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Gladiadores na Roma Antiga (Dossiê)

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Capa do artigo: Gladiadores na Roma Antiga (Dossiê)

A imagem mostra uma recriação de um gladiador da classe Murmillo.

Esse artigo é uma transcrição de um vídeo que fiz em março de 2020.

Hoje a gente vai falar sobre os gladiadores. Um tema sobre o qual a maioria das pessoas, mesmo quem não gosta de História, já tem uma bom conhecimento. Isso porque os gladiadores são constantemente representados em filmes, séries e documentários. Nesse artigo vamos ir mais a fundo para desvendar a realidade sobre esses indivíduos, que sempre despertaram tantas paixões.

Origem e importância

Outro dia eu publiquei um artigo no site sobre a questão da origem dos gladiadores, vocês podem ver clicando aqui. A questão que é discutida pelos estudiosos é, se os combates de gladiadores foram criados originalmente pelos etruscos ou na Campânia, ou se essa era uma prática de toda os povos italianos.

Um mapa aproximado da localização da Etrúria e da Campânia na Península Itálica.

Não há uma resposta certa. O que a gente sabe é que no início,  esses combates tinham um caráter religioso. Eles eram eventos realizados em funerais de pessoas ricas, que tinham condições para desperdiçar um item tão valioso quanto um escravo. Na cidade de Roma, o primeiro combate de gladiadores aconteceu na celebração de um funeral em 264 a.C. Depois disso, esse tipo de exibição só ganhou popularidade.

Em 105 a.C., os gladiadores foram incluídos nos ludi, que eram as grandes festas nacionais de caráter religioso que aconteciam ao longo do ano. Esses jogos também incluíam a exibição de peças de teatro, as corridas de cavalos no circo e as competições atléticas no stadium.

Os ludi romanos.

A tradição dos combates de gladiadores se manteve por mais de 700 anos, e há muitos indícios que provam que ela era muito popular entre os romanos, especialmente os mais pobres. O auge dessa prática foi o século 1 e 2 d.C.

Ludus e Lanista

Mas quem eram os gladiadores? Todo gladiador era um escravo adquirido por um lanista para o propósito específico de lutar em arenas. O lanista era um empresário dono de escravos, que organizava o treinamento para transformá-los em gladiadores e alugava os serviços deles para a exibição nos jogos.

Às vezes o lanista também eram contratado por ricos que já possuíam seus próprios lutadores, para que eles fossem treinados e preparados. Muitos lanistas não tinham dinheiro para bancar a compra, alimentação, segurança e cuidados dos gladiadores, por isso vendiam seus serviços para quem tinha.

O lanista costumava ser um ex-gladiador, alguém com experiência na área. No famoso filme Gladiador, de 2000, o lanista se chamava Proximus e era um ex-gladiador.

O lanista Proximus no filme Gladiador (2000).

O treinamento dos gladiadores era feito em escolas chamadas ludus.

Ludus na cidade romana de Pompéia.

No auge da popularidade desse esporte, haviam 4 escolas em Roma, a maior delas tinha mais de 2 mil gladiadores. No século 1 e 2 d.C. elas também se tornaram comuns nas províncias.

Treinamento em ludus de Pompéia, 78 d.C. Ilustração moderna de Angus McBride.

A vida na Ludus era difícil, especialmente para os novatos. Os gladiadores viviam trancados e vigiados, e passavam boa parte do dia treinando com seus colegas. A alimentação era simples, baseada em uma dieta de carboidratos, especialmente cevada, que era mais barata e de menor qualidade que o trigo.

Suicídios não eram incomuns, muitos não aguentavam o regime de treinos e a pressão das escolas. Há muitos casos registrados de suicídios. Segundo um relato do filósofo Sêneca, no século 1 d.C., um novato usou um tersorium (abaixo) para cometer suicídio.

Recriação moderna de um Tersorium e de um banheiro público romano.

Um tersorium era uma escova com uma esponja usada nas latrinas para fazer a higiene das partes íntimas depois de fazer o número 2. Um gladiador novato teria se escondido na latrina do anfiteatro antes da luta e enfiado um tersorium garganta abaixo, para não ser forçado a lutar na arena.

Os gladiadores só passavam a ter uma vida mais confortável se sobrevivessem a vários combates e ganhassem notoriedade. Conforme ele começasse a dar mais lucros ao lanista, esse podia lhe oferecer alguns agrados, como uma melhor alimentação, companhia de mulheres, melhores acomodações, etc. Há registros de gladiadores com mulheres e até filhos.

