Busque no site
Ver mais opções

Textos   >    Mesopotâmia

A história da cidade assíria de Kalhu (Nimrud)

6,9 mil visualizações    |    2914 palavras   |   0 comentário(s)

Capa do artigo: A história da cidade assíria de Kalhu (Nimrud)

Os Palácios de Nimrud restaurados. Conforme imaginados pelo primeiro escavador da cidade, A.H.Layard, a partir de desenho de James Fergusson. Via Wikimedia Commons.

Kalhu (também conhecida como Caleh, Calah, Calá e Nimrud, no atual norte do Iraque) era uma cidade na antiga Mesopotâmia que se tornou a capital do Império Assírio sob o comando de Ashurnasirpal II (reinou de 884-859 a.C) que transferiu o governo central da capital tradicional de Ashur. A cidade existia como um importante centro comercial pelo menos desde o primeiro milênio a.C. Ela estava localizada em uma rota comercial próspera ao norte de Ashur e ao sul de Nínive.

Mapa da Mesopotâmia destacando as principais cidades da época. Em azul a localização das capitais assírias, em verde outras cidades importantes e em vermelho a atual capital do Iraque, Bagdá.

A cidade havia sido construída em um local onde anteriormente havia existido uma comunidade comercial, sob o reinado de Salmaneser I (1274-1245 a.C), mas se dilapidara ao longo dos séculos. Ashurnasirpal II ordenou que os escombros fossem removidos das torres e paredes desmoronadas e decretou que uma cidade completamente nova deveria ser construída, o que incluiria uma residência real maior do que a de qualquer rei anterior. O Império Assírio foi governado de Kalhu de 879-706 a.C, quando Sargão II (reinou de 722-705 a.C) moveu a capital para sua nova cidade de Dur-Sharrukin.

Os grandes reis da Assíria continuaram a ser enterrados em Ashur, mas suas rainhas foram enterradas em Kalhu. Os túmulos das rainhas de Ashurnasirpal II, Tiglath-Pileser III, Salmaneser V e Sargão II, entre outros, foram descobertos em Kalhu. A cidade é amplamente conhecida como Nimrud porque esse é o nome que os arqueólogos do século 19 e 20 deram a ela, acreditando que era a cidade do rei bíblico Nimrod mencionado no livro de Gênesis. A cidade é mencionada especificamente em Gênesis 10: 11-12 como "Calá" e Nimrod é mencionado anteriormente:

E Cuxe gerou também Ninrode, o primeiro homem poderoso na terra. Ele foi o mais valente dos caçadores, e por isso se diz: "Valente como Ninrode". No início o seu reino abrangia Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinear. Dessa terra ele partiu para a Assíria, onde fundou Nínive, Reobote-Ir, Calá e Resém, que fica entre Nínive e Calá, que é uma grande cidade. (Gênesis 10:8-12)

Ashur (Assur), no texto bíblico, seria o filho de Ninrode, filho de Cush, filho de Ham, filho de Noé e assim Kalhu (se alguém aceita a narrativa bíblica), seria uma das primeiras cidades construídas após o Grande Dilúvio. Se de fato foi, e se houve mesmo um grande dilúvio, não é tão importante a este respeito como o fato de que a narrativa se refere a Kalhu como "uma grande cidade", que atesta a sua fama e importância muito antes de Ashurnasirpal II torná-la a capital do Império Assírio, quer se aceite a data da composição do Livro de Gênesis em cerca de 1400 a.C ou até mesmo a data tradicionalmente atribuída de 1272 aC.

A nova capital

Quando ascendeu ao trono em 884 a.C, Assurnasirpal II imediatamente teve que responder a revoltas que irromperam em todo o império. Ele impiedosamente derrubou todas as rebeliões, destruiu as cidades rebeldes e, como um aviso para os outros, empalou, queimou e esfolou vivo qualquer um que se opusesse a ele. Ele então garantiu suas fronteiras e expandiu-as através de campanhas que encheram o tesouro real com espólio. Tendo assegurado seu império, Ashurnasirpal II voltou sua atenção para sua capital em Ashur, que ele renovou (como ele também fez com Nínive e muitas outras cidades durante seu reinado).

