6,2 mil visualizações | 1714 palavras | 0 comentário(s)
Relevo pintado representando casal egípcio. Tumba de Kahai, de sua esposa Meret-yetes e de seu filho Nefer, em Saqqara. 5° Dinastia. Cerca de 2465-2323 a.C.
Não havia cerimônia de casamento no antigo Egito. Uma mulher se casava com um homem assim que entrava em sua casa com os bens combinados. Os casamentos eram geralmente arranjados pelos pais com um preço combinado pela noiva e presentes recíprocos da família do noivo para o da noiva. Os acordos pré-nupciais eram comuns e quaisquer bens materiais que a noiva trouxesse para o casamento permaneceriam de possa dela para fazer com eles o que quisesse.
O objetivo do casamento era ter filhos, mas esperava-se que os casais se amassem e honrassem uns aos outros. A egiptóloga Barbara Watterson comenta sobre isso:
Tomar uma esposa parece ter sido sinônimo de montar uma casa. Esperava-se que um homem amasse sua esposa, como a seguinte exortação do sábio, Ptah-hotep, deixa claro: "Ame sua esposa, alimente-a, vista-a e faça-a feliz ... mas não deixe ela controlá-lo! " Outra sábia, Ani, proferiu uma receita para uma vida feliz: "Não mande em sua esposa na sua própria casa quando você sabe que ela é eficiente. Não fique dizendo a ela:" Onde está? Traga para mim! " especialmente quando você sabe que está no lugar onde deveria estar! " (WATTERSON, 1997, p.15, tradução nossa).
O noivo e o pai da noiva redigiam um acordo de casamento que seria assinado perante testemunhas e depois disso o casal era considerado casado. Os filhos do casamento pertenciam à mãe e, no caso de divórcio, iam com ela. Embora os avisos da mulher infiel fossem abundantes, as mulheres recebiam enorme liberdade no casamento. Don Nardo escreve:
Na maioria das sociedades antigas, as mulheres eram pouco mais do que propriedade aos olhos da maioria dos homens e a ênfase nessas sociedades era quase sempre em como as mulheres podiam ou deveriam fazer os homens felizes. Realmente, como outras terras antigas, o Egito era predominantemente dominado por homens e, em grande parte, esperava-se que as mulheres cumprissem as ordens de seus maridos. Ainda assim, muitos casais egípcios parecem ter tido relacionamentos positivos e amorosos (NARDO, 2004, p.23, tradução nossa).
Pinturas de tumbas e outras artes e inscrições mostram maridos e mulheres comendo, dançando e trabalhando juntos. Nas famílias reais, um irmão poderia se casar com uma irmã ou meia-irmã, mas isso era desencorajado entre o resto da população. Para a maioria das pessoas, o casamento foi arranjado para o máximo benefício de ambas as partes e esperava-se que, enquanto vivessem juntas, elas aprendessem a se amar, se ainda não se amassem no momento do casamento. Nardo escreve:
Mesmo que ele não estivesse profundamente apaixonado por sua esposa, um homem poderia encontrar uma medida de felicidade sabendo que ela estava contente, e que de boa vontade mantinha um lar arrumado e bem administrado, e ensinava às crianças boas maneiras. Ele também poderia se orgulhar do fato de que havia trabalhado duro para colocar comida na mesa e um teto sobre a cabeça de todos (NARDO, 2004, p.23-24, tradução nossa).
O núcleo familiar estável era considerado a base de uma sociedade. Embora os membros da realeza estivessem livres para se casar com quem eles escolhessem (seguindo o exemplo do casamento entre irmãos e divindades como Isis e Osíris ou Nut e Geb), as pessoas comuns eram encorajadas a casar fora de suas linhagens, embora pudessem se casar com primos.
As meninas se casavam com a idade de 12 anos e os meninos de 15 anos, embora a média de idade tenha sido de 14 anos para meninas e 18 ou 20 anos para meninos. Um menino nessa época já teria aprendido o ofício de seu pai e se tornado um trabalhador enquanto uma menina, a menos que fosse da realeza, teria sido treinada para administrar a casa e cuidar dos jovens, dos idosos da família e os animais de estimação.
O historiador Charles Freeman observa: "A família era a unidade viva da sociedade egípcia. Pinturas de parede e esculturas mostram casais contentes com seus braços em volta um do outro e havia um ideal de cuidado de jovens pelos mais velhos" (citado em Nardo, 2004, p.25). Mas esses casamentos nem sempre funcionavam, e nesses casos o divórcio era concedido.
O fim de um casamento era tão simples quanto o começo. Um ou ambos os cônjuges pediam o divórcio, os bens materiais eram divididos de acordo com o acordo pré-nupcial, um novo acordo era assinado e o casamento acabava. A historiadora Margaret Bunson observa que "tais dissoluções de casamento requeriam uma certa mente aberta em relação aos direitos de propriedade e à sobrevivência econômica da ex-esposa" (BUSON, 1991, p.156).
