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"A Morte de Virgínia", de Heinrich Friedrich Fuger. Atualmente na Staatsgalerie Stuttgart na Alemanha. O estupro e morte de Virgína foi uma das tragédias que ocorreram durante a produção da Lei das Doze Tábuas.
Esse artigo é uma transcrição de um vídeo que fiz em dezembro de 2019.
As leis das 12 tábuas foram um conjunto de leis criado na Roma Antiga por volta do ano 450 a.C. Essas leis vieram para tentar apaziguar um conflito de classes que existia entre os patrícios (nobres) e a plebe. Vamos tentar entender um pouco esse conflito que vai se arrastar por todo o período republicano, e também vai ser chamado de Revoltas Plebéias.
As reivindicações dos plebeus eram três principais:
As leis das 12 tábuas vieram para tentar minimizar um pouco a questão da igualdade de direitos.
Na Roma Antiga nunca existiu o conceito de direitos iguais. Sempre existiram diversas classes: os patrícios, a classe dos cavaleiros e a plebe, que sempre tiveram direitos diferentes. Mas as leis das 12 tábuas vieram para criar uma série de padrões com relação a contratos, com relação a obrigações e questões de dívida.
O principal conflito que existia na época era a questão de que as leis não eram escritas, e elas não eram públicas. Então as leis existiam, mas elas estavam sobre o controle de uma classe de sacerdotes, do colégio de pontífices, e essas leis eram guardadas no templo, e apenas os pontífices tinham acesso a elas.
Então toda vez que havia algum tipo de evento político ou julgamento no tribunal, os pontífices tinham que estar presentes, porque apenas eles tinham o domínio das leis. E as leis não eram conhecidas publicamente. Então a principal exigência da plebe, no que diz respeito a igualdade de direitos, vai ser que as leis sejam escritas, publicadas e expostas, para que elas não possam ser alteradas conforme os pontífices e patrícios bem entendam.
Importante entender que na Roma Antiga dessa época, existia um sistema político: as assembléias, os comícios, o senado, as magistraturas. Mas o controle político estava totalmente nas mãos dos patrícios. Os patrícios compunham o senado, somente os patrícios podiam ser eleitos para magistraturas, patrícios compunham o colégio de sacerdotes; então o fato das leis não serem publicadas e escritas, fazia com que os patrícios pudessem manipular a lei a seu próprio favor. Conforme podemos conferir nessa citação:
Em Roma (...) havia leis escritas, sagradas e invariáveis. Mas essas leis que faziam parte da religião só se aplicavam aos membros da cidade religiosa [patrícios]. O plebeu não tinha o direito de conhecê-las (...). Foi esse caráter exclusivamente religioso da lei que a plebe quis fazer desaparecer. Exigiu não apenas que as leis fossem escritas e tornadas públicas, mas que houvesse leis aplicáveis igualmente aos patrícios e plebeus. (COULANGES, p.384/385)
Do ponto de vista político também houve uma luta constante durante o período republicano para que a plebe tivesse acesso aos cargos públicos. E uma das primeiras conquistas da plebe foi no ano 494 a.C., mais ou menos 44 anos antes das Leis das 12 Tábuas. A plebe conseguiu que fosse criado um cargo específico para os plebeus, para que eles também pudessem ter uma participação política. Esse cargo foi o cargo de Tribuno da plebe.
Esse tribuno podia comparecer as assembléias e as sessões do senado. E podia, não só vetar projetos e leis que ele entendia que iam contra os interesses da plebe, mas ele também podia propor novas leis e novas medidas. E foi graças a esse poder que os tribunos conseguiram propor a criação de um código de leis escrito.
Então, depois de muitos conflitos, os patrícios finalmente aceitaram criar esse código. Conforme essa citação:
Finalmente o senado resolver aquiescer, nomeando uma comissão de dez membros para a elaboração de uma lei que viesse regular as relações e estabelecer os direitos e deveres do povo. Os integrantes dessa comissão foram chamados decênviros. Dessa comissão não participou nenhum elemento da plebe. (PINHEIRO, p.50)
Segundo os historiadores antigos, inicialmente foi criada uma embaixada, e foram enviados patrícios romanos para cidades do mundo grego, para estudar as leis gregas, para usá-las como uma base para a criação de um código de leis romano. O historiador Tito Lívio chega a falar que foi enviada uma comissão para Atenas, para estudar o Código de Sólon (494 a.C.) (citação abaixo), mas segundo Pompônio, esses emissários foram para as cidades gregas do sul da Itália onde Hermodoro de Éfeso teria ajudado na sua elaboração.
