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Desenhos nas paredes da Tumba de Menna. 18° Dinastia. Século 14 a.C. Via Wikimedia Commons.
No antigo Egito, o povo sustentava o governo e o governo retribuía. O Egito não tinha economia monetária até a chegada dos persas em 525 a.C. As pessoas trabalhavam a terra, o governo recolhia os impostos e depois distribuía de volta para as pessoas de acordo com sua necessidade e mérito. Embora houvesse muitos empregos mais glamorosos do que a agricultura, os agricultores eram a espinha dorsal da economia egípcia e sustentavam todos os outros. Esses fazendeiros sabiam como se divertir, recebendo o novo dia como uma outra oportunidade de fazer a terra produzir comida, mas aguardavam ansiosamente o tempo de folga nos festivais porque trabalhavam tanto, todos os dias; mas, no antigo Egito, todos o faziam.
O Egito operou um sistema de permuta até a invasão persa de 525 a.C e a economia era baseada na agricultura. A unidade monetária do antigo Egito era o deben que, segundo o historiador James C. Thompson, "funcionava como o dólar na América do Norte hoje em dia, para que os clientes soubessem o preço das coisas, exceto pelo fato de que não havia uma moeda deben". 1). Um deben era "aproximadamente 90 gramas de cobre; itens muito caros também poderiam ser precificados em debers de prata ou ouro com mudanças proporcionais de valor" (ibid). Thompson continua:
Como setenta e cinco litros de trigo custavam um deben e um par de sandálias também custava um deben, fazia todo o sentido para os egípcios que um par de sandálias pudesse ser comprado com um saco de trigo tão facilmente quanto com um pedaço de cobre. Mesmo que o fabricante de sandálias tivesse mais que suficiente de trigo, ele aceitaria com prazer o pagamento, porque poderia ser facilmente trocado por outra coisa. Os itens mais comuns usados para fazer compras eram trigo, cevada e óleo de cozinha ou de lâmpada, mas, em teoria, quase qualquer coisa serviria. (THOMPSON, sem página, tradução nossa)
Os trabalhadores eram frequentemente pagos em pão e cerveja, os alimentos básicos da dieta egípcia. Se eles quisessem outra coisa, precisavam ser capazes de oferecer uma habilidade específica ou algum produto de valor, como Thompson destaca. Felizmente para o povo, havia muitas necessidades que precisavam ser satisfeitas.
Os itens comuns que não são valorizados hoje em dia - uma escova, uma tigela, uma xícara - tinham que ser feitos à mão. Para ter papel para escrever, as plantas de papiro tinham que ser colhidas, processadas e distribuídas, as roupas tinham que ser lavada à mão, as roupas tinham que ser costuradas, sandálias feitas, e cada um desses trabalhos tinha suas próprias recompensas, mas também dificuldades. A simples atividade de lavar roupa poderia significar arriscar a vida. A roupa era lavada as margens do rio Nilo, que era o lar de crocodilos, cobras e hipopótamos ocasionais. O cortador de junco, que colhia plantas de papiro ao longo do Nilo, também teve que enfrentar esses mesmos riscos diariamente.
Esses trabalhos eram todos ocupados por aqueles que estavam na base da hierarquia social egípcia e são descritos em detalhes devastadores em uma famosa obra literária do Reino do Meio do Egito (2040-1782 a.C) conhecida como A Sátira dos Ofícios. Esta peça (também conhecida como As Instruções de Dua-Khety) é um monólogo em que um pai, trazendo seu filho para a escola, descreve para o menino todos os trabalhos difíceis e desagradáveis que as pessoas têm que fazer todos os dias e os compara com o vida confortável e recompensadora do escriba. Embora a peça seja obviamente satírica em suas representações exageradas, a descrição dos trabalhos e sua dificuldade são precisas.
O pai descreve a vida do carpinteiro como "miserável" e como a mão do homem do campo "chora para sempre", enquanto o tecelão é "miserável" (Simpson, 434). O criador de flechas se arrasta tentando coletar matérias-primas e o comerciante precisa sair de casa sem garantia de retornar e encontrar sua família intacta. O lavador "lava na beira do rio nas proximidades do crocodilo" e seus filhos não querem nada com ele porque ele está sempre coberto pela sujeira de outras pessoas.
