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Heródoto narra a batalha de Maratona (490 a.C.)

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Persas e gregos na batalha de Maratona. Ilustração moderna, autor desconhecido.

Sobre a fonte
Heródoto foi um historiador grego nascido em Halicarnasso, que viveu no século 5 a.C. Foi o autor de uma grande obra histórica conhecida como Histórias, nas quais narra, entre outros eventos, as Guerras Médicas (499-449 a.C.). Maratona foi uma das principais batalhas desse conflito, e uma grande vitória dos gregos sobre os invasores persas.

História, de Heródoto. Trecho do Livro VI - Érato - CII (102) à CXVII (117)

CII - Depois de haverem permanecido durante alguns dias na cidade dominada, abriram velas para a Ática e atacaram os Atenienses, pensando tratá-los da maneira como haviam feito com os Erétrios. Hípias, filho de Pisístrato, ordenou o desembarque em Maratona, o local mais apropriado em toda a Ática para o movimento da cavalaria e o ponto mais próximo da Erétria.

CIII - Informadas do desembarque, as tropas atenienses dirigiram-se ao encontro dos invasores. O exército ateniense era comandado por dez generais, entre os quais figurava Milcíades, filho de Címon e neto de Esteságoras. Címon se havia expatriado para subtrair-se aos maus desígnios de Pisístrato, filho de Hipócrates. Durante o exílio, aconteceu-lhe levantar, nos Jogos Olímpicos, o prêmio da corrida de carro a quatro cavalos, êxito já obtido por seu irmão Milcíades. Na Olimpíada seguinte, obteve nova vitória com os mesmos cavalos; mas fez proclamar Pisístrato em seu lugar, o que lhe valeu a reconciliação com o tirano, retornando à pátria. Depois disso, obteve ainda outra vitória nos Jogos Olímpicos, com os mesmos cavalos; mas os filhos de Pisístrato, que então já não existia, mandaram matá-lo, à noite, perto do Pritaneu, por sicários aliciados especialmente para esse fim. Címon foi enterrado nas cercanias da cidade, além da estrada que atravessa a Celéia; e ao seu lado os cavalos com que havia alcançado por três vezes o prêmio nos Jogos Olímpicos.

Os cavalos de Evágoras da Lacedemônia haviam realizado feito igual, mas nenhum conseguira tão grande número de vitórias como os de Címon. Esteságoras, o mais velho dos filhos de Címon, achava-se, então, no Quersoneso, na casa de Milcíades, seu tio pelo lado paterno, e o mais moço, de nome Milcíades, em Atenas, com Címon.

CIV - Era esse Milcíades, que tinha vindo do Quersoneso, um dos generais que comandavam as tropas atenienses que tinham ido ao encontro dos Persas em Maratona. Milcíades tinha escapado por duas vezes à morte; a primeira, quando os Fenícios o perseguiram até Imbros, tudo fazendo para prendê-lo e levá-lo ao seu soberano; a segunda, quando, tendo escapado a esse perigo e julgando-se em segurança na sua pátria, foi, pouco depois de haver ali chegado, atacado pelos seus inimigos, que o acusaram, perante a justiça, de ter implantado a tirania no Quersoneso. Tendo-se justificado contra seus acusadores, foi proclamado general dos Atenienses por sufrágio popular.

CV - Antes de deixarem a cidade, os generais atenienses enviaram a Esparta, na qualidade de delegado, Fidípides, ateniense de nascimento e hemeródromo de profissão. A acreditar-se no depoimento do próprio Fidípides ao regressar da sua missão, Pã apareceu-lhe perto do monte Partênio, pouco acima da Tégea, chamando-o em altas vozes pelo nome e ordenando-lhe que perguntasse aos Atenienses por que não lhe rendiam nenhum culto, a ele que sempre os tratara com benevolência, sendo-lhes útil em várias ocasiões, como ia sê-lo mais tarde. Os Atenienses deram fé às declarações de Fidípides, e quando a situação financeira lhes permitiu, ergueram uma capela a Pã, pouco abaixo da cidadela.

Desde aí, passaram a prestar culto a esse deus, oferecendo-lhe sacrifícios anuais e realizando em sua honra a corrida de fachos.

CVI - Chegando a Esparta no dia seguinte ao de sua partida de Atenas, Fidípides, desincumbindo-se da missão que lhe confiaram os generais, apresentou-se diante dos magistrados, dizendo-lhes: "Lacedemônios, os Atenienses solicitam o vosso auxílio, impedindo, assim, que a mais antiga cidade da Grécia caia sob o domínio dos bárbaros. A Erétria já foi subjugada, e a Grécia se acha enfraquecida pela perda dessa cidade célebre". Os Lacedemônios, ouvindo essas razões, decidiram prestar socorro aos Atenienses, mas não podiam fazê-lo imediatamente, pois não queriam infringir a lei que os proibia de se porem em marcha antes da lua cheia, e estavam apenas a nove do mês.

