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A tumba do faraó Seti I (reinado 1290-1279 a.C) no Vale dos Reis, Egito.
Os túmulos dos grandes reis e nobres do Egito foram construídos para salvaguardar o cadáver e as posses do falecido por toda a eternidade e, embora muitos deles tenham sobrevivido por milhares de anos, seu conteúdo desapareceu com relativa rapidez. O roubo de tumbas no antigo Egito era reconhecido como um problema sério desde o início do período dinástico (c. 3150-2613 a.C) na construção do complexo da pirâmide de Djoser (c. 2670 a.C).
O local da câmara funerária foi propositalmente escolhido, e as câmaras e corredores da tumba foram enchidos com detritos para impedir o roubo, mas, mesmo assim, a tumba foi arrombada e saqueada; até a múmia do rei foi levada.
Esse mesmo paradigma pode ser visto na construção das pirâmides de Gizé durante o Antigo Império do Egito (c. 2613 - 2181 a.C) e com os mesmos resultados. Embora a Grande Pirâmide ainda esteja de pé, nenhum dos tesouros enterrados com os reis da 4ª Dinastia - Queóps, Quéfren e Miquerinos - foram encontrados nas estruturas e nenhum dos corpos foi encontrado.
Textos de execração (maldições) nas portas e lintéis de tumbas deveriam impedir tais roubos, e a crença dos egípcios em uma vida após a morte - da qual os mortos poderiam interagir com os vivos - deveria ter encorajado maior respeito e medo de uma assombração em supostos ladrões, mas, evidentemente, não eram incentivos suficientemente fortes para conter a tentação de riquezas fáceis com pouco risco. O egiptólogo David P. Silverman escreve:
Não era segredo que, à medida que o processo de sepultamento se tornava mais elaborado, o valor dos bens da sepultura se interpenetravam tanto em múmias reais quanto em não-reais. Caixões dourados, amuletos de pedras preciosas, artefatos importados exóticos, todos se mostraram muito tentadores para os ladrões. Quando os embalsamadores começaram a incluir amuletos protetores, pedras preciosas, ouro ou prata dentro dos envoltórios das múmias, até mesmo o cadáver do falecido ficou sob ameaça. Ladrões provavelmente atacaram tumbas reais logo após o funeral do rei, e há evidências de corrupção entre os funcionários da necrópole encarregados de proteger os túmulos. (p.196)
Na época do Novo Reino do Egito (c. 1570-1069 a.C), o problema havia se tornado tão severo que Amenófis I (c. 1541-1520 a.C) ordenou que uma vila especial fosse construída perto de Tebas, com fácil acesso a uma nova necrópole real, que seria mais segura.
Este novo local de enterro é conhecido hoje como o Vale dos Reis e o seu vizinho pelo nome de Vale das Rainhas, a aldeia é Deir el-Medina. Eles estavam localizados fora de Tebas no deserto - o acesso era difícil - e a vila foi intencionalmente isolada da comunidade tebana em geral, mas mesmo essas medidas não foram suficientes para proteger os túmulos.
A tumba mais famosa do antigo Egito é a do faraó Tutancâmon, do Império Novo (1336-1327 a.C), descoberta por Howard Carter em 1922. A riqueza do túmulo de Tutancâmon é estimada em cerca de 750 milhões de dólares. Só seu caixão de ouro é avaliado em US$ 13 milhões. Tutancâmon morreu antes dos 20 anos e ainda não havia acumulado os tipos de riquezas que grandes reis como Quéops ou Tutmés III ou Seti I ou Ramsés II teriam. As riquezas enterradas com um rei como Quéops teriam sido muito maiores e mais opulentas do que qualquer coisa no túmulo de Tutancâmon.
A única razão pela qual a tumba de Tutancâmon permaneceu relativamente intacta (na verdade, foi invadida duas vezes na antiguidade e roubada) foi o fato de que ela foi acidentalmente enterrada pelos antigos trabalhadores que construíram a tumba de Ramsés VI (1145-1137 a.C) nas proximidades. Exatamente como isso teria acontecido é desconhecido, mas de alguma forma os trabalhadores daquela tumba enterraram a anterior sem deixar rastros e, com isso, a preservaram até o século 20, quando Carter a encontrou. A maioria dos túmulos, no entanto, não teve tanta sorte e quase todos foram saqueados em um grau ou outro.
O Egito era uma sociedade sem dinheiro até a chegada dos persas em 525 d.C, e assim a riqueza roubada dos túmulos não teria sido trocada por dinheiro nem poderia ter sido usada no comércio. Não se podia simplesmente entrar no mercado com um cetro de ouro, por exemplo, e trocá-lo por alguns sacos de grãos, porque os bens roubados deveriam ter sido informados imediatamente às autoridades.
