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Teseu derrota o Centauro. Obra de Antonio Canova (1757-1822). Museu de Arte de Viena.
Via Wikimedia Commons.
No antigo mundo grego, o mito funcionava tanto como um maneira de registrar a história, quanto como forma de providenciar precedentes para programas políticos. Enquanto hoje a palavra "mito" é quase sinônimo de "ficção", na antiguidade, o mito era uma forma alternativa de realidade.
Assim, a ascensão de Teseu como o herói nacional de Atenas, evidente na evolução da sua iconografia na arte ateniense, foi o resultado de uma série de desenvolvimentos históricos e políticos que ocorreram durante os séculos 6 e 5 a.C.
O Mito em torno de Teseu sugere que ele viveu durante o final da Idade do Bronze, provavelmente uma geração antes dos heróis homéricos da Guerra de Tróia. As primeiras referências ao herói vêm da Ilíada e da Odisséia, as epopéias homéricas do início do século 8 a.C.
A realização mais significativa de Teseu foi o Sinecismo, a unificação dos doze demos, ou assentamentos locais da Ática, na entidade política e econômica que se tornou Atenas.
A vida de Teseu pode ser dividida em dois períodos distintos, como jovem e como rei de Atenas. Egeu, rei de Atenas, e o deus do mar Poseidon dormiram com a mãe de Teseu, Aithra, na mesma noite, fornecendo a Teseu linhagem divina e real.
Teseu nasceu em Trezena, cidade natal de sua mãe, localizada no Peloponeso, mas, quando adolescente, viajou pelo Golfo Sarónico via Epidauro, o Istmo de Corinto, Penhascos Megarianos e Eleusis antes de finalmente chegar a Atenas. Ao longo do caminho, ele encontrou e despachou seis lendários bandidos notórios por atacarem viajantes.
Ao chegar em Atenas, Teseu foi reconhecido por sua madrasta, Medéia, que o considerou uma ameaça ao seu poder. Medéia tentou matar Teseu envenenando-o, conspirando para emboscá-lo com os gigantes e enviando-o para enfrentar o touro que estava devastando Maratona.
Provavelmente o mais famoso dos feitos de Teseu foi o assassinato do Minotauro. Atenas na época era forçada a pagar uma tributo anual de sete donzelas e sete rapazes ao rei Minos de Creta, para que servissem de alimento ao Minotauro, criatura meio homem, meio touro, que habitava o labiríntico palácio de Cnossos.
Teseu, determinado a acabar com o domínio minóico, ofereceu-se para ser um dos jovens do sacrifício. Em Creta, Teseu seduziu a filha de Minos, Ariadne, que conspirou para ajudá-lo a matar o Minotauro e escapar, dando-lhe um novelo de lã para desenrolar enquanto ele se movia pelo labirinto.
Teseu conseguiu fugir de Creta com Ariadne, mas depois a abandonou na ilha de Naxos durante a viagem de volta a Atenas. O Rei Egeu dissera a Teseu que ao retornar a Atenas, ele deveria navegar com uma vela branca se houvesse triunfado sobre o Minotauro, e instruir a tripulação a levantar uma vela preta se ele tivesse sido morto.
Teseu, esquecendo a ordem de seu pai, retornou velejando com uma vela negra. Egeu, em sua dor, atirou-se do penhasco do cabo Sounion para o mar, fazendo de Teseu o novo rei de Atenas e dando, assim, ao mar o nome de Mar Egeu.
Há apenas uma imagem incompleta das ações de Teseu na vida posterior, extraída de breves referências literárias do início do período arcaico, principalmente de obras fragmentárias de poetas líricos. Teseu teria embarcado em várias expedições com seu amigo íntimo Pirítoo, o rei dos Lápitas da Tessália, no norte da Grécia.
Teseu também realizou uma expedição contra as amazonas, em algumas versões com Héracles, e seqüestrou sua rainha Antíope, com quem se casou posteriormente. Enfurecido com isso, as Amazonas sitiaram Atenas, um evento que se tornou popular em representações artísticas posteriores.
Existem certos aspectos do mito de Teseu que foram claramente modelados em Héracles, o herói mais proeminente durante o início do século 7 a.C. O encontro de Teseu com os bandidos faz paralelo aos seis feitos de Héracles no norte do Peloponeso. A captura do touro de Maratona por Teseu espelha a luta de Héracles com o Touro Cretense.
Há uma grande similaridade entre os dois, já que ambos participaram de um Amazonomaquia (luta com amazonas) e de uma Centauromaquia (luta com centauros). E os heróis também têm ligações com Atena, e parentesco similarmente complexo com mães mortais e pais divinos.
No entanto, enquanto a vida de Héracles parece ser uma seqüência de ações heróicas contínuas, a vida de Teseu representa a de uma pessoa real, envolvendo mudança e amadurecimento.
