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Amarna segundo reconstituição em 3D desenvolvida pelo projeto Amarna 3D de Paul Docherty.
Amarna é o nome árabe moderno para o local da antiga cidade egípcia de Akhetaton, capital do país sob o reinado de Akhenaton (1353-1336 a.C). O local é oficialmente conhecido como Tell el-Amarna, assim chamado pela tribo Beni Amran que vivia na área quando a cidade foi descoberta.
Um 'tell' em arqueologia é um monte criado pelos restos de sucessivas habitações humanas ao longo de um determinado número de anos. Como cada nova geração se baseia nas ruínas da anterior, seus edifícios sobem em elevação criando uma colina artificial.
Amarna difere do habitual 'tell' porque não caiu devido a um ataque estrangeiro ou terremoto e nunca foi reconstruída na antiguidade; em vez disso, foi destruída por ordem do faraó Horemheb (c. 1320-1292 a.C), que procurou apagar o nome e as realizações de Akhenaton da história; depois, suas ruínas ficaram na planície do rio Nilo durante séculos e gradualmente foram reaproveitadas por outras pessoas que viviam nas proximidades.
Quando ele chegou ao poder, Akhenaton foi um rei poderoso ao qual foi confiado - como a todos os faraós - a manutenção de ma'at (harmonia e equilíbrio) na terra. Ma'at era o valor central da cultura que permitia que todos os aspectos da vida funcionassem harmoniosamente. Ela surgiu no começo da criação e, naturalmente, a observância de um rei e a manutenção de Ma'at dependiam fortemente da devida veneração dos deuses através do culto e dos rituais tradicionais.
Embora Akhenaton inicialmente mantivesse essa prática, por volta do quinto ano de seu reinado (c. 1348 a.C), ele aboliu a antiga religião egípcia, fechou os templos e impôs sua própria visão monoteísta sobre o povo. Essa inovação, embora saudada pelos monoteístas nos últimos cem anos, enfraqueceu a economia egípcia (que dependia muito dos templos), distraiu o rei dos assuntos estrangeiros, estagnou as forças armadas e resultou na perda significativa de status do Egito entre as terras vizinhas.
É por essa razão que o filho e sucessor de Akhenaton, Tutancâmon (c. 1336-1327 a.C), devolveu o Egito às práticas religiosas tradicionais e rejeitou o monoteísmo de seu pai. Ele não viveu o suficiente para completar a restauração do Egito, e isso foi realizado por Horemheb. Esse período da história do Egito é conhecida como o Período de Amarna e geralmente é datado a partir das reformas de Akhenaton até o reinado de Horemheb: um período de menos de 30 anos que vai de cerca de 1348-1320 a.C.
O deus que Akhenaton escolheu para substituir todos os outros não era de sua própria criação. Aton era uma pequena divindade solar que personificava a luz do sol. O egiptólogo David P. Silverman aponta para o fato de que tudo que Akhenaton fez foi elevar esse deus ao nível de um ser supremo e atribuir-lhe as qualidades outrora associadas a Amon, mas sem nenhuma das características pessoais desse deus. Silverman escreve:
Ao contrário das divindades tradicionais, esse deus não poderia ser representado: o símbolo do disco solar com raios, que domina a arte de Amarna, nada mais é do que uma versão em grande escala do hieróglifo da "luz". (p.128)
O deus de Akhenaton era a luz, a luz do sol, que sustentava toda a vida. Ao contrário dos outros deuses, Aton estava acima das preocupações humanas e não possuía fraquezas humanas. Como Akhenaton expressa em seu Grande Hino ao Aton, seu deus não podia estar com ciúmes ou deprimido ou irritado ou agir por impulso; ele simplesmente existia e, por essa existência, fez com que todo o resto existisse.
Um deus tão poderoso e inspirador não poderia ser adorado no templo reaproveitado de qualquer outro deus, nem mesmo em qualquer cidade que conhecesse a adoração de outras divindades; ele precisava de uma nova cidade construída exclusivamente para sua honra e adoração.
Esta cidade era Amarna, construída a meio caminho entre as tradicionais capitais de Mênfis no norte e Tebas no sul. Estelas de fronteira foram erguidas em intervalos em torno de seu perímetro, elas contavam a história de sua fundação. Em uma delas, Akhenaton registra a natureza do local que ele escolheu:
Eis que o Faraó que a encontrou - não sendo propriedade de um deus, não sendo propriedade de uma deusa, não sendo propriedade de um governante masculino, não sendo propriedade de um governante feminino, e não sendo propriedade de qualquer pessoa. (Snape, p.155)
Outras estelas e inscrições deixam claro que a fundação da cidade era uma iniciativa inteiramente de Akhenaton como indivíduo, não como rei do Egito. Um faraó do Novo Reino do Egito (c. 1570-1069 a.C) iria criar uma comissão para a construção de uma cidade ou templo ou erguimento de obeliscos ou monumentos em seu nome real e para a glória de seu deus particular, mas esses projetos beneficiariam a nação coletivamente, não apenas o rei. A cidade de Akhenaton foi construída com o único propósito de fornecer-lhe um elaborado recinto sagrado para o seu deus.