O pescador é "mais infeliz do que qualquer outra profissão", porque ele deve contar com sua boa pesca em um dia para ganhar a vida e também deve enfrentar os perigos na água que muitas vezes o pegam desprevenido como "ninguém lhe disse que um crocodilo estava parado lá "e ele é rapidamente levado (Simpson, 435). Todos esses trabalhos são descritos detalhadamente para impressionar o menino e convencê-lo de que deve abraçar a vida de escriba, o maior trabalho que alguém poderia ter, como ele diz ao filho:
É para a escrita que você deve organizar sua mente. Veja por si mesmo, ela salva uma pessoa do trabalho. Eis que não há nada que ultrapasse a escrita! ... Eu não vejo um trabalho para ser comparado a ela, ao qual essa máxima possa se relacionar: eu farei com que você ame mais os livros do que sua mãe e eu colocarei a excelência deles diante de você. É de fato maior que qualquer trabalho. Não há nada como isso na terra. (Simpson, 432-433)
O escritor da Sátira, obviamente um escriba, pode ter exagerado um pouco para causar efeito, mas seu argumento é basicamente sólido: a ocupação do escriba estava entre as mais confortáveis do antigo Egito e certamente se comparava favoravelmente à maioria dos empregos.
Os trabalhos da classe alta são razoavelmente bem conhecidos. O rei governava delegando responsabilidade ao seu vizir que então escolhia as pessoas abaixo dele que eram mais adequadas ao trabalho. Burocratas, arquitetos, engenheiros e artistas realizavam projetos de construção doméstica e a implementação de políticas, e os líderes militares cuidavam da defesa. Os sacerdotes serviam aos deuses, não ao povo, e cuidavam do templo e das estátuas dos deuses enquanto médicos, dentistas, astrólogos e exorcistas lidavam diretamente com os clientes e suas necessidades por meio de suas habilidades particulares em magia, geralmente de alto preço.
Para ser um membro da maioria dessas profissões, era preciso ser letrado e, assim, primeiro era preciso ser escriba. Esse trabalho exigia muitos anos de treinamento, aprendizado e trabalho duro na memorização de símbolos hieroglíficos e na prática da caligrafia, mas esse tipo de trabalho dificilmente seria considerado difícil por muitas das classes mais baixas.
Como a maioria, se não todas as civilizações, desde o início da história registrada, as classes mais baixas eram as que forneciam os meios para aqueles que estavam acima delas viverem confortavelmente, mas no Egito, a nobreza cuidava delas, fornecendo empregos e distribuindo alimentos. Era preciso trabalhar se quisesse comer, mas não havia escassez de empregos a qualquer momento na história do Egito, e todo trabalho era considerado nobre e digno de respeito.
Os detalhes desses trabalhos são conhecidos a partir de relatórios médicos sobre o tratamento de ferimentos, cartas e documentos escritos sobre várias profissões, obras literárias (como A Sátira nos Ofícios), inscrições em túmulos e representações artísticas. Essas evidências apresentam uma visão abrangente do trabalho diário no antigo Egito, como os trabalhos eram feitos e, por vezes, como as pessoas se sentiam em relação ao trabalho.
Em geral, os egípcios parecem ter sentido orgulho de seu trabalho, não importando sua ocupação. Todos tinham algo para contribuir para a comunidade e nenhuma habilidade parece ter sido considerada não essencial. O oleiro que produzia xícaras e taças era tão importante para a comunidade quanto o escriba, e o fabricante de amuletos era tão vital quanto o farmacêutico e, às vezes, o médico.
Parte do ganhar a vida, independentemente de suas habilidades especiais, era participar dos monumentais projetos de construção do rei. Embora se acredite comumente que os grandes monumentos e templos do Egito foram alcançados através do trabalho escravo - especificamente o dos escravos hebreus - não há absolutamente nenhuma evidência que sustente essa afirmação. As pirâmides e outros monumentos foram construídos por trabalhadores egípcios que doaram seu tempo como serviço comunitário ou foram pagos por seu trabalho.
Também é um equívoco que os escravos no Egito eram rotineiramente espancados e só trabalhavam como trabalhadores não qualificados. Os escravos no antigo Egito vinham de muitas etnias diferentes e serviam seus mestres em diferentes capacidades de acordo com suas habilidades. Escravos não qualificados eram usados nas minas, como ajuda doméstica, e em outras capacidades domésticas, mas não eram empregados na construção de tumbas e monumentos como as pirâmides.