Os gladiadores também tinham acesso a banhos e médicos. Além de unctores (os massagistas). Um fato interessante sobre o os unctores que eles ganhavam um dinheiro extra vendendo o óleo e a raspagens da pele dos gladiadores como creme contra envelhecimento, e esse produto era adquirido pelas mulheres romanas.

Os treinadores se chamavam doctores e também costumavam ser ex-gladiadores. O treinamento começava com os novatos praticando com um palus (um poste de madeira de cerca de 1,7 m), depois eles recebiam espadas de madeira e por fim espadas de ferro sem fio.

Gladiadores treinando no Palus, segundo recriação moderna.

Os futuros gladiadores treinavam por vários meses até o primeiro combate, depois disso eles participavam de cerca de 3 a 4 jogos por ano. No período republicano os jogos eram organizados por políticos em ascensão buscando ganhar prestígio com a população. Eles então ofereciam jogos muito extravagantes e depois de terem conquistado o amor da plebe concorriam às eleições para alguma magistratura.

No período imperial as escolas passaram a ser organizadas pelo Império e os próprios jogos ficavam sob a responsabilidade de um magistrado escolhido pelo imperador. Em Roma, os jogos eram financiados pelo império ou pelo próprio magistrado, mas nas províncias os próprios lanistas financiavam os jogos ou eram contratados por clientes ricos.

Voluntários

Eu já comentei o fato de que os gladiadores eram escravos. Mas muitos se voluntariavam para a função de gladiadores, e ao fazer isso se tornavam escravos dos lanistas. Para simbolizar a perda do título de cidadão romano, o voluntário era chicoteado quando assumia sua nova vida.

(...) alguns deles de origem nobre, como cavaleiros ou mesmo senadores, que se ofereciam como gladiadores, colocando-se sob o poder de seu mestre (o lanista), ao qual prestavam um juramento sagrado. O Satyricon, de Petrônio, preservou-nos as palavras desse juramento: "juro deixar-me ser queimado, amarrado, chicoteado, morto pelo ferro e qualquer outra coisa que meu senhor ordene". (Sta.177) (GUARINELLO, p.129)

Mas porque alguém iria querer se tornar um gladiador? Bem, se a gente comparar a profissão de gladiador com a de soldado, haviam algumas vantagens consideráveis:

Gladiador x Legionário. Ilustrações modernas.

Ambos colocavam sua vida em risco, mas um gladiador que conseguisse sucesso na arena podia ganhar muito mais fama e dinheiro do que um soldado. O gladiador podia construir um nome para si mesmo e, embora o gladiador tivesse um status social mais baixo (ele era um escravo afinal de contas), o dinheiro, a fama e a atenção das mulheres era motivação o suficiente para que muitos escolhessem esse caminho.

Além disso, os gladiadores voluntários (conhecidos como auctorati) tinham um tratamento melhor nas escolas. Pelo menos não eram tão vigiados, já que não havia o risco de suicídio e fuga. Sem falar que, caso conseguissem ganhar dinheiro, poderiam pagar por sua liberdade.

Os gladiadores passavam no mínimo 5 anos lutando, mas como só participavam de 1 a 3 jogos por ano, estima-se que eles deveriam lutar apenas algo em torno de 15 lutas em toda a carreira. Os soldados, por outro lado, eram obrigados a ficar pelo menos 10 anos no exército, e no início do principado esse tempo aumentou para 16 anos e mais 4 anos na reserva.

Venationes

Falamos até aqui dos gladiadores, mas os jogos realizados na arena não estavam restritos ao combate de gladiadores. Na verdade, no período imperial havia uma divisão muito clara nos jogos na arena: de manhã ocorriam as venationes, de meio-dia a execução de criminosos e apenas a tarde o combate de gladiadores.

Mas o que eram as venationes? As venationes eram espetáculos onde os protagonistas eram animais selvagens. Esses animais eram trazidos de todo o império e, uma vez soltos na arena, eram caçados pelos bestiarius. O bestiarius era um tipo de gladiador que havia sido treinado exclusivamente para lutar contra animais, esses gladiadores tinham a sua própria ludus.

Venationes representadas no Mosaico Borghese, Roma. Século 4 d.C.

Os animais que eram soltos na arena eram mortos com lanças, espadas ou flechas. O próprio imperador Cômodo, famoso por atuar na arena, uma vez teria matado 100 leões em um único dia, atirando flechas de cima de um pódio. Muitas vezes a arena era decorada com vegetação, para criar um ambiente mais exótico parecido com o ambiente selvagem.

