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A Estátua de Augusto da Primaporta

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Capa do artigo: A Estátua de Augusto da Primaporta

A famosa estátua de Augusto da Primaporta se encontra atualmente no Museu do Vaticano. (Cat. 2290)

Augusto e o poder das imagens

Hoje, os políticos pensam com muito cuidado sobre como serão fotografados. Pense em todos os comerciais de campanha e anúncios impressos que somos bombardeados a cada período de eleições. Essas imagens nos dizem muito sobre o candidato, incluindo o que representam e quais agendas estão promovendo.

Da mesma forma, a arte romana estava intimamente entrelaçada com a política e a  propaganda. Isto é especialmente verdade nos retratos de Augusto, o primeiro imperador do Império Romano; Augusto invocou o poder das imagens para comunicar sua ideologia.

Augusto da Primaporta

Um dos retratos mais famosos de Augusto é o chamado Augusto da Primaporta de 20 a.C. (a escultura recebe o nome do local em Roma, onde foi encontrada em 1863). À primeira vista, esta estátua pode parecer simplesmente um retrato de Augusto como orador e general, mas essa escultura também comunica bastante sobre o poder e a ideologia do imperador.

A estátua de Augusto da Primaporta.

De fato, neste retrato, Augusto mostra-se como um grande vencedor militar e um firme defensor da religião romana. A estátua também prediz o período de paz de 200 anos iniciado por Augusto, chamado Pax Romana.

Recordando a Idade de Ouro da Grécia antiga

Nesta escultura autônoma de mármore, Augusto está em uma pose contraposta (uma pose relaxada em que uma perna suporta peso). O imperador usa roupas militares e seu braço direito está estendido, demonstrando que o imperador está se dirigindo a suas tropas. Sentimos imediatamente o poder do imperador como líder do exército e conquistador militar.

Investigando ainda mais a composição da estátua da Primaporta, percebemos uma semelhança distinta com o Doríforo, de Policleto, uma escultura grega clássica do século 5 a.C. Ambos têm uma postura contraposta semelhante e ambos são idealizados. Ou seja, Augusto e o Portador da Lança são retratados como indivíduos jovens e sem falhas: são perfeitos.

A estátua Doríforo, de artista grego Policleto (que viveu no século 5 a.C.) é uma das mais famosas estátuas do período grego. Também é conhecida como O Lanceiro, ou o Portador da Lança, já que na sua mão esquerda ele claramente carregava uma lança, hoje perdida. Essa é uma cópia em mármore em exibição no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles. A original em bronze não existe mais.

Os romanos frequentemente modelavam sua arte se baseando em antecessores gregos. Isso é significativo porque Augusto está basicamente se representando com o corpo perfeito de um atleta grego: ele é jovem e viril, apesar de ter meia-idade no momento do comissionamento da escultura. Além disso, modelando a estátua da Primaporta a partir de uma escultura grega tão icônica, criada durante o auge da influência e poder de Atenas, Augusto se conecta à Idade de Ouro da civilização anterior.

O cupido e o golfinho

Até aqui, a mensagem do Augusto da Primaporta é clara: ele é um excelente orador e vencedor militar com o corpo jovem e perfeito de um atleta grego. Mas isso é tudo o que há nessa escultura? Definitivamente não! A escultura contém ainda mais simbolismo. Primeiro, na perna direita de Augusto está a figura de cupido montando um golfinho.

O cupido montado sobre um golfinho aos pés de Augusto.

O golfinho tornou-se um símbolo da grande vitória naval de Augusto sobre Marcos Antônio e Cleópatra na Batalha de Áccio, em 31 a.C, uma conquista que fez de Augusto o único governante do Império.

O cupido montado no golfinho também transmite outra mensagem: que Augusto é descendente dos deuses. Cupido é o filho de Vênus, a deusa romana do amor. Júlio César, o pai adotivo de Augusto, afirmou ter descido de Vênus e, portanto, Augusto também compartilhava essa conexão com os deuses.

O Peitoral

Augusto também está usando um peitoral, ou couraça, coberta de figuras que comunicam mensagens propagandísticas adicionais. Os estudiosos debatem a identificação de cada uma dessas figuras, mas o significado básico é claro: Augusto tem os deuses ao seu lado, ele é um vencedor militar internacional e é o portador da Pax Romana, uma paz que abrange todas as terras do Império Romano.

Essa imagem facilita a visualização dos desenhos do peitoral da estátua.

No centro do peitoral existem duas figuras, uma romana e uma parta. À direita, o inimigo Parta devolve os estandartes militares romanos. Esta é uma referência direta à vitória diplomática internacional de Augusto em 20 a.C, quando esses estandartes foram finalmente devolvidos a Roma. Eles haviam sido capturados pelo partas na batalha de Carras em 53 a.C., quando os partas derrotaram as forças do triúnviro Crasso.

