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Foto promocional do filme Canudos de 1997.
Canudos foi um movimento social que ocorreu no nordeste brasileiro nos primeiros anos após a proclamação da república, e é considerado o mais importante movimento popular da República Velha. Muitas vezes se fala de Canudos como se ele fosse apenas um conflito militar, mas é essencial entender a importância do movimento social que levou à fundação de Canudos, para assim compreender como a questão social era vista nos primeiros anos da república brasileira.
Duas décadas após o fim de Canudos, o presidente Washington Luis resumiu em uma única frase qual era a visão das elites sobre os movimentos populares. A célebre frase, que até hoje estampa os livros de História, é contundente: “A questão social é caso de polícia.” Ou seja, a solução para os conflitos sociais era a repressão policial e a prisão. Tendo isso em mente fica mais fácil entender como um movimento popular como Canudos, aparentemente pacífico, teve como conclusão um trágico genocídio.
O personagem central da história de Canudos foi Antônio Conselheiro, um andarilho nordestino que pregava à palavra cristã em suas andanças pelo nordeste e conquistava a população carente com seu discurso pacifista e anárquico.
Conselheiro nascera no Ceará, filho de um comerciante que pretendia fazer dele um padre. Depois de ter problemas financeiros e complicações domésticas, exerceu várias profissões como professor, vendedor ambulante, até se converteu em beato - um misto de sacerdote e chefe de jagunços. Levava uma vida nômade pelo sertão, congregando o povo para construir e reconstruir igrejas, erguer muros de cemitérios e seguir o caminho de uma vida ascética. (FAUSTO, p.257)
Várias mudanças no cenário político estimulavam uma visão cada vez mais crítica do governo. Enquanto a monarquia sempre havia mantido uma relação distante da população e conservava certo caráter sagrado, ligado a teoria do direito divino dos reis, a república, que ainda não tinha uma grande legitimidade, passou a exercer um papel mais efetivo na vida das pessoas. E não foi um papel positivo. O início da cobrança de impostos fez muitas pessoas começarem a contestar o papel do Estado. Antônio Conselheiro, que através de suas andanças e pregações, conquistava cada vez mais seguidores, era um crítico ferrenho da nova ordem política.
E foi pela de cobrança de impostos que tudo começou. Em 1893 os seguidores de Antônio Conselheiro se revoltaram contra os novos impostos e queimaram os editais que divulgavam a cobrança, enquanto estavam de passagem pela cidade de Bom Conselho. As autoridades locais reuniram homens para reprimir a manifestação e foram derrotados pelos seguidores do Conselheiro. Depois disso, ficou claro que a única forma de manter o seu povo seguro, era procurar um local para se fixar, afastado dos grandes centros urbanos.
O local escolhido - conhecido como Canudos - recebeu o povoado que Antônio Conselheiro nomeou de Belo Monte. Ali os seguidores do Conselheiro começaram a erguer suas moradias permanentes e construir uma nova vida. Queriam viver em uma sociedade própria, onde o Estado brasileiro não mais pudesse exercer repressão e onde tivessem liberdade para decidir o seu futuro.
Belo Monte cresceu rapidamente, cedo transformando-se em uma das cidades mais populosas da Bahia. Sem qualquer planejamento, as casas de taipa de pau-a-pique eram construídas arbitrariamente, sendo comum os fundos de uma casa estarem colocados diante da frente ou do lado de outra casa. Só havia uma rua principal que dividia a cidade em duas e terminava na praça onde existia a Igreja Velha e a Igreja Nova. (AQUINO, p.146)
Belo Monte era um povoado relativamente organizado. Contava com a Guarda Católica. Um grupo de 600 homens responsáveis por fazer a defesa da cidade. Muitos deles eram antigos cangaceiros ou foragidos que haviam se juntado ao movimento para fugir das autoridades e/ou buscar uma vida melhor. Também contava com seu próprio prefeito, escola e até uma prisão. Era uma legítima cidade no meio do sertão, com o único porém de não pagar impostos e não obedecer as autoridades estaduais e federais.
Antônio Conselheiro era o líder religioso e espiritual, e ditava as regras do povoado: Monte Belo tinha leis proibindo o consumo de bebidas alcoólicas e a prostituição. Embora tivesse uma prisão, durante seus quatro anos de história, ela passou a maior parte do tempo desocupada. A criminalidade em Monte Belo era quase inexistente.
