O grande erro dos militares, que continuar a acontecer, é confiar nos EUA e achar que se alinhar a eles levará ao desenvolvimento nacional
O grande erro dos militares na época, e esse mesmo erro hoje se repete como tragédia, foi acreditar que se estivéssemos alinhados aos EUA estes deixariam o Brasil se desenvolver. Mas a questão em geopolítica não é alinhamento ideológico, é projeção e proteção do interesse nacional. Quando o Brasil começou a ameaçar “virar uma China” no “quintal” norte-americano, eles dispararam o gatilho dos juros da dívida e transformaram as finanças globais em armas de guerra contra a industrialização da América Latina. Não há outra solução: se quisermos nos industrializar, temos que ter soberania, um sistema de defesa forte, desenvolvimento de tecnologia própria, serviço de inteligência sofisticado e, principalmente, como forma de sustentar tudo isso, assumirmos como inadiável a tarefa de construirmos poupança interna. (p.37)
Para os ricos nada precisa ser feito, tá tudo bem
Praticamente ninguém quer debater o que interessa, o problema econômico, suas raízes, extensão e solução. Este livro tenta de novo suplicar por esse debate. Esse papel é das forças progressistas, porque, para os beneficiários da ordem de privilégios para as minorias e miséria de massa e falta de perspectiva para as maiorias populares, nada precisa ser feito, basta cruzar os braços e deixar as coisas como estão. (p.41)
Quando a corrupção pública ocorreu sem o incentivo de um agente privado?
(...) O resultado está aí. País estagnado e grande parte das maiores empresas brasileiras apanhada na Operação Lava Jato corrompendo o poder público. Afinal de contas, quando é que um agente estatal foi corrompido sem um agente privado corruptor que o tivesse cooptado para desviar a gestão do público para o interesse privado? Só na propaganda neoliberal. (p.42)
Interesses internacionais atuando contra o interesse brasileiro
Esse interesse [o interesse internacional] queria acabar com a Lei do Pré- sal, colocar a mão em nossas reservas de petróleo, tomar a base de Alcântara, permitir a construção de bases militares norte-americanas na América do Sul, acabar com o Brics e com o financiamento pelo BNDES das empresas brasileiras que atuam no exterior. Não surpreende, nem um pouco, que todos esses interesses tenham sido promessas de campanha do homem que atualmente ocupa a Presidência da República.(p.54)
Governo Temer foi maior desastre fiscal da História
Ao contrário da propaganda de gestão responsável da economia, o Governo Temer foi o maior desastre fiscal da história brasileira. Terminou seu mandato tendo como meta obter, em vez de um superávit primário, um déficit primário (!) de R$139 bilhões. Obteve R$120,3 bilhões, simplesmente, cerca de sete vezes maior que o de 2014. Um dos motivos para esse déficit foi a rápida degradação das contas da Previdência diante do desemprego e da informalidade crescentes. A crise atual dessas contas é fundamentalmente uma crise de receita, e não de despesa. (p.55)
O que o neoliberalismo quer dos Estados nacionais
A essência do que o neoliberalismo quer para os governos nacionais é que eles somente exerçam o papel de administrar serviços públicos, executar programas de renda mínima e garantir os interesses do capital financeiro internacional. Acima de tudo, o neoliberalismo exige que o Estado Nacional abra mão de sua capacidade de investimento direto e seu papel de coordenação da economia. (p.66)
Como países desenvolvidos vêem o livre comércio
A defesa do livre-comércio pelos EUA ou por qualquer país desenvolvido é assim: defesa do protecionismo quando perdem produtividade, defesa do livre-comércio quando ganham produtividade. E só nas áreas em que ganham. Em 2018, Donald Trump proibiu a compra da Qualcomm, uma empresa privada norte-americana de alta tecnologia, por uma empresa chinesa. Enquanto isso, o governo brasileiro autorizou a compra da Embraer, cabeça do único setor de alta tecnologia em que o Brasil tem superávit, que é o aeroespacial. E lá era um negócio privado. Aqui, o próprio governo usou sua golden share para autorizar o projeto. (p.68)
