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Carta de Tet para Djehuti escrita em hierático em papiro. Século 15 a.C.
Paleta usada por escribas. Século 11-10 a.C. MET. N° 27.3.560 e 47.123a–g
Um membro da família dos juncos, o papiro (Cyperus papyrus) era um item característico da antiga paisagem do Nilo, essencial para os antigos egípcios, tanto no reino prático como no simbólico. Precisando de água doce rasa ou terra saturada de água para crescer, densas moitas de papiro foram encontradas nos pântanos do Delta do Nilo e também nas áreas baixas do vale do Nilo. A partir de uma raiz horizontal, os caules delgados mas resistentes, cobertos por umbels de penas que terminam em pequenas flores marrons, podem atingir até cinco metros de altura.
A palavra faraônica para papiro era tjufy (com mehyt sendo usado como um termo mais geral para plantas de pântano). Um hieróglifo na forma de uma planta de papiro era usado na escrita da palavra wadj, significando fresco, florescente e verde. Um amuleto nesta forma era usado na garganta para proteção e saúde (veja abaixo). Devido à sua prevalência no delta do Nilo, o papiro era a planta nobre do Baixo Egito, enquanto o lírio ou lótus representava o Alto Egito. Quando mostrado ao redor do hieróglifo para “unir-se”, essas duas plantas formavam um emblema para a unificação das Duas Terras do Egito.
A deusa Wadjet, representada como uma naja ou uma mulher com a cabeça de uma leoa, era a divindade tutelar do Baixo Egito, e muitas vezes é mostrada carregando um cetro em forma de papiro.
Na antiga cosmologia egípcia, o mundo foi criado quando o primeiro deus estava em um monte que emergia da escuridão e das águas ilimitadas e indiferenciadas, um eco mítico do momento anual em que a terra reaparecia debaixo das águas recém fertilizadas pela correnteza. Os pântanos de papiro eram, portanto, vistos como regiões férteis que continham os germes da criação.
Os tetos de templos e túmulos eram frequentemente sustentados por colunas na forma de plantas de papiro, transformando suas configurações arquitetônicas em modelos desse pântano primitivo. As moitas de papiro eram vistas como zonas limítrofes nas bordas do cosmo ordenado, símbolos do caos indomável que cercava e perpetuamente ameaçava o mundo egípcio.
Repleto de aves selvagens e peixes, bem como animais perigosos, como hipopótamos e crocodilos, todos vistos como encarnações dos inimigos do Egito, estes eram o cenário para caçadas rituais. A derrota individual dessas criaturas caóticas por um rei ou nobre, frequentemente representada nas paredes de templos e tumbas de elite, era emblemática e representava a manutenção do cosmo ordenado contra as forças do caos.
Em um dos grandes ciclos míticos centrais da religião egípcia, a deusa Ísis levou seu filho recém-nascido Hórus para as áreas de papiro do norte para escondê-lo de seu irmão Seth, que havia assassinado seu marido Osíris e usurpado seu trono. Hórus se tornou um homem ali, escondido entre os juncos oscilantes cujos sons sussurrados o acalmavam e mascaravam seus gritos, até que ele emergiu para derrotar seu tio perverso e recuperar seu patrimônio.
Hórus foi protegido e amamentado enquanto bebê pela deusa Hathor, que era adorada no ritual da Agitação do Papiro. Em sua forma ideal, ele era realizado nos pântanos por um celebrante que balançava hastes de papiro. Os principais instrumentos de culto de Hathor, o sistrum e o menat, eram agitados para produzir um som de farfalhar comparável e evocar esse ambiente mítico. Para celebrar seu papel como ama de Hórus e símbolo de renascimento e ressurreição no reino celestial, esta deusa é mostrada na forma de uma vaca emergindo do matagal de papiro. Os cabos de espelhos, associadas a Hathor como a deusa do erotismo e da beleza, eram frequentemente feitas na forma de plantas de papiro.
O papiro podia ser usado na fabricação de uma variedade de objetos. Os esquifes feitos ligando longos talos juntos com papiro foram usados desde a era pré-dinástica para transporte local e caça. Como mostrado na arte de tumbas, os barcos usados para peregrinações e funerais assumem essa forma distinta; estes podem originalmente ter sido feitos de juncos, e talvez tenham sido posteriormente feitos em madeira.
O papiro também era usado na construção de itens como esteiras, caixas, cestas, tampas, sandálias e cordas, para isso a casca externa era removida, revelando uma espessa medula branca reforçada por longos feixes vasculares que poderiam ser transformados em tiras duráveis. De acordo com Heródoto, a parte inferior da planta (provavelmente a raiz) poderia ser assada e comida.
Mas talvez o uso mais importante para a planta do papiro tenha sido como uma superfície de escrita, criada a partir de tiras da medula encontradas no interior do caule, colocadas em camadas e secas sob pressão. Esta era colocada em rolos que poderiam ser deixados intactos ou cortados em folhas.
Graças às qualidades conservadoras proporcionadas pelo clima seco dos desertos do Egito, os restos de muitos documentos em papiro foram recuperados das areias egípcias. Estes incluem documentos domésticos e administrativos, cartas, contratos e outros textos legais, narrativas ilustradas e textos religiosos.
O mais antigo rolo de papiro conhecido vem do túmulo do alto oficial Hemakada 1° Dinastia (cerca de 2900 a.C.), mas ele está em branco; os primeiros exemplos em que os textos foram preservados são documentos administrativos de Wadi el-Jarf, encontrados no porto do Mar Vermelho e que datam da 4° Dinastia (cerca de 2500 a.C). Isso se correlaciona com a mais antiga estátua de escriba conhecida, que data da mesma dinastia.
O kit típico dos escribas consistia em um palito de ponta (com juncos sendo usados no final do século 1 a.C), água e tintas, com um negro à base de carbono usado na maioria dos textos e um vermelho, fabricado com hematita, usado para fazer destaques. Várias cores adicionais podiam ser usadas para ilustrações. Durante a maior parte da história egípcia, o sistema de escrita usado em papiros era o hierático; uma escrita cursiva de tempos posteriores, a escrita demótica, que se desenvolveu a partir do hierático, do grego e do copta, também foi usada.
Os escribas, ou os outros entre os 0,5 a 3% da população alfabetizada, escreveriam primeiro na superfície interna do rolo, onde as fibras eram horizontais, depois passariam para o verso, a superfície externa. Papiros eram muitas vezes apagados e reutilizados, e tiras velhas podiam ser revestidas com gesso como cartonagem, usadas para itens como máscaras de múmia.
A fabricação de papiros é um processo complexo e demorado, que requer experiência em todos os aspectos, desde o cultivo e colheita de plantas até a fabricação de rolos. Muitos estudiosos acreditam que este era um negócio estatal, pelo menos nos últimos períodos da história egípcia; foi sugerido que o termo grego papuros vem do egípcio pa-per-aa, “o do faraó”, embora não haja evidências substanciais para isso.
De qualquer forma, provavelmente devido ao desejo de se afastar da dependência de suprimentos do Egito, o pergaminho gradualmente substituiu o papiro como o material mais popular para a escrita. Os mais recentes papiros conhecidos datam de cerca de 1100 d.C., embora estes sejam exemplos isolados.
Tradução de texto escrito por Janice Kamrin
Março de 2015
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.