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Os exércitos do antigo oriente médio

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Capa do artigo: Os exércitos do antigo oriente médio

Detalhe da Estela dos Abutres, monumento sumério da cidade de Lagash, cerca de 2500 a.c.

Esse artigo foi escrito tendo a obra "Ancient Armies of the Middle East" como principal fonte. O livro foi publicado em inglês e ainda não tem tradução para o português, e trata da história e da organização militar dos povos do Oriente Médio e Ásia Menor, durante o período que vai de 3100 a.C. até a queda do Império Assírio em 612 a.C.

Esse é o período de auge das civilizações dessa região na história e, a partir de então, o eixo de influência iria pender cada vez mais em direção a outras civilizações, principalmente os persas, gregos e romanos.

As informações aqui descritas vem dos escritos da época, mas principalmente de pinturas e relevos, e outros achados arqueológicos.

Eu propositalmente retirei desse texto a parte relativa aos exércitos no Egito Antigo e na Assíria. Devido a fartura de informações, achei que seria mais interessante dedicar um artigo especial só para os aspectos militares dessas civilizações. As civilizações trabalhadas nesse artigo são as seguintes:

  • Os Sumérios
  • Os Acádios
  • Os Babilônicos
  • Os Elamitas
  • Os Hicsos
  • Os Hititas
  • Os Povos do Mar
  • Os Árabes
  • Os Arameus (sírios)

 

Os Sumérios (3500-2530)

A civilização da Suméria se desenvolveu na Mesopotâmia a partir do ano 3500 a.C. com a surgimento as primeiras cidades da história: Uruk, Ur, Lagash, Umma, Eshnunna e outras. Ela atingiu o seu auge pelo ano de 2500 a.C. quando da unificação levada a cabo pela cidade de Ur.

As guerras eram constantes entre essas cidades, e as nossas principais fontes sobre elas são arqueológicas: o Estandarte de Ur e a Estela dos Abutres.

Os sumérios lutavam com carruagens de guerra com dois homens puxadas por quatro asnos. Na Mesopotâmia dessa época ainda não haviam cavalos. No entanto, a carruagem ainda utilizava quatro rodas sólidas, e experimentos modernos provam que não era muito rápida. Sua principal arma eram os dardos e lanças.

Soldados sumérios retratados no Estandarte de Ur. Cerca de 2500 a.C.

Eles também lutavam com uma infantaria leve usando apenas lanças e escudos. O Estandarte de Ur não mostra os soldados portando escudos, mas isso aparece claramente na Estela dos Abutres. Nesse achado arqueológico da mesma época, os soldados sumérios aparecem em formação em uma parede de escudos sólida, com suas lanças curtas (da altura de um homem, não maiores que 170/180 cm, provavelmente) apontando para frente em uma posição horizontal. Também usavam elmos de bronze, embora seja coerente supor que essa fosse uma proteção apenas disponível para os mais favorecidos, tendo em vista o custo elevado do bronze nessa época. A maioria dos soldados deveria usar algum tipo de elmo de couro acolchoado.

Fragmento da Estela dos Abutres mostrando uma parede de escudos suméria. Cerca de 2500 a.C.

Com relação ao tamanho dos exércitos, Wise afirma:

"O exército da Suméria era formado por contingentes de cada uma das cidades estados, sob um sistema de obrigação hereditária: por exemplo Lagash, por volta de 2400 a.C. tinha uma população de cerca de 30 mil e teve que fornecer 20 carruagens e 1000 soldados." (WISE, p.11, tradução nossa)

Não há evidências de que os sumérios possuíssem arqueiros. Acredita-se que a conquista da Suméria pelos acádios tenha sido facilitada por esse fato, já que os acádios contavam com um bom número de arqueiros. E a partir de então o uso de arqueiros em batalha só aumentou, tornando-se uma das principais forças na antiguidade, como veremos a seguir.

Os Acádios (2350-2215)

O exército de Sargão, que conquistou a Suméria por volta de 2350 a.C. teria tido por volta de 5400 homens. Ele era composto de tropas leves, com uma boa quantidade de arqueiros, alguns utilizando uma invenção recente: o arco composto. Que era mais potente que o arco simples. A vitória dos acádios sobre a civilização Suméria, que era mais avançada, normalmente é atribuída ao uso dos arqueiros.

