Autor: John Keegan
Título original: A History of Warfare
Páginas: 543
Editora: Companhia das Letras
Ano da edição: 2006
Idioma: Português
Todas as civilizações têm sua origem na guerra. Paradoxalmente, hoje, para sobreviver precisam dominar a maior e mais resistente capacidade do homem - a de ser violento. Afinal, o que é a guerra? Por que o homem luta contra o homem? Que diferenças há entre um guerreiro ianomâmi, um bárbaro das hostes de Átila e um soldado da Segunda Guerra Mundial? Como foi possível a humanidade chegar à beira da autodestruição total? Professor por muitos anos da Real Academia Militar, na Inglaterra, John Keegan oferece uma visão abrangente da História da humanidade a partir das formas de guerrear e do progresso da tecnologia bélica - da descoberta do bronze e do ferro à bomba atômica.
Nascido em Londres, Sir John Desmond Patrick Keegan (1934-2012) foi um professor e historiador especialista em conflitos bélicos. Ministrou durante longo período a cadeira de história militar na Real Academia Militar de Sandhurst. Foi autor de mais de vinte livros sobre o tema, vários deles traduzidos para o português, tais como: A Face da Batalha, História Ilustrada Da Primeira Guerra Mundial, Inteligência Na Guerra, Barbarossa: A Invasão Da Rússia e outros.
KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006
John Keegan é um famoso historiador militar inglês, e essa é a sua obra mais famosa. O objetivo da obra parece ter sido apresentar uma visão do desenvolvimento das armas, dos exércitos e da forma de fazer guerras através dos séculos, com um enfoque especial no ocidente. É uma obra que eu recomendo para todos aqueles que gostam da história das guerras, e querem ir mais fundo na história militar. Esse com certeza é um bom caminho de entrada nesse tema.
Para produzir uma resenha mais útil, irei primeiramente comentar os conteúdos trabalhados em cada um dos capítulos, e depois comentarei os principais problemas da obra.
O autor começa a obra tecendo críticas a Clausewitz, um oficial prussiano do século 18 que escreveu o livro Da Guerra. Ao longo das primeiras cinquenta páginas, Keegan apresenta a história dele e algumas de suas afirmações que, na visão do autor, influenciaram a visão da guerra nos séculos posteriores e o fazem até hoje. Acredito que muitas pessoas que abandonam a leitura desse livro o fazem nessas páginas, pois o autor não faz a sua crítica de forma organizada, então essas primeiras páginas acabam ficando confusas.
Para argumentar que uma das frases de Clausewitz está errada ("A política é a guerra continuada por outros meios"), o autor apresenta detalhes de quatro civilizações e de suas culturas de guerra: Ilha de Páscoa, Zulus, Mamelucos e Samurais.
Interlúdio 1 - Limitações à guerra: Esses interlúdios são capítulos curtos que tratam de temas específicos ligados a guerra. Aqui o autor fala das limitações das batalhas navais, e das batalhas em terra, e como os generais muitas vezes ficaram limitados em seus movimentados por fatores fora de seu controle.
Nesse capítulo Keegan trata dos primórdios da guerra e se baseia em uma pergunta: Por que os homens lutam? O autor defende que a guerra é uma manifestação cultural muito mais do que uma atitude política. Keegan também argumenta que a guerra não teve sempre esse caráter mortífero que possuí hoje em dia, e que civilizações primitivas tratavam a guerra como um ritual, e em algumas delas a morte era até incomum.
O autor oferece quatro exemplos de civilizações, para mostrar as diferentes formas que a guerra pode assumir dependendo das necessidades de cada povo: os Ianomâmis, os marings, os maoris e os astecas. Keegan também apresenta detalhes da guerra na pré-história, no Egito e na Mesopotâmia.
Interlúdio 2 - Fortificações: Aqui são apresentando os principais tipos de fortificações: refúgios, fortalezas e defesas estratégicas. O autor explica qual era o papel de cada uma delas. Ele também comenta sobre as fortalezas no Egito, na Grécia, em Roma, na China e na Idade Média; e fala sobre o desenvolvimento e o poder das táticas de cerco antes da invenção da pólvora.
Todo o terceiro capítulo é dedicado ao uso do cavalo na guerra. É um dos melhores capítulos do livro. O autor apresenta uma visão bastante ampla do desenvolvimento das técnicas ligadas ao uso desse animal em guerras. Começando com a utilização das bigas, até a introdução gradual do uso de cavalos como montaria.
O capítulo dá um enfoque muito grande aos diversos povos das estepes, que tiveram um papel central na história da Ásia e da Europa, desde o surgimento do cavalo montado até a invenção da pólvora. O autor vai a fundo na história dos Hunos, Árabes e mamelucos, Mongóis e Turcos, e faz alguns comentários muito interessantes sobre a dificuldade desses povos de conciliar o estilo de vida das estepes, com a vida sedentária dos povos agrícolas.
Interlúdio 3 - Exércitos: Esse é o interlúdio mais fraco do livro. As primeiras dez páginas são meio estranhas, mas eventualmente o autor discute a questão dos exércitos no feudalismo, o uso de soldados mercenários, milícias e a mudança para o sistema de alistamento.
Esse capítulo fala do uso do ferro na guerra e se foca na Grécia Antiga, na Roma Antiga e na Idade Média até o século 12. O autor defende que os gregos foram os responsáveis por mudar a visão ocidental da guerra, e criar um estilo de luta voltado para um combate mortífero e decisivo.
