Busque no site
Ver mais opções

Textos   >    Mesopotâmia

O Código de Hamurabi - O muskenum e os escravos

6,9 mil visualizações    |    1225 palavras   |   0 comentário(s)

Capa do artigo: O Código de Hamurabi - O muskenum e os escravos

O Mercado Matrimonial Babilônico, pintura de Edwin Long produzida em 1875. Uma imagem com uma cena idealizada, típica do romantismo do século 19.
Atualmente exibida na galeria do Royal Holloway College. Via Wikimedia Commons.

O muskenum

Em todas as ocasiões que os muskenum são citados no código de Hamurabi, fica claro que crimes cometidos contra essa classe sempre recebiam uma punição menor do que quando eram cometidos contra um awilum mas, em comparação com os crimes contra escravos, a lei é mais repressora.

Por outro lado, devido a sua condição social inferior, eles pareciam ter tido uma proteção na lei: nos artigos que regulamentam os preços de honorários de algumas profissões (215-225), os muskenum pagavam menos em comparação com os awilum.

Mas a lei também previa que um muskenum podiam ter escravos (artigo 175), e que um escravo do palácio ou pertencente a um muskenum podia se casar com uma filha de awilum. Logo, é coerente supor que os muskedum também tinham essa prerrogativa. Embora ambos mantivessem seu próprio status, e a mulher continuasse a ser considerada "filha de um awilum" e sua prole "filhos da filha de um awilum".

Uma teoria sobre os muskenum

Algo que me veio a mente enquanto analisava as leis, é o fato de que todos as regulações relativas a propriedades de terras, pomares, casas e aluguel de animais e barcos diziam respeito ao awilum. Parece que a condição de muskenum poderia ter alguma vinculação com a não-posse da terra. Não seria absurdo supor que o muskenum fosse uma espécie de classe sem terra da Mesopotâmia.

Fiz uma pesquisa na internet e realmente encontrei um artigo que trata exatamente dessa teoria: "Uma nota sobre o Muskenum como um Homesteader". Homesteader é uma expressão em inglês que define alguém que vai viver e plantar em uma terra dada pelo governo, um título usado especialmente no passado.

Para o autor Giorgio Buccellati, a diferença entre o awilum e o muskenum era o fato de que o muskenum trabalhava nas terras do governo (que eram inalienáveis) e não possuia capital próprio, produzindo apenas para sua subsistência. Enquanto o awilum seria uma espécie de dono de terras especulativo, um indivíduo que detinha a posse de numerosas propriedades em adição a sua própria terra de subsistência.

Emanuel Bouzon não foge muito dessa ideia ao fazer algumas conjuncturas: A menção do muskenum junto com o palácio (no artigo 175) parece supor uma estreita ligação e até dependência do muskenum em relação ao palácio. (BOUZON, p.168)

Beccellati defende a ideia de que Awilum e muskenum não eram termos opostos. Segundo ele poderiamos dizer que "todo awilum era um muskenum, mas nem todo muskenum era um awilum". Ele também apresenta o nasi-biltim, que é citado sem detalhes no Código de Hamurabi, como um intermediário entre o awilum e o muskenum.

Segundo o autor:

"A identificação como awilum, nasi-biltim ou muskenum pode presumivelmente não ter sido um dimensão aparente em termos de vida cotidiana: não baseada em características físicas (como idade ou sexo), nem em habilidades (como uma profissão), nem um hierarquia precisa (como classes burocráticas), nem em solidariedade grupal (como grupos étnicos), a distinção teria surgido principalmente em situações legais e contratuais. Você poderia ou não ser capaz de distinguir um muskenum de um nasi-biltim simplesmente por um encontro na rua a não ser, é claro, que você fosse um cobrador de impostos. (BUCCELLATI, 1991, p.10)

Segundo essa teoria, o muskenum que conseguisse adquirir terras próprias se tornava um awilum. E caso perdesse as suas terras e ficasse novamente dependente do cultivo em terras do palácio, ele voltaria ao status de muskenum. Mas isso são, é claro, teorias. Não temos fontes suficientes para fazer afirmações detalhadas sobre o status do awilum, do muskenum e do nasi-biltim.

