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O rei Tiglath-Pileser III (r. 745-727) sendo saudado por suas tropas. Ilustração moderna de Angus McBride.
Essa série de artigos foi produzida a partir da leitura do livro "The Ancient Assyrians". Se tiver interesse, clique aqui para ler nossa resenha dessa obra.
Nesse artigo discuteremos a organização militar dos assírios durante o período conhecido como Novo Império Assírio, desde o reinado de Adad-Nirari II (911-891 a.C) até a queda da capital Niníve em 612 a.C. pelas mãos de uma coalizão de babilônicos e medos.
Esse é o período de auge do Império Assírio, que teve uma longa história que começou no século 18 com a formação de um reino baseado nas cidades de Nínive, Ashur e Arbil.
Os assírios criaram o primeiro império militar da história, mais de 800 anos antes do surgimento dos romanos. Um império que durou 300 anos. Muitas práticas assírias foram mais tardes emuladas pelos neobabilônicos e persas em seus impérios.
Confira nos mapas abaixo sete momentos chave da história assíria. Todos os mapas são do site Geacron.
Desde o início os assírios tiverem que lidar com outras grandes potências de sua época como os babilônios, hititas, o reino de Mitani e Urartu, e desde cedo mantiveram a prática de manter efetivos militares para se defender, não só dessas grandes potências, mas de incursões realizadas por povos nômades, que também representavam um perigo constante naquela época. Tiglath-Pileser I (r. 1114–1076 a.C), por exemplo, organizou cerca de 28 campanhas punitivas contra esses povos.
Começando como um reino predominantemente mercantil, os assírios logo se viram obrigados a adotar uma política agressiva de expansão militar para que seus interessses econômicos fossem assegurados. E a guerra logo se mostrou vantajosa. Ela gerava grandes espólios em metal, madeira, animais e cavalos, etc; além do controle de rotas comerciais por mercadores assírios.
Conforme as rotas dos seus mercados se expandiam, e a sociedade assíria se acostumava aos novos luxos fornecidos por esse comércio, a guerra acabou se tornando essencial para manter o padrão de riqueza assírio.
A Torá, uma fonte importante (mas não infalível) do périodo, resume o imperialismo assírio à crueldade e excessos bárbaros, mas é preciso perceber que essa é a voz de um dos povos dominados. Os assírios realmente se utilizavam de algumas táticas de terror para amedrontar seus inimigos e, assim, evitar futuras rebeliões. Mas tudo isso visava manter as vidas e os interesses da Assíria em segurança.
Healy falou o seguinte sobre o militarismo assírio:
Conforme o exército, pela bravura de seus braços, estendeu o perímetro defensivo ao redor do coração do reino e avançou sobre as fronteiras de mais estados, que em consequência viram sua própria segurança ameaçada pelo crescimento do poder assírio e assim por sua vez se tornaram novos inimigos para os assírios lutarem. Essa necessidade constante de garantir a superioridade militar aprimorou as habilidades de luta dos soldados assírios. Construindo em cima da organização de seu exército, sempre a característica principal da sua eficácia, isso forçou os assírios a modificar constantemente suas táticas e tecnologias para manter sua dominância no campo de batalha. (HEALY, 1999, p.4, tradução nossa)
É importante entender as guerras assírias como guerras defensivas. O mantenimento de grandes impérios sempre foi algo muito oneroso durante a antiguidade, tendo em vista as grandes distâncias, a dificuldade de deslocamento e o alto custo para desbaratar rebeliões.
Os assírios, assim como os romanos depois deles, só conquistavam um reino quando não viam outra alternativa. Do ponto de vista financeiro, era muito mais desejável que os outros povos mantivessem sua liberdade e apenas pagassem os seus tributos e respeitassem os comandos assírios, se tornando estados vassalos.
Mas quando isso se mostrava impossível, os assírios optavam por derrubar o rei inimigo e colocar um novo líder fantoche, que atendesse os interesses assírios. Ou, em último caso, conquistavam o reino e o transformavam em uma província assíria.
Em meados do século 8 a.C. o império assírio passava por uma crise. Foi um período de crescimento do estado de Urartu, de perda do acesso a algumas de suas fontes de cavalos e diminuição do comércio, além de longas guerras civis e conflitos internos.
Em 745 o governador de Kalhu (Nimrud), eliminou a família real e se colocou no trono com o título de Tiglath-Pileser III. Ele era um excelente administrador e organizador e conseguiu unificar os assírios e implementar uma série de reformas.
Os assírios tinham vários problemas. Nesse ponto de sua história já era óbvio que a única forma de manter um estado avançado era através do militarismo; tendo em vista o fato de invasões de povos nômades, e ataques de cidades da região serem constantes.
No entanto, a estrutura organizacional dos assírios era falha. Conforme o império havia crescido nas décadas anteriores, a repressão a rebeliões (que eram constantes) havia ficado cada vez mais difícil e onerosa. Além do fato de que a instabilidade política levava a insegurança econômica.
As reformas que Tiglath-Pileser aplicou para resolver esses problemas foram as seguintes:
Um novo sistema de províncias. Criado para aumentar o controle assírio, ele transformou alguns estados vassalos em províncias e, depois de sete anos, já havia aumentado para mais de 80 o número de províncias. O objetivo era tornar as unidades administrativas mais eficientes. Qualquer sinal de revolta nos estados vassalos e o rei se movia para transformá-lo em uma nova província. Nelas ele colocou eunucos como governadores, esses eram homens que não possuiam famílias e não deixariam herdeiros, tornando a possibilidade de revolta menor, já que estavam jurados ao rei.