Cerca de 25 páginas são dedicadas a Grécia. Um resumo interessante de sua história militar. Os herdeiros dessa civilização foram os romanos, e o autor destaca o papel das Guerras Púnicas, do desenvolvimento de uma burocracia militar e da criação dos centuriões, a primeira corporação de oficiais profissionais da história. Keegan também comenta a importância das reformas militares de Augusto e faz uma análise rápida da decadência militar do império.
Nas últimas 20 páginas do capítulo é feita uma análise rápida da guerra na Idade Média, com destaque para as invasões do século 9 (Islã, Magiares e Vikings) e o papel da Igreja e das Cruzadas.
Interlúdio 4 - Logística e suprimentos: A comida dos soldados, as estradas e a dificuldade de locomoção de homens e suprimentos. A importância das ferrovias e seu papel decisivo na Guerra Civil Americana, e o uso de cavalos nas duas guerras mundiais. O monopólio do Estado aplicado a novas tecnologias de guerra e o desenvolvimento das armas de fogo.
O último capítulo é voltado para as armas de fogo, começando com a invenção da pólvora e seus primeiros usos como arma na Europa do século 14.
O desenvolvimento da tecnologia da pólvora e as principais dificuldades para a implementação das novas armas, são discutidos em detalhes. O autor mostra como os canhões representaram um golpe no feudalismo e nos seus castelos, contribuindo para a formação das monarquias nacionais. Ao mesmo tempo, incentivou o surgimento de novas e mais resistentes fortalezas que conseguiam suportar seus ataques, no entanto, esses novos fortes exigiam um alto investimento que apenas grandes estados eram capazes de fazer.
É discutida a relação entre lanceiros e mosqueteiros durante os séculos 15, 16 e 17, até o surgimento da baioneta. O uso de canhões em barcos e a substituição das galeras medievais pelos grandes barcos mercantes, é mostrada no contexto dos ataques dos turcos otomanos no século 16.
Keegan também dá bastante destaque para a Revolução Francesa e o papel que as guerras revolucionárias tiveram em formar uma nova visão sobre o papel do cidadão no exército nacional. E as últimas 40 páginas do livro são dedicadas aos conflitos do século 20, em especial às duas guerras mundiais.
Esse é o conteúdo do livro. Abaixo você confere alguns comentários sobre os principais defeitos da obra.
Um nome que é muito citado na obra é o de Carl von Clausewitz, um oficial prussiano do século 19 que escreveu uma famosa obra sobre a questão militar, chamada Da Guerra. John Keegan passa boa parte dos primeiros capítulos resmungando contra a obra de Clausewitz, há inclusive um subtítulo da obra dedicado exclusivamente a ele. O grande problema é que algo não fica muito claro: Qual afinal é o problema de John Keegan com relação a obra de Clausewitz? Isso acontece por dois motivos:
1 - Keegan simplesmente não é direto nesse ponto. O autor fica enrolando, ao invés de deixar bem claro quais são os pontos da obra de Clausewitz que o incomodam. O mínimo que eu esperaria, de um acadêmico como Keegan, seria que ele fizesse uma lista com os problemas que vê na obra de Clausewitz, e fosse, ao longo de seu livro, apresentando seus argumentos de forma organizada. Isso não acontece.
2 - As partes em que Keegan contesta Clausewitz são simplesmente chatas demais, principalmente pelo motivo citado acima. Não fica claro o que o autor está tentando contestar e a impressão é que são páginas e mais páginas de resmungos contra outro autor.
O Índice da obra, como você pode observar nas fotos da galeria acima, é bastante incompleto. Apenas os títulos dos cinco capítulos principais são fornecidos. No entanto, cada capítulo conta com vários subtítulos, e é uma pena que a editora tenha tomado a decisão de não fornecer um índice mais completo.
Por isso eu tomei a decisão de fornecer um índice completo. No link abaixo você encontra o PDF com todos os títulos e subtítulos dessa versão e suas respectivas páginas. Com certeza isso lhe dará uma visão melhor sobre o conteúdo da obra. Baixar Índice Completo em PDF
Exceto por alguns mapas espalhados pela obra, o livro não conta com nenhuma ilustração. O que é um absurdo, pois há vários momentos da obra em que ilustrações simples iriam tornar a compreensão muito mais fácil e mais profunda.
Deixe-me dar um exemplo: Na página 429, o autor fala sobre a mudanças das Galeras (a remo) para os navios mercantes (a vela) no século 16, no contexto da ascensão dos canhões; e cita como exemplo o Mary Rose, um dos primeiros navios mercantes a carregar canhões em 1513. O livro não apresenta qualquer ilustração, mas eu fui atrás de fotos na internet e encontrei algumas boas referências, que você pode conferir abaixo. Agora pense bem: ver essas imagens não contribui e muito para que você tenha uma visão mais profunda sobre o tema?
O autor escolheu apresentar os temas de uma forma que, em minha opinião, torna a obra um pouco confusa. O livro foi organizado em 6 grandes capítulos (que esmiuçamos acima), cada um tratando de um tema da história militar: a cultura da guerra, a guerra primitiva, os cavalos na guerra, a ascensão do ferro e da pólvora e as armas de fogo. Acredito que a obra seria muito mais proveitosa, se o autor simplesmente tivesse usado a tradicional ordem cronológica e tratado dos avanços na guerra na ordem temporal, ao invés de ficar indo e voltando no tempo constantemente.
Por exemplo, no capítulo que trata dos cavalos na guerra (3. Carne), o autor está tratando em um momento dos cavalos na Assíria e de repente está falando do uso de cavalos na Segunda Guerra Mundial. A ordem cronológica certamente tornaria a obra mais proveitosa, e faria com que o leitor tivesse uma visão mais clara do desenvolvimento das tecnologias de guerra.
Resenha escrita em 14/02/2019.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.