Animais representados no Mosaico Lod, Israel. Cerca 300 d.C.

Mas os animais não eram só caçados e mortos, alguns deles eram treinados para executar truques diante da multidão. Há registros de um elefante que foi treinado para se ajoelhar em frente ao palanque do imperador. Muitos nobres iam para casa depois das venationes, pois achavam os espetáculos seguintes de mal gosto e coisa de pobre.

Noxii

Na parte do meio-dia a arena recebia um outro grande evento: a execução de criminosos, chamados de noxii. Os criminosos tinham um tratamento mais duro, e não recebiam qualquer tipo de treinamento. Eles eram jogados dentro da arena e tinham que enfrentam animais selvagens ou gladiadores profissionais. Algumas vezes eles recebiam armas para tentar se defender, e morrer com honra, mas em outras ocasiões eles simplesmente eram amarrados para serem devorados pelas feras selvagens. Eles também podiam receber armas e serem obrigados a lutar entre si.

Essas exibições sangrentas de morte e punição nos anfiteatros eram abertamente divulgadas como entretenimento público mas também sutilmente serviam para enfatizar, pela morte dos criminosos, rebeldes capturados e prisioneiros de guerra, que Roma não toleraria aqueles que desestabilizassem o domínio que ela tinha trabalhado tão duro para criar. As leis de Roma deveriam ser vistas punindo os infratores. (WISDOM, p.5)

Execução de criminosos. Pintura de Jean-Léon Gérôme (1824-1904).

Os noxii sempre morriam - é para isso que eles estavam lá - a não ser que recebessem o perdão por demonstrarem muita coragem. Na série de TV Roma (vídeo abaixo) é justamente isso que acontece. Quando o personagem Tito Pullo é condenado a morte na arena, o povo o idolatra pela sua demonstração de coragem e por isso ele recebe o perdão dos seus crimes.

Outra forma de matar criminosos era através da organização de grandes batalhas navais simuladas. As chamadas naumachie. A imagem abaixo mostra barcos dentro de uma arena cheia da água. Há uma fonte romana que cita que isso chegou a ser realizado, mas muitos estudiosos acreditam que não há evidências suficientes que suportem essa teoria.

Naumachie segundo ilustração moderna.

Essas batalhas provavelmente eram realizadas em lagos dentro da cidade, ou então os organizadores criavam lagos artificiais apenas para os jogos. Grandes batalhas navais da antiguidade, como a Batalha de salamina ou alguma batalha das guerras púnicas eram simuladas e noxii eram colocadas dos dois lados, para que lutassem e morressem pelo entretenimento do público.

Gladiadores

O espetáculo principal com a luta dos gladiadores começava a tarde. Há mosaicos que mostram que havia música ao vivo durante as lutas.

Música ao vivo na arena.

Na arena o “teatro” era mais importante que as táticas militares, os gladiadores estavam equipados para ter uma aparência interessantes e chamativa e não usavam o equipamento mais eficiente e protetivo possível. Haviam vários de tipos de gladiador, sendo os principais: o Secutor, o Murmillo, o retiário, o trácio.

As classes de gladiadores. Ilustrações modernas.

Cada um deles tinha um tipo diferente e bem chamativo de equipamento. E normalmente os combates ocorriam entre tipos diferentes de gladiadores, para que cada um pudesse se aproveitar das fraquezas do armamento utilizado pelo adversário.

As lutas podiam chegar a ter 15 minutos de duração e os combates não podiam acabar rápido demais. Alguns mosaicos mostram que entre os gladiadores havia um homem de túnica segurando um pedaço de pau (foto abaixo). Algumas pessoas acreditam que esse era um lanista, o dono dos gladiadores, que ficava ao lado para estimulá-los, assim como um treinador de box faz hoje em dia. Outros estudiosos acreditam que se tratava de um juiz que estava ali para de certa forma controlar a luta.

Mosaico dos gladiadores. Nennig, Alemanha. Século 2 d.C.