Estátua de Ashurnasirpal II no Museu Britânico, com 1,1 metro de altura. Encontrada em Kalhu. N° 118871

Ashur estava entre as mais prósperas das cidades assírias e tinha sido a capital do Império Assírio desde o reinado de Adad Nirari I (1307-1275 a.C). Depois de adicionar seus próprios adornos e melhorias à grande cidade, Ashurnasirpal II agora sentia que era hora de mudar seu status.

Os moradores de Ashur tinham orgulho de sua cidade e de seu prestígio como cidadãos da capital. Alguns eruditos propuseram que Ashurnasirpal II queria uma cidade completamente nova, com uma nova população, que ele pudesse chamar de sua, a fim de elevar seu nome acima de seus antecessores e governar uma população devotada a ele, em vez de sua cidade. Esta é apenas uma teoria, no entanto, como não está claro o que exatamente o motivou a mudar a capital de Ashur. Ele escolheu a cidade arruinada de Kalhu e suas inscrições dizem:

A antiga cidade de Caleh, que Shalmaneser, rei da Assíria, um príncipe que me precedeu, havia construído, aquela cidade tinha caído em decadência e estava em ruínas, foi transformada em montículo e ruínas. Essa cidade eu construí novamente. Eu coloquei pomares ao redor dela, frutas e vinho que ofereci a Assur, meu senhor, eu cavei até o nível da água. Eu construí a parede dela; desde a sua fundação até o seu topo eu construí e completei. (tradução nossa)

O Palácio Noroeste de Kalhu. Reconstrução feita pelo Museu Metropolitano de Arte de Nova York.

A nova cidade de Kalhu cobria 360 hectares (890 acres) com uma muralha de 7,5 quilômetros ao redor. Quando foi concluída, Ashurnasirpal II realocou uma população inteiramente nova (16.000 pessoas) dentro das muralhas da cidade e passou a residir em seu novo palácio. Segundo a historiadora Karen Radner:

O edifício mais impressionante de Kalhu na época de Ashurnasirpal foi certamente seu novo palácio real. Com 200 metros de comprimento e 130 metros de largura, ele dominava os arredores e sua posição no monte da cidadela levava ao seu nome moderno, o Palácio Noroeste. Foi organizado em torno de três pátios, acomodando os apartamentos do estado, a ala administrativa e os aposentos privados que também abrigavam as mulheres reais. Aqui, vários túmulos subterrâneos foram descobertos em 1989, incluindo o último local de repouso da rainha Mullissu-mukannišat-Ninua de Ashurnasirpal, filha do copeiro do rei, um dos principais funcionários da corte. Seus ricos itens funerários dão uma impressão vívida do luxo em que o rei e sua comitiva viviam (RADNER, sem página, tradução nossa).

Confira abaixo o vídeo da reconstrução do palácio Noroeste de Nimrud, feito pelo Museu Metropolitano de Arte de Nova York.

Ashurnasirpal II queria que sua nova cidade fosse a mais grandiosa e luxuosa do império. Ashur era conhecido por sua beleza, e o rei queria que sua cidade fosse ainda mais impressionante. Ele criou um zoológico (pensado para ser o primeiro de seu tipo) e jardins botânicos que apresentavam animais exóticos, árvores e flores que ele havia trazido de suas campanhas militares. Em suas inscrições ele escreveu:

Eu cavei um canal do Alto Zab [Rio], cortei-o através do topo de uma montanha e chamei-o de Patti-hegalli. Eu irriguei as planícies do Tigre e plantei pomares com todos os tipos de árvores frutíferas nelas. Eu pressionei vinho e ofereci a primeira fruta para Assur, meu senhor, e para os templos da minha terra ... O canal desce em cascata para os jardins. As vielas tem cheiros doces, riachos como as estrelas do céu fluem no jardim de prazeres. (tradução nossa)

Quando a cidade, os jardins e o palácio foram concluídos e totalmente decorados com os relevos que revestem as paredes de seus corredores, Ashurnasirpal II convidou a população que vivia nos arredores, e dignitários de outras terras, a celebrar. O festival durou dez dias, e a Estela do Banquete registrou que 69.574 pessoas compareceram. O cardápio desta celebração incluiu, mas não se limitou a, 1000 bois, 1000 bois domésticos e ovelhas, 14000 ovelhas importadas e engordadas, 1000 cordeiros, 500 aves de caça, 500 gazelas, 10000 peixes, 10000 ovos, 10000 pães, 10000 medidas de cerveja e 10000 recipientes de vinho. Quando a celebração terminou, ele enviou seus convidados para casa “em paz e alegria” depois de permitir que os dignitários observassem os relevos em seu novo palácio.