(...) os tribunos fizeram uma proposta mais moderada aos patrícios. Era preciso acabar com as disputas. Se os projetos de lei da plebe lhes pareciam inaceitáveis, poderiam concordar ao menos com a designação de uma comissão mista de patrícios e plebeus com o encargo de redigir leis úteis às duas ordens e capazes de assegurar a igualdade e a liberdade. A idéia não desagradou aos patrícios. Contudo declararam que somente patrícios poderiam ser legisladores. E como todos estivessem de acordo quanto à lei, discutindo-se apenas quem as proporia, foram enviados a Atenas os legados Espúrio Postúmio Albo, Auto Mânlio e Públio Sulpício Camerino com a missão de copiar as célebres leis de Sólon e estudar as instituições, costumes e leis das demais cidades gregas. (LÍVIO, p.242/243)
Vamos lembrar que nessa época o mundo grego não se restringia a Grécia (confira mapa abaixo). Haviam cidades e colônias gregas por todo o Mediterrâneo, inclusive no sul da Itália. Nessa época que estamos tratando (450 a.C.) a Itália ainda não tinha sido unificada sob o domínio romano. Então essas cidades ainda eram independentes, Roma apenas dominava a região da Lácio, e segundo muitos historiadores foi para o sul da Itália que embaixadores foram enviados para estudar as leis gregas.
Muito se discute sobre essa questão da influência das leis das cidades gregas no código de leis romano. Teria sido isso apenas mais uma invenção dos romanos ou um evento real? Confira essa citação:
A ideia romana de que, para a elaboração das XII Tábuas, fora necessário enviar uma missão à Magna Grécia, ou mesmo a Atenas, para estudar o direito grego, copiar e traduzir as leis de Sólon, ou outras quaisquer, e usá-las como base para a redação do código decenviral, conquanto historicamente não fosse em si mesma impossível ou absurda, verificou-se ser uma hipótese tardia, resultante de um certo complexo romano, ao mesmo tempo de inferioridade e de superioridade, em relação à cultura grega. (CAMPOS, p.346)
Inferioridade no sentido de que os romanos sabiam que os gregos, em muitos aspectos, eram mais avançados. Inclusive na questão das leis, afinal já haviam leis escritas em muitas cidades gregas. E por outro lado, uma questão de superioridade, pela ideia romana de que, embora os gregos fossem superiores em muitos aspectos, assim que os romanos tentassem fazer a mesma coisa, eles fariam muito melhor.
Então em 451 a.C. foi criado o Colégio de Decênviros. Dez patrícios foram escolhidos para governar por um período de um ano, durante o qual eles deteriam o poder civil e militar. E ao final desse ano, eles apresentariam o novo conjunto de leis de Roma. O presidente dessa comissão era um patrício chamado Ápio Cláudio, que era muito popular entre a plebe.
Ao final desse mandato, 10 tábuas de lei foram apresentadas e aprovadas pelas assembléias, e se decidiu criar um novo colégio de decênviros, para criar duas novas tábuas extras, com algumas questões que ainda não haviam sido trabalhadas.
Esse segundo Decenvirato ficou marcado por muitos abusos, inclusive pelo assassinatos de inimigos políticos. O próprio Ápio Cláudio, que foi reeleito para o segundo decenvirato, foi acusado de uma tentativa de estupro.
Havia uma grande convulsão social naquele momento porque o território romano estava sendo invadido por povos vizinhos (sabinos e équos). Então, não só os decênviros estavam se comportando como ditadores, como também havia um temor geral dessas invasões. Chegando ao ponto dos decênviros serem chamados de os "Dez Tarquínios", uma referência aos reis que governavam Roma no período monárquico. Porque na visão do povo os decênviros estavam se achando tão poderosos, que chegavam a se comportar como verdadeiros tiranos. Toda essa convulsão social acabou levando a um levante da população, e para não serem mortos pelo povo, os decênviros renunciaram.
Depois disso, não só essas duas tábuas de leis foram aprovadas, mas também foram restituídas as magistraturas e esses decênviros foram julgados: dois deles se suicidaram e os outros foram condenados ao exílio.
Mesmo com esse final meio trágico da história, essas duas tábuas finais acabaram sendo aprovadas e se chegou ao número de 12 tábuas, e essas leis tiveram um impacto muito grande no direito romano posterior.
O objetivo das leis não era trazer igualdade, algo que nunca existiu na Roma Antiga. Era trazer estabilidade através da definição de regras que englobassem a todos em questão de direitos de propriedade, contratos e obrigações. No próximo artigo vamos falar uma análise sobre as leis e falar do seu impacto no direito romano.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.