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Impostos no Egito Antigo

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Capa do artigo: Impostos no Egito Antigo

Dois escribas em relevo da Mastaba de Akhethotep em Saqqara.
Reino Antigo, 5° Dinastia. Museu Egípcio de Cairo.

Os deuses do antigo Egito davam livremente suas recompensas às pessoas que trabalhavam na terra, mas isso não os eximia de pagar impostos sobre essa recompensa ao governo. O Egito foi uma sociedade sem dinheiro até o Período Persa (cerca 525 a.C), e a economia dependia da agricultura e da troca.

A unidade monetária era o deben, aproximadamente 90 gramas de cobre, e o comércio era baseado num deben imaginário: se cinquenta debens comprassem um par de sandálias, então um par de sandálias poderia ser negociado por cinquenta debens de trigo ou cerveja.

Esse era o sistema em que o governo central operava para a cobrança de impostos. O estudioso André Dollinger escreve:

Em uma economia de troca, a maneira mais simples de cobrar impostos é apropriando-se de parte dos produtos, mercadorias ou propriedades. O setor agrícola de tal economia é o mais fácil de tributar. Um fazendeiro não pode negar a posse de um campo sem perder seus direitos. O campo pode ser medido, o rendimento avaliado e o produto é difícil de esconder devido ao seu grande volume. Não é de admirar que os camponeses respondessem pela parte mais alta e mais consistente dos impostos sobre a população. (p.1)

A contagem de gado

A melhor maneira de um faraó avaliar o que lhe era devido nas regiões de seu país era sair e ver por si mesmo. Desde o reinado de Hor-Aha (cerca 3100-3050 a.C), institucionalizado durante a Segunda Dinastia (2890-2670 a.C), e continuando até o tempo do Antigo Reino do Egito (2613- 2181 a.C), um evento anual foi instituído conhecido como o Shemsu Hor (Comitiva de Horus), mais conhecido como a Contagem do Gado Egípcio, durante o qual o faraó e seu séquito viajariam pela terra, avaliariam o valor das plantações dos fazendeiros e coletariam uma certa quantia em impostos. O estudioso Toby Wilkinson comenta sobre isso, escrevendo:

O Shemsu Hor teria servido a vários propósitos ao mesmo tempo. Permitia que o monarca fosse uma presença visível na vida de seus súditos, permitia a seus funcionários vigiar de perto tudo o que estava acontecendo no país em geral, implementando políticas, resolvendo disputas e distribuindo justiça; custeava os custos de manter os tribunais e eliminava o ônus de sustentá-la durante todo o ano em um único local; e, por fim, mas não menos importante, facilitava a avaliação sistemática e a cobrança de impostos. Um pouco mais tarde, na Segunda Dinastia, a corte reconheceu explicitamente o potencial de cálculo da Comitiva de Hórus. Posteriormente, o evento era combinado com um recenseamento formal da riqueza agrícola do país. (p.44-45)

O Egito era dividido em distritos, e os campos e produtos de cada distrito eram avaliados para impostos. Cada distrito (nomo) era dividido em províncias com um nomarca administrando o funcionamento geral do nomo, e depois funcionários provinciais menores e prefeitos das cidades operando em esferas de menor e menor autoridade.

Agricultura às margens do Nilo. Ilustração moderna, autor desconhecido.

Em vez de confiar em um nomarca para relatar com precisão sua riqueza ao governo, o faraó visitava pessoalmente cada um dos nomos e cobrava os impostos. O Shemsu Hor tornou-se assim um importante evento anual (mais tarde bi-anual) na vida dos egípcios. Óleo, cerveja, cerâmica, gado e qualquer outro tipo de mercadoria eram tributados, mas o mais importante era o imposto sobre os grãos.

Imposto e Redistribuição de Grãos

O grão não apenas alimentou a população do Egito, mas foi essencial para o comércio com outros países. Quaisquer que fossem os recursos que o Egito não dispunha poderiam ser comprados através da venda de grãos, e como o Egito tinha campos férteis que usualmente produziam colheitas abundantes, os grãos eram muito importantes para o funcionamento do governo. Eles não apenas usavam grãos no comércio, mas também armazenavam excedentes para alimentar a população em anos de safra ruim. Quando esse estoque era distribuído para as comunidades que estavam sofrendo mais. O acadêmico Edward Bleiberg explica como o processo funcionava:

O antigo governo egípcio supria suas necessidades de alimentos, matérias-primas, produtos manufaturados e mão de obra por meio de impostos e recrutamento. A economia egípcia pré-mercado, essencialmente sem dinheiro, foi estruturada de modo que os residentes do Vale do Nilo fornecessem apoio ao faraó e outras instituições governamentais, enquanto ao mesmo tempo o faraó redistribuía essas mercadorias essenciais para cada classe com base na sua posição e status na sociedade. (citado em Bard, p.761-762)

Impostos e o Antigo Reino

Impostos da contagem de gado egípcio e do lucrativo comércio, forneceram ao governo central do Antigo Reino a riqueza necessária para construir as pirâmides de Gizé. Nos dias modernos, somente a Grande Pirâmide de Queóps e as de Quefren e Miquerinos se erguem do planalto de Gizé junto com a Grande Esfinge e vários monumentos menores, mas na sua época, cada pirâmide de Gizé tinha seu próprio complexo de pirâmide, lá haviam casas para os trabalhadores, mercados, templos separados, oficinas; e todos eles custavam muito dinheiro.

