoje sacrificam um carneiro no dia anterior à grande festa de Teseu, honrando com melhor razão a memória desse governador que a de um Silânion e a de um Parrásio, aos quais também fazem honra, porque pintaram e moldaram imagens de Teseu.

V. Viagem a Delfos

V. Ora, nessa época, era ainda costume na Grécia que os homens jovens, ao saírem da infância, iam à cidade de Delfos oferecer parte dos seus cabelos ao templo de Apoio. Teseu para lá seguiu como os demais; e dizem que o lugar onde se fazia a cerimônia dessa oferenda conserva-lhe até hoje o nome, pois ainda no presente se chama Teséia; mas ele fez raspar somente a frente da cabeça, como diz Homero que os Abantes se tonsuravam outrora; e foi essa espécie de tonsura chamada Teseida, por amor a ele. E, quanto aos Abantes, foram em verdade os primeiros que assim se fizeram tonsurar; mas não o aprenderam dos Árabes, como estimaram alguns, nem o faziam à imitação dos Mísios, mas porque eram homens belicosos e ousados, que juntavam de perto o inimigo em batalha e, mais do que todos os povos do mundo, sabiam combater bem, de pé firme, a golpes de mão, como o testemunha o poeta Arquíloco nestes versos:

Eles não usam fundas na jornada,
Nem também arcos, mas estoque e espada.
Quando Marte sangrento dá começo
Em campanha ao terrífico arremesso,
Tornam-se desumanos em ação,
Combatendo de espadas mão a mão:
Em tal esgrima chegam a esse ponto
Os marciais varões de Negroponto.

A causa pela qual se faziam assim tonsurar na frente era a fim de que os inimigos não pudessem pegá-los pelos cabelos quando combatiam, como pela mesma consideração Alexandre, o Grande, comandou lambem a seus capitães que fizessem rapar as barbas aos Macedônios: porque é a presa mais fácil e mais à mão, que se poderia fazer ao inimigo em combate, agarrá-lo pela barba.

VI. Mas, para voltar a Teseu: Etra, sua mãe, todo o tempo antes lhe havia ocultado quem era seu verdadeiro pai, e Piteu tinha feito correr o rumor de que ele fora gerado por Netuno, tanto assim que os Trezenienses têm esse deus em grande reverência e o adoram como patrono e protetor de sua cidade, fazendo-lhe oferenda dos seus primeiros frutos; e assim têm como marca de sua moeda o tridente7, que é uma forquilha de três pontas, e insígnia de Netuno; mas, chegado que foi aos primeiros anos da juventude, e quando mostrou com a forca do corpo ter uma grande coragem, junto com uma prudência natural e equilibrado senso, então a mãe o conduziu ao lugar onde estava a grande pedra oca e, declarando-lhe verdadeiramente o fato de seu nascimento e por quem fora gerado, fez-lhe tomar as insígnias de reconhecimento que o pai ali escondera e aconselhou-o a ir por mar à presença dele em Atenas. Teseu sublevou facilmente a pedra e tomou o que estava debaixo; mas respondeu francamente que não iria por mar, conquanto fosse muito mais seguro e embora a mãe e o avô lhe pedissem com muita insistência, porque o caminho para ir por terra de Trezena a Atenas era bem perigoso, em razão dos bandidos e ladrões que havia por toda parte. Pois aquele século trouxe homens que, em forca de braços, ligeireza de pés e potência universal de toda a pessoa, sobrepassavam grandemente o ordinário dos outros e jamais se cansavam com qualquer trabalho que tomassem; mas não empregavam esses dons de natureza em nenhuma coisa honesta nem aproveitável, antes sentiam prazer em ultrajar vilã e arrogantemente os outros, como se todo o fruto de suas extraordinárias forças consistisse em crueldade e inumanidade somente e em poderem ter em sujeição, forçar, perder e gastar tudo o que lhe caísse nas mãos, estimando que a maior parte daqueles que louvam a vergonha de fazer mal, a justiça, a equidade e a humanidade, o fazem por fraqueza de coração, sem ousarem prejudicar a outrem por medo de o fazerem a si mesmos e, portanto, os que pela força podiam obter vantagem sobre outros não tinham o que fazer todas essas qualidades.

VII. Admiração por Hércules

VII. Ora, desses maus homens, Hércules, percorrendo o mundo, tirava dele alguns e fazia-os morrer; os outros, enquanto ele passava pelos lugares onde se encontravam, ocultavam-se de medo e se retiravam, de maneira que Hércules, vendo que assim se rebaixavam e humilhavam, não mais fazia conta de os perseguir; mas, quando a fortuna lhe adveio de matar Ífito com a própria mão e quando se dirigiu por ultramar ao país de Lídia, Onde longamente serviu a rainha Ônfale, condenando-se ele próprio a essa pena voluntária, pelo crime que cometera, todo o reino da Lídia, enquanto ali esteve, ficou em grande paz e em grande segurança de tal espécie de gente; mas, na Grécia e arredores, essas maldades começaram outra vez a renovar-se e a ressurgir mais do que nunca, porque ninguém mais havia que os castigasse nem8 quem os tirasse deste mundo: na qual ocasião o caminho para ir do Peloponeso a Atenas, por terra, era muito perigoso.

VIII. E por essa causa Piteu, recontando a Teseu quais eram os bandidos que dominavam aquele caminho e os ultrajes e violências que eles faziam aos passantes, tratava de persuadi-lo de que ele fizesse logo essa viagem por mar; mas havia muito tempo, em meu aviso, que a glória dos renomeados feitos de Hércules lhe inflamara secretamente o coração, de maneira que não fazia conta senão de si mesmo e escutava muito afetuosamente aqueles que recitavam qual homem era, mesmo aqueles que o tinham visto e que estiveram presentes quando ele dissera ou fizera alguma coisa digna de memória; pois então dava manifestamente a conhecer que sofria no peito a mesma paixão de que Temístocles muito tempo depois sofreu, quando disse que a vitória e o troféu de Milcíades não o deixavam dormir. Pois também a grande admiração na qual Teseu tinha a virtude de Hércules faziam que à noite não sonhasse senão com os seus gestos, e de dia o ciúme de sua glória o pungia com o desejo de fazer às vezes outro tanto com os que eram parentes próximos, como aqueles que eram filhos de duas primas-germanas: pois Etra era filha de Piteu e Alcmena, mãe de Hércules, filha de Lisídico, a qual era irmã-germana de Piteu, todos dois filhos de Pélope e sua mulher Hipodâmia.

XI. Assim pensou que lhe seria coisa vergonhosa e insuportável que Hércules tivesse percorrido todo o mundo, procurando os maus para deles limpar o mar e a terra, e que ele, ao contrário, fugisse à ocasião de Combater aqueles que se pressentiam em seu caminho: o que fazendo, desonraria aquele que a opinião comum e o murmúrio do povo diziam ser seu pai, se, fugindo a ocasião de combater, se fizesse conduzir por mar e levasse a seu verdadeiro pai, para se fazer reconhecer, sapatos e uma espada não ainda tinta de sangue — lá onde mais cedo ele devia procurar matéria de fazer conhecer incontinente, pela evidente marca de alguns belos feitos de armas, a nobreza do sangue de que saíra. Com tal deliberação se pôs Teseu a caminho, propondo-se não ultrajar ninguém, mas bem defender-se e revingar-se daqueles que empreendessem assaltá-lo.

X. Primeiros combates contra os bandidos

X. O primeiro, pois, que derrotou foi um ladrão chamado Perifetes, dentro do território da cidade de Epidauro. Asse ladrão trazia ordinariamente por bastão uma clava e por isso era comumente sobrenomeado Corinetes, quer dizer, o portador da clava. Assim, pôs primeiro a mão sobre ele, para impedir-lhe a passagem, mas Teseu o combateu de sorte que o matou: com o que ficou tão contente, assim como por lhe haver ganho a clava, que desde então a portou sempre ele mesmo, não mais nem menos que Hércules a pele do leão; e, assim como aquele despojo do leão testemunhava o tamanho da fera que Hércules abatera, também Teseu ia por toda parte mostrando que essa clava que tomara das mãos de outro era inconquistável entre as suas. Passando mais além, dentro do estreito do Peloponeso, derrotou outro, chamado Sínis e sobrenomeado Pitiocamptes, quer dizer, curvador de pinheiros, e o derrotou em tudo da mesma maneira que ele fizera morrer vários passantes: não que o tivesse aprendido antes, nem que se tivesse exercitado em fazê-lo, mas fazendo ver por efeito que por si só a virtude pode mais do que todo artifício ou exercitação. Esse Sínis tinha uma filha muito bonita e robusta, chamada Perigoune, a qual fugiu ao ver o pai morto; e Teseu a procurava aqui e acolá, mas a moça se lançara dentro de um pequeno bosque, onde havia grande quantidade de juncos e aspargos selvagens, aos quais ela muito simplesmente suplicava, infantil, como se eles tivessem senso para entendê-la, prometendo-lhes por juramento que, se a escondessem e cobris-sem tão bem que não pudesse ser encontrada, jamais os cortaria nem os queimaria, Teseu chamou-a e jurou por sua fé que a trataria bem e não lhe faria mal nem desprazer nenhum: sobre a qual promessa, ela saiu da mata e deitou-se com ele, de quem concebeu um belo filho que teve o nome de Menalipo. Depois, Teseu a deu em casamento a um certo Deioneu, filho de Êurito Ecaliense. Desse Menalipto, filho, de Teseu, nasceu Ioxo, o qual com Órnito levou gente para o país da Cária, onde construiu a cidade dos Ióxidas9; e daí vem que esses Ióxidas observem ainda hoje essa antiga cerimônia de não queimar nunca o espinho dos aspargos nem o junco, tendo-os antes em alguma honra e reverência.