Egípcios de todas as ocupações poderiam ser chamados para trabalhar nos projetos de construção do rei. A pedra tinha que primeiro ser extraída das minas e isso exigia escravos para dividir os blocos dos penhascos rochosos. Isso foi feito inserindo-se cunhas de madeira na rocha que inchavam e faziam com que a pedra rachasse. Os blocos, muitas vezes enormes, eram então empurrados em trenós e rolados para um local diferente, onde poderiam ser cortados e moldados.
A Grande Pirâmide de Gizé é composta de 2.300.000 blocos de pedra e cada um deles teve que ser extraído e moldado. Este trabalho foi feito por pedreiros qualificados trabalhando com formões de cobre e martelos de madeira. Conforme os cinzéis perderiam o fio, um especialista em afiar levaria a ferramenta, afiaria e a traria de volta. Isso teria sido um trabalho diário constante, pois os pedreiros poderiam desgastar suas ferramentas em um único bloco.
Os blocos eram então colocados em posição por trabalhadores não qualificados. Essas pessoas eram principalmente agricultores que não podiam fazer nada com suas terras durante os meses em que o rio Nilo transbordava suas margens. Os egiptólogos Bob Brier e Hoyt Hobbs explicam:
Durante dois meses do ano, trabalhadores se reuniam às dezenas de milhares de pessoas de todo o país para transportar os blocos que uma equipe permanente havia extraído durante o resto do ano. Os supervisores organizavam os homens em equipes para transportar as pedras em trenós, dispositivos mais adequados do que os veículos com rodas para mover objetos pesados sobre a areia movediça. (BRIER e HOBBS, 2013, p.17, tradução nossa)
Quando a pirâmide estava completa, as câmaras internas precisavam ser decoradas por artistas. Estes eram escribas que pintavam as elaboradas imagens conhecidas como os Textos da Pirâmide, Textos dos Sarcófagos e cenas do Livro Egípcio dos Mortos. O trabalho interior em tumbas e templos também exigia escultores que poderiam habilmente cortar a pedra em torno de certas figuras ou cenas para deixá-las em relevo. Embora esses artistas fossem altamente qualificados, esperava-se que todos - não importando o trabalho deles no resto do ano - contribuíssem para projetos comunitários. Essa prática estava de acordo com o valor do ma'at (harmonia e equilíbrio) que era central para a cultura egípcia. Era esperado que todos se importasse tanto com os outros quanto consigo mesmo e contribuir para o bem comum era uma forma de expressar isso.
Os empregos que as pessoas ocupavam durante o ano eram tão variados quanto as ocupações de hoje. Quando alguém não estava sendo convocado pela comunidade ou pelo rei para participar de um projeto, se trabalhava como cervejeiro, fabricante de jóias, fabricante de sandálias, tecelão de cestos, armeiro, ferreiro, padeiro, cortador de cana, paisagista, cabeleireiro, barbeiro. manicure, fabricante de caixão, escavador de canal, pintor, carpinteiro, comerciante, chef, artista, servo e muitas outras ocupações. A classe alta dependia pesadamente de seus servos, e a pessoa podia viver bem e encontrar progresso no serviço doméstico.
Um servo em uma casa nobre ou de classe alta podia ser um escravo, mas geralmente era um jovem ou uma mulher de bom caráter que trabalhava diligentemente. Meninas serviam senhoras e os meninos serviam mestres. Um jovem entraria nesse serviço por volta dos 13 anos e poderia alcançar uma posição de destaque na casa. Cartas pessoais, assim como as Cartas aos Mortos, deixam claro que um bom criado era altamente valorizado e considerado vital para a manutenção da casa.
Um servo homem serviria como mensageiro pessoal e mordomo pessoal, mas também poderia elevar-se à posição de supervisor de outros empregados da casa e deter considerável autoridade. Os servos às vezes podiam trabalhar para mestres desagradáveis e exigentes, mas geralmente eram bem tratados. Há uma história frequentemente repetida de Pepi II (2278-2284 a.C) e sua aversão a moscas: ele teria sujado os servos com mel e os colocado a distâncias ao redor dele para atrair os insetos. Esta história é imprecisa, no entanto, já que Pepi II, na verdade, usou escravos como repelentes de insetos humanos, não servos. O mau trato intencional de um servo teria sido considerado um comportamento inaceitável.
As criadas estavam diretamente sob a supervisão da mulher da casa, a menos que ela pudesse contratar um gerente da casa. Esta posição era geralmente dada a uma mulher que havia provado seu valor através de anos de serviço devotado. Um gerente de casa poderia viver tão confortavelmente quanto um escriba e desfrutava de segurança no emprego como um membro valioso da casa.
