9,1 mil visualizações | 2269 palavras | 0 comentário(s)
A deusa Deméter. Ilustração moderna, artista Daniela Fernandes-Smith.
Os Ritos de Elêusis, ou os Mistérios Eleusinos, eram os rituais secretos da escola de mistérios de Elêusis e foram observados regularmente desde cerca de 1600 a.C até 392 d.C. Exatamente o que era esse ritual místico não sabemos; mas por que os antigos gregos participaram dele pode ser entendido pelos testemunhos de alguns iniciados.
Os Mistérios Eleusinos, realizados todos os anos em Elêusis, Grécia, 14 quilômetros a noroeste de Atenas, eram tão importantes para os gregos que, até a chegada dos romanos, o Caminho Sagrado (a estrada de Atenas a Elêusis) era a única estrada, não um caminho de cabras, em toda a Grécia central.
Os mistérios celebravam a história de Deméter e Perséfone, mas como os iniciados juraram sigilo sobre risco de pena de morte quanto aos detalhes do ritual, não sabemos que forma esses rituais tomavam. Sabemos, no entanto, que aqueles que participaram dos mistérios mudaram para sempre para melhor, e que não temiam mais a morte.
A história de Deméter e Perséfone é um dos mitos mais significativos da Grécia antiga, precisamente por causa de sua influência nesse entendimento.
Enquanto os contos de Homero e Hesíodo nos informam sobre a cultura da época, e as histórias de Héracles eram expressões significativas de valores culturais, a história de Deméter oferecia algo que outros mitos não conseguiam: uma visão da vida eterna e de triunfo sobre a morte.
Deméter, a deusa da natureza, teve uma filha, Kore (que significa "donzela"), que foi sequestrada e, segundo alguns relatos, estuprada por Hades, senhor do submundo.
Deméter procurou por ela por toda o lado em vão, e finalmente foi descansar perto de um poço na cidade de Elêusis. Lá, disfarçada como uma mulher velha, ela cuidou do filho da rainha, batizando-o todas as noites no fogo para que ele fosse imortal.
Quando a rainha, certa noite, encontrou a babá colocando o filho no fogo, ficou compreensivelmente aborrecida - mas não tão zangada quanto a deusa enlutada, que então tirou o disfarce e revelou sua glória e sua ira.
Depois de apaziguada, enquanto as pessoas construíam um templo em Elêusis para ela, Deméter ensinava ao filho da rainha, Triptolemos, a arte da agricultura. Zeus, rei dos deuses, persuadiu Hades a devolver Kore à sua mãe, pois, a dor de Deméter era tão grande que as colheitas estavam morrendo, as pessoas passando fome e os deuses não recebiam suas oferendas costumeiras.
Hades concordou, mas fez com que Kore comesse algumas sementes de romã e, se alguém come na terra dos mortos, precisa permanecer com os mortos.
Como ela havia comido apenas algumas, no entanto, ficou combinado que ela passaria metade do ano com Hades, no submundo, e metade com sua mãe na Terra. Kore emergiu do submundo como Perséfone ("aquela que traz a desgraça") a Rainha dos Mortos e, enquanto ela permanecia na Terra, Deméter fazia o mundo frutificar mas, quando Perséfone estava no submundo, as plantas murchavam e morriam; assim foram explicadas as estações.
Mais importante, no entanto, o mito refletia o conceito de transformação e a natureza cíclica da vida. A existência de uma pessoa não terminava com a morte porque não havia morte; havia apenas a mudança de um estado de ser para outro.
Os rituais eram encenados duas vezes por ano. Existiam os Mistérios Menores, que ocorriam na primavera, e os Mistérios Maiores, e que aqueles que haviam sido purificados anteriormente participavam deles quando chegava o mês de setembro. Eles percorriam o Caminho Sagrado de Atenas até Elêusis, chamando por Kore, reencenando a busca de Deméter por sua filha perdida.
Em Elêusis eles descansavam perto do poço em que Deméter se sentara, jejuavam e bebiam uma bebida de cevada e menta chamada Kykeon. Foi sugerido que esta bebida continha o fungo psicotrópico esporão-do-centeio, e isso intensificava a experiência e ajudava a transformar o iniciado.
Depois de beber o Kykeon, os participantes entravam no Telesterion, um "teatro" subterrâneo, onde acontecia o ritual secreto. O mais provável é que os iniciados assistissem a uma reencenação simbólica da "morte" e do renascimento de Perséfone e, talvez, tomassem parte na encenação.
O que quer que tenha acontecido no Telesterion, aqueles que entravam saíam na manhã seguinte radicalmente alterados. Praticamente todos os pensadores e escritores importantes da antiguidade, todos que eram considerados importantes na época, foram iniciados nos Mistérios.
Platão, ele mesmo um iniciado (assim como Sócrates fora antes dele) menciona os Mistérios especificamente em seu famoso diálogo sobre a imortalidade da alma, o Fédon: "nossos mistérios tinham um significado muito real: aquele que foi purificado e iniciado habitará com o deuses "(69: d, FJ Church trans).
No Mito de Er, no último capítulo da República de Platão, um guerreiro chamado Er é morto em batalha e vai para a vida após a morte, mas, ao contrário dos outros que o acompanham, não bebe das águas do rio Lethe que o faria esquecer sua vida na terra e avançar para a próxima.
Er, em vez disso, volta à vida no campo de batalha e conta aos seus companheiros sobre o que ele viu no outro mundo e como era a morte. Ele deixa claro que a morte não é o fim da vida, mas apenas o começo de outra parte da jornada.