CVII - Enquanto os Lacedemônios aguardavam a lua cheia para irem em socorro dos Atenienses, Hípias, filho de Pisístrato, concluía o desembarque de suas tropas em Maratona. Na noite precedente tivera um sonho, no qual se via deitado com a própria mãe. Esse sonho levou-o a imaginar que retornaria a Atenas e que, depois de haver recuperado a autoridade suprema, morreria de velhice no seu palácio. Tais as deduções que tirara do estranho sonho que tivera. Ordenando aos seus comandados que transportassem os prisioneiros feitos na Erétria para a ilha de Egilia, que se achava na dependência dos Estireus, mandou colocar os navios na enseada de Maratona, dispondo em ordem de batalha os bárbaros que já se encontravam em terra. Quando se entregava a essa tarefa, sentiu-se tomado de um acesso de tosse mais forte que de ordinário, ao mesmo tempo que deixava escapar um violento espirro. Como a maior parte dos seus dentes já estivesse abalada pela idade, um deles saltou-lhe da boca com a violência da tosse, caindo na areia. Depois de havê-lo inutilmente procurado, disse, suspirando, aos que se encontravam a seu lado: "Esta terra não é nossa e não poderemos submetê-la; meu dente ocupa tudo que dela me adviria". Este incidente fê-lo conjecturar que o sonho se cumprira.

CVIII - Enquanto os Atenienses postavam-se em ordem de batalha num campo consagrado a Hércules, os Plateus chegaram em seu socorro com todas as forças de que dispunham. Os Plateus se tinham colocado sob a proteção dos Atenienses, que já se haviam envolvido em muitos conflitos por causa deles. Eis como esse povo realizou esse pacto de amizade com os Atenienses. Acossado pelos Tebanos quis, primeiramente, colocar-se sob a proteção de Cleómenes, filho de Anaxandrides, e dos Lacedemônios; mas estes, recusando o oferecimento, disseram-lhes: "Achamo-nos tão afastados de vós, que o auxílio que poderíamos prestar-vos seria muito precário, e seríeis subjugados antes que algum de nós pudesse fazer alguma coisa. Nós vos aconselhamos, pois, que vos coloqueis sob a proteção dos Atenienses, que são vossos vizinhos e que estão em condições de vos proteger". De resto, os Lacedemônios davam esse conselho aos Plateus, menos por generosidade do que pelo desejo de esgotar os Atenienses, impelindo-os à luta com os Beócios. Os Plateus seguiram o conselho dos Lacedemônios, enviando emissários a Atenas, os quais, na ocasião em que ali se fazia um sacrifício aos doze deuses, sentaram-se perto do altar em postura de suplicantes e entregaram-se à proteção dos Atenienses. Sabedores disso, os Tebanos marcharam contra os Plateus, e os Atenienses lançaram-se em socorro destes. Os dois exércitos estavam prestes a chocar-se, quando os Coríntios intervieram como árbitros com o consentimento das duas partes, resolvendo o conflito. Impuseram eles a condição de os Tebanos deixarem tranqüilos os povos da Beócia que não quisessem continuar pertencendo à mesma. Dando por encerrada sua tarefa de conciliação, os Coríntios retiraram-se, e as tropas Atenienses fizeram o mesmo; mas os Beócios atacaram-nas no caminho, derrotando-as. Transpondo, em seguida, os limites fixados pelos árbitros coríntios no território de Plateias, estabeleceram como fronteira entre eles e os Plateus, o Asopo e Hísias. Os Plateus, tendo-se ligado aos Atenienses da maneira que acabamos de relatar, vieram socorrê-los em Maratona.

CIX - Os generais atenienses não estavam de acordo, dividindo-se as opiniões com relação à luta contra o invasor. Uns achavam que não se devia combater, porque eram em número muito pequeno, enquanto que outros eram de parecer que deviam oferecer batalha aos bárbaros. Ante tal divergência de opiniões, Milcíades dirigiu-se ao polemarca{109}, que, de acordo com uma antiga lei, se acha em pé de igualdade com os generais. Calímaco de Afine era quem então se achava revestido dessa dignidade. "Calímaco - disse-lhe ele -, a sorte de Atenas se encontra atualmente em tuas mãos; depende de ti levá-la à escravidão ou assegurar sua liberdade, conquistando uma glória imortal, superior mesmo à alcançada por Harmódio e Aristogíton. Nunca, desde a fundação da sua cidade, correram os Atenienses um tão grave perigo. Se vencidos pelo poderio dos Medos e entregues a Hípias, estarão desgraçados; se vencedores, esta cidade poderá tornar-se a primeira da Grécia. Vou dizer-te como a felicidade ou a desgraça da república depende inteiramente de ti. Nós, generais, divergimos de opinião, querendo uns oferecer combate aos invasores, enquanto que outros acham que não estamos em condições de oferecer-lhes resistência. Se não lhes dermos combate, é de recear que surjam entre os Atenienses dissensões que os disponham a favorecer os Medos. Se, porém, formos à luta antes que tão nefastos pensamentos medrem no espírito de algum de nós, espero, se os deuses se mantiverem neutros, que conseguiremos a vitória. A situação, como vês, é delicada, cabendo inteiramente a ti a decisão. Se apoiares aqueles que são contrários à resistência, experimentarás também das vicissitudes que nos advirão e das conseqüências da nossa indecisão".

