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Duas palavras em cuneiforme (caracteres pretos), pronúncia em sumério (azul escuro), pronúncia em acádio (azul claro) e a tradução em português. Fonte: Ancient Scripts
Ao longo de toda sua história, a Mesopotâmia teve três idiomas principais: o sumério, o acádio e o aramaico. Os dois primeiros eram transcritos com a escrita cuneiforme, enquanto o aramaico se popularizou a partir da metade do primeiro milênio a.C justamente pelo fato de possuir um alfabeto próprio que possibilitava um aprendizado mais rápido, o que contribuiu para popularizar o uso da escrita.
O cuneiforme, como sistema de escrita, precisa ser entendido da mesma forma que o nosso sistema de escrita latina atual. Nós utilizamos um alfabeto com cerca de 26 letras, esse alfabeto pode ser utilizado (com leves alterações) para escrever diversos idiomas da atualidade, tais como o português, o espanhol, o inglês, o francês, o alemão, o italiano e diversos outros.
O cuneiforme funcionava da mesma forma, era um sistema de escrita fonético, onde cada símbolo representava um som da fala. Logo, ele poderia ser utilizado para a escrita do sumério, do acádio e de diversos outros idiomas no antigo Oriente Médio. Os hititas foram um dos povos que chegaram a adaptar o cuneiforme para o seu próprio idioma, e o acádio escrito em cuneiforme foi, durante um bom tempo, a língua da diplomacia na região.
O sumério era o idioma das primeiras civilizações a se formarem na baixa Mesopotâmia por volta do ano 3000 a.C. Mas conforme esclarece Leick:
A Mesopotâmia nunca foi linguística ou etnicamente homogênea, e os nomes de pessoas nos primeiros textos mostram com clareza que outras línguas além do sumeriano eram faladas na época. (...) no início do Primeiro Dinástico, sua língua foi escolhida para ser vertida em escrita. Talvez os sumérios se tivessem tornado politicamente dominantes e exercido o controle dos centros de formação de escribas nas primeiras cidades. Também é possível que o sumeriano fosse então uma língua de prestígio reservada à comunicação escrita, sem levar em conta se os 'sumérios' foram politicamente poderosos ou não. (LEICK, 2003, p. 87-88)
Segundo Kriwaczek, em seu livro sobre a Mesopotâmia, a partir do reinado de Hamurabi da Babilônia, no século 18 a.C., o sumério se tornou uma língua morta. Dessa data em diante não há mais registros do uso do sumério na vida cotidiana e, é provável que o acadiano tenha se tornado a língua oficial.
Mesmo após essa substituição, o sumério permaneceu sendo usado em escolas de escribas, e o seu conhecimento se tornou um sinal de erudição e sabedoria. O próprio rei assírio Ashurbanipal se vangloriava de ter aprendido a ler a antiga língua dos sumérios. Sobre esse prestígio do sumério, Leick tem alguns comentários interessantes no que concerne a educação nas escolas de escribas, a edubba:
O sumério, à semelhança do latim na Idade Média, era visto como o alicerce da alfabetização. Adquiriu o status de uma forma erudita e profissional de comunicação. "Um escriba que não conhece sumério, que (espécie de) escriba é esse?" pergunta um provérbio. Após o término do terceiro milênio, todo o treinamento de escribas se baseou, portanto, numa competência bilíngue (...) (LEICK, 2003, p. 183)
A partir da conquista da Mesopotâmia pelos acádios de Sargão I por volta de 2300 a.C., o acadiano foi gradativamente se tornando a língua predominante na Mesopotâmia. Embora seja provável que as duas línguas tenham convivido juntas sem maiores problemas durante toda a antiguidade. O sumério era mais comum na Baixa Mesopotâmia, enquanto o acadiano era mais comum no norte. Leick fala sobre a adoção das inscrições em acádio a partir do reinado de Sargão I:
Sargão estabeleceu certa igualdade entre o sistema 'sumério' tradicional e a nova linguagem 'acadiana'. Algumas de suas inscrições reais foram feitas numa língua ou na outra, e versões bilíngues foram também elaboradas. Sob seus sucessores, o acadiano escrito passou a ser mais largamente usado para fins administrativos, o que assinala a mudança de pessoal dos funcionários nativos para os 'homens da Acádia'. (LEICK, 2003, p.119)
Os idiomas falados na antiga Babilônia e no Império Assírio eram simples variações do acadiano.
O Império Assírio, que unificou quase todo o Oriente Médio, contribuiu para a expansão do acadiano assírio, mas também foi responsável pela gradativa incorporação de um novo idioma: o aramaico. Essa língua se tornou a mais falada no Oriente Médio no início do primeiro milênio a.C..
O surgimento de um sistema de escrita alfabética, possibilitou que esse idioma se tornasse extremamente popular e facilitasse a tarefa de controle administrativo e comercial, antes restrita a classe dos escribas, que formava uma elite detentora de um conhecimento exclusivo. Leick também comenta essa questão, como um fator de ampliação da composição cultural e étnica da população do Império Assírio:
Outro fator vantajoso foi a força unificadora da língua aramaica, a qual era então falada de um extremo a outro do Oriente Próximo. Embora a comunicação escrita para fins arquivísticos e literários ainda fizesse uso do sistema cuneiforme, o alfabeto aramaico tornou o processo de ler e escrever muito menos privilegiado e complicado. (...) A aramaicização do Oriente Próximo foi facilitada, sem dúvida, pela estrutura imperial assíria e suas necessidades administrativas. Um língua escrita fácil de aprender era uma ferramenta muito mais útil num mundo multicultural e multilinguístico do que o trabalhoso sistema cuneiforme. Muitas pessoas, é claro, usaram o aramaico como língua franca para o comércio e na vida quotidiana. De fato, na época final do Império, o idioma correntemente falado em toda a Síria e Mesopotâmia não era o assírio, mas o aramaico. (LEICK, 2003, p.278)
Após a queda do Império Assírio, a Mesopotâmia foi dominada pelo Novo Império Babilônico, liderado pela dinastia caldéia, que tinha suas origens em uma triba aramaica.
A utilização do aramaico como sistema de escrita, permitiu que as tábuas de argila fossem substituídas pelo papiro. Mesmo assim muitos registros administrativos continuaram a ser feitos em tábuas de argila com a escrita cuneiforme.
Também houve nessa época um esforço dos assírios para conservar seu patrimônio histórico, através da criação da bibilioteca de Nínive e da conservação de suas tradições, mitos e história em cuneiforme usando as antiquadas tábuas de argila, que tinham uma natureza mais duradoura. Graças a esse esforço, os arqueólogos conseguiram encontrar, mais de 2 mil anos depois, registros relativamente bem conservados dessa cultura, enquanto os escritos em papiro, usando o aramaico, se perderam quase em toda a sua totalidade.
P.S: Esse artigo originalmente era intitulado "Como era o som do idioma da Mesopotâmia?" e contava com vários vídeos externos mostrando o som de cada idioma. Mas como esses vídeos foram retirados do ar tive que adaptar o artigo.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.