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Esse artigo é uma transcrição de um vídeo que fiz em março de 2020.
Hoje a gente vai falar sobre os gladiadores e as suas fontes materiais. Importante destacar: Esse é só um apanhado geral de várias fontes, o objetivo não é mostrar todas as fontes que existem, mas apenas apresentar alguns exemplos interessantes que mostram como os gladiadores eram retratados na sua própria época.
Vamos começar falando das armaduras e elmos. Há muitos exemplos de armamentos usados por gladiadores que sobreviveram, e alguns deles são muito interessantes. No artigo sobre gladiadores que publiquei na semana passada falei dos diversos tipos de gladiadores, os mais conhecidos sendo o secutor, o murmillo, o retiário e o trácio, e também haviam muitos outros. Cada um com seu próprio tipo de equipamento.
Esses exemplos abaixo são elmos de secutor. O secutor era um tipo de gladiator fortemente armado, normalmente treinado para lutar contra o retiário, um gladiador conhecido pela agilidade. Há duas características do elmo que refletem isso, as aberturas pequenas para os olhos eram para evitar que o tridente do retiário acertasse o seu rosto, e a falta de decoração no topo era para impedir que a rede do retiário ficasse presa no elmo. Esses dois elmos foram encontrados nas cidades italianas de Herculano e Pompéia.
O gladiador da classe Murmillo (abaixo) lutava com um elmo bem diferente. Ele também possuía uma proteção frontal embora houvesse mais espaço para a respiração e a visão. Esse grande ornamento no topo era oco, e nele eram colocados plumas para dar um visual mais chamativo e até fazer com que o gladiator parecesse mais alto. Esse exemplo do Museu Britânico também tem engates laterais que podiam ter sido usados para adicionar plumas também nas laterais. Como nessa reconstituição:
Um outro exemplo famoso de elmo de Murmillo foi encontrado na Alemanha e se destaca por ter um design bem diferente dos modelos encontrados em Pompéia, com uma proteção lateral mais vertical (veja abaixo).
Uma outra classe de gladiador menos conhecida é a do Provocator, que usava elmos como esse, atualmente em exposição no Museu Arqueológico de Nápoles. Se vocês observarem nas duas laterais desse elmo também haviam buracos para a adição de plumas, essa reconstituição mostra como poderia ter sido sua aparência original:
Outro gladiador mais conhecido era o trácio. Esse é facilmente identificável por ter um elmo com um grifo no topo, importante não confundi-lo com o murmilo, os dois elmos são bem parecidos o que muda realmente é essa decoração no topo. Esse modelo em exibição no Museu do Louvre possui dois orifícios laterais bem distintos para a colocação de plumas. Segundo o próprio site “Essa figura mitológica (o grifo) era a companheira de Nêmesis, a deusa do destino, que era venerada pelos gladiadores (é comum encontrar capelas dedicadas a ela dentro dos anfiteatros).”
O trácio também pode ser facilmente reconhecido porque, diferente dos demais gladiadores, ele usava uma espada curva. Veremos mais exemplos disso mais pra frente.
Além dos elmos, eu também quero mostrar alguns exemplos de outros equipamentos usados por gladiadores. O retiário, que era o gladiador que usava tridente e rede, também usava uma grande proteção no ombro de ataque. Uma dessas proteções foi encontrada nas ruínas de Pompéia. É uma peça de formato estranho, que provavelmente limitava alguns movimentos, mas as placas laterais também deveriam ajudar para a proteção do peito, costas e pescoço. A peça era mantida no ombro sendo amarrada com cordões de couro, como os mostrados na foto:
Outra peça usada pelos gladiadores era a greva, uma proteção para a parte inferior das pernas (era uma caneleira da antiguidade). Vários exemplos foram encontrados. Essas peças eram mantidas nas pernas sendo amarradas (todos esses exemplos são desse tipo) ou então pela própria pressão do metal (alguns modelos gregos eram assim).
Esse tipo de armamento era muito comum nos exércitos gregos, mas não tão comum entre legionários romanos. Isso porque o escudo romano era muito alto e já fornecia proteção suficiente para as pernas. Esses exemplos de grevas de gladiadores são altamente ornamentadas, e foram criadas para realmente se destacaram na arena, em oposição aos modelos gregos usados em batalha, que costumavam ser lisos. Embora esses modelos sejam duplos, muitas representações de gladiadores mostram eles usando greva em apenas uma das pernas: a que ficava mais próxima do inimigo, logo abaixo do escudo.
Os gladiadores eram muito populares no período imperial, por isso é comum encontrar representações de seus combates em diversos tipos de arte do período. Esse relevo, por exemplo, fazia parte do monumento funerário de um liberto da cidade de Teate (atual Chieti) na Itália. E relembrava os jogos que ele havia financiado em vida. Nesse relevo podemos identificar facilmente dois trácios (com grifos no elmo) e vários gladiadores lutando com elmos cobertos de plumas.
