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Tropas coloniais e contribuições financeiras das colônias na Primeira Guerra

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Capa do artigo: Tropas coloniais e contribuições financeiras das colônias na Primeira Guerra

Tropas inglesas atacando uma posição turca na batalha de Gallipoli (1915).

Um aspecto da Primeira Guerra Mundial que poucos livros descrevem é a participação de soldados das colônias, e a contribuição financeiras das mesmas, para o esforço de guerra. A ideia de que os demais continentes apenas assistiram enquanto as grandes potências se digladiavam no continente Europeu está completamente equivocada. Para não se alongar demais, esse artigo vai se focar apenas na contribuição asiática e principalmente africana, deixando de lado a contribuição do Canadá e da Austrália.

Recrutamento

Os britânicos apenas aceitavam soldados voluntários vindos das colônias, diferente da metrópole – onde houve alistamento forçado a partir de 1917 - nas colônias essa prática não era realizada. A maioria dos soldados coloniais usados pelos ingleses na guerra vieram da Índia, e lá havia um grande problema, pois devido a existência do sistema de castas tinha que haver um grande cuidado por parte das autoridades britânicas para não misturar as diversas castas em um mesmo batalhão. Então o processo de reposição era muito complexo. Quando um batalhão perdia homens ele tinha que conseguir indianos da mesma casta para tomar o seu lugar.

Somente os ingleses recrutaram 1,6 milhões de indianos, dos quais a maioria lutou nos campos de batalha oriental contra o império turco. Mais de 90 mil deles foram mortos.

Pôster de recrutamento usado nas colônias inglesas. O cartaz diz: O Império precisa de homens! Todos respondam ao chamado. Ajudado pelos jovens leões, o velho leão desafia seu inimigo. Aliste-se agora.

A França, diferentemente da Inglaterra, adotou políticas de alistamento forçado em seu território, o que gerou revoltas e até o êxodo da população de algumas regiões. Durante as campanhas de recrutamento em 1915-1916 na África francesa, somente 7 mil dos 53 mil recrutas eram voluntários. Em 1917, mais de 80% do exército colonial era formado por soldados convocados.

O procedimento usual era pedir aos chefes locais que providenciassem recrutas. A maioria dos recrutas apresentados aos oficiais franceses eram jovens de baixa posição social especialmente de grupos de escravos domésticos.

Esse recrutamento encontrou todo tipo de resistência desde simulação de doença e auto-mutilação, até fugir para a floresta ou para outra colônia. Só no Senegal, cerca de 15 mil homens evitaram a convocação fugindo para a floresta. Em outros casos, houve até resistência armada contra a administração colonial francesa e os oficiais recrutadores. Mesmo assim, o recrutamento francês nas colônias se manteve até o fim da guerra, em parte pelas grandes perdas que os franceses sofreram nas batalhas na Europa: 1,6 milhões de franceses morreram na guerra e outros 4,2 milhões foram feridos.

Cartaz de propaganda francesa nas colônias pede para os colonos se juntarem às tropas coloniais.

Os franceses foram os que mais recrutaram soldados das colônias para a Europa, incluindo 172 mil da Argélia, 134 mil da África Ocidental, 60 mil da Tunísia, 37 mil do Marrocos, 34 mil de Madagascar e 2 mil da Somália, além de 44 mil da Indochina (Vietnã).

Atuação dos soldados coloniais na guerra

Tropas coloniais entraram na linha de batalha na Europa logo no primeiro mês de guerra. No começo de setembro de 1914 divisões indianas já desembarcavam em Marselha. Mas logo se tornou claro que as tropas indianas não estavam preparadas para esse tipo de guerra moderna.

Era política britânica sempre dar armas já ultrapassadas para os soldados indianos, então a primeira coisa a fazer foi apresentá-los a novos fuzis, canhões e bombas. Mesmo assim as baixas indianas nas primeiras semanas foram muito grandes.