Sua famosa Inscrição-Padrão contava repetidas vezes sobre seus triunfos na conquista e descrevia vividamente o terrível destino daqueles que se levantavam contra ele. A inscrição também permitia que os dignitários de seu próprio reino, e de outros, soubesse exatamente com quem estavam lidando.

A sala do Trono do palácio de Kalhu. Reconstrução do site The Institute for the Visualization of History.

Ele reivindicou os títulos de “grande rei, rei do mundo, o valente herói que vai adiante com a ajuda de Asur; aquele que não tem rival em todos os quatro cantos do mundo, o exaltado pastor, a poderosa torrente que ninguém pode resistir, aquele que venceu toda a humanidade, cuja mão conquistou todas as terras e tomou todas as cadeias de montanhas ”(Bauer, 337).

Seu império se estendia pelo território que hoje compreendia o oeste do Irã, Iraque, Síria, Jordânia e parte da Turquia e, depois que os convidados de sua festa haviam partido, ele se estabeleceu em seu novo palácio para governar.

Kalhu como capital do Império Assírio

Kalhu continuou como capital sob os reis assírios desde a posse de Ashurnasirpal II em 879 a.C até que Sargão II construiu sua nova cidade de Dur-Sharrukin entre 717-707 a.C e moveu a capital para lá em 706 aC. Os nove reis que governaram de Kalhu depois de Ashurnasirpal incluem (entre parênteses as datas dos reinados de cada um):

Shalmaneser III (859-824 a.C), o filho de Assurnasirpal, que continuou melhorando a cidade, incluindo o complexo do templo e o Grande Zigurate de Kalhu.

Shamshi-Adad V (824-811 a.C) sob cujo reinado a guerra civil irrompeu no império; Kalhu foi defendida com sucesso contra a facção rebelde.

Shammuramat, a regente  (811-806 a.C). Mais conhecida como a Rainha Semiramis, Shammuramat ocupava o trono no lugar de seu jovem filho Adad Nirari III, que então reinou de 806-782 aC e construiu seu próprio palácio em Kalhu. Neste momento, o palácio de Ashurnasirpal II foi transformado em um prédio do governo administrativo.

Shalmaneser IV (782-773 a.C), filho de Adad Nirari III, sobre quem pouco se conhece além das referências às suas campanhas de Urartu.

Ashur-Dan III (772-755 a.C), filho mais novo de Adad Nirari III, sob cujo reinado a peste atingiu a Assíria e Kalhu foi despovoada.

Ashur-Nirari V (754-746 a.C), filho mais novo de Adad Nirari III, cujo reinado foi marcado por perturbações e estagnação. As forças armadas nessa época haviam se tornado mais poderosas que o trono e os governadores provinciais estavam operando com um grau alarmante de autonomia. Em 746 a.C Ashur-Nirari V foi assassinado em Kalhu em um golpe por um usurpador chamado Pula que então reinou como Tiglath-Pileser III.

Tiglate-Pileser III (745-727 a.C) é reconhecido como um dos maiores reis do Império Neo-Assírio. De sua capital em Kalhu, ele reorganizou e revitalizou o império, criou o primeiro exército profissional da história do mundo e reestruturou o governo, além de expandir consideravelmente os limites do império. Ele contribuiu com Kalhu construindo o Palácio Central e reformando o templo.

Relevo de Tiglath-Pileser III em Kalhu (Nimrud). Museu Britânico. N° 118900

Salmaneser V (727-722 a,C), filho de Tiglate-Pileser III, que continuou as políticas de seu pai e sob cujo reinado várias campanhas foram lançadas, mas não concluídas com sucesso. Seu reinado terminou abruptamente em um golpe que trouxe Sargão II ao trono.