Os Babilônicos (1800-1595)

Nossas informações sobre os babilônicos são principalmente a partir do reinado de Hammurabi (século 18 a.C.). O seu exército possuía cerca de 10 a 20 mil homens e era composto principalmente de mercenários (elamitas, tribos do desertos e outros) e escravos, que eram vistos como menos corruptíveis.

Mas Hammurabi criou uma espécie de "sistema feudal", que através da distribuição de terras, deu uma obrigação aos senhores de prover tropas ao reino quando necessário.

O exército babilônico era formado por soldados a pé, cavalaria e carruagens. A maioria dos quais usava um arco, que se tornou uma das características pelas quais os babilônicos eram conhecidos. Os babilônicos teriam tido a capacidade de recrutar até 50 mil homens. Mas é claro que os gastos para manter tropas tão gigantescas, provavelmente limitava qualquer campanha para uma duração máxima de algumas poucas semanas.

Os Elamitas (2680-1764)

Os elamitas foram um povo que surgiu no atual Irã, e que construiu sua capital em Susa por volta do século 13-12 a.C. O nome Elam significa "Terras Altas", porque a região onde viviam era de montanhas.

Os povos do Elam eram constantemente contratados como mercenários, por outros povos da região. Há registros de Elamitas lutando pelos Sumérios, Hititas e Egípcios. A maioria das tropas elamitas eram compostas de arqueiros, embora também houvessem cavaleiros montados e carruagens. Há registros de até 7 a 8 mil arqueiros elamitas lutando como mercenários em diferentes batalhas pelo oriente médio.

Em 1764 a.C. eles foram conquistados por Hammurabi da Babilônia, mas sua história não terminou. Os Elamitas foram os primeiros povos a se desenvolverem na região onde posteriormente surgiriam os medas e persas.

Os Hicsos (1700-1576)

Ninguém sabe exatamente quem eram os hicsos que conquistaram o Egito no século 18 a.C. Há muitas teorias, mas poucas certezas. Uma delas diz que eles teriam vindo da atual Síria, e seriam os chamados Cananeus (da região de Canãa muitos anos antes de Moisés).

Supõem-se que a civilização da qual os hicsos faziam parte era muito avançada. Porque grandes inovações tecnológicas foram trazidas por eles para o Egito. Os egípcios dessa época ainda desconheciam o uso da carruagem, das armaduras e das armas de bronze, ainda estavam na Idade do Cobre. Além disso também usavam o arco duplo-convexo.

Os hicsos trouxeram a tecnologia do bronze, carruagens, cavalos (até então desconhecidos pelos egípcios), armaduras escalonadas, arcos compostos, espadas e machados de bronze.

Com relação a origem dos hicsos, a civilização dos Cananeus é uma boa aposta, porque quando ela foi conquistada pelos Egípcios, alguns séculos depois, o espólio recolhido pelo faraó foi gigantesco: 924 carruagens, 2238 cavalos e 200 armaduras, além de tributos em ouro e prata, todos sinais de uma civilização bastante avançada para a época.

Os Hititas (1590-1200)

Povo orginário da Amênia que entrou na Ásia Menor no final do segundo milênio a.C. Foram se unificando gradativamente e construíram sua capital em Hatusa. Já no século 16 a.C. estavam se expandindo em direção ao sul e entraram em choque com os faraós egípcios Tutmés III (1481-1425), Amenhotep III (1397-1360) e Amenhotep IV (1370-1353). Nessa época eles já haviam conquistado a Síria, Palestina e chegado até o norte da Mesopotâmia.

As ruínas de Hatusa, antiga capital do Hititas.

