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Citações do livro Primeira Guerra Mundial, de Michael Howard

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Capa do artigo: Citações do livro Primeira Guerra Mundial, de Michael Howard

Soldados aliados em trincheiras durante a batalha do Somme, 1916. Via Wikimedia Commons

A Primeira Guerra Mundial é um livro escrito pelo escritor inglês Michael Howard sobre o primeiro grande conflito do século 20, a guerra mundial que ocorreu entre 1914-1918. Veja mais informações sobre o livro aqui. Abaixo você confere alguns citações interessantes da obra:

Como citar esse livro:
HOWARD, Michael. Primeira Guerra Mundial. Porto Alegre: L&PM, 2010.

 

Vitória ainda era possível em conflitos modernos, mas a guerra tinha que ser curta

Num trabalho pioneiro de análise operacional — La guerre future, publicado em 1899 —, o escritor polonês Ivan Bloch calculou que em guerras travadas com essas armas a ofensiva seria impossível no futuro. As batalhas degenerariam rapidamente em impasses sangrentos. O custo de manter exércitos tão imensos no campo de batalha seria proibitivo. As economias dos poderes beligerantes ficariam sobrecarregadas, e as penúrias consequentes impostas à população civil provocariam em toda parte as revoluções que as classes dominantes em toda a Europa estavam começando a temer. A obra previa com tanta precisão o curso e o resultado da Primeira Guerra Mundial que os historiadores subsequentes têm se perguntado por que não se lhe deu mais atenção a época. Mas, alguns anos depois da sua publicação, duas guerras mostraram que, embora as novas armas certamente infligissem perdas terríveis, as batalhas decisivas ainda podiam ser travadas e vencidas. (...) À lição aprendida pelos exércitos europeus foi que a vitória ainda era possível para exércitos equipados com armas modernas e com soldados que não tinham medo de morrer. Mas outra lição dizia que a vitória tinha de ser rápida. Uma campanha com pouco mais de um ano de duração acabara em revolução na Rússia e levara o Japão à beira de um colapso econômico. A previsão de Bloch de que nenhuma nação conseguiria sustentar por muito tempo uma guerra travada, nas palavras do chefe do Estado-Maior alemão Alfred von Schlieffen, por “exércitos de milhões de homens ao custo de bilhões de marcos” foi levada a sério. Todas as potências da Europa se prepararam para travar uma guerra curta, porque não podiam, em termos realistas, considerar um combate longo; e a única maneira de manter a guerra curta era tomar a ofensiva. (p.37-38)

A falta de lógica do conflito

Clausewitz escreveu certa vez que os planos militares talvez tivessem sua própria gramática, mas não tinham nenhuma lógica inerente. Não havia certamente lógica na decisão do Estado-Maior alemão de, para apoiar os austriacos num conflito com a Rússia por causa da Sérvia, atacar a França, que não tinha parte na briga, e realizar esse ataque invadindo a Bélgica, cujo status neutro tinha sido garantido por um tratado de 1831 que tanto a Alemanha como a Grã-Bretanha haviam assinado. (p.44)

O entusiasmo popular pelo início da guerra

A deflagração da guerra foi saudada com entusiasmo nas principais cidades de todas as potências beligerantes, mas essa excitação urbana era típica da opinião pública em geral. O ânimo na França em particular não era de resignação estoica — um estado de espírito que caracterizava provavelmente todos os trabalhadores do campo que eram recrutados e tinham de abandonar a sua terra e deixar que fosse cultivada pelas mulheres e crianças. Mas por toda parte os povos apoiavam os seus governos. Esta não era uma “guerra limitada” entre principados. A guerra era agora uma questão nacional. Durante um século, a autoconsciência nacional fora inculcada por programas educacionais estatais que visavam a formar cidadãos leais e obedientes. Na verdade, à medida que as sociedades se tornavam cada vez mais seculares, o conceito de nação, com toda a sua panóplia e herança militar, adquiria uma significação quase religiosa. A conscrição ajudava esse processo de doutrinamento, mas não era essencial para que ocorresse: a opinião pública na Grã-Bretanha, onde a conscrição só foi introduzida em 1916, era tão intensamente nacionalista quanto em qualquer outra parte no continente. Para os pensadores saturados de teoria darwiniana, a guerra era vista como um teste de “virilidade” que a vida urbana suave já não proporcionava. Acreditava-se que essa “virilidade” era essencial, se as nações quisessem estar “aptas para sobreviver” num mundo onde o progresso era, ou assim acreditavam, o resultado antes da competição que da cooperação entre as nações assim como entre as espécies. O pacifismo liberal continuava influente nas democracias ocidentais, mas era também visto por muitos, especialmente na Alemanha, como um sintoma de decadência moral. (p.47)