As pirâmides de Gizé.

Além disso, uma vez que as pirâmides, complexos e templos eram concluídos, uma equipe tinha que ser contratada para mantê-los e presidir os rituais que garantiriam a vida eterna do faraó no mundo do além.

Todos esses rituais e projetos de construção eram muito caros e, eventualmente, contribuíram para o que é conhecido como o colapso do Reino Antigo durante o reinado de Pepi II (2278-2184 a.C).

A pressão sobre o tesouro do governo central, pagando não só pelo trabalho, materiais e transporte desses materiais para o local, mas também para que o clero e seus funcionários mantivessem os templos, se revelou ser um fardo muito grande. Além disso, em troca de seus serviços, os governantes do Reino Antigo haviam isentado o sacerdócio da tributação em perpetuidade. E como os sacerdotes haviam acumulado uma grande quantidade de terra, a perda de impostos foi significativa.

Estátua do faraó Miquerinos e de sua esposa, Khamerernebti II. 4° Dinastia. Século 26 a.C. Museu de Belas Artes de Boston. N° 11.1738

Embora o governo central finalmente tenha entrado em colpaso na Sexta Dinastia, o governo já estava em apuros no final da Quarta Dinastia (durante a qual as pirâmides de Gizé foram construídas) no reinado do sucessor de Miquerinos, Chepseskaf (2503-2498 a.C). Esse faraó tinha dinheiro e recursos suficientes para completar a pirâmide e o complexo do templo de Miquerinos, mas foi enterrado em uma tumba modesta em Saqqara.

Impostos Durante o Primeiro Período Intermediário

O declínio do Reino Antigo levou ao Primeiro Período Intermediário do Egito (2181-2040 a.C), durante o qual os nomarcas locais tinham mais poder do que o governo central. A prática anual da contagem do Gado foi descontinuada; impostos, no entanto, não foram. O faraó não podia mais ordenar a cobrança de impostos, mas os nomarcas individuais o faziam. A estudiosa Rosalie David escreveu:

Em teoria, o faraó possuía todas as terras e posses. Na realidade, embora ele fosse o maior proprietário de terras e possuísse áreas dentro de cada nomo, os templos e até mesmo particulares possuíam propriedades substanciais. (p.95)

Acreditava-se que o rei era dono de todas as terras porque ele tinha recebido sua posição pelos deuses, que haviam criado o mundo e o dado ao povo, mas ao longo da história do Egito o rei lutaria com o sacerdócio, especialmente os sacerdotes de Amon, pelo poder, porque os templos e suas terras e campos férteis haviam sido declarados isentos de impostos. Essa situação permitiu que o clero acumulasse uma grande quantidade de riqueza e poder às custas do governo central.

Os nomarcas agora mantinham a maior parte dos impostos coletados para si mesmos, embora uma parte continuasse a ser enviada para a capital como antes. Esta é a razão pela qual não se encontram grandes monumentos como as pirâmides de Gizé construídos durante o Primeiro Período Intermediário, mas encontramos túmulos pessoais muito refinados de nomarcas e outras membros da nobrezas.

Estátua de Mentuhotep II. 11° Dinastia. Século 21-20 a.C. Museu do Cairo.

Este período terminou quando o príncipe Mentuhotep II de Tebas (cerca 2061-2010 a.C) uniu o país sob seu governo e iniciou a era do Reino Médio (2040-1782 a.C). Mais uma vez, um governo central forte governou o Egito e os impostos permitiram que os governantes pagassem grandes projetos de construção. O imponente Templo de Karnak, perto de Tebas, foi iniciado durante esse período no reinado de Sesóstris I (1971-1926 a.C).

Cálculos de impostos no Novo Império

Os impostos eram agora avaliados e recolhidos pelos funcionários encarregados dessa função. Essa prática de enviar coletores de impostos tinha, na verdade, começado no final do Reino Antigo, quando a prática da contagem de gado começou a declinar.

Os cobradores de impostos que ficavam com o valor total devido ao governo eram severamente punidos. O Reino Médio, considerado uma era clássica na história do Egito, declinou durante a 13ª Dinastia, permitindo que os hicsos, um povo estrangeiro, ganhassem uma posição segura na região do Delta do Baixo Egito.

O tempo dos hicsos é conhecido como o Segundo Período Intermediário do Egito (cerca 1782-1570 a.C), durante o qual, mais uma vez, os nomarcas locais se beneficiaram mais da tributação e recrutaram aqueles que não podiam pagar pelo trabalho.