Teseu tornou-se rei e, portanto, parte da linhagem histórica de Atenas, enquanto Héracles permaneceu livre de quaisquer ligações geográficas, provavelmente a razão pela qual foi capaz de se tornar o herói pan-helênico. Em última análise, como indicado pelo desenvolvimento da iconografia heróica em Atenas, Héracles foi substituído por Teseu porque esse forneceu um herói muito mais complexo e local para Atenas.
A primeira representação existente de Teseu na arte aparece na Vaso François, datado de cerca de 570 a.C. Este famoso krater de figuras negras mostra Teseu durante o episódio de Creta, e faz parte de um pequeno número de representações de Teseu datadas de antes de 540 a.C.
Entre 540 e 525 a.C., houve um grande aumento na produção de imagens de Teseu, embora elas estivessem limitadas quase inteiramente à cerâmica pintada e mostrassem principalmente Teseu como o heróico matador do Minotauro. Por volta de 525 a.C., a iconografia de Teseu tornou-se mais diversificada e concentrou-se no ciclo de ações envolvendo os bandidos e o rapto de Antíope.
Entre 490 e 480 a.C., o interesse centrava-se em cenas da luta com as Amazonas e mitos menos proeminentes, como a visita de Teseu ao palácio de Poseidon. O episódio é tratado em uma obra do poeta lírico Baquílides.
Entre 450 e 430 a.C., houve um declínio nas representações do herói em vasos; no entanto, as representações em outras mídias aumentaram. Em meados do século 5 a.C., os atos juvenis de Teseu foram colocados nas métopas do Partenon e do templo de Hefésto em Atenas. Além disso, no escudo de Atena, na monumental estátua de culto no interior do Partenon, havia a representação de uma luta com as Amazonas que incluía Teseu.
O aumento da proeminência de Teseu na consciência ateniense mostra uma correlação óbvia com eventos históricos e agendas políticas particulares. No início da metade do século 6 a.C., o governante ateniense Sólon (cerca de 638-558 a.C.) fez uma primeira tentativa de introduzir a democracia.
Vale a pena notar que a democracia ateniense não era equivalente à moderna; antes, ampliou o envolvimento político para uma faixa maior da população ateniense masculina. No entanto, o início deste tipo de governo poderia facilmente basear-se no Sinecismo como um precedente, dando a Sólon um motivo para elevar a importância de Teseu.
Além disso, havia um grande número de correspondências entre o mito e os eventos históricos desse período. Como rei, Teseu capturou a cidade de Eleusis que pertencia a Mégara, e colocou a pedra limite no Istmo de Corinto, um ponto médio entre Atenas e seu inimigo.
Domesticamente, Teseu abriu Atenas para estrangeiros e estabeleceu as Panateneias, o mais importante festival religioso da cidade. Historicamente, Sólon também abriu a cidade para pessoas de fora e aumentou a importância das Panateneias por volta de 566 a.C.
Quando o tirano Pisístrato tomou o poder em 546 a.C., como Aristóteles notou, já existia um santuário dedicado a Teseu, mas o aumento exponencial das representações artísticas durante o seu reinado, até 527 a.C., mostrou a crescente importância do herói para a agenda política.
Pisístrato fez de Teseu não apenas o herói nacional, mas seu próprio herói pessoal, e usou as aventuras de Creta para justificar suas ligações com o santuário da ilha de Delos e sua própria reorganização do festival de Apolo. Foi durante esse período que a relevância de Teseu como herói ateniense começou a sobrepujar a importância de Héracles como herói pan-helênico, fortalecendo ainda mais o orgulho cívico da cidade.
Sob Clístenes, a pólis foi reorganizada em uma democracia ainda mais inclusiva, dividindo a cidade em tribos e demos, uma estrutura que pode ter sido concebida para refletir a organização do Sinecismo. Clístenes também deu mais um passo para reivindicar externamente Teseu como o herói ateniense, colocando-o nas métopas do tesouro ateniense em Delfos, onde ele podia ser visto pelos gregos de todas as pólis do mar Egeu.
O aristocrata Címon (cerca de 510–450 a.C.) pode ser considerado o último patrono de Teseu durante o início e até meados do século 5 a.C. Após a primeira invasão persa em 490 a.C., Teseu passou a simbolizar a cidade vitoriosa e orgulhosa de si.
Neste momento, a luta com as amazonas tornou-se uma peça chave da iconografia, uma vez que as amazonas vieram a representar os persas como invasores orientais. Em 476 a.C., Címon devolveu os ossos de Teseu a Atenas e construiu um santuário em torno deles, e o decorou com as aventuras da Amazonomaquia, Centauromaquia e os feitos dele em Creta, todos pintados por Mikon ou Polígotos, dois dos pintores mais importantes da antiguidade. Este ato representou a solidificação final de Teseu como herói nacional.
Tradução de texto escrito por Andrew Greene
Agosto de 2009
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.