Amarna foi construída ao longo de dez quilômetros na margem leste do Nilo, entre a costa e os penhascos acima de Assiut. Algumas estelas limítrofes foram esculpidas diretamente nas encostas, com outras isoladas no outro lado da cidade. Os quatro principais distritos eram a Cidade do Norte, Cidade Central, Subúrbios do Sul e Periferia, mas nenhum desses nomes foi usado para designar os locais na antiguidade.
A cidade do norte foi construída em torno do Palácio do Norte, onde os convidados eram recebidos e Aton era adorado. A família real vivia em apartamentos nas traseiras do palácio e as salas mais opulentas, pintadas com cenas ao ar livre, representando a fertilidade da região do Delta, eram dedicadas a Aton, que acreditava-se que as habitasse. O palácio não tinha telhado - uma característica comum dos edifícios em Amarna - como um gesto de boas-vindas a Aton.
A Cidade Central foi projetada em torno do Grande Templo de Aton e do Pequeno Templo de Aton. Este era o centro burocrático da cidade onde os administradores trabalhavam e viviam. Os subúrbios do sul eram o distrito residencial da elite rica e apresentavam grandes propriedades e monumentos. A Periferia era habitada pelos camponeses que trabalhavam nos campos e nos túmulos da necrópole.
O próprio Akhenaton projetou a cidade para seu deus, como suas estelas de fronteira deixam claro, e recusou sugestões ou conselhos de qualquer outra pessoa, até mesmo de sua esposa Nefertiti (c. 1370-1336 a.C). Precisamente que tipo de sugestões ela pode ter feito é algo desconhecido, mas o fato de que Akhenaton faz questão de afirmar que não ouviu seus conselhos parece indicar que eles eram significativos. O egiptólogo Steven Snape comenta:
É óbvio que o projeto para a nova cidade, esculpido nas estelas limítrofes, estava profundamente preocupado em descrever as provisões que seriam feitas ao rei, sua família imediata, o deus Aton, e aqueles oficiais religiosos que deviam se envolver com o culto de Aton. É igualmente óbvio que ele ignorava completamente as necessidades da vasta maioria da população de Amarna, pessoas que teriam que ser removidas (possivelmente contra sua vontade) de suas casas para habitar a nova cidade. (p.158)
Uma vez que Akhenaton mudou sua capital para Amarna, ele concentrou sua atenção na adoração de Aton e os assuntos de estado foram cada vez mais ignorados, bem como as condições do país que estava entrando em declínio.
As Cartas de Amarna são tábuas cuneiformes descobertas em Amarna em 1887 por uma mulher local que estava cavando em busca de fertilizante. Elas são a correspondência entre os reis do Egito e os de nações estrangeiras, bem como documentos oficiais do período. A maioria dessas cartas demonstra que Akhenaton era um administrador capaz quando uma situação o interessava pessoalmente, mas também que, à medida que seu reinado progredia, ele se preocupava cada vez menos com as responsabilidades de um monarca.
Em uma carta, ele repreende fortemente o governante estrangeiro Abdiashirta por suas ações contra o outro, Ribaddi (que foi morto), e por sua amizade com os hititas que eram então inimigos do Egito. Isto, sem dúvida, teve mais a ver com seu desejo de manter amistosos os estados tampões entre o Egito e a Terra dos Hatti - Canaã e Síria, por exemplo, que estavam sob a influência de Abdiashirta - do que qualquer senso de justiça pela morte de Ribaddi e a tomada de Biblos.
Não há dúvida de que sua atenção a esse problema serviu aos interesses do Estado, mas, como outras questões semelhantes foram ignoradas, parece que ele só escolheu abordar questões que o afetaram pessoalmente. Akhenaton teve Abdiashirta trazido para o Egito e preso por um ano até que os avanços hititas no norte obrigaram sua libertação, mas parece haver uma diferença marcante entre suas cartas lidando com esta situação e a correspondência de outro rei em assuntos semelhantes.
Embora existam exemplos como este que mostram Akhenaton cuidando dos assuntos do Estado, há mais que fornecem evidências de seu desrespeito por qualquer outra coisa além de suas reformas religiosas e da vida no palácio. Deve-se notar, no entanto, que este é um ponto frequentemente - e calorosamente debatido entre os estudiosos nos dias modernos, como o é todo o Período de Amarna. Sobre isso, o Dr. Zahi Hawass escreve:
Mais foi escrito sobre este período na história egípcia do que qualquer outro e os estudiosos são conhecidos por chegar as vias de fato, ou pelo menos a grandes episódios de falta de educação, sobre suas opiniões conflitantes. (p.35)
A preponderância da evidência, tanto das cartas de Amarna quanto do decreto posterior de Tutancâmon, bem como indicações arqueológicas, sugere fortemente que Akhenaton era um governante muito pobre no que diz respeito a seus súditos e estados vassalos, e seu reinado, nas palavras de Hawass era "um regime voltado para dentro que perdera o interesse por sua política externa" (p.45).
