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Amuleto com entalhe mostrando a passagem da Bíblia com a mulher com fluxo de sangue (Marcos 5:25–34) se postando diante de Jesus. Acreditava-se que a hematita interrompa o fluxo sanguíneo e por isso era o material preferido para amuletos relacionados à saúde reprodutiva feminina e problemas menstruais. Século 6-7. MET. N° 17.190.491
O cristianismo era central na visão de mundo e na identidade pessoal do bizantino comum; no entanto, existem abundantes evidências físicas de que alguns tipos de práticas religiosas ou "mágicas" populares foram difundidas desde a antiguidade tardia até o fim do império. Muitas dessas atividades envolviam proteção contra perigos e, mais frequentemente, problemas de saúde. A palavra apotropaica, que literalmente se refere a afastar o mal, é frequentemente aplicada a esses comportamentos rituais.
A medicina bizantina era muitas vezes impotente em remediar doenças, portanto doenças simples tinham o potencial de progredir para problemas com risco de vida. Como a causa de muitas doenças era desconhecida, elas eram atribuídas às vezes aos efeitos do mau-olhado ou a feitiços. Como conseqüência, o público recorria a métodos e práticas rituais sancionados pela igreja para prevenir doenças físicas e espirituais.
Por exemplo, imagens de Cristo e dos santos eram colocados em camafeus, objetos glípticos e fragmentos de roupas para obter proteção contra forças desconhecidas. Essas imagens eram algumas vezes acompanhadas de textos que visavam propiciar a proteção ou a cura. Tais práticas tecnicamente se enquadravam no âmbito da igreja, embora frequentemente ultrapassassem os limites do uso aceitável.
Um método popular de empregar imagens como forma de proteção espiritual era colocá-las em artigos de vestuário. A maioria dos exemplos existentes foi escavado no Egito, onde a areia seca e anti-séptica os preservou. Temas cristãos e pagãos foram criados em tecidos de tapeçaria e mais tarde anexados como decorações em roupas seculares, principalmente túnicas de linho.
Essas imagens foram incorporadas em roundels (orbiculi) e quadrângulos (tabulae) ou em tiras (clavi). Quando usadas para fins apotrópicos (proteger ou expulsar o mal), essas imagens costumavam ser colocadas em partes discretas de uma peça de vestuário, uma indicação de que a imagem não tinha a intenção de decorar a roupa; ao contrário, servia principalmente como "proteção" para o usuário, e pretendia repelir espíritos malignos.
Uma túnica de linho do século 5 (abaixo), provavelmente de Panopolis (Akhmim), é representativa do tipo básico de roupa usado durante a antiguidade tardia. Essas túnicas em forma de T abrem no pescoço; a roupa seria colocada sobre a cabeça e depois amarrada com um cinto. Embora as imagens neste exemplo representem cenas dionisíacas, algumas imagens pré-cristãs podem ser polivalentes e equiparadas a subtextos cristãos.
Dionísio evocava associações complexas com a morte, ressurreição e abundância que sugeriam paralelos com Cristo. Além disso, a associação íntima de Dionísio com o vinho era vista como um símbolo da Eucaristia. A presença de imagens dionisíacas em tais roupas indica que o proprietário era um devoto desse deus ou talvez um cristão que entendeu o subtexto cristão da imagem.
Um exemplo de tecido com imagens puramente cristãs é um roundel do século 7, com a história de José, filho de Jacó (abaixo). Imagens narrando a vida de José eram extremamente populares no Egito, e muitos exemplos são encontrados em roupas de tamanho infantil.
Os episódios relatam os vários perigos e provações que José venceu durante a infância com a ajuda de Deus; portanto, o uso de tais imagens nas túnicas das crianças era altamente apropriado. Além disso, a igreja egípcia acreditava que histórias bíblicas, como a história de José e episódios da infância de Cristo, refletiam positivamente a importância do Egito no quadro da história sagrada e, no caso de José, serviam para glorificar um personagem santo "local".
