GIORDANI, Mario Curtis. História dos Reinos Bárbaros - Vol.2 A Civilização. Petrópolis: Vozes, 1976.
Esse livro é dedicado a descrição da civilização européia entre os anos de 476 e 800 na Europa Ocidental. A obra é um complemento ao primeiro volume que trata dos acontecimentos políticos do período.
Como já comentei em outras ocasiões, Mario Curtis Giordani tem um estilo bem característico de organização de suas obras. Elas são divididas em vários capítulos onde cada aspecto da sociedade é trabalhado separadamente. Por um lado isso facilita o acesso rápido às informações, mas ao mesmo tempo a obra se torna pouco fluida e até repetitiva, com certas informações sendo reiteradas em praticamente todos os capítulos.
Essa obra conta com 9 capítulos, um para cada aspecto da sociedade da Alta Idade Média: Política e sociedade, Economia, Direito, Educação e Literatura, Filosofia, Artes, Vida Cotidiana, Igreja e o Legado.
Em termos de contéudo essa é uma obra enciclopédica, com uma vasta quantidade de informações, mas a escrita não é descomplicada, então a leitura se torna lenta e as vezes não muito agradável. Os capítulos sobre Política e Direito, por exemplo, são ricos em informação, mas a escrita é complicada, e o desejo do autor de contar separadamente as características de cada um dos reinos bárbaros (visigodo, ostrogodo, franco, anglo-saxão, etc) torna a leitura cansativa e repetitiva. Giordani dá bastante destaque aos reinos Merovíngio e Carolíngio, o que é justificado já que eles foram os mais importantes e que tiveram uma influência maior no desenvolvimento da Europa.
Alguns temas são muito interessantes: eu chamo a atenção para os capítulos sobre Economia (2), Educação e Literatura (4) e Vida Cotidiana (7). O capítulo sobre Direito (3) também têm informações muito importantes sobre a questão da Personalidade das Leis, em oposição ao princípio da Territorialidade das Leis. Mas novamente, devido a uma linguagem desnecessariamente rebuscada, o uso constante do "Juridiquês" e ao hábito que o autor possui de querer citar cada detalhezinho conhecido (mesmo quando eles são irrelevantes), a leitura fica um pouco cansativa.
O capítulo sobre a Estrutura Política e Social (1), é outro exemplo: essa parte da obra ocupa quase 80 páginas porque o autor sentiu a necessidade de registrar cada detalhezinho sem importância de cada um dos reinos. Giordani realmente não tem uma grande capacidade de síntese, e essa percepção é muito necessária para o ensino da História. Ao mesmo tempo, o capítulo que fala da Vida Cotidiana, e que trata de um tema muito útil para o melhor entendimento do vida do homem medieval, é resumido em cerca de 25 páginas. A questão da relíquias religiosas, por exemplo, é comentada em 2 parágrafos! A caça e os divertimentos da vida cotidiana receberam menos de uma página!
A questão religiosa
Mario Curtis Giordani é um ex-seminarista formado em Filosofia e Teologia e - é necessário dizer - é um cristão ardoroso. Infelizmente ele não é nem um pouco confiável quando o assunto é a religião cristã, devido a sua incapacidade de demonstrar espírito crítico quando a reputação da Igreja está em jogo. Ele sempre amolece e justifica os atos cristãos, e como a Idade Média é um período marcado pelo poder do cristianismo, isso é algo que realmente causa sérios danos a história do período.
O autor chega ao ponto de criticar alguns dos imperadores romanos do Baixo Império porque "nem sempre agem com energia e coerência" (p.286) contra o paganismo, e na página seguinte afirma que muitos pagãos se converteram ao cristianismo mas mantiveram sua mentalidade "em que predominavam a imoralidade, a cobiça, a sede de poder" (p.286), indiretamente afirmando que o cristianismo não apresentava nenhuma dessas características. Quando qualquer pessoa que conhece o minímo sobre a Igreja medieval sabe que ela era marcada pela corrupção e pela busca incessante pelo poder e pela riqueza, embora, é importante frisar, alguns de seus membros realmente adotassem com gosto uma vida mais modesta.
O problema de Giordani é que ele decide parabenizar as boas ações da igreja, mostrando a igreja como uma chama de civilização e esclarecimento em meio a um mar de ignorância, mas ignora e minimiza as ações imorais dessa instituição, sempre destacando que é preciso analisar o contexto. Um historiador não deve fazer julgamentos morais! Ponto final! A igreja era formada pelos homens de seu tempo, e esses homens tinham seu lado positivo, como o homem de qualquer período, e seu lado negativo e violento. Nas obras de Giordani a Igreja é, erroneamente, retratada como uma locomotiva que carregou o homem medieval nas costas e conseguiu, a muito custo, manter a civilização viva.
Mas uma coisa fica muito clara ao ler o capítulo sobre Educação e Literatura (4) e Filosofia (5): a Igreja como instituição teve um papel fundamental na destruição da racionalidade típica do périodo Clássico. A prática dos religiosos de ler as obras clássicas e ignorar tudo que não contribuía para fortalecer o argumento cristão é uma marca da Idade Média. O racionalismo destruído pela Patrística e pela Escolástica, duas correntes de pensamento do período Medieval, só iria começar a florescer novamente com o humanismo renascimenta e o Iluminismo. E graças a esse reflorescimento a civilização ocidental seria capaz de se voltar para a Ciência e à experimentação, que levariam a Revolução Industrial e aos seus avanços.
Para mais detalhes sobre as obras, confira as fotos e leia minhas anotações de leitura nos links acima dessa resenha.
Resenha publicada em 28/09/2020.
Escrita por
Moacir Führ
Moacir tem 33 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.