Sargão II (722-705 a.C) talvez fosse o irmão mais novo de Salmaneser V, não se sabe. Ele levou o Império Assírio ao seu auge como entidade política e militar. Ele também melhorou Kalhu através de projetos de construção, mas tinha todo uma outra capital em mente. Pouco depois de assumir o trono, ele decretou que uma nova cidade deveria ser construída como a capital do império (talvez para separar seu reinado daqueles de seus predecessores). Sua cidade, Dur-Sharrukin ("Fortaleza de Sargão"), foi construída entre 717-707 a.C e ele se mudou para o palácio em 706 a.C. Ele foi morto em batalha no ano seguinte, e a capital foi então transferida por seu filho, Senaqueribe, para Nínive.

Destruição e Descoberta

Depois que a capital foi transferida de Kalhu, ela continuou como capital provincial, mas perdeu seu prestígio. A cidade permaneceu sendo uma residência real para os reis quando eles visitavam a região, e evidências arqueológicas sugerem que ela continuou com essa função até a queda do Império Assírio. Os reis que vieram depois de Sargão II governavam de Nínive, mas ainda assim valorizavam cidades como Kalhu e Ashur. Senaqueribe (reinou 705-681 a.C), Esarhaddon (reinou entre 681-669 a.C) e Assurbanipal (reinou entre 668 e 627 a.C) parecem ter tido respeito pela cidade de Kalhu.

Após a morte de Assurbanipal em 627 a.C, o império começou a se desfazer. Kalhu foi queimada em 612 a.C, junto com Assur e Nínive, pela coalizão invasora de persas, medos e babilônios. A cidade foi saqueada e as ruínas foram deixadas a afundar na terra.

A cidade ficou enterrada por 2000 anos até que, em 1820, Claudius James Rich, da Companhia Britânica das Índias Orientais, visitou o local e escreveu uma descrição do mesmo. Esta descrição atraiu a atenção do arqueólogo Austen Henry Layard, que começou as escavações em Kalhu em 1845.

Desenho de Austen Henry Layard representando a corte de Kalhu.

Assistido por Hormuzd Rassam, Layard descobriu o Palácio Noroeste e vários templos. Layard tinha a impressão de ter descoberto Nínive e, portanto, seu relato publicado das escavações, em 1849, foi intitulado Nínive e seus vestígios e, devido à fama de Nínive da Bíblia, o livro tornou-se um best seller. O sucesso do livro despertou ainda mais interesse na história da Mesopotâmia como um meio de corroborar as narrativas bíblicas do Antigo Testamento, e assim novas expedições foram enviadas para a região em busca de outras cidades mencionadas na Bíblia. Foi nessa época que os arqueólogos reconheceram que o local não era Nínive e começaram a se referir a ele como Nimrud.

O arqueólogo William K. Loftus substituiu Layard e Rassam em 1854-1855, descobrindo os famosos marfins agora conhecidos como Marfins Loftus e (também, mais precisamente, como os Marfins de Nimrud), bem como os Tesouros de Nimrud, um conjunto de jóias de ouro e pedras preciosas.

Lamassu do palácio de Nimrud em exposição no MET. N° 32.143.1

As escavações continuaram, em intervalos, até a década de 1960, e muitas das mais importantes e mais conhecidas obras de arte assírias exibidas em museus hoje vêm de Kalhu. Os relevos de Ashurnasirpal II no Museu Britânico revestiam as paredes de lá, como antes revestiam o grande palácio de Kalhu, e os marfins estão expostos em museus em Londres, Iraque e Estados Unidos.

Igualmente importantes são as chamadas Cartas de Nimrud, que foram descobertas nas ruínas do palácio em 1952. Essas cartas constituem a correspondência real durante os reinados de Tiglate-Pileser III, Salmaneser V e Sargão II e foram provavelmente armazenadas no palácio depois que se tornou um escritório administrativo. Devido aos conflitos na região nas últimas décadas, nenhum trabalho arqueológico adicional foi feito em Kalhu, embora se suspeite que existam mais artefatos enterrados nas areias de lá.

Tradução de texto escrito por Joshua J. Mark
Agosto de 2014

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Postado por Moacir Führ

Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
Mais textos sobre Mesopotâmia
Comentários sobre o texto

Cadastre-se ou faça login para comentar

Cadastre-se

Ainda não há comentários nessa página.
Seja o primeiro a comentar.

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.