XI Quanto à Javalina de Crômíon, que se chamava de outro modo Féia, quer dizer, Burel10, não era uma fera de que se devesse fazer pequena conta, antes era corajosa e bem pouco fácil de matar, Teseu nada menos a esperou e a matou sem deter-se no caminho, a fim de que ao mundo não parecesse que fazia todas essas valentias porque a isso fosse constrangido por necessidade; além de que era sua opinião que o homem de bem só deve combater contra os homens para se defender dos maus, mas que deve ser o primeiro a assaltar e correr sobre as bestas selvagens e malfazejas. Todavia, escreveram outros que Féia era uma salteadora, assassina e abandonada de corpo, a qual roubava os que passavam nas proximidades do lugar chamado Crômion11, onde se fixava, e que foi sobrenomeada Javalina pelos seus costumes desonestos e má vida, a qual finalmente foi morta por Teseu.

XII. Após aquela, derrotou Círon12 à entrada do território de Mégara, porque ele despojava os passantes, assim como o sustenta a mais comum opinião; ou, assim como dizem outros, porque, por ultrajosa malvadez e prazer desordenado, estendia os pés aos que por lá passavam ao longo da marinha e comandava-lhes que lhos lavassem; depois, quando cuidavam de baixar para assim fazerem, empurrava-os a pontapés, até fazê-los estrebuchar no mar: e Teseu aí o lançou também a ele, do alto a baixo dos rochedos. Todavia, os historiadores de Mégara, contradizendo a voz pública e querendo, como diz Simônides, combater a prescrição do passado, sustentam que Círon não foi nunca nem bandido nem malfeitor, mas antes perseguidor dos maus e amigo e aliado das pessoas de bem e mais justos homens da Grécia; pois não há ninguém que não reconheça que Éaco foi o mais santo homem do seu tempo e que Cicreu de Salamina é honrado e reverenciado como um deus em Atenas; e assim não há homem que não saiba também que Peleu e Télamon foram pessoas de singular virtude. Ora, é certo que Círon foi genro de Cicreu, sogro de Éaco e avô de Peleu e de Télamon, que todos dois foram filhos de Endeis, filha do dito Círon e de sua mulher Cáriclo. Assim não é verossímil que tanta gente de bem tivesse querido fazer aliança com tão desgraçado homem, tomando dele e dando-lhe o que os homens têm de mais caro no mundo; e, no entanto, dizem tais historiadores que não foi na primeira viagem de Teseu a Atenas que ele matou Círon, mas depois, quando tomou a cidade de Eleusina, ainda ocupada pelos Mégaros, onde enganou o governador da cidade chamado Díocles e ali fez morrer Círon. Eis as oposições que os Mégaros alegam a esse propósito.

XIII. Também na cidade de Eleusina, matou Cércion Acárdio, lutando contra ele. E, seguindo um pouco mais além, na cidade de Hermíona13, derrotou Damastes, que de outro modo era sobrenomeado Procrustes: no que o igualou à medida de seus feitos, como se acostumara a fazer com os estrangeiros passantes; e isso fazia Teseu à imitação de Hércules, o qual punia os tiranos com a mesma pena que haviam feito sofrer a outros. Pois assim sacrificou Busíris; assim sufocou Anteu na luta; assim fez morrer Cic no, combatendo-o de homem para homem; assim rompeu a cabeça de Térmero, do que ainda até hoje ficou o provérbio sobre o mal termeriano, porque esse Térmero tinha o costume de fazer morrer assim os que encontrava, chocando contra a deles a sua cabeça. De maneira semelhante, Teseu ia punindo os malfeitores, fazendo-os sofrer justamente os mesmos tormentos que tinham sido os primeiros a fazer sofrer injustamente a outros. E assim prosseguiu caminho até chegar ao rio Cefiso, onde alguns da casa dos Fitálidas foram os primeiros a honrá-lo, seguindo-lhe ao encontro, e a seu requesto o purificaram segundo as cerimônias costumeiras daquele tempo; depois, tendo feito aos deuses um sacrifício de propiciação, festejaram-no em suas casas; e foi o primeiro bom acolhimento que achou em todo o caminho.

XIV. Chegada a Atenas

XIV. Sustenta-se que chegou à cidade de Atenas no oitavo dia do mês de junho14, que então se chamava Crônio. Assim achou a coisa pública turbada por sedições, parcialidades e divisões, e particularmente a casa de Egeu em maus termos também, por isso que Medéia, tendo sido banida da cidade de Corinto, retirara-se para Atenas e morava com Egeu, ao qual prometera fazê-lo ter filhos pela virtude de algumas medicinas; mas, tendo sentido o vento da vinda de Teseu, antes que o bom homem Egeu, que estava já velho, suspeitoso e desconfiando de todas as coisas, pelas grandes parcialidades que reinavam dentro da cidade, soubesse quem ele era, ela o persuadiu de envenená-lo em um banquete que se lhe faria como a um estrangeiro passante. Teseu não deixou de ir a esse banquete para o qual fora convidado; mas também não achou o bom passo de se descobrir ele próprio: antes querendo dar a Egeu matéria e meio de o reconhecer, quando se levou a carne para a mesa, desembainhou a espada, como se com ela tivesse querido trinchar, e mostrou-lha. Egeu reconheceu-o logo em seguida e incontinente derrubou a copa onde estava o veneno que se aprestara para lhe impingir, Em seguida, após o haver inquirido e interrogado, abraçou-o; e depois, em pública assembleia de todos os habitantes da cidade, declarou que o reconhecia por seu filho. Todo o povo o recebeu com grande gáudio, pelo renome de sua proeza; e diz-se que, quando Egeu derrubou a copa, o veneno que estava dentro tombou no lugar onde há agora certa mansão, toda fechada em torno, no interior do templo que se chama Delfínio. Pois nesse local é que estava antigamente a casa de Egeu: em testemunho do que se chama ainda hoje a imagem de Mercúrio, que está no lado desse templo que dá para o sol levante, o Mercúrio da porta de Egeu.

XV. Mas os Palântidas, que outrora tinham sempre esperado recobrar o reino de Atenas, pelo menos após a morte de Egeu, porque ele não tinha filhos, quando viram que Teseu era reconhecido e confessado seu filho, herdeiro e sucessor ao reino, então não mais podendo suportar,- não somente que Egeu, que não era senão filho adotivo de Pandíon e não tinha nada do sangue real dos Erectidas, lhes tivesse usurpado o reino, mas que Teseu ainda o ocupasse, resolveram fazer-lhes a guerra a ambos e, tendo-se dividido em duas tropas, uns vieram15 abertamente em armas, com seus pais, direito à cidade e os outros puseram-se de emboscada no burgo de Gargeto, com a intenção de assaltá-los por dois lados. Ora, tinham eles então consigo um heraldo nativo do burgo de Agnus, nomeado Leos, que descobriu a Teseu o desígnio de toda aquela empresa. Teseu, sendo advertido, foi incontinente atacar os que estavam de emboscada e passou-os todos a fio de espada: o que entendendo os outros que estavam na tropa de Palas, debandaram o mais que depressa e se esgueiraram aqui e acolá: de onde vem, ao que se diz, que os do burgo de Palene jamais fazem aliança de casamento com os do burgo de Agnus, e que em seu burgo, quando se faz algum clamor público, jamais são ditas as palavras que se dizem alhures, por todo o país da Ática, «Escutado Leos», que valem tanto como dizer «Ora ouvi povo»: tanto têm eles em grande ódio essa palavra Leos, pela traição que lhes fez o heraldo que se chamava assim.

XVI. Parte para ir combater o touro de Maratona.

XVI. Isso feito, Teseu, que não queria ficar sem nada fazer e de quando em quando desejava agradar ao povo, partiu para ir combater o touro de Maratona, o qual fazia muitos males aos habitantes da região de Tetrápolis16; e, tendo-o tomado vivo, fê-lo passar através da cidade, a fim de que fosse visto por todos os habitantes, depois o sacrificou a Apoio sobrenomeado Delfiniano.

XVII. Ora, quanto a Hécale, que, segundo se conta, o alojou e ao bom tratamento que lhe deu, isso não está inteiramente fora da verdade, pois antigamente os burgos e aldeias dos arredores se reuniam e faziam em comum um sacrifício , que chamavam de Hecalésion, em honra de Júpiter Hecaliano, onde honravam aquela velha chamando-lhe por nome diminutivo, Hecalena, de maneira que ela, quando em sua moradia recebeu Teseu, que era ainda bastante jovem, o saudou e acariciou assim com nomes diminutivos, como as pessoas idosas costumam fazer festa às crianças; e, porque tivesse votado a Júpiter fazer-lhe um sacrifício solene, se Teseu retornasse são e salvo da empresa a que se lançava, e como estivesse morta antes do seu regresso, teve como recompensa da boa hospedagem que lhe proporcionara, a honra que referimos, por ordem de Teseu, conforme escreveu Filócoro.