Se alguém aceitasse um item roubado no comércio, essa pessoa ficaria sobrecarregada com a tarefa de descartá-lo de alguma forma e esperar obter lucro. Muito provavelmente, os itens roubados eram levados a um oficial superior (corrupto), que pagaria por ele com bens materiais e então o ouro era derretido e trocado por bens ou serviços.
A dificuldade em controlar os roubos de tumbas se dava porque a riqueza sepultada com o falecido era muito grande, e os funcionários encarregados de mantê-los em segurança podiam facilmente ser comprados. Mesmo se um túmulo fosse projetado para desorientar um ladrão e a câmara funerária estivesse localizada no fundo da terra e bloqueada por detritos, um ladrão talentoso sempre encontrada alguma maneira de contornar esses obstáculos.
A localização dos túmulos também foi bastante bem anunciada, pois ou eles tinham enormes pirâmides erguendo-se acima deles ou eram as mais modestas, mas ainda elaboradas, mastabas. Se alguém estava buscava um ganho rápido, então não precisava nada mais do que saquear uma tumba no meio da noite.
Foi em grande parte por essa razão que Amenófis I mandou construir a aldeia hoje conhecida como Deir el-Medina. Originalmente referenciada em documentos oficiais como Set-Ma'at (O Lugar da Verdade), Deir el-Medina e as necrópoles próximas deveriam resolver o problema do roubo da tumba de uma vez por todas.
Os trabalhadores da aldeia criariam os túmulos e protegeriam a sua criação e, uma vez que dependiam do Estado para os seus salários e lares, seriam leais e discretos quanto à localização dos túmulos e à quantidade de tesouros a serem encontrados em seu interior.
Embora esse paradigma possa ter funcionado nos primeiros dias da comunidade, ele não durou. Deir el-Medina não era uma aldeia auto-suficiente - não tinha desenvolvimento agrícola nem abastecimento de água - e contava com entregas mensais de suprimentos de Tebas e importação diária de água do Nilo.
Esses suprimentos eram amplamente padronizados, não luxuosos, e nem sempre chegavam a tempo. Os cidadãos da aldeia faziam seus próprios ofícios e negociavam uns com os outros, mas a tentação de tirar um tesouro de um túmulo, andar mais ou menos uma hora até Tebas e trocá-lo por algum luxo provou ser grande demais para alguns dos trabalhadores. Aqueles que deveriam proteger os túmulos usaram as mesmas ferramentas que os construíram para arrombá-los e roubá-los.
A relação de vida/trabalho em Deir el-Medina piorou em cerca de 1156 a.C durante o reinado de Ramsés III, quando as remessas mensais começaram primeiro a chegar tarde e depois cessaram completamente. Estes não eram luxos ou bônus, mas o salário dos trabalhadores pagos em comida, suprimentos e cerveja. Itens básicos de sobrevivência. O fracasso do sistema de fornecimento levou à primeira greve trabalhista na história, quando os trabalhadores largaram suas ferramentas, saíram do trabalho e marcharam em Tebas para exigir seu pagamento.
Embora a greve tenha sido eficaz e os aldeões tenham recebido seus salários, o problema subjacente de garantir que os suprimentos chegassem à aldeia nunca foi abordado. Os pagamentos a Deir el-Medina atrasariam constantemente durante o restante do período do Novo Reino do Egito, enquanto o governo central perdia poder e a burocracia que o mantinha desmoronava.
Neste clima, muitas pessoas se voltaram para o roubo de túmulos como meio de vida. Apesar da crença na vida após a morte e do poder dos textos de execração que garantiam um fim ruim para qualquer um que roubasse uma tumba, a atividade continuou com maior freqüência do que antes. Silverman escreve:
Criminosos condenados no final do Período dos Ramsés (c. 1120 a.C) contaram sobre o roubo de objetos dos túmulos, a pilhagem de metais preciosos de caixões e múmias e a destruição de cadáveres reais. Outros textos registram (...) atividade blasfema de alguns indivíduos. Tal comportamento sugere que pelo menos parte da população tinha pouco medo das repercussões neste mundo ou dos deuses no próximo. (p.111)
Confissões de criminosos condenados por roubo de túmulos se multiplicaram no final do Novo Império. Os tribunais parecem ter lidado com esses casos quase diariamente. O Papiro Mayer (c. 1108 a.C) registra uma série de casos detalhando como aqueles que foram pegos profanando e roubando tumbas foram "torturados em seus pés e suas mãos para fazê-los dizer exatamente como haviam feito" (Lewis, 257).
Testemunhos foram registrados por policiais e chefes em relação aos suspeitos e como eles foram pegos. As punições mais freqüentemente registradas eram espancamentos com bastões nas solas dos pés e flagelação, mas podam ser tão severas quanto a amputação das mãos e do nariz ou mesmo a morte por empalamento ou pelo fogo.