CX - Impressionado com essas palavras sensatas, o polemarca juntou sua voz à de Milcíades, e a batalha ficou resolvida. Os generais favoráveis à resistência ao inimigo renunciaram o comando em favor de Milcíades, e este aceitou, não querendo, todavia, fazer uso do mesmo senão quando chegasse a sua vez.

CXI - Os Atenienses colocaram-se em ordem de batalha, tendo Calímaco à frente, na ala direita, em virtude de uma lei que dispunha, entre os Atenienses, ocupar o polemarca essa ala. Em seguida ao polemarca vinham as tribos, de acordo com a sua categoria dentro do Estado. Em último lugar vinham os Plateus, que compunham a ala esquerda. Daí a razão por que os Atenienses, quando oferecem sacrifícios nas festas celebradas de cinco em cinco anos em comemoração da vitória nessa batalha, incluem também, pela voz do seu arauto, os Plateus nos votos que fazem pela prosperidade da sua pátria. Seguindo essa ordem de batalha, a frente do exército ateniense ficava igual à dos Medos. No centro, as fileiras não eram muito compactas, tendo aí o exército o seu ponto fraco; mas as duas alas eram numerosas e fortes.

CXII - Dispostas as tropas em ordem de batalha, foram realizados sacrifícios aos deuses, sendo estudadas as entranhas das vítimas, que nada de favorável anunciaram. Os dois exércitos ficaram separados por uma distância de oito estádios. Ao primeiro sinal, as tropas atenienses avançaram velozmente ao encontro dos Persas, e estes, vendo-as aproximar-se, prepararam-se para recebê-las, considerando-as, ao atentar para o pequeno número delas, que nem dispunham do apoio da cavalaria, insensatas e marchando ao encontro de uma morte certa. Os Atenienses, porém, cerrando fileiras, lançaram-se sobre eles, praticando feitos memoráveis. Foram esses bravos, ao que pudemos apurar, os primeiros de todos os Gregos a enfrentar impetuosa e desassombradamente os Medos, quando até então o simples nome de Medos inspirava terror aos Gregos.

CXIII - A batalha de Maratona foi longa e cheia de peripécias. Os bárbaros conseguiram desbaratar as fileiras do centro do exército ateniense, pondo em fuga os remanescentes; mas as duas alas compostas de Atenienses e Plateus atacaram as forças persas que haviam rompido o centro do exército, impondo-lhes uma derrota irreparável. Vendo-as fugir, lançaram-se em sua perseguição, matando e esquartejando quantos encontraram pela frente, até a beira-mar, onde se apoderaram de alguns dos navios inimigos.

CXIV - O polemarca Calímaco pereceu nessa batalha, depois de haver combatido com bravura e desprendimento. Estesilo, filho de Trasilo, um dos generais que comandavam as forças atenienses, também perdeu a vida. Cinegiro{110}, filho de Eufórion, ao tentar apoderar-se de um navio persa escalando-o pela popa, teve as mãos cortadas por um golpe de machado, morrendo, juntamente com outros atenienses de alta categoria.

CXV - Deixando sete de seus navios nas mãos dos Atenienses, os bárbaros retiraram-se com o restante da sua frota, e, retomando os escravos da Erétria na ilha onde os haviam deixado, dobraram o promontório de Súnio, com a intenção de burlar as forças atenienses a alcançar Atenas antes delas. Diz-se, em Atenas, que eles conceberam esse plano pelo fato de terem os Alcmeônidas, segundo ficara combinado entre eles, mostrado um escudo quando os Persas já se encontravam nos seus navios.

CXVI - Enquanto os Persas dobravam o promontório de Súnio, as tropas atenienses, adivinhando a sua intenção, dirigiram-se em marcha forçada para Atenas, a fim de defender a sua cidade de um possível ataque dos bárbaros. Partindo de um lugar consagrado a Hércules, em Maratona, foram acampar em um outro dedicado ao mesmo deus, em Cinosarges. Os Persas ancoraram ao norte de Faleros, que então servia de porto aos Atenienses, e depois de ali permanecerem durante algum tempo, retomaram o caminho da Ásia.

CXVII - Na batalha de Maratona pereceram cerca de 6400 homens do lado dos bárbaros, e 192 do lado dos Atenienses. Deu-se, durante o combate, um fato curioso com um ateniense de nome Epizelo, filho de Cufágoras. Quando se empenhava em luta com o inimigo, conduzindo-se com valentia e desprendimento, perdeu repentinamente a vista sem haver sido atingido por nenhum golpe, ficando cego para o resto da vida. Disseram-me ter ele afirmado, ao referir-se a esse estranho acidente, que julgara ver diante de si, naquele momento, um homem de estatura descomunal, armado da cabeça aos pés e com uma barba tão longa que lhe cobria o escudo. Esse espectro passou por ele, indo matar o que combatia junto a ele.

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