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Aula de professor na Universidade Medieval de Genebra. Cerca de 1525. Autor desconhecido.
Granger Historical Picture Archive.
Quando estudávamos na escola o Renascimento do século XV, ficávamos com a idéia de que a Idade Média ou - como era muitas vezes chamada pelos professores – Idade das Trevas, havia sido um período de completa estagnação cultural. Mil anos em que a Europa ficou isolada dos outros continentes e coberta por um manto de ortodoxia religiosa que impedia qualquer possibilidade de progresso cultural e intelectual. Mil anos durante os quais os servos explorados por seus senhores não tinham nenhuma possibilidade de elevação social.
Talvez devêssemos rever essa idéia. Muito do nosso senso comum sobre o período medieval é parte de uma visão preconceituosa e distorcida criada pelos iluministas franceses no século XVIII. Foram eles que definiram a antiguidade Greco-romana como um período de glórias e avanços, e a Idade média como um período de escuridão e retrocesso. Retrocesso que só teria acabado com o ressurgimento da cultura clássica no século XV, por isso o nome de Renascimento. Daí também vem a idéia de que esses mil anos foram apenas um período do meio, um período em que a civilização européia teria ficado num casulo aguardando o ressurgimento da cultura. Por isso o nome Idade Média.
Devemos nos lembrar, no entanto, que o período romano realmente viu um grande crescimento econômico e cultural, mas tudo isso começou a ir por água abaixo já no ano 180, quando a dinastia dos Antoninos teve fim e o império foi mergulhado novamente em guerras civis e começou a sofrer cada vez mais com as invasões de suas fronteiras. Tudo isso em uma época em que não tinha mais o mesmo exército e a mesma economia de outros tempos.
A queda da parte ocidental do império em 476 não deve então ser vista como um evento catastrófico, repentino e inesperado, mas sim como o fim de uma longa e angustiante queda e, de certa forma, um acontecimento previsível se observarmos sobre quais estruturas políticas e econômicas o império se sustentava. Segundo o historiador norte-americano Will Durant, a queda de Roma “não foi um súbito acontecimento, mas sim um processo que durou 300 anos” e completa afirmando “algumas nações não duraram tanto quanto levou Roma para cair.” (DURANT, 1971, p. 520)
Esse pensamento pode facilitar nosso entendimento sobre a Idade média. Os povos ditos “bárbaros” não destruíram uma grande civilização e colocaram um reino das trevas em seu lugar. Eles apenas tomaram os territórios de um império decadente que já não conseguia se sustentar sobre suas próprias pernas, e a partir daí começaram a erguer uma nova civilização, que em muitos sentidos ainda se utilizava das contribuições dos grandes gênios da antiguidade.
Nesse pequeno trabalho tentaremos esmiuçar uma das facetas culturais do medievo: a educação. Detalhando como funcionavam as escolas, como foi o processo de surgimento das universidades e como eram os livros utilizados pelos estudantes da época.
Segundo Pernoud: “A criança na Idade Média, como em todas as épocas, vai a escola. É, em geral, a escola de sua paróquia ou do mosteiro mais próximo.” (1981, p.99) Realmente as escolas episcopais e monásticas eram as mais comuns durante o final da alta idade média. É de se supor que durante os três primeiros séculos do medievo a educação tenha sido basicamente feita dentro do seio da família, de acordo com as necessidades de cada classe social, tendo em vista esse que foi um período muito conturbado politicamente. Acima de tudo, foi um período em que tanto a igreja quanto os novos reinos tentavam se organizar dentro da nova ordem que havia surgido.
Uma pessoa que estimulou muito a educação foi o imperador franco Carlos Magno, que através de sua escola palatina e, com o apoio do monge inglês Alcuíno, instituiu um verdadeiro sistema de ensino no reino dos Francos. Carlos chegou inclusive a instituir capitulares ordenando que os bispos criassem e organizassem escolas. Os responsáveis pelas aulas eram os clérigos, padres e bispos, que atuando como professores, lecionavam para as mais variadas classes sociais, e não somente aos nobres.
