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Gladiador e leão lutam em arena romana. Ilustração moderna, autor desconhecido.
Jogos públicos eram uma parte significativa da cultura romana, desempenhando um papel importante na vida social e política das cidades e do império. Embora os jogos tenham suas raízes em rituais funerários ou religiosos, no final do período republicano (ca. 70–31 a.C), eles se tornaram uma forma extremamente popular de entretenimento público.
Os jogos tomavam várias formas, mas todos eram essencialmente corridas ou lutas. Conhecidos como ludi e munera, os jogos poderiam ter lugar em arenas feitas para esse propósito, mais notavelmente o Coliseu e e Circus Maximus em Roma, seja separadamente ou combinados em longos festivais.
Os jogos mais antigos de Roma eram as corridas de bigas. A maioria das carruagens utilizadas para essas corridas eram puxadas por uma equipe de quatro cavalos (quadriga). As corridas exigiam duas longas pistas e duas voltas de 180 graus. Como os shows de gladiadores e o boxe, as corridas eram extremamente perigosas, já que os carros muitas vezes colidiam ou saíam do controle.
Se o profissional caísse de sua biga, ele poderia facilmente ser arrastado ou pisoteado até a morte pelos cavalos. No entanto, não havia escassez de pilotos, já que jovens condutores ansiosos arriscavam suas vidas por recompensa e reconhecimento.
O boxe romano, muito diferente do boxe desenvolvido pelos gregos, era considerado mais um show de gladiadores do que uma competição atlética. Embora as multidões fossem menores do que no anfiteatro e no circo, o boxe era uma parte importante do entretenimento público.
Ao contrário dos pugilistas gregos, que usavam tiras de couro em volta dos nós dos dedos para proteção e se apresentavam para ganhar prêmios nos prestigiosos jogos Pan-Helênicos, os romanos usavam luvas com pedaços de metal colocados ao redor das juntas (caestus) para causar o maior dano possível. Além disso, não havia limite de tempo ou classificação de peso. O vencedor era proclamado depois de um nocaute ou quando o adversário reconhecia a derrota.
Os jogos mais famosos eram os shows de gladiadores, onde homens armados lutavam entre si em violentos combates, muitas vezes mortais, por fama, fortuna e até liberdade.
Os gladiadores primeiro treinavam em um ludus, uma escola de luta profissional, para se preparar para sua estréia na arena. Originalmente, essas escolas atraíam seus recrutas entre os mais baixos escalões da sociedade - escravos, condenados e prisioneiros de guerra -, mas, no século 1 a.C. contratavam homens livres, soldados aposentados e, em raras ocasiões, até mulheres participavam das lutas.
Os jogos também poderiam ser usados como uma forma de execução pública para criminosos condenados, que eram levados para a arena para serem crucificados (crucifixio), queimados vivos (crematio ou ad flammas), mortos a espada (ad gladium) ou mortos por animais selvagens (ad bestias). Cada penalidade era diferenciada de acordo com a posição e a classe social do criminoso.
Os jogos envolviam muitos animais. Além dos cavalos usados no circo e no anfiteatro, animais selvagens exóticos desfilavam diante do público, não só pelo puro espetáculo, mas também por desempenhar um papel ativo nos jogos como caçados ou caçadores.
Durante a República (509-27 a.C), os animais eram tipicamente usados para desfiles anuais realizados em homenagem aos mortos. Magistrados e indivíduos ricos pagavam para encher os elaborados espetáculos com criaturas nativas. De pássaros a feras, os animais freqüentemente eram exibidos, treinados para realizar manobras e, às vezes, mortos em caçadas encenadas chamadas venationes.
De acordo com Plínio, o Velho, o primeiro Venatio foi realizada em 252 a.C., com elefantes que haviam sido capturados na Sicília durante a Primeira Guerra Púnica. Foi, no entanto, durante as intensas rivalidades políticas da República tardia, concentradas em torno das figuras extremamente poderosas e ricas de Pompeu, Crasso e Júlio César, que os romanos presenciaram pela primeira vez muitos animais estrangeiros e exóticos, especialmente crocodilos, hipopótamos, tigres, leões, leopardos e outros grandes quadrúpedes da África.
Com o tempo, a visão dessas criaturas tornou-se menos uma curiosidade e mais um espetáculo, e era um componente esperado de cada show. A demanda gerou uma indústria no império com uma grande força de trabalho que incluía caçadores e capturadores, treinadores e manipuladores, embarcadores e fornecedores.
Os recursos utilizados para sustentar essa indústria de entretenimento eram colossais. Por exemplo, durante os jogos realizados para celebrar a inauguração do Coliseu em Roma, o imperador Tito (r. 79–81 d.C.) providenciou para que 9 mil animais selvagens de vários tipos fossem abatidos na arena. O espetáculo durou 100 dias.
Trajano (r. 98–117 AD) superou esse recorde quando, para comemorar sua vitória sobre os dácios, realizou jogos com duração de 120 dias, período em que cerca de 11 mil animais foram mortos na arena.
A prosperidade e paz relativa que o mundo romano desfrutou sob o domínio dos Antoninos (138–193 d.C.) e dos Severos (193-235 d.C.) permitiram que o comércio de animais para os jogos florescessem.
Animais nunca antes vistos na arena, como a hiena, o rinoceronte de dois chifres e a zebra, foram apresentados ao público romano. Além disso, os imperadores começaram a usar uma variedade de técnicas exclusivas e inovadoras para “apresentar” os animais.
