Autor: Anônimo
Páginas: 190
Editora: Martins Fontes
Ano da edição: 2011
Idioma: Português
Por meio da ação estes poemas nos revelam uma preocupação bastante humana com a mortalidade, a busca do conhecimento e a tentativa de escapar ao destino do homem comum. Os deuses não podem ser trágicos, pois não morrem. Se Gilgamesh não é o primeiro herói humano, é o primeiro herói trágico sobre o qual conhecemos alguma coisa. É aquele com quem mais nos identificamos e que melhor representa o homem em busca da vida e do conhecimento, uma busca que não pode conduzi-lo senão à tragédia.
Nancy Katharine Sandars (1914-2015) foi uma arqueóloga britânica. Como acadêmica independente ela escreveu vários livros e uma tradução da Epopéia de Gilgamesh. A tradução em prosa que ela criou se tornou muito popular e vendeu mais de 1 milhão de cópias.
ANÔNIMO. A Epopéia de Gilgamesh. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
A Epopéia de Gilgamesh é a obra mais famosa da literatura da antiga Mesopotâmia. De autor desconhecido e escrita, provavelmente, no terceiro milêncio a.c., essa obra sobreviveu até a atualidade principalmente graças a cópia que foi encontrada na biblioteca de Nínive, nas escavações realizadas por Sir Austen Henry Layard em meados do século 19.
A versão da obra encontrada em Nínive não estava completa, parte dela havia se perdido devido ao tempo. Algumas tabuinhas em cuneiforme já estavam gastas, ou quebradas, e certos trechos foram perdidos. No entanto, outros fragmentos em cuneiforme, escritos em sumério e acádio, foram encontrados por toda a Mesopotâmia; além de versões dela terem sido encontradas nas ruínas do império Hitita e em outras regiões. Mesmo assim, a estória ainda possui muitas lacunas, e ainda não foi possível compor uma versão perfeita da obra.
A Epopéia foi escrita originalmente em formato de poema épico mas, nessa versão produzida pela arqueóloga britânica Nancy K. Sandars, a estória é contada em formato de prosa, visando ser mais convidativa ao público moderno. A obra não é uma tradução a partir do cuneiforme, mas sim, uma tentativa de agregar as diversas traduções feitas para o inglês, alemão e francês em uma narrativa simples e direta para o público leigo.
Eu fiz a leitura da obra através de um arquivo PDF que encontrei na internet, com 120 páginas. O arquivo tinha a versão completa dessa edição da Martins Fontes. Logo, é importante frisar que as páginas que vou citar na resenha não batem com a versão impressa.
O livro é divivido em duas partes principais: Introdução e A Epopéia de Gilgamesh. Abaixo coloco um print do índice da obra:
A Introdução têm 56 páginas e é fantástica! Ela é subdividida em 10 textos escritos por Nancy Sandars, que visam explicar aspectos da Epopéia, para que haja assim um melhor entendimento da estória. Os detalhes técnicos são fascinantes para os apaixonados por história da Mesopotâmia.
As 10 divisões são as seguintes:
1. A História da Epopéia: A autora discorre sobre as versões da epopéia existentes, o fato dela estar incompleta e fala sobre a primeira versão traduzida publicada em 1928-1930 por Campbell Tompson.
2. A descoberta das tábuas: A descoberta por Layard e a decifração da escrita cuneiforme por Henry Rowlinson e George Smith. A descoberta da 11° tábua, que trata do dilúvio e como isso estimulou as pesquisas e o achamento de outras tábuas. Descrições de expedições posteriores realizadas com o apoio do Museu Britânico e da Universidade da Pensilvânia.
3. Contexto histórico: A tradição oral e a epopéia. Uma descrição da Mesopotâmia no terceiro milênio e das características dessa sociedade, que levaram a um militarismo causador de conflitos constantes entre as Cidades-Estado da região. Sargão de Agade e Gudea de Lagash são dados como exemplos.
4. Contexto literário: Uma visão da grande fragmentação da obra e das versões alternativas que existem. Há inclusive um conto chamado "Gilgamesh e Agga" que não parece ter muita relação com a obra original e por isso não foi incluido aqui. O conto do dilúvio é um dos que possui versão alternativa, com personagens diferentes e outras catástrofes antecipando o dilúvio.