O ensino era baseado em um currículo que desde a antiguidade vinha sofrendo poucas mudanças. O estudo das chamadas Artes Liberais. Sobre esse tema, Giordani anota:
Essa denominação está evidentemente relacionada com a divisão fundamental da sociedade antiga entre homens livres e escravos. A estes pertencia, via de regra, o trabalho manual. Àqueles cabia o desenvolvimento das atividades intelectuais. As disciplinas integrantes das artes liberais eram consideradas dignas de serem postas a serviço somente dos livres. (GIORDANI, 1976 p.173)
As Artes Liberais eram divididas em dois grupos: O Trivium e o Quadrivium.
Além disso, o aluno também estudava as Sagradas Escrituras.
O método de ensino era conhecido como lectio: o professor fazia a leitura do texto em voz alta, fazendo pausas quando necessário para comentar os pontos mais importantes. Enquanto isso o aluno tomava notas.
Segundo Giordani as universidades européias surgiram de três diferentes formas: espontâneas, criadas e por migração.
Entre o século 13 e 15, mais de cinquenta universidades foram fundadas na Europa e seu surgimento está intimamente ligado as transformações que a sociedade da época estava sofrendo com o desenvolvimento das cidades e da economia. Por outro lado a política também se tornava mais complexa e os estudos do direito romano e do direito canônico contribuíram para o progresso do ensino, alias muitas universidades se desenvolveram e se tornaram centros de estudos jurídicos.
Cada universidade costumava ter sua especialidade, medicina, direito ou artes, mas todas só poderiam se considerar verdadeiras universidades se oferecessem mais de três cursos e recebessem do Papa ou do Imperador uma licença especial. Essa licença tornava o grau universitário válido em toda a cristandade, ou seja, em toda a Europa ocidental cristã. Isso abria um amplo leque de opções para os novos diplomados que poderiam trabalhar em qualquer reino onde houvesse trabalho disponível. Nesse sentido os graus eram realmente “universais”. E a vida na própria universidade também o era.
A existência do latim, um idioma e uma escrita utilizada por todos os intelectuais cristãos, facilitava em muitos os estudos e a distribuição do conhecimento. Um novo livro de filosofia escrito por um intelectual na Itália, rapidamente chegava as mãos de um estudante na Inglaterra, sem necessidade de tradução, pois estava em latim, uma língua comum aos dois. Grandes nomes da época poderiam fazer palestras por várias universidades sem se preocupar com o idioma, o latim era compreendido por todos que viviam no meio universitário.
Mas quem eram os estudantes medievais, Will Durant nos diz o seguinte:
O estudante medieval podia ser de qualquer idade. Podia ser cura, prior, abade, mercador e também casado. Podia ser jovem de 13 anos, às voltas com a súbita dignidade que lhe trazia a idade. Ia a Bolonha, Orléans ou Montpellier para tornar-se médico ou advogado e as outras universidades a fim de preparar-se para serviços governamentais, em geral para fazer carreira em uma igreja. Não havia exame de admissão; as únicas exigências eram o conhecimento do latim e a capacidade de pagar uma modesta taxa a cada professor do curso que seguisse. Se era pobre podia ser auxiliado com uma bolsa ou pela sua aldeia, amigos, igreja ou bispo. Havia milhares nessa situação. (...) Um estudante que viajasse de uma universidade para outra recebia geralmente transporte grátis bem como alimento e hospedagem gratuitos nos mosteiros que ficavam no caminho. (DURANT, 2004, p.827)
E quanto aos professores? Normalmente os professores eram alunos que, já tendo concluído o bacharelado, ganhavam o grau de magisterium. Para isso o estudante trabalharia dois anos para um professor. Os professores eram pagos pelos próprios alunos ou - no caso da universidade ser ligada ao papado - pela igreja.
Havia quatro cursos disponíveis nas universidades medievais:
O curso de Artes era o mais procurado pelos estudantes. Ele era considerado uma porta de entrada para o mundo universitário. Vários alunos entravam com doze ou treze anos de idade, muitas vezes sem nunca ter cursado a escola. Nesse curso, as matérias ensinadas eram as mesmas do trivium e quadrivium, só que o currículo era mais complexo, abrangendo mais estudos filosóficos e sobre ciências naturais.
Escrito originalmente em 20 de novembro de 2009
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.