Roundels como este eram tipicamente colocados perto da bainha ou na área dos ombros de uma peça de roupa. Outro roundel na coleção do MET, tecido de seda, traz uma imagem de guerreiros montados lanceando um leão (abaixo). Imagens de cavaleiros vitoriosos sobre as forças do mal eram pensadas para proteger o proprietário de forças malignas semelhantes.
Os cavaleiros neste roundel de seda são mostrados matando um leão. No antigo Egito pré-cristão, animais selvagens freqüentemente simbolizavam os poderes do caos. Esta imagem fornece um exemplo de um tema pagão que se tornou uma fonte para a iconografia cristã dos santos a cavalo, como São Jorge, Sisinnios e Teodoro de Amásia. O que aparece inicialmente como uma imagem secular e aristocrática é na verdade impregnada de um tema religioso e protetivo.
Além de roupas, os bizantinos também empregavam pendentes de pedra para combater os efeitos da doença e afastar o onipresente perigo do mau-olhado. A crença em amuletos e nas propriedades mágicas das pedras não eram relegadas ao reino dos incultos e supersticiosos.
Durante o século 12, o autor e intelectual Miguel Pselo (1018 a 1081), descrevendo os vários efeitos das gemas em sua obra Sobre o Poder das Pedras, observou que o conhecimento desses efeitos medicinais remonta aos antigos sofistas Anaxágoras e Empédocles, uma tentativa, talvez, de dar a esse sistema de crenças um verniz de autoridade.
Pselo lista as propriedades de várias pedras: por exemplo, ágata cura dores de cabeça, sardonyx evita abortos quando cingidos na cintura e hematita, literalmente "pedra de sangue", quando misturada com água, cura problemas oculares. Acredita-se também que a hematita interrompa as hemorragias e era usada para amuletos destinados a aliviar problemas menstruais.
Um exemplo de um talismã que combina perfeitamente a iconografia e as propriedades "curativas" do material é um amuleto de hematita esculpido em entalhe representando uma Mulher com a Questão de Sangue (acima), que é milagrosamente curada ao tocar na túnica de Cristo. É provável que a mulher que usava esse objeto sofresse algum tipo de sangramento descontrolado; ela esperava ser curada, como a mulher retratada no amuleto, através de sua própria fé, mas também através do contato com as propriedades materiais da pedra, que se acreditava absorver sangue. O resultado desejado, a cura do mal, é representado no reverso do amuleto.
O intaglio oval com uma imagem de São Teodoro de Amásia matando um dragão (acima) foi esculpido em ágata por volta de 1300. Santos militares eram extremamente populares em Bizâncio e eles eram os guardiões celestes do império bizantino. Nesta pequena imagem, São Teodoro mata um dragão de várias cabeças; a postura e a iconografia da figura têm precedentes nas imagens clássicas de Héracles matando a Hidra.
Santos militares são tipicamente representados como fisicamente aptos e em ação vigorosa; isso contrasta com imagens de monges santos e bispos, cujas poses hieráticas e corpos espectrais ressaltam seu ascetismo e rejeição ao corpo. No exemplo acima vemos o jovem santo ativamente envolvido com as pernas afastadas. A ação do santo, quando ele lança sua lança no dragão monstruoso, um símbolo do diabo, destaca a função de amuleto desse objeto.
Talvez o mais importante protetor da humanidade contra o mal tenha sido o Arcanjo Miguel. Durante o final do período bizantino, ele foi ocasionalmente representado junto com a figura do profeta Daniel, que simbolizava a salvação dos fiéis. Os bizantinos normalmente representavam o Profeta Daniel com trajes orientais, com um chapéu quadrado, botas e um manto com um fecho. Esses sinais indicavam que a história de Daniel havia ocorrido na Babilônia, na corte de Nabucodonosor . A presença do Arcanjo Miguel e do Profeta Daniel em um único pingente (acima) ofereceu ao seu proprietário proteção contra perigos espirituais e físicos, bem como a possibilidade de redenção.
Tradução de texto escrito por Edmund C. Ryder
Setembro de 2008
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.