O poder dos Hititas se devia ao uso do ferro. A metalurgia do ferro não era desconhecida para os povos do Egito e da Mesopotâmia, mas para eles a produção era cara e difícil. Os hititas se destacaram por criar um novo método para produção de ferro de qualidade em grande quantidade. O processo foi mantido em segredo por muito tempo e isso permitiu a supremacia hitita. Segundo Wise:

Nessa época o ferro era mais valioso que ouro, a posse de armas de ferro também adicionava grande prestígio: um faraó egípcio pediu para um rei hitita por ferro após o tratado entre os impérios depois da batalha de Kadesh (1274), mas recebeu apenas uma única adaga de ferro. (WISE, p.24, tradução nossa)

As invasões dos Povos do Mar e a chamada crise dos anos 1200 a.C. levou a desintegração do império Hitita, e eles foram eventualmente sobrepujados pelos assírios.

Embora o império fosse controlado por um rei, existia uma "assembléia dos grandes" formada por descendentes dos antigos reis de suas regiões que não podiam ser ignorados pelo rei. Cada um desses nobres administrava seu reino em uma espécie de "sistema feudal" e fornecia soldados para o serviço militar como tributo ao rei hitita.

O maior exército reunido pelos hititas foi provavelmente o da batalha de Kadesh, quando conseguiram reunir cerca de 8 a 9 mil soldados e 3500 carruagens. Se levarmos em conta que cada carruagem levava 3 pessoas, isso leva a um total de cerca de 18 mil homens. Há indícios de que o ataque principal era conduzido pelas carruagens, e os soldados a pé serviam com força de apoio. Dessa força 50% era composta por homens em parede de escudos e lanças, e outros eram arqueiros e tropas leves.

A carruagem de guerra Hitita é mostrada nesse relevo em que há uma caça ao leão encontrado nas ruínas do palácio de Coba Hoyuk, Turquia. (Museu das Civilizações da Anatólia)

Grande parte dos vestígios da civilização Hitita se encontra no Museu das Civilizações da Anatólia, localizado em Ancara na Turquia. O relevos acima são alguns exemplos dessas obras.

Os Povos do Mar (1200)

Chamamos de Povos do Mar, um grande grupo de tribos que formou um movimento migratório que provocou caos econômico e social no fim do século 13 a.C. Nessa mesma época a Grécia dos aqueus estava sofrendo com a invasão dos dórios. Segundo Wise:

"Que isso foi um movimento migratório e não uma invasão militar é confirmado pelo grande número de mulheres e crianças que são mostradas acompanhando as guerras dessas tribos." (WISE, p.25, tradução nossa)

Não sabemos de onde essas migrações tiveram origem, mas há indícios de que boa parte desses povos tenha imigrado de regiões próximas a cidades gregas na costa da Ásia Menor.

Os Povos do Mar sofreram grandes baixas em batalhas contra os egípcios e, graças a isso, temos uma boa ideia do tamanho de suas forças. No século 13 a.C. 5 mil deles foram mortos ou capturados pelo faraó Merneptá (1213-1203). Em 1193, cerca de 13 mil deles morreram em batalha contra Ramsés III (1194–1163). Três anos depois uma nova vitória foi celebrada, em uma batalha naval, com a criação de relevos no templo de Medinet Habu.

Desenho de relevo no Templo Mortuário de Ramsés III em Medinet Habu, Tebas (Luxor) que retrata a frota de Ramsés III e a batalha contra os Povos do Mar. Via Wikimedia Commons.

Ao invés de destruí-los completamente, os egípcios decidiram ceder terras à esses povos e criar uma espécie de estado tampão na região da Palestina, protegendo as suas rotas pelo norte. A partir desse momento eles foram utilizados como mercenários em exércitos egípcios. Eles eram conhecidos por suas espadas e a maioria dos seus guerreiros lutava a pé em parede de escudos. Um número pequeno deles usava arcos.

Os Povos do Mar também possuíam o conhecimento da metalurgia do ferro, não sabemos se eles possuíam ferreiros hititas ou se aprenderam o processo através de contato com esses povos. Essa vantagem foi mantida com a proibição da comercialização do ferro fora de suas cidades.

Os Árabes

Originalmente um agrupamento de tribos nômades, alguns árabes se assentaram por volta de 1200 a.C., enquanto boa parte das tribos mais ao norte permaneceram nômades.

