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A história de Aristodemo serviu de inspiração para o personagem Dilios, no filme 300 (2006).
No século 5 a.C. o mundo ocidental teve sua existência ameaçada por um grande conflito. De um lado, as cidades-estados da Grécia Antiga, que viriam a se tornar a base de nossa civilização; do outro o gigantesco Império Persa, que se estendia da Índia até a Ásia Menor (atual Turquia).
Os dois lados possuíam uma cultura completamente oposta: os gregos valorizavam a igualdade de direitos e a auto governança, os persas eram governados por um Imperador-deus, que tinha poder de vida ou morte sobre todas as pessoas que viviam em seu império.
Na primeira invasão realizada em 490 a.C., os persas haviam sido derrotados pelos atenienses em Maratona, na costa da Ática. Mas, dez anos depois, uma nova invasão, maior e muito mais organizada, prometia dizimar as cidades rebeldes, especialmente Esparta e Atenas.
Foi nesse contexto que ocorreu a batalha das Termópilas, quando 300 espartanos (auxiliados por cerca de 1500 outros soldados), se prepararam para bloquear o avanço persa.
Um desses soldados espartanos era Aristodemo, que sobreviveu à batalha de Termópilas e cuja história posterior é um excelente retrato da cultura espartana.
O Estado Espartano tinha uma característica muito peculiar, sua constituição estabelecia que os cidadãos espartanos do sexo masculino eram obrigados a passar por um intenso programa de treinamento militar, que começava aos 7 anos de idade. E durante toda sua vida eles teriam que atuar como soldados a serviço do Estado.
Essa organização social não visava o expansionismo e as conquistas externas, mas o mantenimento de uma ordem já estabelecida. Alguns séculos antes, Esparta havia conquistado a região da Messênia, que ficava à oeste da cidade. Sua população havia sido transformada em escravos do estado, conhecidos como hilotas. E o militarismo espartano visava manter os hilotas sob controle, perpetuando uma organização social onde os espartanos eram os seus senhores.
Dentro dessa lógica, os cidadãos espartanos eram forçados a intensos programas de treinamento militar, e a morte em batalha era considerada uma grande honra. Um sacríficio pelo mantenimento da ordem na cidade, algo que merecia louvor e glória.
A batalha de Termópilas, que visava conter o avanço persa por terra, ocorreu em 480 a.C., e se tornou famosa pelo fato de ter sido liderada por um contingente de apenas 300 espartanos. O fato de outros 1500 soldados terem auxiliado com a defesa, não costuma ser levado muito em conta, contribuindo para que a reputação dessa batalha se mantenha forte.
Entre os 300 soldados liderados por Leônidas, estava um espartano chamado Aristodemo. Ele e outro espartano, chamado Euritos, tiveram uma infecção no olho, logo no primeiro dia de batalha. Impossibilitados de contribuir na luta, já que tinham dificuldades para enxergar, eles receberam ordens para deixar o campo de batalha, enquanto se curavam da infecção.
Os dois se refugiaram em uma aldeia próxima e aguardaram. Dois dias depois os persas descobriram uma trilha que levava a retaguarda dos gregos. Por ordens de Leônidas, os outros gregos começaram a abandonar as Termópilas, enquanto os espartanos se prepararam para morrer em nome de Esparta, já que seu código militar não permitia a fuga do campo de batalha.
Nesse momento, Aristodemo e Euritos travaram uma discussão. Deveriam retornar ao campo de batalha para morrer segundo o código espartano, mesmo sem conseguir enxergar? Ou deveriam cumprir suas ordens e permanecer afastados até se recuperarem da infecção?
Eritos decidiu morrer e foi levado ao campo de batalha por seu hilota. Enquanto Aristodemo decidiu cumprir suas ordens e ficar de fora. Leônidas e 298 espartanos foram mortos. Isso porque um terceiro espartano também havia se retirado: antes da batalha, Pantites havia sido enviado à Tessália em busca de reforços, e só conseguira retornar quando ela já havia acabado.
No filme '300' (2006), o personagem Dilios, que sobrevive a batalha de Termópilas, se torna uma espécie de líder moral dos espartanos. O roteiro transmite a ideia de que ele teria assumido essa posição pelo simples fato de ter feito parte dessa campanha. Nada poderia ser mais distante da realidade.
Embora tivessem se salvado por cumprir as ordens de Leônidas, Aristodemo e Pantites foram recebidos com desprezo, após retornarem a Esparta. Rumores circularam de que eles haviam fugido do campo de batalha, e eles foram rotulados de covardes, ou "Tremedores", a pior ofensa dentro do vocabuláro espartano.
Espartanos acusados de covardia eram desprezados por todos, e obrigados a usar uma marca na capa para distingui-los dos demais. Eles perdiam boa parte dos direitos de cidadão, e o preconceito se estendia até as suas família: seus filhos também carregariam a vergonha e teriam dificuldades de encontrar um pretendente entre os outros cidadãos.
Pantites não aguentou essa situação e se enforcou. Aristodemo se manteve vivo, na esperança de que surgisse uma oportunidade de redenção.
Um ano depois, quando os espartanos foram convocados em peso para a batalha de Platéia, Aristodemo teve sua chance. Ele foi para Platéia completamente isolado, tendo apenas o seu hilota como companhia. Mas sabendo que um ato de bravura em batalha lhe restauraria sua reputação, e garantiria o futuro de sua família.
Durante a batalha, quando ocorreu o ataque persa, Aristodemo se afastou da falange espartana e se lançou num ataque desesperado contra o inimigo, juntamente com os cidadãos de Tegea, outra cidade grega, sendo imediatamente morto.
Os autores discordam com relação a fama de Aristodemo após sua morte. Sua imprudência desesperada teria envergonhado os espartanos ou teria sido motivo de orgulho? Holland comenta:
(...) Dos tegeatas, a quem faltava a autêntica disciplina de Licurgo, uma intemperança dessas poderia, talvez, ser esperada; mas não de Aristodemus, formando na agoge. Ainda assim, o tremedor - mesmo não podendo exatamente ser louvado por abandonar sua posição na muralha de escudos espartana, nem por atirar-se sozinho contra os bárbaros para matar e ser morto num frenesi tão furioso que mal poderia ser reconhecido como grego - tinha, apesar de tudo, como seus companheiros de rancho mais tarde concordaram, redimido seu nome. De fato, sua coragem seria relembrada por muito tempo, pelos homens de outras cidades como algo de fato excepcional. Em vista disso, reconhecia-se que Aristodemus havia morrido como um epsartano. (HOLLAND, p.366)
Phlip de Souza, por outro lado, faz uma narrativa diferente:
Aristotemos certamente mostrou coragem com sua carga contra as fileiras persas, e Heródoto sentiu que ele foi o homem mais valente naquele dia, mas os espartanos não concordaram. Eles recusaram a ele a honra de herói de estado porque eles sentiram que ele deliberadamente escolheu ser morto. Ele havia mostrado que possuía a coragem de um verdadeiro espartano, mas falhou em atingir os padrões espartanos de disciplina e obediência. Ele não teve sua tumba e seus filhos renegados pelos gerações posteriores, de qualquer forma, graças ao trabalho de Heródoto, ele atingiu uma fama duradoura. (SOUZA, p.79, tradução nossa)
Concluindo, fica claro que a história de Aristodemo diz muito sobre as atitudes esperadas dos soldados espartanos, e como a honra em batalha era um dos mecanismos mais fortes para manter a rígida estrutura social da cidade.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.