XVIII. Tributo de filhos que Minos, rei de Creta, impusera a Atenas

XVIII. Pouco tempo depois dessa façanha, vieram de Cândia17 os homens do rei Minos, pedir pela terceira vez o tributo que pagavam os de Atenas em tal ocasião. Andrógeo, filho primogênito do rei Minos, foi morto à traição dentro do’ país da Ática, em razão do que Minos, objetivando a vingança dessa morte, fez a guerra com extrema aspereza aos Atenienses e muitos prejuízos lhes causou; mas, além disso, os deuses ainda perseguiram e afligiram de maneira extremamente dura todo o país, tanto por esterilidade e fome como po r pestilências e outros males, até fazer secar os rios. O que vendo aqueles de Atenas, recorreram ao oráculo de Apoio: o qual lhes respondeu que apaziguassem Minos e, quando estivessem reconciliados com ele, a ira dos deuses cessaria também contra eles e suas aflições teriam fim. Assim enviaram incontinente os de Atenas perante ele e lhe requereram a paz: a qual ele lhes outorgou sob a condição de que, durante o espaço de nove anos, seriam obrigados a enviar cada ano a Cândia18, em forma de tributo, sete meninos e outras tantas meninas. Ora, até aqui, todos os historiadores estão bem de acordo, mas, quanto ao resto, não; e aqueles que parecem afastar-se mais da verdade contam que, quando esses meninos chegaram a Cândia, fizeram-nos devorar pelo Minotauro dentro do Labirinto, ou melhor, encerraram-nos dentro do Labirinto e eles foram errando aqui e acolá, sem poderem encontrar saída para escapar, até que morreram de fome; e era esse Minotauro, assim como diz o poeta Eurípides,

Um corpo misto, um monstro com figura
De homem e touro em dúplice natura.19

Mas Filócoro escreve que os de Cândia não confessam isso, antes dizem que esse Labirinto era uma cadeia na qual não havia outro mal senão o de que não podiam dali sair os que ali eram encerrados; e que Minos, em memória de seu filho Andrógeo, instituíra festas e jogos de prendas, onde ele dava aos que obtinham a vitória esses meninos Atenienses, os quais entretanto eram cuidadosamente guardados dentro da cadeia do Labirinto, sendo que, n os primeiros jogos, um dos capitães do rei, nomeado Tauro, que mais crédito tinha junto ao senhor, ganhou o prêmio. Esse Tauro foi homem revesso e desgracioso de natura, que tratou muito dura e soberbamente esses meninos de Atenas; e, quanto a ser isso verdadeiro, o próprio filósofo Aristóteles20, falando da coisa pública dos Botieus, mostra não estimar que Minos tivesse jamais feito morrer as crianças Atenienses, antes diz que elas envelheceram em Cândia, ganhando a vida em servir pobremente. Pois escreve que os Candiotas, cumprindo um voto que muito tempo antes haviam feito, enviaram por vezes os principais de seus homens a Apoio, na cidade de Delfos, e entre eles se misturam também aqueles que eram descendentes dos antigos prisioneiros de Atenas, e então se foram com eles. Mas, porque não puderam viver ali, tomaram caminho primeiramente da Itália, onde demoraram algum tempo na província de Apúlia, e depois se transportaram ainda daí às marcas da Trácia, motivo por que tiveram esse nome de Botieus: em memória do que as jovens Botiéias, num solene sacrifício que fazem, costumam cantar este refrão: «Vamos a Atenas», Mas nisso pode-se ver quanto é perigoso incorrer na malevolência de uma cidade que sabe parlamentar e onde as letras e a eloquência florescem, Pois desde esse tempo Minos21 tem sido sempre difamado e injuriado pelos teatros de Atenas, e de nada lhe serviu o testemunho de Hesíodo, ao chamar-lhe digníssimo rei, nem a recomendação de Homero, que o nomeia familiar amigo de Júpiter, porque os poetas trágicos ganharam não obstante o extremo oposto: e do catafaldo onde se jogavam suas tragédias expandiram sempre diversas palavras injuriosas e ataques difamatórios contra ele, como contra um homem que teria sido cruel e inumano, embora comumente se considere que Minos seja o rei que estabeleceu as leis e Radamanto o juiz e conservador que as faz observar.

XIX. Teseu vai a Creta, combate o Minotauro e isenta os Atenienses do tributo

XIX. Tendo pois decaído o termo em que era preciso pagar o tribuno pela terceira vez, quando se veio a constranger os pais que tinham filhos não ainda casados a entregá-los para pô-los à aventura da sorte, os cidadãos de Atenas começaram a murmurar de novo contra Egeu, alegando por seus agravos que ele, que tinha sido causa de todo o mal, era o único isento de pena; e22 que, para fazer cair o reino nas mãos de um seu bastardo estrangeiro, não lhe importava que eles ficassem privados e destituídos de seus naturais e legítimos filhos. Essas justas queixas dos pais contra quem lhes tirava os filhos feriam o coração de Teseu, o qual, desejando submeter-se à razão e correr a mesma fortuna de seus cidadãos, ofereceu-se voluntariamente para ser enviado sem esperar a aventura da sorte, pelo que os da cidade estimaram grandemente a gentileza de sua coragem e o amaram singularmente pela afeição que ele mostrava ter à comunidade; mas Egeu, após ter ensaiado toda sorte de imprecações e reprimendas, por cuidar diverti-lo desse propósito, vendo por fim que não havia ordem, atirou à sorte os outros infantes que deviam então seguir com ele.

XX. Todavia, Helânico escreveu que não eram os da cidade que sorteavam os infantes que deviam ser enviados, mas que o próprio Minos a isso se entregava em pessoa, que os escolhia, como então escolheu Teseu em primeiro lugar, sob as condições combinadas entre eles, a saber, que os Atenienses fornecessem os navios e que os infantes embarcassem em sua companhia sem levar nenhum bastão de guerra, mas que, após a morte do Minotauro, a pena desse tributo cessou. Ora jamais houvera antes qualquer esperança de retorno, nem de salvamento, e contudo tinham sempre os Atenienses enviado um navio para conduzir seus infantes com uma vela negra, como significância de perda inteiramente certa. Entretanto, pela esperança dada a seu pai por Teseu, fazendo-se forte e prometendo ousadamente que suplantaria o Minotauro, deu Egeu ao piloto do navio uma vela branca, ordenando-lhe que no regresso a estendesse, se o filho escapasse; se não, que pusesse a negra, para de bem longe mostrar-lhe seu infortúnio. Não obstante, diz Simônides que essa vela dada por Egeu ao piloto não era branca, antes vermelha, tinta com grão escarlate, e que lha entregou para significar de longe sua libertação e salvamento. Esse piloto tinha o nome de Féreclo Amarsíadas, assim como diz Simônides; mas Filócoro escreve que Ciro de Salamina deu a Teseu um piloto chamado Nausiteu e outro marinheiro para governar a proa, que tinha o nome de Féias, por isso que os Atenienses então não se dedicavam ainda à marinha; e o fez Ciro de maneira que um dos infantes sobre os quais caiu a sorte era seu sobrinho: do que fazem fé as capelas que Teseu edificou depois em honra de Nausiteu e de Féias no burgo de Falero, junto ao templo de Ciro. E se diz assim que a festa que se nomeia Cibernésia, quer dizer, a festa dos patrões de navios, é celebrada em sua honra.

XXI. Após ter sido a sorte tirada, Teseu, tomando consigo aqueles sobre os quais ela caíra, dirigiu-se do palácio23 ao templo chamado Delfínio, para dar a Apoio, por si e pelos demais, a oferenda de suplicação, que se denomina Hicetéria, consistindo num ramo de oliva sagrada retorcido em torno com lã branca; e, após ter feito sua prece, desceu até à borda do mar para embarcar no sexto dia do mês de março, no qual ainda hoje a esse mesmo templo Delfínio as jovens são enviadas, para aí fazerem suas preces e orações aos deuses; mas dizem que o oráculo de Apoio na cidade de Delfos lhe respondera que ele tomasse Vênus por guia e a reclamasse para conduzi-lo na viagem; na qual ocasião sacrificou à borda do mar uma cabra que de repente se achou transformada num bode, sendo esse o motivo por que se dá àquela deusa o nome de Epitrágia, como quem dissesse a deusa do bode.

XXII. Afinal, quando chagou a Cândia, ali matou o Minotauro, assim como o descreve a maior parte dos antigos autores, com o meio que lhe proporcionou Ariadne, a qual, tendo-se dele enamorado, lhe deu um novelo de fio, com auxílio do qual lhe ensinou como poderia facilmente sair dos desvios e extravios do Labirinto; e dizem que, tendo exterminado o Minotauro, retornou ao ponto de onde partira, levando então consigo os outros jovens infantes de Atenas, e Ariadne também. Ferecides diz mais, que ele quebrou e destruiu as quilhas e carenas de todos os navios de Cândia, a fim de que não pudessem subitamente persegui-los; e Dêmon escreve que Tauro, capitão de Minos, foi morto por Teseu dentro do porto mesmo, combatendo, assim como estavam todos prestes a fazer vela. Todavia, Filócoro conta que o rei Minos, tendo feito abrir os jogos, pois que a isso se acostumara todos os anos em honra e memória de seu filho, começou cada qual a invejar esse capitão Tauro, porque se esperava que ele ganhasse ainda o prêmio, como fizera nos anos precedentes, com o que sua autoridade o tornava malquerido, por isso que era homem soberbo e suspeitava-se que entretivesse a rainha Pasifaéia. Porque, quando Teseu foi pedir o combate contra ele, Minos facilmente lhe concedeu, E, sendo costume em Cândia que as damas se achassem nos divertimentos públicos e assistissem a ver os jogos, Ariadne, que ali se encontrava entre eles, foi tomada de amor por Teseu, vendo-o tão belo e tão destro na luta que venceu todos aqueles que se apresentaram para lutar. E o próprio rei Minos ficou tão contente de que ele tivesse arrebatado essa honra ao capitão Tauro que o reenviou quite e franco ao seu país, entregando-lhe também os outros prisioneiros Atenienses e, por amor dele, remetendo à cidade de Atenas o tributo que lhe devia pagar.