Com isso ela quer dizer que até mesmo as posses que o marido poderia pensar serem dele, deveriam ser divididas com sua esposa de acordo com o acordo original. Qualquer coisa que houvesse entrado no casamento com ela, era autorizada a ficar com ela quando ele terminasse. Apenas uma acusação de infidelidade, amplamente comprovada, privava a mulher de seus direitos no divórcio.
Durante o Novo Reino e o Período Tardio, esses acordos tornaram-se mais complicados, pois os processos de divórcio parecem ter se tornado mais codificados e uma autoridade central estava mais envolvida no processo. Bunson observa como "muitos documentos dos últimos períodos parecem ser verdadeiros contratos de casamento.
No caso de divórcio, o dote fornecido pelo noivo no momento do casamento revertia à esposa como apoio ou um único pagamento era dado a ela". (BUNSON, 1991, p.156). Os pagamentos de pensão alimentícia também eram uma opção, com o marido enviando mensalmente a ex-esposa até que ela se casasse novamente, mesmo que não houvesse crianças envolvidas.
Esperava-se que o casamento durasse toda a vida e continuasse na vida após a morte. A maioria dos homens vivia apenas 30 anos, e as mulheres muitas vezes morriam aos dezesseis anos ao dar a luz ou viviam um pouco mais do que os homens. Se alguém tivesse um bom relacionamento com o cônjuge, a esperança de vê-lo novamente teria atenuado a perda da morte. As pinturas e inscrições do túmulo descrevem o casal aproveitando a companhia um do outro no Campo dos Juncos e fazendo as mesmas coisas que faziam quando estavam na Terra.
A crença egípcia na eternidade era uma importante base para um casamento que visasse tornar a fazer a vida na terra o mais prazerosa possível, para que se pudesse desfrutá-la para sempre. Não havia "paraíso" para os egípcios, mas uma continuação direta da vida que haviam vivido na Terra. Bunson escreve:
A eternidade era um período interminável de existência que não deveria ser temido por nenhum egípcio. Um nome antigo para ela era nuheh, mas também era chamado de shenu, que significava redondo, portanto, eterno ou interminável, e isso se tornou a forma das cartelas reais (BUNSON, 1991, p.86, tradução nossa).
Após a morte, a pessoa era julgada perante Osíris e, se fosse aceita, passava para os Campos de Juncos. Lá encontrava-se tudo o que havia deixado para trás na Terra - a sua casa, sua árvore favorita, o cachorro ou gato mais amado, e aquelas pessoas que já haviam falecido, inclusive seu cônjuge. Se alguém não tratasse bem a esposa ou o marido na vida, essa reunião talvez nunca ocorresse e, pior ainda, a pessoa poderia encontrar sofrimento nesta vida e na próxima.
Existem vários exemplos de inscrições e feitiços para afastar a má sorte ou circunstâncias que eram vistas como causadas por um cônjuge que havia morrido, quer assombrando uma pessoa ou exigindo vingança através de espíritos malignos.
Às vezes, a pessoa ficava tão aflita que contratava um sacerdote para interceder junto ao falecido e interromper a maldição. Nesses casos, o homem ou a mulher iriam até o padre e teriam um feitiço escrito explicando seu lado da história e implorando ao espírito do cônjuge para parar o que estavam fazendo. Se, por outro lado, a pessoa fosse realmente culpada de algum delito, teria que confessá-lo e repará-lo de alguma forma.
Os sacerdotes prescreviam uma expiação se fosse necessária e, uma vez realizada, a maldição seria desfeita. Fragmentos cerâmicos de cerâmica quebrados em diferentes locais cerimoniais dão evidência da gratidão a um deus ou deusa por sua intercessão em tais questões ou súplicas pedindo sua ajuda para acabar com a vingança do cônjuge.
Outra forma de resolver tais conflitos era apagar toda a memória da pessoa da existência. Isso foi feito destruindo qualquer imagem que se tivesse dela. Um exemplo famoso disso é a tumba de mastaba do oficial Kaiemankh da 6ª Dinastia que tinha todas as evidências de sua esposa Tjeset apagada das paredes.
O espírito de alguém só sobrevivia se esse alguém fosse lembrado por aqueles na Terra, e os grandes monumentos e obeliscos e templos como Karnak em Tebas foram esforços para assegurar a continuação dessas lembranças. Uma vez que o nome e a imagem de uma pessoa fossem perdidos, sua alma era diminuída e eles podem não ser capazes de continuar nos Campos de Juncos. Eles certamente não seriam mais capazes de causar qualquer problema na Terra, porque o espírito precisaria ver uma imagem de si mesmo ou de seu nome para poder retornar.
Tais problemas, esperava-se, poderiam ser evitados vivendo a vida em plena consciência da eterna harmonia e praticando a bondade na vida diária. O erudito James F. Romano escreve: "Os egípcios amavam a vida e esperavam perpetuar seus aspectos mais agradáveis no além" (citado em Nardo, 2004, p.20). Alguns desses aspectos mais agradáveis eram o amor, o sexo e o casamento, dos quais se desfrutaria eternamente, desde que se aproveitasse o máximo deles na Terra.
Tradução de texto escrito por Joshua J. Mark
Setembro de 2016
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.