Soldados indianos do Império Britânico a caminho do front de Ypres, na Bélgica.

Devido a isso os britânicos - que atribuíam esse resultado a incapacidade dos indianos de se adaptar ao clima europeu - decidiram que seria por bem enviar os indianos para o front oriental, principalmente para a Mesopotâmia onde eles enfrentariam as tropas turcas. A cavalaria indiana, entretanto, continuou na Europa e lutou na batalha do Somme em 1916 e também participou da invasão britânica a Galipoli na Turquia.

Os europeus também adotaram a prática de juntar batalhões de soldados coloniais com soldados europeus para evitar as deserções em massa. Com a aliança entre Alemanha e o Império Turco, havia medo de que os alemães passassem a ser mais simpáticos a causa muçulmana e com isso levassem a uma grande deserção de soldados muçulmanos para suas fileiras.

A partir de então tropas africanas participaram de todos os grandes conflitos na Europa, incluindo a batalha de Marne, Somme e Verdun. Existe um grande debate sobre duas questões envolvendo a participação de soldados coloniais na guerra: se havia a preferência por colocar soldados coloniais nas situações mais arriscadas e se a crueldade dos soldados coloniais era maior que a dos soldados europeus.

Segundo alguns soldados coloniais realmente havia uma preferência para colocá-los nas situações mais arriscadas, e o próprio primeiro-ministro francês em 1918 fez o seguinte discurso ao senado:

Nós estamos oferecendo a civilização para os Negros. Eles terão que pagar por isso.... Eu preferiria que 10 negros fossem mortos do que um francês – apesar de eu respeitar imensamente aqueles bravos soldados negros -, porque eu acho que, de qualquer maneira, muitos franceses já foram mortos e nós devemos nos sacrificar o mínimo possível! (citado em KOLLER, Christian. 2008, tradução nossa)

Entretanto continua a questão se realmente esse posicionamento causou mais mortes de soldados coloniais do que de soldados europeus. Segundo estudos, as mortes de soldados coloniais chegam a 32% em alguns casos e 48% em outras, tornando essa questão inconclusiva. Além disso existe o fatos de que as tropas coloniais estiveram menos tempo no front do que as tropas européias, além de terem um treinamento pior.

A outra questão diz respeito a extrema crueldade dos soldados coloniais. Na época da guerra era amplamente divulgado pela imprensa alemã que os soldados coloniais franceses e ingleses eram engajados em práticas brutais que iam contra os acordos internacionais, no que a imprensa alemã denominava como "A Vergonha Negra" ou "O Terror Negro". Isso incluía violação de regulamentos no que diz respeito a tratamento de feridos e prisioneiros de guerra, a busca por troféus como dedos, orelhas e cabeças, e armas proibidas como facões em combate corpo a corpo.

Soldados britânicos da Índia. França, 1917.

Muitos concordam que esses eventos citados pela propaganda alemã eram mais casos isolados do que práticas comuns, e também se discute se realmente os facões eram muito mais brutais do que as baionetas e espadas usadas por muitos soldados europeus. As propagandas alemãs, no tocante as mutilações feitas pelos soldados coloniais, eram provavelmente uma resposta a propaganda da Entente com relação a invasão alemã na Bélgica, onde foram cometidas muitas barbaridades pelo exército alemão.

Entretanto algumas das histórias de atrocidades são verdadeiras. Alguns dos soldados coloniais franceses realmente vinham de regiões onde a exibições de troféus como cabeças humanas eram importantes elementos tradicionais das guerras. Há até relatos de soldados franceses que confirmam essas práticas das tropas africanas. No entanto, no geral, as práticas de guerra coloniais eram semelhanças as européias.

Contribuições Econômicas

As colônias não contribuíram só com soldados para a guerra na Europa, mas também financiaram os países envolvidos na guerra com doações. Essas doações aconteciam por haver uma identificação dos colonos com a metrópole ou porque o mantenimento das relações com a metrópole era importante para os interesses econômicos de muitos colonos.