XXIII. Más Clidemo conta essas coisas de outra e inteiramente diferente maneira, muito particularmente rebuscando o começo de mais acima, Pois diz que havia então Uma ordenança geral por toda a Grécia, que proibia a toda espécie de gente fazer vela em navio onde houvesse mais de cinco pessoas, exceto Jasão somente, que foi eleito capitão da grande nave «Argo», com a comissão de ir aqui e acolá, para repelir e expulsar todos os corsários e ladrões que infestavam o mar; e que, tendo Dédalo fugido de Cândia para Atenas dentro de um pequeno barco, quis Minos persegui-lo, contra as defesas públicas, com uma frota de vários navios em comboio, mas foi lançado pela tormenta à costa da Sicília, onde faleceu. Depois, seu filho Deucalião, estando enfurecido gravemente contra os Atenienses, enviou-os a intimar que lhe entregassem Dédalo, pois de outro modo faria morrer os infantes que haviam sido dados como reféns a Minos seu pai: do que Teseu* se escusou, dizendo que não podia abandonar Dédalo, visto como o tinha tão próximo ao ponto de ser seu primo-germano, porque era filho de Méràpe, filha de Erecteu; mas, enquanto isso, mandou secretamente fazer vários navios, parte dentro da própria Ática, no burgo de Timétades, atrás dos grandes caminhos passantes, e parte também na cidade de Trezena, por intermédio de seu avô Piteu, a fim de que a empresa ficasse ali mais encoberta. Após isso, quando toda a equipagem se aprestou24, pôs-se ao mar, antes que os Candiotas fossem de algum modo advertidos; de sorte que, quando o descobriram de longe, cuidaram se tratasse de navios amigos. Graças ao que Teseu desceu em terra sem nenhuma resistência e apoderou-se do porto; depois, tendo Dédalo e os banidos de Cândia por guias, entrou até dentro da própria cidade de Gnose, onde derrotou em batalha a Deucalião, diante das portas do Labirinto, com todos os seus guardas e satélites, e por isso foi preciso que Ariadne, sua irmã25, tomasse em mãos os negócios do reino, Teseu com ela ajustou as contas e retirou os jovens infantes de Atenas, que estavam detidos como reféns, repondo em boa paz, amizade e concórdia os Atenienses com os Candiotas: os quais prometeram e juraram que jamais começariam a guerra contra eles.

XXIV. Morte de Ariadne

XXIV. Contam-se ainda muitas outras coisas sobre tal assunto, assim como a respeito de Ariadne, mas nisso nada há de seguro nem de certo, pois alguns dizem que Ariadne enforcou-se de dor, quando se viu abandonada por Teseu, ao passo que outros escrevem que foi levada pelos marinheiros para a ilha de Naxos, onde se casou com Enaro, presbítero de Baco, e sustentam que Teseu a deixou porque amava outra:

De Panopeu a filha então amava,
Egle, ninfa gentil, formosa e brava,

Heréias de Mégara diz que esses dois versos estavam antigamente entre os versos do poeta Hesíodo, mas que Pisístrato dali os tirou; como também ajuntou os dois outros abaixo à descrição dos infernos em Homero, para agradar aos Atenienses:

Perítoo e Teseu, os dois infantes
Dos imortais em armas triunfantes.

Sustentam outros que Ariadne teve dois filhos de Teseu, um dos quais recebeu o nome de Enópion, e outro o de Estáfilo; que foi assim descrito, entre outros, pelo poeta Íon, natural da ilha de Quios, o qual diz falando de sua cidade:

Enópion, filho de Teseu valente,
Esta cidade deste à nossa gente.

Ora, quanto ao que se lê de mais honesto nas fábulas dos poetas, não há ninguém que não o cante, por maneira de dizer; mas certo Fênon, natural da cidade de Amatunte, recita-o de forma inteiramente diversa dos outros, dizendo que Teseu foi lançado por uma tormenta à ilha de Chipre, tendo então consigo Ariadne, que estava grávida e tão trabalhada pela agitação do mar que não mais pôde suportá-lo, de tal maneira que ele foi constrangido a pô-la em terra e depois reentrou em seu navio para cuidar de o defender contra a tormenta, mas foi novamente atirado longe da costa, em pleno mar, pela violência dos ventos. As mulheres do país recolheram humanamente Ariadne e, para reconfortá-la (porque ela se desconfortou extraordinariamente, quando se viu assim abandonada), contrafizeram cartas, como se Teseu lhas tivesse escrito, e, quando ficou prestes a dar à luz o filho, tudo fizeram para socorrê-la: ela, todavia, morreu no sofrimento, sem jamais poder dar à luz, e foi inumada honrosamente pelas damas de Chipre. Teseu, pouco depois retornou e mostrou-se extremamente desgostoso com essa morte, deixando dinheiro aos do país para lhe sacrificarem anualmente; e em memória dela mandou fundir duas pequenas estátuas, uma de cobre e outra de prata, que lhe dedicou. Tal sacrifício é feito no segundo dia de setembro, observando-se ainda a cerimônia de se deitar um menino sobre o leito, gritando e clamando nem mais nem menos do que o fazem as mulheres durante o parto; e diz-se que os Amatusienses dão ainda ao pequeno bosque onde está sua sepultura o nome de Bosque de Venus Ariadne. Habitantes de Naxos narram o fato de outro modo, dizendo que houve dois Minos e duas Ariadnes, uma das quais se casou com Baco na ilha de Naxos, dela nascendo Estáfilo, e a outra, mais jovem, foi raptada elevada por Teseu, o qual pouco depois a abandonou, retirando-se ela para a ilha de Naxos com sua ama chamada Córcine, da qual ainda hoje se mostra ali a sepultura. A segunda Ariadne ali morreu também, mas não teve tais honras após a morte como a primeira, porque eles celebram a festa da primeira com todo o regozijo e toda a alegria, ao passo que os sacrifícios que se fazem em memória da segunda são entremeados de luto e tristeza.

XXV. Na volta da ilha de Creta, Teseu passa a Delos. Origem da dança do Grou

XXV. Teseu, pois, partindo da ilha de Cândia, veio descer na de Delos, onde sacrificou no templo de Apoio, dando-lhe uma pequena imagem de Vênus que recebera de Ariadne; depois, com os outros jovens que libertara, dançou um tipo de dança que os Delis ainda hoje guardam, segundo se diz: na qual há vários desvios e extravios, à imitação dos meandros do Labirinto; e a essa espécie de meneio os Delis chamam Grou26, conforme refere Dicearco; e a dançou Teseu em primeiro lugar, ao redor do altar que se chama Ceráton, isto é, feito de cornos, por isso que é composto de cornos somente, todos do lado esquerdo, se bem que entrelaçados em conjunto, sem outra ligação e formando um altar. Dizem também que ele fez nessa mesma ilha de Delos um jogo de prendas, no qual o vencedor recebeu um ramo de palma como penhor da vitória.

XXVI. Teseu retorna a Atenas, celebra as obséquias do pai e sobe ao trono

XXVI. Mas, quando se aproximaram da costa da Ática, ficaram de tal maneira tomados de alegria, ele e seu piloto, que se esqueceram de pôr ao vento a vela branca pela qual deviam dar significância de seu salvamento a Egeu. O qual, vendo de longe a vela negra e não mais esperando rever o filho, teve tão grand e desgosto que se precipitou do alto de um rochedo abaixo e se matou. Logo que Teseu chegou ao porto de Falero, cumpriu os sacrifícios que votara aos deuses por ocasião da partida e enviou à cidade um arauto para levar a notícia de sua volta. Encontrou o arauto vários na cidade a lamentar a morte do rei Egeu e vários outros também que o receberam com grande alegria, como se pode imaginar, e quiseram coroá-lo com flores, por lhes haver trazido tão boas novas, tendo os infantes da cidade retornado salvos. O arauto recebeu de bom grado as coroas de flores, mas não quis pô-las sobre a cabeça, antes as colocou em volta de sua verga heráldica, que levava à mão; depois regressou por mar, até onde Teseu fazia os sacrifícios; e, vendo que ele não tinha ainda terminado, não quis entrar no templo, permanecendo do lado de fora, a fim de não perturbar os sacrifícios; depois, quando todas as cerimônias tiveram fim, foi transmitir-lhe as notícias da morte de seu pai; e então ele e os que estavam em sua companhia, agitados por grande sofrimento, seguiram prontamente para a cidade. É a razão por que até hoje, na festa que se chama Oscofória, como quem diria a festa dos ramos, o arauto não tem a cabeça coroada de flores, mas somente a verga; e também por que os assistentes, depois que o sacrifício está encerrado, fazem tais exclamações, Eleleuf, iou, iou: das quais a primeira é o grito e a voz de que usam ordinariamente os que procuram infundir coragem uns aos outros para se apressarem, ou é o refrão de um canto de triunfo, e a outra é o grito e a voz de pessoas amedrontadas ou aflitas. Após ter feito as obséquias do pai, cumpriu ele para com Apoio os sacrifícios que lhe votara no sétimo dia do mês de outubro27, no qual chegaram de volta à cidade de Atenas. Assim, o costume que se guarda até hoje de fazer cozer legumes em tal dia vem de que aqueles que então retornaram com Teseu fizeram cozer dentro de uma marmita tudo o que lhes restara de víveres, banqueteando-se em conjunto. Também daí procede a usança de levar o ramo de oliva retorcido com lã, que se chama Iresione, porque então levaram também o ramo de suplicação, como dissemos antes; e ao redor deste foram ligadas todas as espécies de frutos, porque então cessara a esterilidade, conforme testemunham os versos que depois cantaram:

Trazei-lhe pão sadio e saboroso28,
E bons figos também, mel amoroso,
Óleo de unção e a taça onde apareça
Vinho puro que a face lhe adormeça.

Todavia, houve quem quisesse dizer que esses versos foram feitos para os Heráclidas, isto é, os descendentes de Hércules, os quais, tendo-se retirado à salvaguarda dos Atenienses, foram por eles assim nutridos durante algum tempo; mas a maior parte sustenta que foram feitos na ocasião por nós referida.

XXVII. Barco de Teseu conservado durante mais de nove séculos

XXVII. O navio no qual Teseu partiu e regressou era uma galeota de trinta remos, que os Atenienses guardaram até ao tempo de Demétrio de Falero 29, retirando sempre as velhas peças de madeira, à medida que apodreciam, e colocando outras novas em seus lugares; de maneira que depois, nas disputas dos Filósofos sobre as coisas que aumentam, a saber, se permanecem unas ou se fazem outras, essa galeota era sempre alegada com exemplo de dúvida, porque uns mantinham que era um mesmo barco, enquanto outros, ao contrário, sustentavam que não; e afirma-se que a festa30 dos ramos, ainda hoje celebrada em Atenas, foi primeiramente instituída por Teseu. Diz-se mais que ele não levou todas as jovens sobre as quais caíra a sorte, antes escolheu dois belos meninos de semblantes doces e delicados como de virgens, conquanto fossem ficando ousados e prontos para a ação; mas tanto os fez banhar com água quente, manterem-se cobertos sem sair ao mormaço nem ao Sol, tanto lavar, untar e esfregar com óleos próprios para amolecer a pele, conservar a tez fresca a alourar os cabelos, e tanto os ensinou a contrafazer a palavra, a continência e a maneira das moçoilas, que eles mais se pareciam com elas do que com jovens rapazes pois não havia exteriormente nenhuma diferença que se pudesse perceber, de sorte que ele os misturou entre as outras raparigas, sem que ninguém nada reconhecesse. Depois, quando seguiu de volta, fez uma procissão, na qual ele e os outros jovens se vestiram como o são hoje aqueles que levam os ramos no dia da festa; e são eles usados em honra de Baco e de Ariadne, segundo a fábula que a esse respeito se conta, ou antes, porque retornaram justamente na época e na estação em que se colhem os frutos das árvores; e há mulheres que se chamam Dipnóforas, isto é, que levam para o jantar, as quais assistem e participam do sacrifício feito naquele dia, representando as mãos daqueles sobre os quais recaíra a sorte, porque assim lhes levaram de comer e de beber; e aí contam as fábulas porque essas mães prestaram contas aos filhos, para reconfortá-los e dar-lhes coragem. O historiador Dêmon escreveu todas essas particularidades. Ademais, foi escolhido lugar para edificar-lhe um templo, e ele mesmo ordenou que as casas que nos anos precedentes tivessem pago o tributo ao rei de Cândia contribuíssem todos os anos vindouros para as despesas de um solene sacrifício que ali se faria em sua honra; e desse templo deu a administração à casa dos Fitálidas, em recompensa pela cortesia de que usaram em sua terra quando ele chegou.

XXVIII. Reúne os habitantes da Ática num corpo de cidade em Atenas. Instituição da festa das Panatenéias

XXVIII. Enfim, após a morte de seu pai Egeu, ele empreendeu uma grande coisa maravilhosa: reuniu numa cidade e reduziu a um corpo urbano os habitantes de toda a província da Ática, os quais antes estavam esparsos em vários burgos, e nessa ocasião mal azada para reunir, quando se tratava de ordenar alguma coisa concernente ao bem público, havia frequentes querelas e guerras de uns contra os outros. Mas Teseu deu-se ao trabalho de ir de burgo em burgo e de família em família para dar-lhes a entender as razões pelas quais deviam assim fazer: assim achou os pobres e os homens privados dispostos a obtemperar à sua advertência, mas os ricos e os que tinham autoridade em cada burgo, não; todavia, conquistou-os também, prometendo-lhes que seria uma coisa pública não sujeita ao poder de um príncipe soberano, antes um governo popular ao qual se reservariam somente a superintendência da guerra e a guarda das leis; e, de resto, que cada cidadão ali tivesse em tudo e por tudo igual autoridade.

Assim houve ali alguns que de bom grado se submeteram; os outros, que tal não ensejavam, dobraram-se contudo; por medo do seu poder e de sua ousadia, que era já grande; de tal forma que preferiram consentir de boa vontade no que ele lhes pedia a esperar que a isso fossem constrangidos pela força. Assim fez demolir todos os palácios para instalar a justiça e todas as salas para reunir o conselho, retirou todos os juízes e oficiais, e construiu um palácio comum e uma sala para alojar o conselho, no lugar onde agora está assentada a cidade que os Atenienses chamam de Asti, mas ao conjunto de todo o corpo da cidade chamou ele Atenas; depois, instituiu a festa geral e o sacrifício comum para todos os da Ática, com o nome de Panatenéia31; e ali ordenou também outro no sexto dia do mês de junho para os estrangeiros que viessem habituar-se em Atenas, o qual foi chamado Metécia e se observa ainda hoje. E isso feito, deixou sua autoridade real, como prometera, e pôs-se a ordenar o estado e a polícia da coisa pública, começando pelos serviços dos deuses, pois procurou em primeiro lugar o oráculo de Apoio, na cidade de Delfos, para inquirir das aventuras dessa nova cidade, sobre o que lhe foi relatada tal resposta

De Egeu filho e da filha de Piteu,
O alto tonante que este me deu
De muitos o destino pôs assim
Nessa vossa cidade e deu-lhes fim.
E, quanto a ti, teu coração valente
Não vá de tédio algum ficar temente:
Pois como um couro inflado sempre irás
Oceano adentro e não perecerás.

Acha-se escrito que a Sibila pronunciou mais tarde de sua própria boca um discurso inteiramente semelhante para a cidade de Atenas:

O couro inflado voga sobre o mar,
Porém ele não pode naufragar.

XXIX. Leis e polícia de Atenas

XXIX. Entrementes, a fim de povoar e aumentar ainda mais sua cidade, convidou todos aqueles que ali quisessem vir habitar, oferecendo-lhes todos os mesmos direitos e os mesmos privilégios de burguesia dos cidadãos naturais: de tal maneira que se estima que essas palavras ainda hoje usadas em Atenas quando se faz um clamor público, «Compareçam todos os povos», são as mesmas que Teseu fez então proclamar quando reuniu assim um povo de todas as costas. Todavia, não deixou a grande multidão de homens acorrer tumultuariamente, sem ordem nem distinção alguma de estados: pois foi ele o primeiro a dividir a nobreza em relação aos lavradores, aos artesãos e à gente de ofício, dando aos nobres o encargo de conhecer das coisas pertinentes à religião e ao serviço dos deuses, o poder de serem eleitos para os ofícios da coisa pública, de interpretar as leis, de ensinar as coisas santas e sagradas32, e por esse meio igualou a nobreza aos dois outros estados: pois como os nobres ultrapassavam em honra aos demais, também os artesãos os superavam em número e os lavradores em utilidade, E que seja verdade tenha sido ele o primeiro inclinado ao governo da coisa pública popular, como diz Aristóteles, e tenha abdicado da soberania real, o próprio Homero parece testemunhá-lo na enumeração dos navios integrantes da armada dos Gregos diante da cidade de Troia: porque somente aos Atenienses, entre todos os Gregos, dá o nome de povo. Ademais, mandou forjar a moeda que tinha por marca a figura de um boi33, em memória do touro de Maratona, ou do capitão de Minos, ou para incitar os cidadãos a dedicarem-se à lavoura; e dizem que dessa moeda vieram depois os nomes Hecatômbeon e Decábeon, que significam «vale cem bois» e «vale dez bois».

XXX. Estabelecimento dos Jogos ístmicos

XXX . E, mais, tendo juntado todo o território da cidade de Mégara ao da Ática, fez erigir a tão renomeada coluna quadrada, que tem por limite interior o estreito do Peloponeso, e mandou gravar ali uma inscrição que declara a separação dos dois países confinantes. As palavras da inscrição são as seguintes:

Volta-se Jônia para o Sol nascente,
Peloponeso é para o Sol poente34.