Esses outros relevos (abaixo), faziam parte da decoração das Termas de Dioclesiano. Construídas no final do século 3 em Roma. O primeiro mostra um secutor derrotando um retiário, podemos ver isso, pelo elmo e pelo grande escudo usado pelo gladiador da esquerda, enquanto o gladiador no chão usa uma proteção de ombro típica dos retiários, como a que mostramos antes. O segundo relevo também mostra um secutor e um retiário.
Assim como esse relevo do MET, que também mostra um duelo entre um retiário e um secutor. Esse relevo também conta com uma inscrição em grego, que mostra que o combate de gladiadores era popular também no mundo helênico durante esse período.
Uma série de relevos do século 2 e 3 também está em exposição no Museu Arqueológico de Burdur, na Turquia. Como esses relevos não estão tão bem conservados, é difícil fazer alguma análise mais profunda ou mesmo tentar identificar os tipos de gladiadores envolvidos. Em alguns exemplos o padrão pontilhado parece representar as aberturas dos elmos dos gladiadores, em outros casos o mesmo padrão é usado para representar a rede do retiário. Também podemos observar que vários gladiadores usavam proteções nos braços (chamadas manicas). E esses gladiadores, além de ter as canelas acolchoada também parecem usar uma greva na perna de ataque.
Esse relevo (abaixo) encontrado em Chester na Inglaterra é do século 2, e mostra um retiario com equipamento completo: tridente, rede, proteção no ombro e manica.
Também há relevos que retratam as venationes, as lutas entre gladiadores e feras selvagens. O exemplo da esquerda está no Museu da Civilização Romana e é do século 1. Podemos observar dois felinos atacando um gladiador. O relevo da esquerda vem da Turquia e mostra o que parece ser dois ursos (em cima) e um leão enfrentando 5 gladiadores armados apenas com lanças e chicotes. Na parte de cima a direita, um dos gladiadores abraça o urso e tenta derrubá-lo.
Um outro relevo muito famoso, que não podemos deixar de citar é esse do Museu Britânico (abaixo). Ele é famoso por retratar duas mulheres gladiadoras lutando, a inscrição traz os nomes Amazona e Achilia. Ele foi encontrado na Turquia e até hoje é citado por historiadores quando o tema é a presença de mulheres nos combates de gladiadores. Essa é uma das poucas evidências que existem dessa prática, que não era muito comum.
Muitos gladiadores, ao serem mortos, recebiam uma estela funerária especial, com relevos destacando as suas grandes vitórias e a sua carreira de sucesso como gladiador. Essa estela podia ser paga por fãs ou pela família do gladiador. Esses exemplos que separei mostram alguns detalhes interessantes, além de serem boas representações dos próprios gladiadores.
Esse exemplo mostra um secutor. Podemos ver claramente o seu escudo, sua espada, seu elmo e até a proteção em uma das canelas. Observe que ao redor do gladiador há quatro coroas de louros. Elas eram dadas como prêmio ao gladiador que obtivesse uma vitórias muito especial, demonstrando grande coragem e habilidade. Receber a coroa de louros era uma grande honra para um gladiador, e por isso como você verá, muitos deles se vangloriavam desse feito mesmo após a morte.
Nesse exemplo do Museu arqueológico de Istambul (abaixo), o gladiador conta com seis coroas de louros, esse murmillo também destacou uma segunda honraria. Embaixo, atrás do gladiador é visível um folha de palmeira. Esse prêmio era dado a todos os gladiadores que venciam um combate, era um símbolo de vitória, esse é outra distinção que é visível em estelas funerárias de gladiadores.
Nos exemplos a seguir você pode observar várias folhas de palmeiras e coroas de louros ao lado da representação dos gladiadores.
Há outros dois exemplos que eu gostaria de destacar, por serem um pouco diferentes. Essa estela tem um formato cilíndrico bem distinto, como se o gladiator estivesse protegido atrás de seu escudo, apenas com a cabeça a mostra. É uma estela do século 2 ou 3 d.C.
E essa estela apresenta um tipo diferente de gladiador sobre o qual ainda não comentei. O scissor que usava uma arma de metal que cobria todo o antebraço e terminava em uma lâmina semi-circular. Não sabemos muito sobre esse tipo de gladiador, mas a arma com certeza é bem curiosa. Ao lado você observa uma representação moderna da possível aparência do scissor, que na ilustração utiliza um elmo similar ao do secutor.
A grande popularidade dos gladiadores na Roma Antiga fazia com produtos com representações de gladiadores tivessem um grande mercado. Eles provavelmente eram o mais próximo que existia de uma celebridade. É isso que veremos a partir de agora. Pequenas estátuas de gladiadores, são encontradas em grandes quantidades em escavações e aqui estão alguns exemplos.
Esse primeiro exemplo é interessante porque mostra um trácio, que como já comentei era um gladiador com a lâmina curva, diferente dos demais lutadores. Esse exemplo do museu britânico também usa grandes grevas altas, as famosas proteções de canela. Já esse exemplo do museu britânico representa um retiário, podemos notar pela falta do elmo, pela grande proteção no ombro e pelo longo tridente.