A guerra híbrida
O objetivo nessas ações é explorar as vulnerabilidades políticas de uma nação-alvo para alcançar o máximo possível no processo que consiste em desestabilizar sua gestão e economia, derrubar seu governo e no limite colocar em seu comando títeres fracos e acossados. (p.71)
Estado inchado é mito e distorção da mídia
Já o discurso midiático do Estado inchado no Brasil é o que se chama uma meia-verdade. Tem muita distorção e desperdício, e, por outro lado, muito menos Estado onde ele é necessário. O tamanho médio do Estado brasileiro é a metade do tamanho do Estado nos países desenvolvidos. Enquanto a proporção de trabalhadores empregados no serviço público nos países da OCDE em 2013 foi de 21,3%, no Brasil, segundo a mesma organização, a proporção foi de 12,11. Os EUA, frequentemente citados como modelo pelos defensores da diminuição do Estado, têm 15,3% dos empregados no governo, enquanto países escandinavos como a Dinamarca e a Noruega, nossas referências de serviço público, têm 35% de servidores. Na prática, esqueça as estatísticas e pense você: o Brasil tem mais ou menos polícia do que precisa? O Brasil tem mais ou menos professores do que precisa? O Brasil tem mais ou menos médicos do que precisa? (p.86)
As razões do serviço público precário
Então tudo se resume ao fato de sermos muito mais pobres, pagarmos menos impostos e brutalmente mais juros do que os europeus. Não é a corrupção ou a incompetência que nos faz ter serviços públicos piores. O fato de, apesar de tudo isso, ainda oferecermos um precário sistema universal de saúde e de educação é quase um milagre. Mas esse “milagre” tem nome: o trabalho dos servidores do Estado. Esse reconhecimento não desconsidera meu testemunho de que muitos brasileiros são maltratados em postos de saúde, que muitos jovens brasileiros têm mais medo da polícia do que de bandidos nas comunidades ou ainda que aqui e ali a exacerbação corporativista transforma partes do serviço público em verdadeiras castas. (p.87)
Produzir soja para comprar celular não dá
É preciso matar, de uma vez por todas, a ilusão de que seremos capazes de pagar a conta da justa aspiração de nosso povo de acessar um padrão de consumo moderno (eletroeletrônicos, química fina, meios diagnósticos médicos, informática e tudo mais de alto valor agregado) com soja, milho, minério de ferro bruto e petróleo bruto. Essa conta não fecha. (p.91)
Impostos são restituições ao Estado pela riqueza produzida graças a ele
Há hoje no Brasil uma doutrinação neoliberal que chega a equalizar o imposto a mero roubo. Segundo esse tipo de doutrina, impostos são riquezas que se transferem de quem trabalha e produz para atividades improdutivas e parasitárias do Estado. Não dá para levar a sério esse nível de alegação, mas é preciso pontuar aqui que impostos na verdade não são confiscos, mas restituições ao Estado da riqueza imensa e livremente distribuída que ele gera. Porque toda vez que um empresário ou trabalhador produz um bem ou serviço, nesse bem estão também o valor e o trabalho de servidores do Estado. Esse valor está na propiciação da segurança jurídica para o negócio, na segurança física para o mesmo, na iluminação das ruas para que os trabalhadores possam se transportar, assim como na manutenção de seu asfalto, na saúde pública que mantém o trabalhador em condições para o trabalho, na universidade pública que o empresário cursou ou no segundo grau que habilitou o trabalhador à operação de máquinas complexas, na infraestrutura que permite escoar sua produção e nos acordos internacionais que dão acesso a novos mercados e insumos. Enfim, o Estado é gerador de riqueza, enorme, de acesso universal, e deve ser ressarcido por aqueles que usufruem dessa riqueza para gerar outras riquezas. As deformações do Estado brasileiro que conhecemos, sendo a mais grave delas a corrupção, não devem nos retirar a consciência do que acabei de escrever. Temos que as corrigir, mas não é matando a vaca que se vai resolver o problema do carrapato. (p.102)