5. O Herói da Epopéia: Segundo os registros históricos, Gilgamesh teria sido um rei real de Uruk. A autora, então, discorre sobre a existência desse possível personagem. Gilgamesh parece ter sido uma espécie de rei Artur da Mesopotâmia. Uma pessoa que realmente existiu, mas cuja lenda foi crescendo com o tempo, até o momento em que a lenda eclipsou completamente o personagem real. O poema também retrata uma postura muito pessimista do homem da época com relação ao pós-morte. E a autora tece comentários sobre o conflito homem natural x homem civilizado, que cerca o personagem Enkidu.
6. Os principais deuses da Epopéia: Uma exposição sobre o complexo panteão mesopotâmico no terceiro milênio, tratando dos deuses que aparecem ao longo da epópeia, seus poderes e sua ligação uns com os outros.
7. A narrativa: Nessa parte a autora expõe detalhes da narrativa, passando por praticamente todos os temas trabalhados no poema e discutindo os problemas da tradução e as implicações que as passagens podem ter para a compreensão da cultura da época.
8. A sobrevivência do texto: A queda de Nínive em 614 a.c. e como os textos foram conservados por mais de dois milênios. Sandars também faz paralelos com as obras de Homero e tece conjecturas sobre as similaridades entre os gregos e os povos do Oriente Médio, e como a Epopéia de Gilgamesh pode ter influenciado a Íliada e a Odisséia. Importante lembrar que as obras de Homero, datam praticamente da mesma época em que as cópias da Epopéia estavam sendo feitas em Nínive.
9. A linguagem da Epopéia: A autora comenta o estilo de escrita da narrativa nos originais e o fato de que versões da obra existem com estilos de escrita diferentes, em sumério, acádio, babilônico e hitita.
10. Notas sobre essa versão: Aqui a autora faz uma espécie de bibliografia, descrevendo as principais obras utilizadas como apoio. Faz comentários sobre as escolhas que teve que tomar durante a formulação do texto. Como o fato de ter deixado de fora a tábua 12, que parece não ter uma conexão direta com o poema, mas se tratar de um acréscimo posterior.
Ao final da introdução, que toma quase 50% do livro, a autora inicia a tradução da obra. Não há notas de rodapé e nem observações ao longo do texto. Todas as observações são feitas na introdução e a autora se dedica apenas a tradução visando criar um texto de leitura agradável e fidedigno. A divisão em tábuas não foi mantida, a autora fez uma divisão da estória em 7 capítulos (veja sumário acima).
Não tenho muitos comentários para fazer sobre a tradução em si. A leitura da estória é agradável, quando se trata de épicos antigos, eu realmente tenho uma preferência por versões em prosa, acho a leitura deles cansativa nas versões no formato original. No entanto, a obra é um pouco exigente, com certeza não é feita para o público infantil. A autora tentou manter ao máximo o estilo da narrativa, e o resultado final ficou muito bonito.
Acredito que um dos aspectos positivos da obra é a aceitação de que A Epopéia de Gilgamesh têm suas lacunas, e talvez sempre terá. É normal ver representações dessa estória com tramas perfeitas, graças a adições feitas para tornar a estória mais fluída e dar um aparência sólida. Nancy Sandars, por sua vez, não tenta preencher essas brechas, simplesmente aceita que elas existem e relata apenas aquilo que é comprovado por fontes, mesmo que o resultado final não seja um registro perfeito.
Ao final da obra, a autora apresenta uma lista de personagens, com descrições de cada um. E também faz, mais uma vez, a citação das suas fontes e comentários sobre as diversas versões em cuneiforme, e a distribuição da estória nas tábuas originais.
Se você é estudante de história, ou simplesmente um apaixonado pela história da Mesopotâmia, eu realmente recomendo que leia essa versão.
Sobre a imagem de capa: ela mostra um relevo que está atualmente no Museu Arqueológico de Alepo, na Síria.
Resenha escrita em 03/09/2018.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.