Foi também ele quem instituiu os jogos chamados Ístmia, por imitação de Hércules, a fim de que os Gregos, que celebravam a festa dos jogos chamados Olímpia, em honra de Júpiter, por ordem de Hércules, celebrassem também os que se chamam Ístmia, por ordem sua e de sua instituição, em honra de Netuno: pois aqueles que se realizavam no mesmo estreito em honra de Melicerta eram noturnos e tinham antes forma de sacrifício que de jogos e de festa pública. Todavia, há os que afirmam que tais jogos ístmicos foram instituídos em honra e memória de Círon e que Teseu os ordenou em homenagem à sua morte, porque era seu primogermano, sendo filho de Câneto e de Heníoca, filha de Piteu; dizem outros que era Sínis, e não Círon, e que foi por ele que Teseu estabeleceu os ditos jogos, não pela memória do outro. Como quer que seja, ordenou notadamente aos Coríntios que dessem aos que viessem de Atenas, para ver o divertimento dos jogos, no mais honroso lugar do parque e no recinto onde se realizasse a festa, tanto espaço que pudesse cobrir a vela do navio no qual tivesse chegado: assim escrevem Helânico e Ândron de Halicarnasso.

XXXI. Viagem de Teseu ao Ponto Euxino. A amazona Antíope

XXXI. Quanto à viagem que ele fez ao mar Maior35, sustentam Filócoro e alguns outros que para ali seguiu com Hércules contra as Amazonas e que, para honrar-lhe a virtude, Hércules lhe deu Antíope; mas a maior parte dos outros historiadores, do mesmo modo que Helânico, Ferecides e Heródoro, escreve que Teseu para ali partiu após a viagem de Hércules e que fez aquela Amazona prisioneira, o que é mais verossímil. Com efeito, não se encontra que outro de todos aqueles que então com ele fizeram tal viagem tenha jamais feito cativa qualquer Amazona; e assim diz o historiador Bíon que ele a induziu a engano e surpresa, porque as Amazonas (diz ele), amando naturalmente os homens, não fugiram quando o viram aportar a seu país, antes lhe enviaram presentes, e que Teseu convidou aquela que lhos levou a entrar em seu navio e, logo que ela aí entrou, mandou pôr a vela ao vento e assim a transportou.

XXXII. Outro historiador, Menécrates, que escreveu a história da cidade de Nicéia, no país de Bitínia, diz que Teseu, tendo consigo essa Am azona Antíope, demorou-se algum tempo, naquelas marcas e que em sua companhia estavam, entre outros, três jovens irmãos Atenienses: Euneu, Toas e Sólois. Este último, Sólois, enamorou-se de Antíope e sobre isso nada revelou a seus outros companheiros, exceto a um de que era mais familiar e em quem mais confiava; desse modo, dirigiu ele a palavra a Antíope, que recusou o pedido; entrementes, fez prudente e docemente correr a notícia, sem acusá-lo perante Teseu; mas o jovem, desesperando de poder gozar de seus amores, ficou tão desgostoso que se precipitou num rio, onde se afogou. Disso advertido Teseu, e também da causa pela qual ele tanto se desesperara, muito se condoeu e se afligiu: veio-lhe assim à memória certo oráculo Pítico, pelo qual lhe era recomendado que fundasse uma cidade em país estrangeiro, no lugar onde maior desgosto sentisse, deixando-lhe como governadores alguns daqueles que então o cercassem. Por esse motivo, fundou naquela região uma cidade a que deu o nome de Pitópolis, por isso que a construíra por ordem da religiosa Pítia36; chamou Sólois ao rio onde se afogara o jovem homem, em sua memória; e deixou seus dois irmãos como governadores e superintendentes da nova cidade, com outro gentil-homem Ateniense chamado Hermo, daí resultando que ainda hoje os Pitopolitanos denominam casa de Hermo a certo lugar de sua cidade; mas erram no acento, colocando-o na última sílaba: pois Hermón37, assim pronunciado, significa Mercúrio; e dessa forma transferem ao deus Mercúrio a honra devida à memória daquele semi-deus.

XXXIII. Combate das Amazonas

XXXIII. Eis pois aí qual foi a ocasião da guerra das Amazonas, que não me parece ter sido coisa ligeira, nem empresa de mulheres, pois elas não teriam acampado dentro da própria cidade de Atenas, nem teriam combatido na praça mesma que se chama Pnice, alcançando o templo das Musas38, se primeiramente não houvessem conquistado todo o país em torno; nem teriam chegado para logo no primeiro assalto assim conquistarem ousadamente a cidade. Ora, que tenham vindo por terra de tão longínquo país e tenham passado através do braço de mar chamado Bósforo Cimério, então gelado, como o descreve Helânico, é bem difícil de se crer; mas que tenham acampado dentro do próprio recinto da cidade, os nomes dos lugares que ficaram até hoje o testemunham, e também as sepulturas daquelas que ali morreram.

XXXIV. Longamente ficaram então os dois exércitos um diante do outro, sem combater; todavia, tendo primeiro feito um sacrifício ao Medo, segundo o mandamento de uma profecia que a esse respeito obtivera, deu-lhe afinal Teseu combate no mês de agosto39, no mesmo dia em que os Atenienses solenizam ainda no presente à festa a que chamam Bedrômia. Mas o historiador Clidemo, querendo narrar por miúdo todas as particularidades desse recontro, diz que a ponta es querda da batalha se estendia até ao lugar chamado Amazônion, e que a ponta direita marchou pelo lado de Crisa, até à praça denominada Pnice, contra a qual os Atenienses que vinham do templo das Musas40 chocaram em primeiro lugar. E que seja isso verdade, as sepulturas das que morreram nesse primeiro recontro se acham ainda na grande rua que corresponde à porta Piraica, perto da capela do semideus Calcodo41; e nesse ponto, diz ele, foram os Atenienses repelidos pelas Amazonas, até onde estão as imagens das Eumênides, quer dizer, das fúrias; mas do outro lado também os Atenienses, que vinham dos quartéis do Paládio, do Árdeto e do Lício, repeliram-lhes a ponta direita até dentro do seu próprio campo, matando grande número delas. Depois, ao cabo d e quatro meses, fez-se um acordo por meio de certa Hipólita, pois aquele historiador chama Hipólita e não Antíope à Amazona que Teseu desposou, embora afirmem alguns que ela foi morta combatendo ao lado de Teseu, por outra de nome Molpádia, com um golpe de dardo: em sua memória foi erigida a coluna junto ao templo da Terra Olímpica42. Assim, não é de maravilhar que a história de coisas tão antigas se ache escrita diversamente, havendo mesmo quem escreva que a rainha Antíope enviou secretamente as que então foram feridas para a cidade de Cálcida, onde algumas se curaram e outras morreram, tendo sido enterradas perto do lugar chamado Amazônion.

XXXV. Como quer que seja, é bem certo que essa guerra terminou por acordo, pois um lugar junto ao templo de Teseu o testemunha, sendo chamado Orocomósio, porque a paz foi ali jurada; e disso dá também fé o sacrifício feito às Amazonas em toda a antiguidade, durante a festa de Teseu. Os de Mégara mostram semelhantemente uma sepultura de Amazonas em sua cidade, no trecho em que se vai da praça para o lugar chamado Rus43, onde se vê uma antiga tumba44 em forma de losango. Dizem que outras também morreram perto de Queronéia e foram inumadas ao longo do pequeno rio que ali passa e que, em meu aviso, se chamava outrora Termodonte, sendo agora chamado Hemo, como alhures escrevemos na vida de Demóstenes. E assim parece que elas não passaram pela Tessália sem combater, porque isso é mostrado ainda por suas sepulturas ao redor da cidade de Escotussa45, perto dos rochedos que têm o nome de Cabeças de Cão.

XXXVI. Fedra, esposa de Teseu. Hipólito, filho de Antíope

XXXVI. É o que me parece digno de memória no tocante a essa guerra das Amazonas, pois quanto à emoção, que descreve o poeta autor da «Teseida», lá onde diz que as Amazonas moveram a guerra a Teseu para vingarem a ofensa por ele feita à sua rainha Antíope, repudiando-a para desposar Fedra, e também quanto ao morticínio por ele atribuído a Hércules, isso me parece totalmente ficção poética. É bem verdade que, após a morte de Antíope, Teseu desposou Fedra, tendo já tido de Antíope um filho chamado Hipólito ou, como escreve o poeta Píndaro, Demofonte, E, porque, os historiadores em nada contradizem os poetas trágicos, no que toca às desgraças que lhe advieram nas pessoas dessa sua mulher e de seu filho, é preciso estimar que seja assim como o lemos escrito nas tragédias; todavia, acham-se várias outras narrativas referentes aos casamentos de Teseu, das quais os começos não foram honestos nem as saídas bem afortunadas; e, não obstante, não se fizeram tragédias a esse respeito, nem houve representações nos teatros.