O Segundo Período Intermediário deu lugar ao Novo Império (1570-1069 a.C) quando Amósis I (1570-1544 a.C) expulsou os hicsos do Egito e fundou a 18ª Dinastia. Esse é o período imperial do Egito, quando ele possuía um exército profissional para espalhá-lo e mantê-lo.

Estátua do faraó Akhenaton. 28° Dinastia. Século 14 a.C. Museu do Cairo.

É também a época mais conhecida por seus famosos governantes e pelos monumentos que eles criaram. Hatshepsut, Tutmés III, Amenhotep III, Akhenaton, Nefertiti, Tutankhamon, Horemheb, Seti I, Ramsés o Grande, Merneptá, Ramsés III, todos governaram durante o Império Novo e todos contribuíram com seus próprios impressionantes monumentos para a cultura que foi paga, em grande parte, pelos impostos. Rosalie David escreve:

Há mais informações sobre tributação no Novo Reino do que sobre períodos anteriores; por exemplo, no reinado de Tutmés III sabe-se que os impostos foram coletados na forma de cereais, gado, frutas e provisões, assim como anéis e jóias de ouro e prata. Os governadores avaliavam anualmente o cereal pagável naquele ano, baseando seus cálculos na área de superfície de cada nomo e na altura do aumento do Nilo. Os níveis da inundação eram registrados em nilômetros; construídos na beira do rio, os nilômetros foram projetados para medir a altura anual da inundação. Se houvesse uma inundação baixa no Nilo, quando a água não atingisse o nível usual, o imposto a ser pago naquele ano era reduzido proporcionalmente. (p. 95)

O Terceiro Período Intermediário e o Período Final

O Novo Reino foi seguido pelo Terceiro Período Intermediário do Egito (cerca 1069-525 a.C), durante o qual o controle do país foi inicialmente dividido entre as cidades de Tânis e Tebas.

Nomarcas locais eram novamente capazes de ganhar poder substancial, e a terra foi dada a soldados profissionais que serviam bem e eram capazes de manter uma quantidade significativa de seus produtos para si mesmos, sem pagar impostos.

Os sacerdotes de Amon, especialmente em Tebas, possuíam uma enorme área livre de impostos, enquanto os agricultores que trabalhavam continuavam a pagar-lhes o que equivalia a um imposto, que eles usavam para qualquer fim que desejassem.

Os impostos eram tão pesados que muitas pessoas se endividavam e, durante o período tardio do antigo Egito (cerca 525-332 a.C), as pessoas se vendiam em serviço, oferecendo seu tempo e trabalho para pagar seus impostos.

A incapacidade de pagar esses impostos, ou empréstimos, resultavam em pessoas que vendiam a si mesmas para serem oficialmente reconhecidas como filhas de outra pessoa. O adotante pagaria então a dívida e o "filho" trabalharia pelo que devia. Em muitos casos, esse arranjo funcionou bem para todos os envolvidos, pois um casal sem filhos poderia adotar alguém que, então, se certificaria de que recebessem um enterro adequado com todos os ritos, e o filho adotivo herdaria sua terra assim que morressem.

Ilustração moderna retratando a colheita do trigo no Egito Antigo. Autor desconhecido.

A velha tradição da Contagem do Gado, quando o rei viajava entre seu povo para avaliar a taxa justa da terra, havia sido esquecida há muito tempo. Ele havia se provou importante para os historiadores posteriores, pois os registros dela marcaram claramente as datas em que foram conduzidas e forneceram um registro anual (posteriormente bi-anual) da história da época. No início do século 20, a contagem do gado tornou-se um dos meios mais ou menos precisos de datação da história egípcia.

Para as pessoas da época, no entanto, o antigo ritual da Contagem do Gado teria sido considerado da mesma maneira que a cobrança de impostos em muitos países atuais. Ninguém gostava de pagar impostos no antigo Egito, mas esse ritual pelo menos proporcionava a aparência de participação no governo. O faraó e sua corte visitavam pessoalmente os distritos e avaliavam a terra, e mesmo que detalhes precisos dessa prática sejam desconhecidos, o esforço provavelmente foi apreciado muito mais do que as visitas posteriores dos cobradores de impostos.

Tradução de texto escrito por Joshua J. Mark
Fevereiro de 2017

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Postado por Moacir Führ

Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
  • Dues and Duties: Taxation in Ancient Egypt by Andre Dollinger
  • Bard, K. A. Encyclopedia of the Archaeology of Ancient Egypt. Routledge, 2014.
  • Bunson, M. The Encyclopedia of Ancient Egypt. Gramercy Books, 1991.
  • David, R. Handbook to Life in Ancient Egypt. Oxford University Press, 2007.
  • Shaw, I. The Oxford History of Ancient Egypt. Oxford University Press, 2017.
  • Strudwick, H. The Encyclopedia of Ancient Egypt. Metro Books, 2006.
  • Wilkinson, T. The Rise and Fall of Ancient Egypt. Random House Trade Paperbacks, 2013.
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