Os artigos do código de Hamurabi que tratam do muskenum são os seguintes:  140, 175, 198, 201, 204, 208, 211, 216, 219 e 222.

Escravos

Os escravos, como já dissemos, poderiam ser adquiridos através de campanhas militares (com a submissão dos vencidos) ou através das dívidas. O artigo 54 do código de Hamurabi prevê a possibilidade de escravidão para aquele awilum que não conseguir pagar sua dívida. Mas o artigo 117 fornece um alívio para essa condição:

117 - Se uma dívida pesa sobre um awilum e ele vendeu sua esposa, seu filho ou sua filha ou (os) entregou em serviço pela dívida, durante três anos trabalharão na casa de seu comprador ou aquele que os tem em sujeição, no quarto ano será concedida a sua libertação. (BOUZON, p.131)

Como fica bem claro, o awilum que tivesse uma dívida, e não conseguisse pagar com seus bens móveis, poderia vender membros da sua família ou até a si mesmo para quitá-la.

Além do artigo 117, os escravos na Babilônia não possuíam nenhum tipo de direito de acordo com a lei. Mas há diversos artigos do código que tratam de punições caso algum awilum "danifique" ou mate o escravo de outro awilum, e casos em que um awilum ajuda um escravo a fugir ou dê abrigo a um escravo fugido.

Matar o escravo de outro awilum, seja por negligencia ou por opção, tinha como punição o pagamento de uma multa de 166g de prata, revertida para o dono do escravo. Isso era previsto nos artigos 116, 214 e 252.

Quebrar ossos e furar o olho de um escravo eram punidos com uma multa igual a metade do valor do escravo (artigo 199). Esse escravo poderia ser "consertado" por um médico pago pelo respectivo dono, mas se o médico causasse a morte do escravo na cirurgia, ele seria obrigado a pagar o valor de um escravo novo a título de indenização (artigo 219).

Ajudar um escravo a fugir, dar abrigo ou capturar e tomar posse de um escravo fugido eram crimes punidos com a morte (artigos 15 ao 20).

O Mercado Matrimonial Babilônico, pintura de Edwin Long produzida em 1875. Uma imagem com uma cena idealizada, típica do romantismo do século 19. Atualmente exibida na galeria do Royal Holloway College. Via Wikimedia Commons.

O código também prevê outras situações interessantes. Uma esposa de um awilum que não conseguisse ter filhos, poderia comprar uma escrava, para que ela gerasse filhos ao seu marido. Os filhos nascidos dessa união, se legitimados pelo pai, teriam o mesmo status de um filho gerado com a esposa (artigo 170).

No entanto, o artigo 213 prevê a seguinte situação: Um awilum bate em uma escrava de outro awilum e faz ela abortar seu filho. A multa prevista é de 16g de prata. A mesma situação com o aborto da esposa do awilum renderia uma multa de 80g de prata (artigo 209).

No tempo de Hamurabi um escravo homem poderia custar entre 128 e 240 gramas de prata. A título de comparação: os preços de um boi giravam entre 16 a 250g (dependendo da qualidade do animal, obviamente) e um jumento entre 40 e 160g. Logo é coerente afirmar,  que era possível comprar um ser humano por um preço menor do que alguns bois e jumentos da época.

Os cálculos foram feitos por Paul Garelli e Walter Schwenzner e são citados por Emanuel Bouzon nas notas de rodapé da sua versão comentada, páginas 187 e 191.

As leis que tratam dos escravos no Código de Hamurabi são as seguintes: 15 a 20, 54, 116 a 119, 146, 147, 170, 171a, 175, 176a, 199, 205, 213, 214, 217, 219, 223, 226, 227, 231, 252, 278 a 282.

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Escrito por Moacir Führ

Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
Mais textos sobre Mesopotâmia
Comentários sobre o texto

Cadastre-se ou faça login para comentar

Cadastre-se

Ainda não há comentários nessa página.
Seja o primeiro a comentar.

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.