Essas punições ainda não eram dissuasivas. A confissão de um homem chamado Amenpanufer, um pedreiro em Deir el-Medina, descreve como os túmulos eram roubados e também como era fácil escapar da punição caso se fosse preso e, assim, retornar aos companheiros para roubar novamente. Sua confissão é datada de cerca de 1110 a.C:
Nós fomos roubar os túmulos como é nosso hábito e nós achamos a tumba de pirâmide de Rei Sobekemsaf, esta tumba era diferente das pirâmides e tumbas dos nobres que nós normalmente roubamos. Pegamos nossas ferramentas de cobre e forçamos um caminho para a pirâmide desse rei através de sua parte mais interna. Localizamos as câmaras subterrâneas e, tomando velas acesas em nossas mãos, entramos.Encontramos o deus deitado no fundo do seu túmulo. E encontramos o local do enterro da rainha Nubkhaas, sua consorte, ao lado dele, sendo protegida e guardada por gesso e coberta com detritos.
Abrimos seus sarcófagos e seus caixões e encontramos a nobre múmia do rei portando uma espada. Havia um grande número de amuletos e jóias de ouro em seu pescoço e ele usava uma peça de cabeça de ouro. A nobre múmia do rei estava completamente coberta de ouro e seus caixões eram decorados com ouro e prata por dentro e por fora e incrustados com pedras preciosas. Coletamos o ouro que encontramos na múmia do deus, incluindo os amuletos e jóias que estavam em seu pescoço. Nós ateamos fogo em seus caixões.
Depois de alguns dias, os oficiais distritais de Tebas ouviram que estávamos roubando no oeste e me capturaram e me prenderam na sala do prefeito de Tebas. Peguei os 20 deben de ouro que representavam minha parte e os entreguei a Khaemope, o escriba do distrito do cais de desembarque de Tebas. Ele me liberou e eu me juntei aos meus colegas e eles me compensaram com uma parte novamente. E então eu adquiri o hábito de roubar os túmulos. (Lewis, p. 256-257)
O tom da confissão de Amenpanufer é bastante confortável, como se ele não tivesse nada a temer. Sua alegação de que ele pagou ao escriba distrital pode ser interpretada como uma multa, mas a maioria dos estudiosos a reconhece como um suborno, já que essa prática era bastante comum. O destino de Amenpanufer após sua confissão é desconhecido.
O deben que ele menciona era a unidade monetária de valor no antigo Egito antes da introdução de uma economia de moeda em 525 pelos persas; e o deus mencionado no túmulo de Sobekemsaf teria sido a divindade pessoal do rei que o vigiava da mesma forma que as estátuas de ouro de Ísis, Néftis, Neith e Serket que foram colocadas no túmulo de Tutancâmon.
A completa falta de consideração de Amenpanufer em relatar o saque da tumba, incluindo a queima dos caixões elaborados, mostra quão pouco esses ladrões da tumba se importavam com as repercussões da vida após a morte. E a facilidade com que ele encontrou sua liberdade exemplifica porque os roubos de túmulos se tornaram uma maneira de ganhar a vida tão popular: se alguém tivesse ouro suficiente do assalto, poderia sair da cadeia, ser reembolsado pelos companheiros e voltar aos negócios sem problemas.
Apesar de seus melhores esforços, as autoridades do antigo Egito nunca conseguiram resolver o problema do roubo de túmulos. Seu melhor esforço, Deir el-Medina, começou a falhar antes mesmo do declínio do Novo Império e seus esforços anteriores foram claramente mal sucedidos; caso contrário, não haveria razão para construir a aldeia e novas necrópoles.
Embora alguns estudiosos tenham apontado o declínio na crença religiosa durante o Reino Médio do Egito (2040-1782 a.C) como uma razão para o aumento do roubo de túmulos, essa afirmação é insustentável. A evidência da falta de crença religiosa no Reino Médio vem de obras literárias, não inscrições ou registros oficiais, e pode ser interpretada de várias maneiras diferentes. Além disso, como observado, o problema dos ladrões de túmulos existia muito antes dessa época.
Os antigos egípcios roubavam os túmulos dos ricos por muitas das mesmas razões pelas quais as pessoas roubam os outros nos dias de hoje: excitação, dinheiro e uma espécie de empoderamento em tomar aquilo que não é seu. O argumento de que essas pessoas deveriam ter se comportado melhor considerando seu sistema de crenças também não se sustenta, uma vez que parece bastante claro que muitas pessoas, ao longo da história, professaram uma crença ao mesmo tempo em que agiam contra ela.
Todas as ameaças e todas as promessas de punição na vida após a morte, além de assombrações terríveis no presente não podem deter ninguém quando, existe a chance de invadir um túmulo e sair com o tesouro de um rei.
Tradução de texto escrito por Joshua J. Mark
Julho de 2017
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.