Coluna de Trajano LIV/LXXV - Cena 75. A rendição dos dácios na Primeira Guerra Dácia.
O Triunfo era um ritual festivo militar, celebrado pelos romanos ao longo dos séculos - sempre que um comandante conquistava uma vitória espetacular. No dia (ou dias) marcado, a cidade transbordava de multidões, desfiles, despojos, prisioneiros, representações e lembranças de terras estrangeiras - mas então, tão rapidamente quanto começou, o glorioso tumulto terminava.
Os espetáculos e os ecos da glória eram confiados à memória daqueles que o haviam testemunhado. Mas o desfile, e sua gigantesca festa em toda a cidade, eram suficientes para comemorar os feitos gloriosos dos exércitos de Roma? Ou deveria ser adotada uma forma mais permanente de comemoração?
Sendo pragmáticos, os romanos se decidiram pelos dois meios de comemoração - o efêmero e o permanente. A Coluna de Trajano (inaugurada em maio de 113 d.C) é um dos exemplos mais importante da necessidade inata de comemorar - de forma mais permanente - os feitos históricos que dominavam a psique da arte e dos artistas romanos.
O imperador Trajano, que reinou de 98 a 117 d.C, travou uma série de campanhas conhecidas como Guerras Dácias. A Dácia (atual Romênia), era vista como um vizinho problemático pelos romanos e os dácios eram uma ameaça à província da Mésia, ao longo da fronteira do Danúbio. Além disso, a Dácia era rica em recursos naturais (incluindo ouro), que eram muio atraentes para os romanos.
Na primeira campanha, Trajano derrotou o líder dácio Decébalo no ano 101, após o qual os dácios ofereceram termos de paz aos romanos. Mas as novas hostilidades dácias provocaram uma segunda guerra que terminou em 106. A vitória de Trajano foi substancial - ele declarou mais de 100 dias de celebrações oficiais e os romanos exploraram as riquezas naturais da Dácia, enquanto a incorporavam como uma província imperial.
Após a primeira guerra Dácia, Trajano ganhou o epíteto honorário de "Dacicus Maximus" (O Maior Dácio) e um monumento da vitória conhecido como Tropaeum Traiani (Troféu de Trajano) foi construído no Civitas Tropaensium (atual Adamclisi, Romênia). Moedas emitidas durante o reinado de Trajano representavam os dácios derrotados.
A Coluna de Trajano foi o grande monumento erguido em Roma em homenagem a essa vitória. O esquema iconográfico da coluna ilustra as guerras de Trajano na Dácia. A metade inferior da coluna corresponde à primeira Guerra Dácia (cerca de 101-102), enquanto a metade superior representa a segunda guerra (cerca de 105-106). O primeiro evento narrativo mostra soldados romanos marchando para a Dácia, enquanto a sequência final de eventos retrata o suicídio do líder inimigo, Decébalo, e a captura de prisioneiros dácios pelos romanos.
A execução do friso é meticulosa e o nível de detalhe alcançado é surpreendente. Embora hoje a coluna não esteja pintada, muitos estudiosos acreditam que o friso era pintado originalmente. Os escultores tiveram o cuidado de fornecer planos complexos para as cenas, incluindo fundos naturais e vistas em perspectiva mistas para oferecer o nível máximo de detalhes. Às vezes, múltiplas perspectivas são evidentes em uma única cena.
O tema geral e unificador é o das campanhas militares romanas na Dácia, mas os detalhes revelam fios narrativos adicionais e mais sutis.
Um dos temas óbvios é o triunfo da civilização (representada pelos romanos) sobre sua antítese, o estado bárbaro (representado aqui pelos dácios). Os romanos são ordeiros e uniformes, os dácios nem tanto. Os romanos estão barbeados, os dácios, com barbas dessarumadas. Os romanos usam roupas civilizadas, os dácios usam calças (como todos os bons bárbaros faziam - pelo menos aqueles retratados pelos romanos).
As cenas de combate são frequentes no friso. A renderização detalhada fornece um recurso visual quase sem paralelo para o estudo da iconografia das forças armadas romanas, bem como para os seus equipamentos, armas e táticas. Também há tipos étnicos claros, pois os soldados romanos não podiam ser confundidos com os soldados dácios e vice-versa.