Os elementos do peitoral da estátua identificados.

Em torno desta zona central estão deuses e suas  personificações. No topo está Sol e Caelus, os deuses do sol e do Céu, respectivamente. Nas laterais do peitoral estão personificações femininas de países conquistados por Augusto. Esses deuses e personificações se referem a Pax Romana. A mensagem é que o sol vai brilhar em todas as regiões do Império Romano, trazendo paz e prosperidade a todos os cidadãos. E, claro, Augusto é o responsável por essa abundância em todo o Império.

Abaixo das personificações femininas estão Apolo e Diana, duas divindades importantes no panteão romano; claramente Augusto é favorecido por essas importantes divindades e sua aparição aqui demonstra que o imperador apóia a religião romana tradicional.

Essa imagem mostra os detalhes do peitoral da estátua da Primaporta.

Bem na parte de baixo da couraça, está Telo, a deusa da terra, que embala dois bebês e segura uma cornucópia. Telo é uma alusão adicional à Pax Romana, pois ela é um símbolo de fertilidade com seus bebês saudáveis ​​e com o chifre transbordante da abundância.

Muito mais que um retrato

O Augusto da Primaporta foi uma das maneiras pelas quais os antigos usaram a arte para fins propagandísticos. No geral, esta estátua não é simplesmente um retrato do imperador, ela expressa a conexão de Augusto com o passado, seu papel como vencedor militar, sua conexão com os deuses e seu papel de responsável pela Pax Romana.

Alguns comentários adicionais do tradutor


O artigo original termina aqui, mas decidi por bem fazer alguns comentários sobre diversas questões importantes que a autora não apresentou em seu texto, e que podem contribuir para uma melhor compreensão do tema. Vamos a elas:

Sobre Primaporta e a Vila de Lívia: Primaporta fica nos subúrbios de Roma, e é lá que se encontrava a Vila de Lívia, esposa de Augusto. A estátua foi descoberta entre as ruínas dessa construção.

A Vila de Lívia também é famosa por ter conservado belas pinturas do período romano. Abaixo você confere algumas fotos do local:


As cores originais da estátua de Augusto
: As estátuas gregas e romanas de mármore eram pintadas em cores vivas, de fato os romanos teriam achado muito estranho o costume renascentista de exibir estátuas de mármore de forma crua.

Entretanto, com o passar dos séculos (essa estátua tem mais de 2 mil anos!) as cores foram se desgastando e se apagando. Mas análises químicas mais profundas foram capazes de detectar as cores originais da estátua. Em 2014, os estudiosos Jesús Mendiola e Emma Zahonero apresentaram uma proposta de quais seriam as cores originais da estátua, você confere a restauração abaixo:

A estátua de Augusto restaurada sendo apresentada em Tarragona em 2014.

As representações no peitoral de Augusto: É inegável que as representações no peitoral de Augusto visavam ligá-lo a certas divindades e mostrar o seu papel como pacificador e grande líder. No entanto, algumas imagens ainda são motivo de discussão entre os estudiosos. Confira as citações abaixo, retiradas do site Augustus of Prima Porta, desenvolvido por estudantes do MIT, falando sobre a representação de Caelus:

(...) Interpretações alternativas indicam que a figura no topo é Saturno, distinguido por sua coroa e manto, ou Júpiter Optimus Maximus, distinguido pelo véu. A inclusão de Saturno residindo acima dos demais significaria o retorno de Saturno como governante da Lácio, como foi o caso durante a primeira Era de Ouro, creditando, portanto, a Augusto a criação de uma nova Aurea Seculae. Vergil pode até ter sugerido essa relação no livro seis da Eneida ao descrever o futuro Augusto para Enéias.

O autor prossegue:

Emparelhado com Caelus, está Telo ou Terra Mater, Mãe Terra, na parte inferior do peitoral, segurando dois bebês e uma cornucópia. Como Caelus e Telo geralmente são colocados juntos na arte romana, Reeder sugere que a figura mais baixa é Cibele, mãe dos deuses, assim ela faria um par com Saturno, rei dos deuses, provavelmente. Logo abaixo da figura mais alta, outra divindade conduz uma carruagem. Alguns interpretam isso como o Sol, deus do sol, incluindo Morford e Klynne. Outros dizem que Apolo dirige o carro. Ao lado da carruagem, duas outras divindades, uma que se pensa ser Aurora, o amanhecer, estão segurando uma urna e a outra, interpretada como Luna, a lua, está segurando uma tocha. Também no peitoral, logo abaixo da imagem central, está Diana montando um veado e Apolo em um grifo alado.

Tradução de texto escrito por Julia Fischer
Agosto de 2015

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Postado por Moacir Führ

Moacir tem 36 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
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