O rei também reintroduziu a política de deportações. Em 744, 65 mil foram deportados após uma guerra no Irã, e em 741, houve 30 mil deportações na Síria.
O rei também criou um grupo de encarregados responsável por inspecionar as províncias e retornar com relatórios diretamente a ele, sobre a lealdade e performance dos governadores. Também foi estabelecido um eficiente sistema de comunicação, que foi posteriormente copiado pelo Império Persa no século 6, como conta Healy:
A criação de um sistema de comunicação de cavaleiros que cruzava o império permitia a rápida disseminação de relatórios das províncias, que continham além de outros temas, inteligência dos seu serviço de espiões que foi montado pelo rei para monitorar os estados além das fronteiras assírias. (HEALY, 1999, p. 17, tradução nossa)
Assim como muitos exércitos do antigo oriente médio, os assírios eram convocados para a guerra somente no verão. Havia uma noção de "período de campanhas militares" já que a maior parte do exército era formado por camponentes, os chamados "levies". Uma força convocada entre a população em períodos de necessidade.
Isso se devia ao fato da economia assíria, assim como a maior parte das economias pré-industriais, ser baseada na agricultura. Os camponeses eram necessários para o plantio e a colheita, o que os tornava indisponíveis a maior parte do ano.
Tendo isso em mente Ashurbanipal havia definido fronteiras bem claras para o império, limitando as distâncias das campanhas, permitindo que elas pudessem ser acomodadas dentro do período agrícola, sem grandes prejuízos para a produção. Mas conforme o império aumentou, uma inevitabilidade diante da política militarista da época, o cenário se complicou. Healy descreve a situação do exército assírio em meados do século 8:
(...) desgaste através da doença, a necessidade de guarnecer fortalezas e casualidades em batalhas inevitavelmente tiveram um impacto. A disponibilidade finita de mão-de-obra assíria nativa e as restrições em seu emprego faziam com que as bases organizacionais do exército não pudessem mais lidar, na época de Tiglath-Pileser, com as exigências impostas a ela. (HEALY, 1999, p.8, tradução nossa)
A grande mudança levada a cabo por Tiglath-Pileser foi a conversão de um exército sazonal de nativos, para um exército permanente, que ficaria disponível por todo o império a qualquer momento do ano. Os grandes números do exército seriam fornecidos por contingentes organizados pelas províncias e auxiliados, quando necessário, por tropas fornecidas por estados vassalos, cujo serviço era definido como parte do tributo ao rei.
Desnecessário dizer que essa nova organização trouxe benefícios a curto prazo, aumentando o poder assírio e facilitando o controle da região. A longo prazo, entretanto, ela se tornou extremamente custosa, sendo, provavelmente, uma das causas da decadência assíria na segunda metade do século 7.
No próximo artigo iremos nos debruçar sobre as divisões e a organização desse novo exército.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.
Esta espada curva tem a inscrição cuneiforme "Palácio de Adad-nirari, rei do universo, filho de Arik-den-ili, rei da Assíria, filho de Enlil-nirari, rei da Assíria", indicando que era propriedade do rei assírio Adad-nirari I (r. 1307-1275 a.C). A inscrição aparece em três lugares da espada: em ambos os lados da lâmina e ao longo de sua borda (não cortante). Também nos dois lados da lâmina há uma gravura de um antílope reclinado em algum tipo de plataforma.
Espadas curvas aparecem freqüentemente na arte mesopotâmica como símbolos de autoridade, muitas vezes nas mãos de deuses e reis. É, portanto, provável que esta espada tenha sido usada por Adad-nirari, não necessariamente em batalha, mas em cerimônias como um emblema de seu poder real.
54,3 cm de largura. MET. N° 11.166.1
Relevo de parede em gesso: o rei, Tiglath-Pileser III, usa uma longa barba cheia, um bigode e cabelos cuidadosamente enrolados. Sua coroa alta é decorada com três faixas que são ornamentadas com rosetas. As extremidades ornamentadas da faixa mais baixa pendiam de suas costas. Sua vestimenta tem uma borda com franjas decorada com rosetas alternadas com quadrados concêntricos. Seu brinco é de um tipo comum; em seu pulso ele usa uma pulseira quadrada com uma roseta de muitas pétalas no meio. Em sua mão direita erguida, ele segura um bastão; sua mão esquerda não está mais preservada. O painel contém uma inscrição na parte inferior.
Data: 728 a.C. Tamanho: 108,5 x 107 cm. Museu Britânico. N° 118900
Composição representando uma campanha no oeste, na cidade de Astartu, que é retratada como uma cidade fortaleza típica do Oriente Médio, construída em cima de um monte que provavelmente cobriu os restos de assentamentos muito mais antigos.
Na parte de baixo o rei Tiglate-Pileser III aparece em uma carruagem sob seu guarda-sol de estado, que é segurado por um eunuco. Ele usa o chapéu real, um pouco mais alto que o do século 9, e um manto de franjas. Sua mão direita está levantada, enquanto a esquerda segura uma flor.
Sua carruagem é maior que aquelas usadas no século 9, com uma aljava na frente, e as rodas têm oito raios em vez de seis. Os padrões no pano pendurado entre a frente da carruagem e o jugo incluem um disco alado, um símbolo solar de grande importância em todo o antigo Oriente Próximo. O cocheiro segura três rédeas, mas na verdade dois cavalos são mostrados puxando a carruagem, alegremente amarrados e conduzidos por um par de criados usando aljavas. Esta laje também possui uma inscrição em cuneiforme.
Data: 730-727 a.C. Tamanho: 188 x 195 cm. Museu Britânico. Nº 118908