As servas dos ricos ou influentes tinham vidas mais fáceis do que as que serviam a rainha ou a nobreza porque estas tinham mais responsabilidades. Uma criada da rainha tinha que tomar cuidado especial com o guarda-roupa e as perucas de sua senhora, por exemplo, porque elas receberiam mais atenção do que a de outras mulheres. No início do período dinástico no Egito (cerca de 3150-2613 a.C) o trabalho de uma servo da rainha era ainda mais difícil porque, quando a rainha morria, a serva se juntava a ela.
Os servos da rainha Merneith foram todos sacrificados após sua morte e enterrados com ela para que pudessem continuar seu serviço na vida após a morte. Essa mesma prática foi observada com outros governantes, masculinos e femininos. Os futuros servos foram poupados deste destino com o advento da boneca shabti no Antigo Reino do Egito (cerca de 2613-2181 a.C). A shabti (também conhecida como ushabti) servia como um substituto para um trabalhador na vida após a morte, e assim os bonecos eram enterrados com os mortos em vez de servos sacrificados.
As mulheres entravam no serviço doméstico com mais frequência do que os homens, que freqüentemente optaram por se juntar ao exército a partir do Reino Médio (2040-1782 a.C). Embora se pudesse ganhar a vida como soldado, era um trabalho difícil e perigoso. Uma desvantagem significativa não era apenas a possibilidade de morrer no trabalho, mas a de ser morto em algum lugar fora das fronteiras do Egito. Como os egípcios acreditavam que seus deuses estavam ligados à terra, eles temiam morrer em outro país porque teriam mais dificuldade em chegar à vida após a morte. Ainda assim, isso não dissuadiu os homens de se alistarem e, no Novo Reino (cerca de 1570-1069 a.C), o Egito tinha um dos exércitos profissionais mais qualificados do mundo.
As forças armadas também empregavam muitos que não estavam alistados para lutar. A manufatura de armas sempre foi um trabalho constante, e depois que os hicsos introduziram o cavalo e a carruagem de guerra no Egito no Segundo Período Intermediário (cerca de 1782-1570 a.C), curtidores e curadores eram obrigados a produzir trabalhos altamente qualificados.
Homens e mulheres também podiam se tornar artistas, principalmente músicos e dançarinos. Dançarinos eram sempre muito requisitados, assim como cantores e músicos que frequentemente trabalhavam para os templos que ofereciam música em cerimônias, rituais e festivais. As mulheres eram frequentemente cantoras, músicas e bailarinas e podiam ter um alto preço por performances, especialmente dançarinas. A dançarina Isadora de Artemisia (cerca de 200 d.C) recebia 36 dracmas por dia para apresentações no Egito durante o Período Romano e por um show de seis dias foi pago 216 dracmas. Os artistas se apresentavam para os trabalhadores durante seus projetos de construção, nas esquinas das ruas, nos bares, no mercado e, como se observa, nos templos. Música e dança eram consideradas essenciais para a vida diária.
Na parte de baixo de todos esses empregos estavam as pessoas que serviram de base para toda a economia: os agricultores. Os agricultores geralmente não possuíam a terra em que trabalhavam. Eles recebiam comida, utensílios e moradia em troca de seu trabalho. O fazendeiro levantava-se antes do nascer do sol, trabalhava nos campos o dia inteiro e voltava para casa perto do pôr do sol. As esposas dos fazendeiros freqüentemente mantinham pequenas hortas para complementar as refeições familiares ou para trocar por outros bens.
Muitas mulheres optavam por trabalhar fora de suas casas, fazendo cerveja, pão, cestas, sandálias, jóias, amuletos ou outros itens para troca. Elas assumiam esse trabalho além de suas tarefas diárias, que também começavam antes do nascer do sol e continuavam no anoitecer. O governo egípcio estava ciente de quão duro as pessoas trabalhavam e então organizou uma série de festivais ao longo do ano para mostrar apreciação e dar-lhes dias de folga para relaxar.
Assim como os deuses haviam criado o mundo e tudo nele, nenhum trabalho era considerado pequeno ou insignificante, apesar da opinião do autor de A Sátira dos Ofícios. Não há dúvida de que havia muitas pessoas que não amavam seu trabalho todos os dias, mas cada trabalho era considerado uma contribuição importante para a harmonia e o equilíbrio da terra.
Tradução de texto escrito por Joshua J. Mark
Maio de 2017
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.