Não vamos trabalhar cada estátua individualmente, porque isso levaria muito tempo, mas aqui estão alguns exemplos interessantes:
Só quero chamar a atenção para um novo tipo de gladiador, que eu também não citei ainda. Uma pequena estátua dele teria sido encontrada na França e está no Museu Jeanne d'Aboville. Acredita-se que essa pequena estátua representa um Crupellarius. Esse tipo de gladiador, que foi citado pelo historiador Tático, estava fortemente armado e era quase impenetrável, embora também tivesse dificuldades para se movimentar e atacar os seus oponentes. Ao lado você confere uma recriação moderna da possível aparência do Crupellarius.
Gladiadores também eram representados em outras mídias, tamanha era a sua popularidade. Vidros, vasos de cerâmicas e até lâmpadas de óleo recebiam decorações com representações desses lutadores. Um vaso de cerâmica muito famoso e bem conservado se chama Vaso Colchester, e mostra de um lado um combate entre gladiadores (um secutor e um retiário) e de outro uma luta entre um bestiário e um animal, talvez um lobo ou hiena, é difícil identificar.
Os gladiadores também aparecem em copos e vasos de vidro, como nesses exemplos:
Outros objetos de cerâmica também podiam receber desenhos de gladiadores, como esse exemplo de um frasco de água:
Lâmpadas de óleo de cerâmica, objetos simples e de uso diário da população também podiam receber decorações com temas voltados aos combates de gladiadores. Aqui você pode ver alguns exemplos, mas há centenas de exemplares nos museus europeus. Os objetos de cerâmica eram baratos e costumavam ser facilmente descartados:
Hoje em dia os jovens cobrem as suas paredes com pôsters de seus ídolos. Na antiguidade não era diferente. Os mosaicos romanos eram grandes peças decorativas feitas com pequenos pedaços de vidros coloridos, e decoravam não as paredes, mas o chão das casas da elite romana. No meu outro artigo sobre os gladiadores eu já mostrei vários exemplos de mosaicos que retratavam esses combates, aqui eu vou mostrar alguns exemplos rápidos.
A vila romana em Bignor no sul da Inglaterra (Bignor Roman Villa) é um exemplo. Um de seus famosos mosaicos apresenta uma luta entre um secutor e um retiário, vigiados por uma pessoa com uma vara vestida de cupido. No outro artigo já discutimos o possível papel dessa pessoa.
Outro famoso mosaico é o Mosaico Borghese, ou Mosaico do Gladiador, na Vila Casilina, próxima a Roma. Esse é um mosaico interessantíssimo para o estudo dos gladiadores. Não só apresenta gladiadores de diversas classes utilizando armamentos diferentes, mas também parece ter sido um tributo a vários gladiadores famosos, já que os nomes dos gladiadores aparecem acima das imagens. Além disso, os mosaicos também apresentam cenas de lutas entre bestiários e animais.
O mosaico de Zlitene, na Líbia, norte da África, também conta com muitas representações interessantes. há um bom destaque para os músicos presentes no espetáculo, além dos desenhos dos gladiadores serem um pouco mais detalhados e apresentar novas informações como um carrinho que era usado para a retirada dos machucados da arena. Também é possível ver lutas entre animais e execuções de criminosos, simplesmente entregues as feras.
Outro exemplo é o Mosaicos dos Gladiadores de Nenning, na Alemanha. Você já deve ter percebido como os jogos eram populares por todo o império romano, só nesse artigo já citamos exemplos de Roma, do norte da Europa, do norte da África, e da Ásia Menor. Essa imagem que usamos no outro artigo para falar dos supostos juízes dos jogos, foi retirada desse mosaico, que também conta com representações das venationes e de instrumentos musicais, que podem ter sido usados nos jogos:
O mosaico Magerius, encontrado em uma vila na Tunísia, conta com vários representações de venationes, lutas entre homens e animais. Há também um outro detalhe. No centro do mosaico, há um homem com uma bandeja com sacos, que acredita-se serem de moedas. Alguns historiadores sugerem que essa é uma representação das premiações dadas aos gladiadores.
Para finalizar citamos o mosaico da vila romana de Römerhalle na Alemanha. Esses mosaicos mostram lutas entre animais, como esse exemplo de um leão contra um touro, e lutas entre animais e bestiários. Também há diversos exemplares de combates entre gladiadores.
E vamos acabando por aqui pessoal, esse artigo se mostrou um pouco difícil de fazer, pelo menos mais do que eu esperava, porque a verdade é que os museus do mundo realmente dificultam o acesso a informação. É muito triste ver que os museus permanecem sendo instituições privadas apenas interessadas em ganhar dinheiro com entradas e esquecem o seu papel como divulgadores do conhecimento.
A maior parte das informações desse artigo foi obtida, graças a boa vontade de muitas pessoas que estiveram fazendo visitas por museus europeus, e tiveram a bondade de compartilhar esses registros online. Coisa que a maior parte dos museus se nega a fazer.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.