Os gladiadores tinham seu próprio nome artístico e conforme venciam combates sua fama crescia. Seus nomes eram anunciados semanas antes dos jogos e havia um grande mercado de apostas, sobre quem venceria os combates. No entanto, quase todos os gladiadores usavam elmos que escondiam o rosto, o que é estranho, era de se esperar que os fãs quisessem ver o rosto dos seus ídolos e presenciar as emoções que passavam por eles durante o combate. Um vídeo que eu vi recentemente levantou a hipótese que o uso de elmos tão fechados era um facilitador para a corrupção, permitindo que os gladiadores conversassem durante a luta, sem que o público percebesse, assim eles poderiam combinar movimentos e ataques para entreter o público e evitar lesões mais sérias.

Morte na arena

Aqui entramos na questão mais importante: a letalidade dos combates de gladiadores. Os filmes de Hollywood deixam muito claro, todos os combates de gladiadores acabam com a morte do perdedor, e o público queria sangue. Mas não podemos esquecer que o público já tinha assistido a morte de dezenas de animais e outra dezena de criminosos. Então fica a questão: como acabavam os combates entre gladiadores?

Os gladiadores novatos,  que tinham sido adquiridos pelo lanista a poucos meses, eram colocados na arena para seu primeiro combate e precisavam lutar até a morte. Apenas sobrevivendo aos primeiros combates, os novatos provariam que valia a pena que o lanista continuasse a investir nele. Então o combate dos novatos era até a morte.

Mas os gladiadores mais experientes seguiam uma lógica diferente. Em primeiro lugar, havia a possibilidade de empate, isso ocorria casos os gladiadores não conseguissem ferir um ao outro mortalmente. Também havia a possibilidade de rendição, mosaicos romanos mostram gladiadores virando as costas para o adversário, e levantando o dedo indicador, para mostrar que estavam se rendendo.

Rendição de gladiador retratada no mosaico Zlitene, Líbia. Século 2 d.C.

Quando isso acontecia o público na arena podia decidir o destino do perdedor. Se o gladiador tivesse lutado com vontade, o público normalmente permitia que ele vivesse. A decisão final cabia ao organizador dos jogos ou ao imperador. E era costume obedecer a opinião do público. Os imperadores Calígula e Cláudio foram odiados pela multidão por desrespeitar a vontade do povo e ordenar a morte de gladiadores.

No entanto, haviam combates que obrigatoriamente tinham que acabar com morte, eram os chamados sine missione. Nesse caso o organizador pagava uma quantia muito maior pela compra dos gladiadores do lanista. Essa prática chegou a ser proibida sob Augusto.

Um exemplo muito conhecido que reflete as estatísticas de um gladiador é a do famoso Flamma, um lutador sírio, que teve 25 vitórias, 4 derrotas e 9 empates. O historiador George Ville também estudou esse tópico e percebeu que nas 100 lutas estudadas só 19 acabaram em morte. Mas com o tempo os combates se tornaram mais mortais, no século 3 as chances já eram de 1 morte a cada 2 lutas.

Quando os gladiadores morriam, o funeral era realizado pelos próprios companheiros de profissão, ou em casos especiais pelo próprio lanista. Também houve casos em que fãs do lutador pagaram pelas despesas. Outro fato interessante, é que na época muitos acreditavam que o sangue de gladiadores tivesse fins medicinais, e podia ajudar pessoas com epilepsia, embora não saibamos como esse sangue era utilizado. Essa prática, da valorização do sangue dos mortos, se manteve com os mártires cristãos nos séculos posteriores, o que levou a criação de relíquias religiosas.

Rudis

Os gladiadores que se tornavam famosos costumavam ganhar fortunas nos jogos, normalmente de presentes de fãs. E eles podiam se aposentar comprando a sua liberdade, mas também havia uma outra possibilidade de aposentadoria. O gladiador poderia ganhar a rudis, um gládio de madeira concedido pelo organizador dos jogos. Essa espada podia ser dada para um gladiador que demonstrasse uma grande técnica e coragem na arena. Quando o gladiador recebia a rudis e era libertado, o lanista ganhava o valor de mercado em compensação.

Uma recrição moderna de uma rudis, um gládio de madeira.

O gladiador que a recebesse a rudis podia continuar a lutar como gladiador se quissesse, nesse caso ele seria chamado de rudiarius, um gladiador que já havia recebido a liberdade mas continuava a lutar por vontade própria. Outros, no entanto, escolhiam virar doctores, alguns viravam guarda-costas, ou até lanistas. Mas muitos escolhiam voltar a essa vida mesmo assim. O famoso Flamma, que citei antes, foi um deles. Os rudiarius ganhavam um pagamento muito maior por suas lutas, e isso contribuía para manter muitos na arena.

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Escrito por Moacir Führ

Moacir tem 36 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
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