Monte Belo tinha um economia socialista, a produção agrícola e pastoril era dividida igualmente entre todos os habitantes. Ninguém era rico, mas ninguém passava fome. O que era um grande avanço para muitos dos seus moradores.
A guerra de Canudos começou com um mal entendido, o caso das Madeiras em Juazeiro. Antônio Conselheiro encomendou madeiras na cidade de Juazeiro para construir uma nova igreja, o pagamento foi adiantado. O atraso na entrega das madeiras fez Antônio Conselheiro enviar uma mensagem sugerindo que algumas pessoas de Canudos poderiam ir buscar a madeira caso o transporte fosse o problema. Essa mensagem foi entendida como uma ameaça e a administração de Juazeiro decidiu pedir ajuda para defender a cidade de um possível saque. Os cem homens que vieram, comandados por um tenente do exército, foram até Juazeiro e esperaram pelo ataque, que nunca aconteceu. Inconformado o tenente partiu em perseguição ao povo de Canudos. A 50 km do povoado as tropas foram confrontadas por forças de Canudos - que ficaram sabendo do ataque eminente - e foram derrotadas.
A partir daí outras três expedições tentaram acabar com o povoado, que passou a ser visto como um grande perigo pelas autoridades que ainda não haviam tido comprovação da capacidade de defesa de Canudos. A cada expedição a força militar aumentava, a organização era mais eficiente e mais bem armada. Mesmo assim foram necessários quase 12 meses para destruir o povoado, além das campanhas terem custado a vida de diversos oficias renomados do exército e milhares de soldados.
A grande capacidade de resistência do povoado de Canudos frente ao poderio do exército brasileiro se deve a vários fatores:
Falta de organização das primeiras expedições
A terceira expedição comandada pelo coronel Moreira César é um bom exemplo. O comando da expedição se deixou levar pelo entusiasmo e acreditou que poderia vencer a guerra em uma única ofensiva fulminante. O resultado foi uma derrota retumbante.
Dificuldades de manter o exército abastecido de armas e comida
Canudos ficava no meio do sertão, há 200 km da ferrovia mais próxima e isso dificultou muito as operações de abastecimento do exército. Além disso, o clima da região tornava todas as operações muito difíceis.
Falta de conhecimento do terreno
As forças de Canudos, ao contrário do exército, conheciam muito bem a região e travaram uma guerra de guerrilha muito eficiente, se aproveitando ao máximo dessa vantagem. Os diversos jagunços que se juntaram a causa de Canudos já tinham um grande conhecimento de como lutar naquela região, com aquela vegetação e com aquele clima.
Canudos tinha muitos armamentos
Cada nova expedição que falhava, deixava seus armamentos para trás, tornando Canudos um povoado com uma capacidade de defesa cada vez melhor.
O povoado de Canudos teve seu fim no dia 5 de outubro de 1897, com a morte de seus últimos defensores. Esse é um episódio que resume muito bem a dificuldade que as elites do centro do país tinham para entender o ponto de vista dos pobres durante a República Velha. O governo brasileiro não conhecia o povo de Canudos, não conhecia a dificuldade da vida no sertão e não compreendia o porquê dessas pessoas estarem tão ferrenhamente contestando a ordem social vigente.
O povoado de Canudos tinha por objetivo apenas viver sem a intervenção de um poder, que para eles era estrangeiro, era estranho, e não trazia nenhum benefício para sua vivência. E por isso pagou com a vida, defendendo aquilo que acreditava: no único lugar do Brasil onde eles eram tratados como iguais e não tinham que compactuar com o poder dos coronéis e com o pagamento de impostos, que de qualquer forma não os beneficiava.
O genocídio do povo de Canudos é um exemplo claro do que significava a frase do presidente Washington Luis: “A questão social é caso de polícia.”
Interessados no tema podem assistir o filme "Guerra de Canudos" produzido em 1997 pelo diretor Sergio Rezende, com José Wilker no papel de Antônio Conselheiro. É um filme muito bem realizado, que vai ajudá-lo a entender melhor todos os temas tratados nesse texto. O longa tem 2h40m de duração e pode ser encontrado em DVD e no YouTube.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.