Por exemplo, o imperador Comôdo (r. 177-192 d.C.), conhecido por sua participação na arena como um gladiador, também era um caçador (venator) amador e desenvolveu novos métodos para matar animais. Segundo o historiador Herodiano, o imperador inventou flechas em forma de crescente para decapitar avestruzes, criando assim o espetáculo em que esses pássaros corriam ao redor da arena sem cabeça.
Da mesma forma, para comemorar o décimo ano de seu reinado, Sétimo Severo (r.193–211 AD) construiu um barco dentro da arena, que foi feito para parecer que havia naufragado e de onde saíram 400 animais. Estes incluíam leões, leopardos, ursos e outros animais selvagens, todos ele foram caçados até a morte.
Finalmente, outra fonte literária fala de um pródigo festival de dois dias realizado em Roma pelo imperador Probo (r. 276-282 d.C.). No primeiro dia, o Circus Maximus foi plantado com árvores e arbustos feitos para se assemelhar a uma floresta, dento da qual foram libertados vários milhares de avestruzes, veados, javalis, gazelas, íbex, ovelhas selvagens e outros herbívoros.
Após a sua libertação, os próprios espectadores foram admitidos na pista e encorajados a caçar os animais. Se isso for verdade, deve ter contribuído para um espetáculo muito bizarro, especialmente porque eles tinham permissão para levar suas matanças para casa como comida. No segundo dia, as festividades passaram para o Coliseu, onde mais de 400 leões e 300 ursos foram exibidos, caçados e mortos.
Para o mundo moderno, esse abate de animais parece cruel e inaceitável. No entanto, isso era apenas parte da vida em uma sociedade onde os animais eram regularmente abatidos em público. Não só eles eram sacrificados em grande número durante rituais e cerimônias para os deuses, mas suas entranhas também eram abertamente inspecionadas por sinais e presságios. Os animais também eram mortos para fornecer carne de uma maneira que era muito diferente da atual, onde há uma preocupação com a higiene.
Com base no tamanho e na frequência dos jogos, um sistema complexo deve ter sido estabelecido para coordenar o aprisionamento, transporte e entrega de tantos animais. Evidências literárias e epigráficas indicam que soldados e caçadores eram usados para capturar bestas em áreas remotas em todo o mundo romano. Durante a era imperial, a principal oferta de animais para a arena parece ter sido do Oriente Próximo e do Egito.
Mosaicos romanos e outros materiais ilustrativos mostram que os dois métodos mais comumente utilizados para capturar os animais eram o poço e a rede.
O poço, usado principalmente para confinar grandes felinos como leões e tigres, tinha como centro um grande pilar sobre o qual a isca descansaria. Normalmente, a isca - uma cabra, cordeiro ou cabrito - agia apenas como chamariz. Um animal seria atraído para uma cerca elevada ao redor da borda do poço, fazendo com que o animal saltasse sobre ele e caísse no buraco. Uma gaiola era então baixada para dentro do poço para recuperar o animal preso.
O segundo e mais popular método era o uso da rede, já que esta poderia ser implantada para a captura de animais a granel. Os cavaleiros assustavam a presa batendo nos escudos e segurando tochas, conduzindo, assim, rebanhos inteiros por becos cercados em currais. Redes também foram empregadas na captura de aves.
Seja por terra ou por mar, o enjaulamento e transporte seguro de animais de províncias remotas para a capital era extremamente complexo - já que eles se tornavam inúteis se chegassem doentes ou mortos. Documentos, como a correspondência entre Cícero e Marcus Caelius Rufus (51 a.C.), e as cartas do rico nobre Symmachus no final do século 4 e início do 5 d.C., relatam repetidamente as dificuldades e atrasos resultantes da aquisição de animais para os shows.
No entanto, nem todos os animais iam direto para a arena. Como a aquisição de criaturas exóticas era muito cara, elas eram frequentemente enviados a zoológicos ou jardins ao redor de Roma para serem domadas e treinadas para entretenimento público antes de chegarem aos jogos, onde a morte era inevitável.
Tempo e esforço consideráveis eram dedicados ao treinamento, o que nem sempre foi feito de maneira humana e indolor. Uma prática comum era causar a fome aos animais, a fim de torná-los submissos. Na falta disso, chicotes e outros instrumentos poderiam ser usados em animais indisciplinados.
Fontes antigas referem-se a alguns notáveis atos dos animais, incluindo elefantes andando na corda bamba, leões treinados para recuperar lebres sem matá-las e um treinador de animais colocando a cabeça na boca de um grande felino. Além disso, não era natural que animais como os leões atacassem humanos, então eles tinham que ser treinados especialmente para isso. Presumivelmente, também, eles tiveram que ser encorajados a se apresentar na arena, onde o barulho e a visão da multidão devem ter criado uma distração adicional.
Durante o século 4 d.C, a encenação de lutas de gladiadores e animais declinou. Isso se deveu em parte à mudança de atitudes sociais e à influência da igreja cristã, mas também foi resultado de crises militares e financeiras que afetaram o império.
Roma não podia mais sustentar o sistema que no passado fornecia homens e animais em grande escala. No entanto, a popularidade das caças de animais persistiu; os shows de venatio podem ter sido realizados até o final do século 7, e as cenas de caça continuaram a ser um dos temas favoritos para a expressão artística, especialmente em pisos de mosaico.
Sua representação em pinturas de parede, mosaicos, cerâmica, talheres, vidro e outros objetos, descobertos em Roma e em todas as províncias, ilustra vividamente que os animais usados tanto para o espetáculo quanto para o prazer eram parte integrante da vida romana.
Tradução de texto escrito por Jacob Coley
Setembro de 2010
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.