XXXVII. Pois lê que ele raptou Anaxo Trezeniana e que, após haver morto Sínis e Cércion, tomou-lhe pela força as filhas; que desposou também Períbea, mãe de Ajax, e depois Ferébea e lopa, filha de íficlo; e o censuram por haver covardemente abandonado sua mulher Ariadne pelo amor de Egle, filha de Panopeu, como já dissemos antes. E finalmente raptou Helena, rapto esse que encheu de guerra toda a província da Ática e por fim foi causa de que lhe conviesse abandonar seu país; e, depois de tudo, o fez morrer, como diremos aqui depois. E, conquanto em seu tempo os outros príncipes da Grécia tenham feito diversas belas e grandes proezas de armas, estima Heródoro que Teseu não se achou em nenhuma, a não ser na batalha dos Lápitas contra os Centauros; e, ao contrário, dizem outros que ele esteve na viagem de Cólquida com Jasão e que ajudou Meléagro a abater o javali de Cálidon, daí vindo, segundo dizem, o provérbio «Não sem Teseu», quando se quer dar a entender que a coisa não foi feita sem grande socorro de outrem; e que ele próprio executou vários altos feitos de proeza, sem requerer auxílio de ninguém e que, por sua valentia, entrou em uso o provérbio que diz «Este é outro Teseu». Bem certo é que ajudou o rei Adrasto a recobrar os corpos daqueles que foram mortos na batalha diante da cidade de Tebas; mas, como diz o poeta Eurípides, não foi pela força das armas, após haver vencido os Tebanos em batalha, antes foi por composição, pois o maior número dos antigos autores assim o admite. E ademais escreve Filócoro ter sido o primeiro tratado outrora feito para recobrar os corpos dos mortos em batalha; todavia nas histórias dos gestos de Hércules, lê-se que foi ele o primeiro que permitiu aos inimigos levarem seus mortos, após havê-los passado a fio de espada. Mas, como quer que seja, mostra-se ainda hoje, no burgo de Elêutero, o lugar no qual foi o povo enterrado, e as sepulturas dos príncipes se veem ao redor da cidade de Eleusina, o que ele fez a pedido de Adrasto. E que assim seja a tragédia dos Eleusínios de Esquilo, lá onde ele assim o faz dizer o próprio Teseu, desmente a das «Suplicantes» de Eurípides.

XXXVIII. Amizade de Teseu e Pirítoo. Combate dos Lápitas e Centauros

XXXVIII. Em suma, quanto à amizade de Pirítoo com ele, diz-se que ela começou desta maneira: o renome de sua valentia estava muito espalhado por toda a Grécia, e Pirítoo, querendo conhecê-la por experiência, foi especialmente correr suas terras, dali levando alguns bois que lhe pertenciam para o território de Maratona: disso advertido, Teseu incontinente passou ao revide armado. Ao receber a notícia, Pirítoo não fugiu, antes retornou imediatamente diante dele; e, logo que se entreviram, ficaram ambos assombrados com a beleza e a ousadia um do outro, de tal maneira que não tiveram vontade de combater; ao contrário, estendendo primeiro a mão a Teseu, disse-lhe Pirítoo que o fazia juiz do prejuízo que ele pudesse ter sofrido com aquela aventura e que voluntariamente pagaria a multa que por isso lhe aprouvesse impor. Teseu, diante disso, não só o dispensou de toda essa reparação, mas ainda o convidou a ser seu amigo e irmão de armas. Assim juraram em seguida amizade fraternal e, depois de haver esta sido jurada entre ambos, Pirítoo desposou Deidamia e mandou pedir a Teseu que fosse às suas núpcias, visitasse o seu país e fizesse camaradagem com os Lápitas. Ora, ele também fizera convidar para a festa de Centauros, os quais, estando embriagados, cometeram várias insolências, a ponto de quererem tomar as mulheres à força; mas os Lápitas os castigaram tão bem que mataram imediatamente alguns deles na praça e depois expulsaram os outros de todo o país, mediante o auxílio de Teseu, que tomou das armas e combateu por eles. Todavia, Heródoro descreve a coisa um pouco diversamente, dizendo que Teseu não foi ali senão depois que a guerra já tinha começado e que foi a primeira vez que ele viu Hércules e lhe falou perto da cidade de Traquine, quando ele já estava em repouso, tendo posto fim às suas longínquas viagens e aos seus maiores trabalhos. Assim diz que essa entrevista foi cheia de camaradagem, carícias e honras prodigalizadas entre si, bem como de recíprocos louvores: parece-me, todavia, que se deve ajuntar mais fé aos que escrevem que eles se entrevistaram por diversas vezes e que a recepção de Hércules na religião e confraria dos mistérios de Eleusina lhe foi outorgada mediante o porte e o favor que lhe fez Teseu; e semelhantemente também sua purificação, porque era preciso necessariamente que ele fosse purificado antes de poder entrar na confraria dos santos mistérios, por causa de algum caso infeliz que acidentalmente lhe adviesse.

XXXIX. Rapto de Helena

XXXIX. De resto, tinha já Teseu cinquenta anos quando raptou Helena, a qual era ainda extremamente jovem, e não em idade de se casar, como diz Helânico; em virtude disso, querem alguns encobrir esse rapto, como se fosse um grande crime, e vão dizendo, que não foi ele quem a raptou, mas sim um Idas e um Linceu que, tendo-a roubado antes, a puseram em depósito entre suas mãos, e que Teseu a quis guardar para eles, sem entregá-la a Castor e a Pólux, seus irmãos, os quais depois a reclamaram; ou dizem que foi o próprio pai de Tíndaro quem a entregou sob custódia, por medo de Enársforo, filho de Hipocoonte, o qual a toda a força a queria possuir46. Mas, o mais verossímil nesse caso, aliás testemunhado por mais autores, é que se tenha passado da seguinte maneira: Teseu e Pirítoo foram juntos até à cidade de Lacedemônia, ali raptaram Helena, que era ainda muito jovem e dançava no templo de Diana sobrenomeada Órtia, e fugiram. Mandaram-lhes depois emissários mas aqueles que foram enviados não passaram além da cidade de Tégea. Porque, tendo escapado fora do país de Peloponeso, eles acordaram entre si tirar a sorte: a cargo de qual dos dois ela ficaria, sob a condição de que a teria por mulher aquele a quem coubesse, mas que também ficaria obrigado a ajudar o companheiro a encontrar outra. Deu-a a sorte a Teseu, que a levou para a cidade de Afidnas, porque ela não estava ainda em idade de casar; e, tendo mandado chamar sua mãe para governá-la, confiou-as à guarda de um amigo chamado Afidno, recomendando-lhe que a guardasse tão cuidadosa e tão secretamente que ninguém soubesse nada; e, a fim de cumprir em relação a Pirítoo o que fora acordado entre eles, em sua companhia seguiu então para raptar a filha de Edoneu, rei dos Molóssios, o qual sobrenomeara a sua mulher Prosérpina, a sua filha47 Prosérpina e a seu cão Cérbero, contra o qual dizia combater aqueles que lhe vinham pedir a filha em casamento e prometia dá-la a quem ficasse vencedor; mas, tendo sido então advertido de que Perítoo não fora pedir-lhe a filha em casamento e sim raptá-la, fê-lo deter prisioneiro com Teseu; e, quanto a Pirítoo, o fez abater incontinente por seu cão, mandando encerrar Teseu em estreito cárcere.

XL. Ora, havia entrementes em Atenas certo Menesteu, filho de Peteu, o qual Peteu era filho de Orneu, e Orneu filho de Erecteu. Êsse Menesteu foi o primeiro que começou a adular o povo e a tratar de ganhar as boas graças da comuna com belas e atraentes palavras; mediante tal artifício, ele irritou contra Teseu os principais da cidade, que já de há longo tempo começavam a aborrecer-se dele, demonstrando-lhes que ele tirara a cada um suas realezas e senhoriais e os encerrara dentro da clausura de uma cidade, a fim de melhor poder servilizá-los e sujeitá-los inteiramente à sua vontade. Quanto ao povo miúdo, ele também o amotinava, dando-lhe a entender que não passava de um sonho a liberdade que se lhe prometera, mas que, ao contrário, fora realmente e de fato privado de suas próprias casas, de seus templos e dos seus lugares de nascimento, a fim de que, em lugar de vários bons e naturais senhores, que ele costumava ter ante s, fosse constrangido a servir um único amo e senhor estrangeiro.