Interessantemente, Platão nunca introduz essa história como um "mito", como uma ficção, mas a trata como uma explicação factual. A tradução do capítulo como o "mito" de Er tem sido infeliz, já que deve ser entendida como o relato ou a história de Er. O relato de Er é provavelmente um reflexo da visão que os iniciados recebiam dos Mistérios.
Plutarco, escrevendo a sua esposa sobre a morte de sua filha, diz: "por causa daquelas promessas sagradas e fiéis dadas nos mistérios ... nós mantemos firmemente a crença de uma verdade indubitável de que nossa alma é incorruptível e imortal. Vamos nos comportar em conformidade "(Hamilton, p.179).
Além disso, ele diz: "Quando um homem morre, ele é como aqueles que são iniciados nos mistérios. Toda a nossa vida é uma jornada por caminhos tortuosos, sem saída. No momento da luta vêm terrores, tremores de medo, assombro. Então uma luz que se move para encontrá-lo, prados puros te recebem, canções e danças e aparições sagradas "(Hamilton, 179). Esta descrição é bastante semelhante ao relato dado por Er em sua história.
Cícero escreveu: "Nada é mais elevado do que esses mistérios ... eles não apenas nos mostraram como viver alegremente, mas nos ensinaram como morrer com uma esperança melhor", e o historiador do século 20, Will Durant comenta sobre os mistérios:
"Nesse êxtase de revelação ... eles sentiram a unidade de Deus, e a unicidade de Deus e da alma; eles foram levantados da ilusão da individualidade e conheciam a paz da absorção em divindade "(DURANT, p.189).
O historiador Waverly Fitzgerald resume claramente a experiência escrevendo:
"Foi dito daqueles que foram iniciados em Elêusis que eles já não temiam a morte e parece que este mito confirma a visão cíclica da vida central à espiritualidade pagã: que a morte é parte do ciclo da vida e é sempre seguido pelo renascimento "(FITZGERALD, p.2).
Todo testemunho antigo reflete esse mesmo entendimento e todos tem o mesmo tom de libertação iluminada do medo da morte.
Igualmente importante foi o fato de os mistérios darem um novo significado para a vida dos iniciados. Eles reconheceram que suas vidas tinham um propósito eterno e não estavam apenas vivendo para morrer.
A crença na transmigração das almas - reencarnação - parece ter sido central para a visão dos Mistérios e isso proporcionou às pessoas uma sensação de paz na medida em que teriam outra chance, muitas outras chances, de experimentar a vida na Terra em outras formas.
É bem provável que os Mistérios tenham sido influenciados por crenças religiosas egípcias que entendiam a morte como uma transição para outra fase da existência, não como o fim da vida.
É provável que os egípcios tivessem essa crença desde o período dinástico inicial (c. 3150-2613 a.C) e, uma vez que houve contato entre as duas culturas através do comércio, é previsível que esse entendimento egípcio tenha contribuído para a interpretação mais profunda da história de Deméter e Perséfone e da visão dos Mistérios.
Embora a crença egípcia enfatizasse regularmente uma vida no além ideal nos Campos dos Juncos - um paraíso que era uma imagem espelhada da vida da pessoa na Terra - ela também reconhecia a realidade espiritual da reencarnação, como a maioria das religiões pré-cristãs.
O tempo era considerado cíclico, não linear, e era possível reconhecer o padrão do universo através da mudança das estações e entender que, assim como as árvores, a grama e as flores morriam em uma estação e voltavam à vida em outra, os seres humanos também o faziam.
Os Mistérios Eleusinos diferiam da prática religiosa convencional, pois os iniciados experimentavam em primeira mão o que os outros só ouviam nos templos. A adoração tradicional dos deuses era baseada em histórias contadas sobre como o universo funcionava, qual era a vontade dos deuses e o que esses deuses haviam feito.
A diferença entre esse tipo de experiência religiosa e a dos mistérios seria a mesma que a de atuar em uma peça comparada a experiência de assistir uma apresentação; os atores sempre terão uma experiência muito diferente e mais significativa.
Mesmo assim, não há indicação de que os iniciados desprezassem as práticas religiosas tradicionais ou se considerassem superiores. Platão provavelmente sim, mas só porque ele já achava que ele era melhor do que seus contemporâneos.
Os Mistérios foram encenados por mais de mil anos e, naquele tempo, proporcionaram a inúmeras pessoas uma maior compreensão da vida e do as esperava no além.
Os rituais foram proibidos pelo imperador cristão Teodósio em 392 d.C., quando foram vistos como uma resistência ao cristianismo e à "verdade" de Cristo. À medida que o cristianismo ganhou mais adeptos e poder, os rituais pagãos foram sistematicamente reprimidos, embora os significados centrais, a iconografia e o simbolismo fossem apropriados pela nova fé e transformados para apoiar a crença em Jesus Cristo como o messias.
Os antigos locais de rituais pagãos e de aprendizado foram abandonados, destruídos ou transformados em igrejas durante os séculos 4 e 5 d.C. O templo de Deméter e todo o santuário de Elêusis foi saqueado pelos cristãos arianos de Alarico, rei dos godos, em sua invasão de 396 d.C, deixando apenas ruínas e escombros onde antes as pessoas do mundo antigo se reuniam para experimentar visceralmente as verdades da vida, da morte e da promessa do renascimento.
Tradução de texto escrito por Joshua J. Mark
Janeiro de 2012
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.