Escravidão passa a ser vista como criação humana, não divina
No pensamento revolucionário do século XVIII encontram-se as origens teóricas do abolicionismo. Até então, a escravidão fora vista como fruto dos desígnios divinos; agora ela passaria a ser vista como criação de vontade dos homens,portanto transitória e revogável. Enquanto no passado considerara-se a escravidão um corretivo para os vícios e a ignorância dos negros, via-se agora, na escravidão, sua causa. Invertiam-se, assim, os termos da equação. Passou-se a criticar a escravidão em nome da moral, da religião e da racionalidade econômica. Descobriu-se que o cristianismo era incompatível com a escravidão; o trabalho escravo, menos produtivo do que o livre; e a escravidão uma instituição corruptora da moral e dos costumes. (p.14)
No início do século 19, ninguém defendia a abolição imediata
Apesar de suas críticas à escravidão, nem José Bonifácio, nem Maciel da Costa chegaram a propor a abolição imediata. Ambos consideravam a emancipação dos escravos uma questão delicada e difícil de ser resolvida. Ambos argumentavam que, para que a abolição pudesse ser decretada, era preciso, primeiro, tomar medidas que facilitassem a transição do trabalho escravo para o trabalho livre. (p.19)
O tema da abolição na primeira metade do século 19
As opiniões a favor da emacipação, no entanto, não chegaram na primeira metade do século XIX, a se transformar em um movimento organizado. O tema da abolição do trático e da escravatura ainda eram nessa época, uma nota menor na orquestração de descontentamentos múltiplos que se expressaram nas lutas políticas desse agitado período da história do Império.(...) A segunda metade do século se iniciaria sob a égide de uma elite próspera e um governo de conciliação aparentemente estável. Prosperidade e estabilidade, entretanto, continuavam a depender do trabalho escravo. E a elite continuava apegada à escravidão. (p. 22)
A dependência brasileira da Inglaterra
A partir da Independência, o Brasil tinha-se tornado, de certa forma, uma colônia britânica em decorrência de sua dependência econômica em relação à Inglaterra. (p.25)
A fragilidade dos movimentos abolicionistas até o início da década de 1860
Na maioria das vezes, no entanto, os esforços se esgotavam nessas obras de benemerência. Uns poucos escravos eram emancipados e a organização desaparecia. Jornais abolicionistas também apareciam e desapareciam com igual rapidez. Apenas nos meios acadêmicos, a campanha em favor da emancipação se mantinha acesa, mas seu impacto era pequeno fora dos meios estudantis. (p.41)
Vantagens dos investimentos financeiros em relação a agricultura e ao escravo em meados do século 19
Com a expansão da economia na segunda metade do século tinham-se ampliado as oportunidades de investimentos. Bancos, companhias de seguro, estradas de ferro, fábricas de tecido e outras empresas haviam-se multiplicado. Para os fazendeiros, esses empreendimentos criavam novas oportunidades. (...) As novas alternativas de investimento eram atraentes para os fazendeiros mesmo quando os juros sobre o capital investido eram inferiores aos do capital investido na agricultura. Isso porque a diversificação dos investimentos lhes dava maior segurança por ocasião das crises que abalavam a exportação. Por isso, os grandes fazendeiros, como Antônio Prado, associaram-se a várias empresas, investindo capitais em estradas de ferro, bancos, companhias de seguro, títulos de dívida pública, fazendas, imóveis etc. Dessa forma, o desenvolvimento do capitalismo do país, criando novas oportunidades e investimentos, tornava a imobilização de capitais em escravos menos atraente do que fora no passado, quando faltavam aquelas alternativas. (p.68-69)
Acomodação do escravo ao sistema escravista
Tudo isso significa que, se houve escravos rebeldes, também houve acomodados. A maioria dos escravos parece ter-se acomodado bem ou mal à escravidão. Se não fosse assim, a escravidão provavelmente teria sido destruída como instituição muito antes do que foi. No período colonial, no entanto, não só as revoltas eram violentamente reprimidas como os próprios escravos não se encontravam em condições de projetar e organizar uma rebelião de grandes proporções, quee pudesse levar à destruição do sistema escravista. (p.114)
Como foi feita a transição nas fazendas: contratos com ex-escravos
Em carta que escreveu a seu amigo, o abolicionista Cesar Zama, dois meses antes da abolição, Paula Souza, um ilustre fazendeiro paulista, gabava-se da facilidade com que fora feita a transição do trabalho escravo para o trabalho livre em sua fazenda. Desde 1º de janeiro, dizia ele, não possuo nenhum escravo. Libertei todos e estabeleci com eles contratos semelhantes aos que tenho com os colonos estrangeiros. Excetuando-se alguns escravos que haviam partido em busca de parentes, a maioria tinha permanecido na fazenda. Paula Souza aconselhava os demais fazendeiros a seguir seu exemplo. Estava convencido de que em poucos meses a maioria dos escravos que abandonaram as fazendas estaria de volta, como sucedera em fazendas pertencentes a membros de sua família que tinham emancipado seus escravos. Havia mão-de-obra abundante nas fazendas. Além dos libertos os fazendeiros podiam recorrer aos trabalhadores livres que tinham vivido na dependência dos proprietários rurais, prestando-lhes pequenos serviços. A princípio, temeroso da falta de braços, Paula Souza contratara alguns deles que agora trabalhavam na lavoura de café e viviam nas antigas senzalas onde a única mudança era a ausência de um cadeado. Paula Souza descobrira que não tinha mais de vestir e alimentar seus escravos. Agora ele lhes vendia os suprimentos, até mesmo o leite e a couve que consumiam. Isso, explicava ele, não era por ganância, mas visava a ensinar aos ex-escravos o valor do trabalho. (p.135)