Mauá - Desafio inovador numa sociedade arcaica

Por singular coincidência, a reedição da Exposição aos credores e ao público feita por Mauá em 1878, em boa hora empreendida pela Fundação Ulysses Guimarães, veio como que a propósito na atual conjuntura politica e econômica do Brasil. Coisa extraordiniria. Fato inusitado. Um dos maiores financistas do século, que aos 47 anos controlava 17 megaempresas na Europa e nas Américas do Sul e do Norte, cujos ativos eram muito superiores a todo o orçamento do Estado brasileiro, em meio a uma crise provocada por esse mesmo Estado abre-se, por livre e espontânea vontade, ao julgamento de seus concidadãos: "a explicação é ao mesmo tempo um direito e um dever [...], pois ambiciono ser julgado pela verdade verdadeira e não pelas interpretações da maledicÊncia".

lrineu Evangelista de Souza, visconde de Mauá com grandeza, não cogitou de fugir para outro continente, nem de albergar-se na chicana politica de seus correligionarios. Pediu uma moratória de três anos. desfez-se de suas empresas e de seus bens pessoais. e pagou tostão a tostão a quantos se habilitaram na disputa de seu patrimônio. Ha quem assevere que sua fortuna. convertida a valores atuais. corresponderia a cerca de 60 bilhões de dólares.

Vale para Maná, a mais completa figura de self-made man produzida pelo país em todos os tempos, e esperamos valha para todos quantos se aplicam à vida publica no Brasil, o ensinamento do grande jurista Miguel Reale em sua clássica Introdução à Filosofia: "os valores são..., algo que o homem realiza em sua própria experiéncia e que vai assumindo expressões diversas e exemplares. projetando-se através do tempo. numa incessante constituição de entes valiosos".

Escrito em 1878. a Exposição aos Credores, de Irineu Evangelista de Souza. visconde de Mauá (1813/1889), preserva inteira atualidade, sem embargo de que tenha em vista circunstância especifica: dar conta das razões da impossibilidade financeira de assegurar a propriedade de seus empreendimentos, bem como firmar de público o compromisso (que cumpriu) de não transferir aos credores o ônus dos prejuízos dai decorrentes.

A atualidade do texto diz respeito tanto a linha da modernização econômica do pais, que tinha em vista alcançar, bem como dos valores que devem orientar a ação do empresariado.

O caminho da modernização em causa, centrada na industrialização, somente se completaria um século depois, mas progressivamente atribuiu prioridade a infraestrutura básica, justamente a natureza dos projetos de Mauá. Com efeito, compreendiam a industria naval, a implantação de estrada de ferro e rodovia, bem como a melhoria da navegação. Atuou simultaneamente no transporte urbano e nas comunicações.

Por suas relações comerciais e pessoais com a Inglaterra, acompanhou de perto o empolgante debate que ali tinha curso, graças à experimentação do livre-cambismo, nome da época do que depois ficou conhecido como liberalismo econômico ou economia de mercado. Mais que isto: pressupunha.,igualmente, a modernização da atividade agrícola, indo além da eliminação do trabalho escravo. Além disto, reivindicava, nesse processo, a liderança do empresariado, sem embargo do arcabouço jurídico-institucional a cargo do Estado, com que não pode contar. Completa-se a mensagem pelo elogio da probidade no excrucio da atividade econômica, a que chamou de velha escola de moralidade positiva.