As razões oficiais dos governos para a guerra

E deve-se lembrar que todos os governos podiam pleitear razões plausíveis. Os austríacos estavam lutando para preservar o seu império multinacional histórico contra a desintegração provocada pela sua antiga adversária Rússia. Os russos estavam lutando para proteger seus amigos e parentes eslavos, para defender a sua honra nacional e para cumprir suas obrigações com a aliada França. Os franceses estavam lutando para se defender de uma agressão totalmente gratuita de seu inimigo tradicional. Os britânicos estavam lutando para preservar a lei das nações e prevenir a maior ameaça vinda do continente que já tinham enfrentado desde Napoleão. Os alemães estavam lutando em nome do único aliado que lhes restava, e também para repelir uma ameaça eslava do leste que se unira a seus invejosos rivais no oeste para asfixiar a sua legítima emergência como potência mundial. Esses eram os argumentos que os governos apresentavam a seus povos. (p.48)

A política egoísta da Itália

Em agosto de 1914, os exércitos da Europa mobilizaram cerca de seis milhões de homens e lançaram-nos contra seus vizinhos. (...) Apenas os italianos, cujas obrigações sob a Tríplice Aliança envolviam somente uma guerra defensiva e excluíam hostilidade à Grã-Bretanha, esperavam prudentemente os acontecimentos. Se os “Aliados” (como a aliança franco-russo-britânica se tornou conhecida) vencessem, a Itália poderia ganhar as terras que reivindicava da Áustria; se as “Potências Centrais” (os austro-germanos) fossem as vencedoras, ela poderia ganhar não só as contestadas terras fronteiriças com a França, Nice e Saboia, mas as possessões francesas na África do Norte para acrescentar ao império mediterrâneo que já começara a adquirir às expensas dos turcos. A política da Itália era guiada, como o seu primeiro-ministro declarou com uma franqueza cativante, pelo sacro egoísmo. (p.49)

1915, o otimismo alemão e o Programa de Setembro (condições de paz que pretendia impor os inimigos)

O seu governo já tinha rabiscado, no chamado Programa de Setembro, as condições de paz que pretendia impor a seus inimigos derrotados. No oeste, a Bélgica se tornaria um protetorado alemão. A França seria obrigada a ceder ainda mais terras nas suas fronteiras do leste e a desmilitarizar os seus territórios do norte até o ponto mais ao sul, que seria a foz do rio Somme. No leste, as fronteiras alemãs seriam empurradas Polônia adentro e estendidas ao norte ao longo do litoral báltico. Seriam exigidas indenizações pesadas dos Aliados derrotados, proporcionais às perdas de “sangue e tesouro” da Alemanha. (p.57)

A demonização da Alemanha na Inglaterra

(...) especialmente para a Grã-Bretanha e para a Alemanha, a guerra já não era apenas uma luta tradicional pelo poder, mas cada vez mais um conflito de ideologias. Se os conservadores na Grã-Bretanha  viam como uma defesa do Império Britânico contra o desafio de uma grande potência rival, os liberais a consideravam uma luta pela democracia e pelo domínio da lei contra o tacão do militarismo prussiano, cuja forma de tratar a Bélgica propiciava um sabor antecipado do que aguardava a Europa nas mãos de uma vitoriosa Alemanha. A demonização da Alemanha seria intensificada, é claro, pela propaganda oficial, mas esta não fazia mais que explorar emoções que já estavam sendo ventiladas e intensificadas pela imprensa. O grau de histeria popular era tamanho que mesmo as famílias mais ilustres de nomes alemães acharam conveniente mudar seus nomes: os Battenberg se tornaram Mountbatten, a própria família real (geralmente conhecida como a Casa de Hanover, porém mais precisamente como Saxe-Coburg-Gotha) tornou-se a Casa de Windsor. Na extremidade inferior da escala animal, a raça popular dos pastores alemães foi renomeada como “alsacianos”, e os dachshunds desapareceram das ruas. A música de Wagner foi efetivamente banida. (p. 58-59)

Por que a guerra durava tanto tempo?

No final de 1915, a guerra que todos tinham esperado estar terminada em seis meses já durava quase um ano e meio, e ninguém mais aguardava uma conclusão rápida. O que tornara possível que durasse tanto tempo? Há uma resposta simples: o apoio continuado de todos os povos beligerantes, que não só suportavam as imensas perdas militares, mas aceitavam sem reclamar os controles e adversidades crescentes exigidos pela condução da guerra. Por toda parte os governos assumiam poderes sobre as vidas de seus cidadãos num grau que era não só inédito como tinha sido antes inimaginável. Onde os governos não tomavam o controle, as organizações voluntárias o faziam. O colapso financeiro esperado na deflagração da guerra não ocorreu. Os prêmios dos seguros eram fixados, os empréstimos do governo cobertos por subscrição, as cédulas substituíam o ouro, a escassez de mão de obra produzia salários elevados e os contratos do governo criavam uma prosperidade inédita para alguns setores das classes empresariais. Os produtores agrários sofriam muito com a escassez de mão de obra, mas a demanda de seus produtos era maior que nunca. Na verdade, depois de um ano de guerra, muitos setores da população em todos os países beligerantes estavam mais ricos do que jamais tinham sido. (p.77)