Somente os indianos doaram mais de 146 milhões de libras, além de suprimentos como algodão, papel e lã. Gana contribuiu com mais de 100 mil libras, Madagascar contribuiu com 2 milhões de francos para a fabricação de armas. Na África Francesa Ocidental foram arrecadados mais de 31 milhões de francos.  Karin Pallaver (em artigo citado na bibliografia) ainda descreve como 100 mil francos foram coletados para as ambulâncias coloniais e mais 20 mil para a Cruz Vermelha francesa.

Tropas senegalesas, parte do exército colonial francês.

As colônias também voltaram sua produção para a guerra, produzindo gêneros agrícolas e pecuários (trigo, aveia, cevada, ovelhas, gado) para ajudar a alimentar as tropas durante a crise de alimentos. Em alguns caso o processamento dessas matérias-primas era realizado na própria colônia, enviando assim o produto pronto para consumo.

Na Eritreia italiana, foram exportados 12 milhões de latas de carne enlatada, no Sudão houve um aumento de 100% na produção de comida. Esses produtos não eram apenas enviados para a Europa, em muitos casos eram consumidos no próprio país, caso houvesse conflitos naquela região e tropas precisassem ser sustentadas. Ou então eram enviados diretamente para o front oriental.

A guerra na Europa também incentivou o surgimento de algumas indústrias locais pra substituição de importações. Após a guerra muitas dessas indústrias faliram ao tentar competir com uma indústria européia em recuperação.

Colonos também auxiliaram as indústrias nas metrópoles. Mais de 200 mil civis das colônias foram levados para a Europa para trabalhar em fábricas européias, para preencher as vagas deixadas por trabalhadores que haviam ido para o campo de batalha.

Já falamos do recrutamento obrigatório que houve em algumas colônias, mas também houve recrutamento obrigatório para trabalho no campo, para aumentar a produção agrícola e as áreas cultivadas. Assim como no caso do recrutamento militar, também há relatos de fugas para evitar o trabalho compulsório.

Também há a questão do dinheiro, segundo Karin Pallaver:

A capacidade dos europeus de obter dinheiro para financiar o esforço de guerra foi um dos elementos chave da guerra. Colônias da África e outros continentes foram uma importante fonte de recursos e foram usadas pelos poderes coloniais para levantar fundos, tanto para contribuir para a guerra na Europa quanto para financiar as campanhas na África.

Já citamos como a África e a Ásia contribuíram com soldados, doações e aumento de produção agrícola, mas também houve um aumento generalizado de impostos e um incentivo para maior produção de ouro. Na África do Sul - maior produtor de ouro do Império Britânico - os mineradores foram obrigados a vender o ouro por um preço fixo para o Banco da Inglaterra durante todo o conflito, esse banco então repassava o valor para a Inglaterra. Isso porque a exportação do ouro se tornou praticamente impráticavel devido ao aumento do preço dos seguros durante o conflito.

Em outras colônias houve um incentivo para o aumento da produção com a abertura de novas minas de ouro, mas o comércio de itens de luxo, como diamantes e penas de avestruz, sofreu uma grande queda e muitos trabalhadores foram demitidos.

A guerra no geral aumentou o controle dos europeus sobre as colônias. Estimulou a economia, mas também causou conflitos e rebeliões com as políticas de recrutamento compulsório. O conflito expôs as dificuldades que os europeus tinham de explorar as colônias: cartas de oficiais coloniais europeus do período destacam a necessidade da criação e melhoria de estradas, rodovias e portos para o aumento da exploração.

É seguro dizer que a guerra, serviu também para que as metrópoles conhecessem melhor os problemas que dificultavam o avanço econômico das colônias, e foi essencial para definir os rumos da colonização no período pós-guerra, através do desenvolvimento de estruturas que possibilitassem uma maior exploração da colônia gerando mais riquezas para a metrópole.

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Escrito por Moacir Führ

Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

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