XLI. Os Tindáridas Castor e Pólux vêm pedi-la de novo. Origem da Academia

XLI. Assim como Henesteu urdia essa trama, a guerra dos Tindáridas sobreveio e muito serviu à sua prática, pois esses Tindáridas, isto é, filhos de Tíndaro, Castor e Pólux, marcharam de mão armada contra a cidade de Atenas; e nisso há os que sustentam que o mesmo Menesteu foi quem os instigou a marchar; todavia, em sua primeira incursão, nenhum dano causaram eles ao país, antes pediram somente que lhes entregassem sua irmã. Ao que os da cidade responderam que não sabiam onde ela tinha sido deixada; e, pois, puseram-se os irmãos a fazer a guerra cientemente; todavia, houve um, chamado Academo, que, tendo ouvido, não se sabe por que meio, que ela estava segregada na cidade de Afidnas, declarou-lhes o fato. Por essa razão, os Tindáridas lhe prestaram sempre grandes honras, enquanto ele viveu; e depois os Lacedemônios, que por tantas vezes queimaram e arruinaram todo o resto do país da Ática, jamais tocaram na Academia, em honra daquele Academo. Todavia, conta Dicearco que no exército dos Tindáridas havia dois Árcades, Equedemo e Márato, e que pelo nome de um foi então chamado o lugar Equedêmia, que depois se denominou Academia, e pelo nome do outro foi chamado o burgo de Maratona, por se haver ele oferecido voluntariamente para ser sacrificado diante da batalha, segundo o que lhes fora injungido e ordenado por uma profecia. Assim foram acampar diante da cidade de Afidnas e, tendo ali ganhou a batalha e tomado a cidade de assalto, arrasaram a praça. Dizem que nessa batalha morreu Álico, filho de Círon, que estava na hoste de Tindáridas, e que por ele foi chamado Álico certo distrito do território de Mégara, no qual seu corpo foi enterrado. Ademais, escreve Heréias que o próprio Teseu o matou diante de Afidnas, em testemunho do que alega estes versos que falam de Álico;

Foi em Afidnas, na planície amena,
Que combateu pela formosa Helena
E por Teseu foi morto em duro embate

XLII. Menesteu intriga em Atenas contra Teseu

XLII. Todavia não é verossímil que, ali estando Teseu, a cidade de Afidnas e sua própria mãe tenham sido tomadas; mas, quando foi tomada, os de Atenas começaram a ter medo e Menesteu aconselhou-os a receber os Tindáridas na cidade e a tratá-los bem, visto como não faziam a guerra senão a Teseu, que primeiro os ultrajara, e que eles, em suma, causavam prazer e bem a toda a gente: o que era verdade, Com efeito, quando tudo tiveram em seu poder, não pediram senão que fossem recebidos na confraria dos mistérios, porquanto não eram mais estrangeiros do que Hércules: o que lhes foi outorgado, sob a condição de que Afidno os adotasse como filhos, do mesmo modo que Pílio adotara Hércules; e, ademais, honraram-nos nem mais nem menos do que se tivessem sido deuses, chamando-lhes Ânaces, ou porque fizeram cessar a guerra, ou porque deram tão boa ordem a tudo que, estando seu exército alojado dentro da cidade, não houve entretanto agravo nem desprazer para ninguém, assim como compete aos que têm o encargo de alguma coisa e velam diligentemente por sua conservação: o que significa essa palavra grega Ânacos, da qual vem porventura o nome dos reis Anactes. Outros há ainda que sustentam terem eles sido chamados Ânaces por causa de suas estreias que aparecem no ar: porque a língua Ática diz Ânecas e Anécaten, onde a comum diz Ano e Anóten, isto é, no alto. Não obstante, Etra, mãe de Teseu, foi levada prisioneira à Lacedemônia e dali para Troia com Helena, como dizem alguns e como o próprio Homero o testemunha nestes versos em que fala das mulheres que seguiram Helena: Etra, a filha do velho Piteu, mais

Clímene, com seus olhos divinais.

Todavia, rejeitam outros esses dois versos e sustentam que não são de Homero, como também reprovam tudo o que se conta de Munico48, a saber, que, tendo-o Laódice concebido secretamente de Demofonte, foi ele nutrido às ocultas por Etra, dentro de Troia; mas o historiador Híster, em seu décimo-terceiro volume das histórias da Ática, faz disso um relato de todo diferente dos outros, dizendo que alguns sustentam que Páris Alexandre foi derrotado em batalha por Aquiles e Pátroclo, no país da Tessália, perto do rio Esperqueu, e que seu irmão Heitor tomou a cidade de Trezena, da qual retirou Etra: no que não há nenhuma aparência. Mas Edoneu, rei dos Molóssios, festejando Hércules, um dia em que ele passou por seu reino, entrou incidentalmente no caso de Teseu e Pirítoo, como eles tinham vindo para roubar-lhe de assalto a filha e como, tendo sido descobertos, foram punidos. Hércules ficou muito desgostoso quando ouviu que um deles já estava morto e o outro em perigo de morrer, e achou que não adiantaria nada queixar-se a Edoneu49, de modo que se limitou a pedir-lhe a libertação de Teseu, pelo amor que lhe tinha: o que foi concedido.

XLIII. Regresso àquela cidade. Revoltas e sedições. Teseu faz imprecações contra os Atenienses e retira-se para a ilha de Ciros

XLIII. Assim, uma vez livre desse cativeiro, regressou Teseu a Atenas, onde seus amigos não estavam ainda totalmente oprimidos por seus inimigos, e ao voltar dedicou a Hércules todos os templos que a cidade anteriormente fizera construir em sua honra; e ao lugar que primeiramente denominavam Teséia, sobrenomearam todos Herculéia, exceto quatro, assim como o escreve Filócoro. Ora, logo que chegou a Atenas, quis ele comandar e ordenar, como estava acostumado; mas se achou embrulhado por sedições civis, visto como aqueles que o odiavam de longa data haviam ajuntado ao ódio antigo o desprezo de não temê-lo mais; e o popular comum tornara-se tão corrompido que, naquilo em que antes costumava fazer, sem dizer palavra nem replicar, tudo o que lhe era recomendado, queria então ser obedecido e lisonjeado. Assim cuidou Teseu, no começo, usar da força, mas foi constrangido a disso desistir pelas tramas e manobras dos adversários; e, por fim, não mais esperando que os seus negócios se portassem jamais como desejava, enviou secretamente seus filhos a Elfenor, filho de Cálcodo, na ilha de Eubéia; e, após haver feito diversas imprecações e maldições contra os Atenienses dentro do burgo de Gargeto, num lugar que por isso ainda hoje se chama Aratérion, isto é, lugar das maldições, ganhou o mar e foi para a ilha de Ciros, onde possuía bens e pensava ter também amigos.

XLIV. Morre

XLIV. Licômedes era então o rei da ilha, ao qual pediu Teseu suas terras, com a intenção de nelas habitar, conquanto digam outros que ele requereu lhe fosse dado auxílio contra os Atenienses. Licômedes, ou porque temesse o renome de tão grande personagem, ou porque desejasse agradar a Menesteu, levou-o sobre altos rochedos, fingindo que era para mostrar-lhe suas terras; mas, quando ele ali chegou, precipitou-o de alto abaixo e assim o fez desgraçadamente morrer. Todavia, dizem outros que ele próprio caiu acidentalmente, quando passeava um dia após o jantar, conforme se habituara. Não houve ninguém que em seguida investigasse essa morte e, ao contrário, Menesteu pacificamente se tornou rei de Atenas; e os filhos de Teseu, como pessoas privadas, acompanharam Elfenor na guerra de Troia; mas, após a morte de Menesteu, que morreu nessa viagem, os filhos de Teseu retornaram a Atenas e recuperaram o reino. E depois houve muitas ocasiões que levaram os Atenienses a reverenciá-lo e honrá-lo como semideus; pois na batalha de Maratona50, julgaram muitos ver sua imagem em armas, combatendo contra os Bárbaros; e, após as guerras Médicas, no ano em que Fédon51 foi preboste em Atenas, a religiosa Pítia respondeu aos Atenienses, que tinham procurado o oráculo de Apoio, que eles retirassem os ossos de Teseu e que os colocassem em lugar honroso, guardando-os religiosamente; mas foi bem difícil encontrar-lhe a sepultura e, quando esta foi encontrada, mais difícil ainda foi retirar dali os ossos, por causa da maldade dos Bárbaros habitantes da ilha, tão ferozes que não se podia frequentá-los.

XLV. Os ossos são transportados para Atenas

XLV. Todavia, Címon a tomou, como escrevemos em sua vida, e, procurando aquela sepultura, teve a boa fortuna de perceber uma águia que batia com o bico e encravava as garras num lugar um pouco relevado; assim lhe veio incontinente, como por inspiração divina, a ideia de cavar esse ponto, onde se encontrou a sepultura de um grande corpo, com a ponta de uma lança de bronze e uma espada. Essas coisas foram todas levadas para Atenas por Címon, em sua galera-capitânia, que os Atenienses receberam com grande alegria, realizando procissões e sacrifícios magníficos, exatamente como se Teseu estivesse vivo e regressasse à cidade; e jazem ainda hoje essas relíquias em pleno centro da cidade, perto do parque52 onde os jovens praticam exercícios físicos e onde há livre trânsito para os escravos e todos os pobres aflitos perseguidos pelos mais poderosos do que eles: em memória de haver sido Teseu em vida protetor dos oprimidos, tendo acatado com humanidade as súplicas dos que lhe pediam auxílio .

XLVI. Sacrifícios em sua honra

XLVI. O maior e mais solene sacrifício em sua honra é feito no oitavo dia53 de outubro, no qual ele voltou de Cândia54 com os outros jovens infantes de Atenas; mas não se deixa ainda de. honrá-lo todos os oitavos dias dos outros meses, ou porque ele chegou de Trezena a Atenas no oitavo dia de junho55, assim como escreve Diodoro o geógrafo, ou porque estimavam que aquele número lhe fosse mais conveniente, visto como havia o rumor de que fora engendrado por Netuno, E também a Netuno se sacrificam todos os oitavos dias de cada mês, porque o número oito56 é o primeiro cúbico que procede de número par e o dobro do primeiro número quadrado, que representa uma firmeza imóvel, propriamente atribuída à potência de Netuno, o qual por essa razão sobrenomeamos Asfálio e Geioco, o que vale tanto como dizer assegurar e afirmar a terra.

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