As discussões na Alemanha sobre o uso ou não da tática submarina e suas consequências

O Estado-Maior naval alemão criou um grupo de estudo composto de especialistas para considerar essa questão, e eles apresentaram alguns resultados notáveis. Concluíram que os britânicos só dispunham de cerca de oito milhões de toneladas de navios mercantes para todos os fins. Se a taxa de afundamentos pudesse ser aumentada para seiscentas mil toneladas por mês e os navios mercantes neutros fossem afastados por intimidação, em seis meses a Grã-Bretanha ficaria sem produtos alimentícios essenciais como grãos e carne; a sua produção de carvão seria atingida pela falta de madeira escandinava para as escoras de minas, o que reduziria a sua produção de ferro e aço, e isso por sua vez reduziria a sua capacidade de substituir os navios mercantes perdidos. A rendição britânica dentro de seis meses era assim estatisticamente certa, entrassem os Estados Unidos na guerra ou não. Mesmo para muitos na Alemanha que não tinham conhecimento desses cálculos, a argumentação por uma guerra submarina irrestrita parecia então indiscutível, e travou-se um debate público sobre a questão durante a última metade de 1916. De um lado, estavam a Marinha, o Alto-Comando e as forças políticas de direita. No outro, estavam o Ministério das Relações Exteriores, o chanceler Von Bethmann Hollweg e os social-democratas no Reichstag. Bethmann Hollweg não confiava nas estatísticas. Ele estava convencido de que a guerra submarina irrestrita traria os Estados Unidos para a guerra e que isso levaria à derrota da Alemanha. Mas ele não via nenhuma outra alternativa a não ser fazer a paz; e as únicas condições de paz que o Alto-Comando estava disposto a considerar eram aquelas que os Aliados certamente não aceitariam. (p.97)

O sucesso inicial da ofensiva submarina alemã e a introdução do sistema de comboios

A principio parecia certo que a guerra submarina irrestrita atingiria todos os resultados que a marinha alemã prometera. O seu objetivo tinha sido afundar seiscentas mil toneladas de navios mercantes por mês, dobrando a taxa anterior. Atingiram-no em março. Em abril, afundaram mais 869 mil toneladas. Foi o pico alcançado. Os afundamentos pairaram em torno da marca de seiscentas mil toneladas todo o verão, diminuiram para quinhentas mil toneladas em agosto, e no final do ano tinham caído para trezentas mil toneladas. Por quê?
A razão mais óbvia foi a introdução do sistema de comboios, que o Almirantado havia declarado impraticável uma vez que, entre outras razões, acreditava não ter a quantidade suficiente de destróieres para escoltar o número de navios mercantes envolvidos. Como incluía todos os navios mercantes costeiros, o cálculo mostrou estar muito errado, e quando, por insistência de Lloyd George, o sistema de comboios foi introduzido no início de abril, o seu sucesso foi imediato. Assim que começaram a fazer com que seu peso fosse sentido, os americanos não só conseguiram reforçar a proteção dos comboios como construíram naus mercantes mais rápidas do que os submarinos que poderiam afundá-las. Os alemães também haviam calculado erroneamente o espaço de carga disponível para os Aliados, o grau da dependência britânica dos grãos importados e, acima de tudo, a capacidade britânica de tomar contramedidas na forma de controle do comércio e distribuição das mercadorias por meio do racionamento. O governo britânico operou na verdade uma economia de sítio de forma tão eficaz que, no final de 1917, as suas reservas de grãos tinham realmente dobrado. (p.106)

A visão alemã da guerra e do Tratado de Versalhes

As plenas implicações dessas exigências seriam brilhantemente denunciadas por Maynard Keynes no seu discurso As consequências econômicas da paz. Elas seriam finalmente contornadas, mas não antes que os alemães pudessem culpá-las por todos os desastres econômicos que haveriam de arrasá-los. Porém, ainda mais inaceitável era a justificativa dada para impor reparações - a alegada responsabilidade alemã por causar a guerra em primeiro lugar. Os alemães ainda acreditavam, quase sem exceção, que a guerra lhes fora imposta pelos seus inimigos e que todos os seus sacrifícios nos últimos cinco anos tinham sido por uma causa nobre. Além disso, muitos sentiam que não haviam sido derrotados. Só haviam sido privados, argumentava-se, da vitória que lhes era devida, porque foram ludibriados pelos Aliados sobre as condições do armistício e “apunhalados pelas costas” pelos Reichsfeinde, os socialistas e os judeus, que haviam explorado as dificuldades do momento a fim de tomar o poder. Mesmo para aqueles que não aceitavam esse mito de um Dolchstoss (punhalada nas costas), a legitimidade contínua de qualquer governo alemão dependia da sua capacidade de modificar as servidões impostas pelo tratado, se não revogá-las de todo. O sucesso de Adolf Hitler nessa empreitada lhe granjearia um amplo apoio. (p.138)

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Escrito por Moacir Führ

Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
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