Akhenaton via a si mesmo e sua esposa não apenas como servos dos deuses, mas a encarnação viva da luz de Aton. A arte do período retrata a família real como estranhamente alongada e estreita e, embora isso tenha sido interpretado por alguns como "realismo", é muito mais provável um simbolismo. Para Akhenaton, o deus Aton era diferente de qualquer outro - invisível, todo-poderoso, onisciente e transformador - e a arte do período parece refletir essa crença nas figuras curiosamente altas e finas representadas: elas foram transformadas pelo toque de Aton.
A cidade floresceu até a morte de Akhenaton; depois, Tutancâmon transferiu a capital de volta para Mênfis e, posteriormente, para Tebas. Tutancâmon iniciou uma série de medidas para reverter as políticas de seu pai e devolver o Egito às antigas crenças e práticas que mantiveram a cultura e a ajudaram a se desenvolver por quase 2 mil anos. Os templos foram reabertos e os negócios que dependiam deles foram renovados.
Tutancâmon morreu antes que pudesse terminar essas reformas, e elas foram levadas adiante por seu sucessor, o antigo vizir Ay, e depois por Horemheb. Horemheb fora general sob Akhenaton e o servira fielmente, mas discordava veementemente de suas reformas religiosas. Quando Horemheb subiu ao trono, Amarna ainda estava em pé (como evidenciado por um santuário construído para ele lá nessa época), mas ela não permaneceria intacta por muito tempo. Ele ordenou que a cidade fosse arrasada e seus restos despejados como preenchimento em seus próprios projetos.
Horemheb estava tão dedicado a apagar o nome e as realizações de Akhenaton que ele não aparece em nenhum dos registros históricos posteriores do Egito. Onde ele tinha que ser citado ele aparece apenas como "o herege de Akhetaton", mas ele nunca é nomeado e nenhuma referência é feita à sua posição como faraó.
As ruínas da cidade foram mapeadas e desenhadas pela primeira vez no século 18 pelo padre francês Claude Sicard. Outros europeus visitaram o local depois, e o interesse na área se renovou após a descoberta das Cartas de Amarna. As ruínas foram mais exploradas e mapeadas no final do século 19, pelo corpo de engenheiros de Napoleão durante sua campanha egípcia, e este trabalho atraiu a atenção de outros arqueólogos uma vez que a Pedra de Roseta foi decifrada e antigos hieróglifos egípcios puderam ser lidos por volta de 1824.
O nome de Akhenaton era conhecido, mas não o seu significado. Que só foi conhecido quando arqueólogos, no início do século 20, encontraram as ruínas onde Horemheb despejou partes da cidade como aterro. A partir de então a história de Akhenaton foi finalmente reunida.
Nos dias atuais, o local é uma extensão vasta e estéril de fundações arruinadas que está sendo preservada e escavada pelo Projeto Amarna. Ao contrário das ruínas de Tebas ou da aldeia de Deir el-Medina, pouco resta de Amarna para um visitante admirar. O egiptólogo Steven Snape comenta:
"além das modestas reconstruções de partes da cidade pelos arqueólogos modernos, não há praticamente nada a ser visto sobre a cidade de Amarna" (p.154).
Isso não é incomum, já que as cidades de Mênfis e Pi-Ramsés, ambas também capitais do antigo Egito - assim como muitas outras - estão em grande parte vazias hoje com muito menos monumentos do que os existentes em Amarna.
O que faz de Amarna um caso especial a este respeito é que a cidade não foi nivelada pelo tempo nem por um exército invasor, mas pelo sucessor do rei que a construiu. Em nenhum outro momento da história antiga do Egito, uma cidade foi destruída pelo sucessor de um rei para apagar seu nome. Remover o nome de um templo ou monumento ou tumba era o mesmo que condenar essa pessoa pela eternidade, mas, neste caso, apenas a remoção de uma cidade inteira satisfez o senso de justiça de Horemheb.
Os egípcios acreditavam que era preciso ser lembrado pelos vivos para continuar a jornada eterna na vida após a morte. No caso de Akhenaton, não foi apenas um túmulo ou templo que foi desfigurado, mas a totalidade de sua vida e de seu reinado. Todos os seus monumentos, em todas as cidades do Egito, foram demolidos e todas as inscrições com seu nome ou de seu deus foram editadas com formões. A heresia de Akhenaton era considerada tão séria, e os danos causados ao país eram tão graves que se acreditava que ele recebera o pior castigo que poderia ser aplicado no antigo Egito: a inexistência.
Tradução de texto escrito por Joshua J. Mark
Agosto de 2017
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.
Ilustração Jean-Claude Golvin.