O espectador também vê o exército romano fazendo outras tarefas enquanto não luta. Uma atividade notável é a construção. Em inúmeras cenas, os soldados podem ser vistos construindo e fortalecendo acampamentos. Todos os edifícios romanos retratados são sólidos, regulares e bem projetados - em forte contraste com as humildes construções do mundo dácio. Propaganda romana em ação!
O imperador Trajano figura com destaque no friso. Cada vez que ele aparece, sua posição é dominante e o foco iconográfico em sua pessoa é claro. Vemos Trajano em vários cenários, incluindo discursando para suas tropas (ad locutio) e realizando sacrifícios. O fato das figuras nas cenas estarem focadas no imperador ajuda a chamar a atenção do espectador para ele.
A base da coluna acabou servindo como um túmulo para as cinzas de Trajano. Ele morreu ao retornar de campanhas estrangeiras em 117 e recebeu essa honra incomum, pela estima do povo romano que o considerou optimus princeps ou "o melhor primeiro cidadão".
A coluna em si é feita de mármore e se ergue a uma altura de 38,4 metros no topo de um alto pedestal. O eixo da coluna é composto por 19 tambores de mármore medindo cerca de 3,7 metros de diâmetro, pesando um total de cerca de 1.110 toneladas. O tambor superior pesa cerca de 53 toneladas.
Uma escada em espiral de 185 degraus leva à plataforma de observação no topo da coluna. O friso escultural helicoidal mede 190 metros de comprimento e envolve a coluna 23 vezes. Um total de 2.662 figuras aparecem nas 155 cenas do friso, com o imperador Trajano sendo retratado em 58 cenas.
A construção da Coluna de Trajano foi um exercício complexo de projeto de arquitetura e engenharia. Conforme a estudiosa Lynne Lancaster, a execução da coluna em si foi um imenso desafio de engenharia que exigiu dispositivos de içamento complexos e, sem dúvida, um planejamento cuidadoso para ser feita com êxito.
Os materiais tiveram que ser adquiridos e transportados para Roma, alguns através de longas distâncias. Com a tecnologia apropriada em vigor, os competentes arquitetos romanos foram capazes de realizar o projeto. A conclusão bem-sucedida da coluna demonstra as complexas tarefas que os arquitetos romanos eram capazes de realizar.
Para mais informações sobre a construção da coluna assista o vídeo abaixo:
A Coluna de Trajano pode ser contextualizada em uma longa linha de monumentos da vitória romana, alguns dos quais honraram vitórias militares específicas e, portanto, podem ser denominados "monumentos triunfais" e outros que geralmente honram uma carreira pública e são, portanto, "monumentos honoríficos".
Entre os primeiros exemplos de monumentos permanentes em Roma, está a Coluna Rostrata que foi erguida em homenagem a uma vitória naval celebrada por Caius Duilius após a batalha de Mylae, em 260 a.C. (esta coluna não sobreviveu).
Durante o período republicano, desenvolveu-se uma rica tradição de monumentos comemorativos, mais conhecida pelos fornices (arcos honoríficos) e arcos triunfais. Essa tradição continuou no período imperial, com arcos triunfais e honoríficos sendo erguidos em Roma e nas províncias.
A idéia da coluna honorífica foi levada adiante por outros líderes vitoriosos - tanto na era antiga quanto na moderna. No mundo romano, monumentos derivados que se inspiram na Coluna de Trajano incluem a Coluna de Marco Aurélio (cerca de 193 d.C) na Piazza Colonna de Roma, bem como monumentos agora perdida como a Coluna de Arcádio (cerca de 401 d.C) e a coluna de Justiniano em Constantinopla (cerca de 543 d.C). A idéia do friso narrativo aplicado à Coluna de Trajano mostrou-se influente nesses outros casos.
Colunas honoríficas ou triunfais inspiradas na de Trajano também foram criadas em homenagem a vitórias mais recentes. A coluna que honra o Almirante Horácio Nelson, na Trafalgar Square de Londres (cerca de 1843), baseia-se na tradição romana que incluía a Coluna de Trajano, além de monumentos republicanos anteriores, como a columna rostrata de Caius Duilius.
A coluna dedicada a Napoleão Bonaparte erguida na Place Vendôme, em Paris (cerca de 1810), e o Monumento a Washington de Baltimore, Maryland (1829), foram inspirados diretamente pela Coluna de Trajano.
Tradução de texto escrito por Jeffrey A. Becker
Novembro de 2020
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.