Os árabes eram conhecidos por lutarem montados em camelos, sem nenhum tipo de armadura e usando apenas arcos. As tribos árabes permaneceram afastadas e independentes, impedindo que a Árabia se tornasse um poder real no Oriente Médio.  Embora tenham ocorrido alianças entre essas tribos na luta contra os assírios e outros povos da região. Há indícios de que essas alianças eram capazes de reunir até 1000 soldados montados em camelos.

Os Arameus (sírios)

Os arameus foram uma força considerável no século 10 a.C., sua principal cidade era Damasco. Eles são conhecidos por serem provavelmente os primeiros a usar a cavalaria em batalha. Há evidências que sugerem que no século 9 a.C. eles eram capazes de recrutar até 1200 cavaleiros montados. Os cavaleiros montados estavam equipados com elmos, escudos e usavam ou arcos, ou dardos ou lanças. Além disso, eles também usavam carruagens, que levavam dois homens armados com arcos.

O seu exército de infantaria também era considerável, havendo relatos que descrevem grupos de até 40 mil soldados, embora tais evidências não sejam tão confiáveis. Esses soldados de infantaria lutavam em dois grupos: tropas de choque pesada com lanças e escudos, e tropas leves de apoio com arqueiros e fundas.

Conclusão

A grande divisão que existia entre as diferentes cidades no mundo antigo, levava a guerras constantes entre elas. Sendo, portanto, a tecnologia de guerra essencial para a sobrevivência do modo de vida desses povos.

A guerra que primeiramente começou apenas com o choque de soldados de infantaria, foi se desenvolvendo e se tornando mais complexa com a adição de carruagens de guerra, arqueiros, cavalos e camelos.

Os cavalos foram usados em batalha a partir do século 18 a.C. (cerca de 1800) com o surgimento das carruagens de guerra, que tinham por finalidade levar arqueiros e dardos, visando atacar e danificar o poder da infantaria inimiga à distância. O uso de carruagens se propagou e se tornou comum entre a maioria dos povos do Oriente Médio no século 16 a.C.

As evidências mais antigas que apontam para o uso de cavaleiros montados em batalhas com cavaleiros-arqueiros ou cavaleiros atiradores de dardos são do reinado do assírio Assurbanipal (século 9 a.C), mas a cavalaria só passou a ter um papel mais importante em batalhas com o surgimento da cavalaria pesada, com cavaleiros bem armados, usando armaduras mais pesadas e táticas próprias, e isso só aconteceu a partir do século 6 a.C. no exército persa.

Ao mesmo tempo houve uma evolução nos conhecimentos em metalurgia permitindo primeiro o uso do bronze, e mais tarde, do ferro. O ferro só começou a ser utilizado na indústria da guerra no século 13 a.C, e só se tornou realmente popular a partir do século 9 a.C.

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Escrito por Moacir Führ

Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Galeria de imagens 1 de 11

Soldado sumério com armamento completo. Reconstrução moderna.

A carruagem de guerra Suméria. Cerca de 2500 a.c. Representação moderna a partir de pintura presente no Estandarte de Ur.

O Estandarte de Ur. Suméria - Cerca de 2500 a.c. Esse objeto possui 22 cm de altura por 50 cm de largura. Atualmente no Museu Britânico.

Fragmento da Estela dos Abutres. Suméria - Cerca de 2500 a.c. Atualmente no Museu do Louvre, Paris.

Todos os fragmentos que foram encontrados da antiga Estela dos Abutres, e o formato que ela teria originalmente. Suméria - Cerca de 2500 a.c. Atualmente no Museu do Louvre, Paris.

Relevo hitita, mostrando a carruagem de guerra, encontrado em Hattusa. Atualmente no Museu das Civilizações da Anatólia

Reconstrução moderna da carruagem de guerra Hitita.

Reconstrução moderna da carruagem de guerra Hitita.

Reconstrução moderna da carruagem de guerra Hitita.

Armadura de placas de bronze hitita. 1650-1200 a.c. Museu Boğazköy, Turquia.

Árabes lutando em um camelo contra um cavaleiro assírio. Século 7 a.c. Reconstrução moderna.

Fontes bibiliográficas
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