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Membros do exército de Esparta no século 5 a.C. Em destaque o hoplita espartano. Ilustração de Richard Hook.
Esse artigo apresenta alguns tópicos discutidos no capítulo 2 do livro de Moses Finley sobre a economia e sociedade na Grécia Antiga. Para mais informações consulte as referências bibliográficas desse texto.
Esparta foi uma cidade-Estado da Grécia Antiga. Se tornou conhecida por ter o melhor exército do período clássico e desempenhou um importante papel nas Guerras Médicas, quando atuou ao lado de Atenas, a grande potência econômica da época, para derrotar as forças do Império Persa que tentavam conquistar a Grécia.
Politicamente Esparta tinha um sistema que contava com dois reis e cinco éforos (conselho com amplos poderes). Além da Gerúsia (assembléia de anciãos) e da Ápela (assembléia popular). Os reis pertenciam a duas famílias nobres da cidade, já os membros do eforato e da Gerúsia eram eleitos pelos cidadãos (homens da classe dos Iguais que tivessem mais de 30 anos de idade).
Em termos de organização social, Esparta se dividia em três grupos: os Iguais, os periecos e os hilotas. Os Iguais eram os cidadãos, homens com mais de 30 anos que já estavam no pleno uso de seus direitos políticos após cumprirem os vários estágios da educação militar obrigatória. Os periecos eram homens livres que não tinham direitos políticos, mas pagavam impostos e desempenhavam atividades de comércio e artesanato.
Os hilotas eram servos do Estado que trabalhavam em terras pertencentes aos Iguais e deviam entregar metade de sua produção. Toda o treinamento militar espartano era voltado para assegurar o controle sob os hilotas, para garantir que o status quo fosse mantido.
Essa organização social descrita acima foi o resultado da 'revolução do século 6', que teria alterado drasticamente a organização social espartana. A partir de então Esparta foi, provavelmente de forma gradativa, alterando suas instituições para comportar as novas necessidades criadas pelo resultado da Segunda Guerra Messênica, ou seja, o mantenimento e repressão de uma grande população de servos sobre o controle do Estado.
O autor destaca o fato de que essa "revolução" foi, provavelmente, um processo longo, gradativo e com muitas modificações ao longo do tempo.
Nas fontes antigas, tais mudanças costumam ser atribuídas a um único indivíduo especialmente esclarecido, normalmente o legislador Licurgo. Finley descarta essa interpretação como pura obra de ficção. O personagem talvez tenha existido mas, a visão de que ele teria sido o único responsável pelas mudanças, parece ser um claro recurso propagandístico usado para criar um mito que confirmasse a validade das novas leis.
Os cidadãos espartanos do sexo masculino eram conhecidos como os Iguais (homoioi), embora houvessem alguns homens especiais que, ou eram mais ricos, ou eram herdeiros dos reis em exercício.
Todos eles compartilhavam de um estilo de vida comum, que incluía uma educação militar compulsória, uma obrigação de exercer a profissão de soldado ou oficial militar, e proibição de atuar em outras atividades (agrícolas, artesanato e comércio, etc) que eram atribuições dos periecos e hilotas. Esses cidadãos também eram obrigados a viver uma vida comunitária renegando o individualismo e a família.
Tudo isso era compactamente reforçado, psicológica e institucionalmente. Vivendo em público durante a maior parte de suas vidas, os espartanos eram muito mais suscetíveis que a maioria dos povos às pressões da opinião pública e à rede de recompensas e punições, com sua grande ênfase, durante a infância, no castigo corporal e, na fase adulta, em uma variedade, rica e imaginativa, de expressões de desagrado social ou mesmo ostracismo. Tudo era envolvido na rotina diária do serviço, inclusive a religiosidade e os rites de passage. Talvez o exemplo mais dramático seja a transformação da kripteia. Esse antigo rito de iniciação na idade de dezoito anos tornou-se racionalizado, isto é, reinstitucionalizado, passando a ligar-se a uma nova função de polícia atribuída a uma unidade de elite de jovens. Significativamente, o policiamento dos hilotas era uma de suas obrigações. (FINLEY, p.29-30)
Essa terminologia ("Os Iguais") esconde as muitas desigualdades e diferenças que existiam dentro do sistema. O intenso programa de educação militar e a necessidade da escolha de oficiais para o exército, geravam diferenças de níveis de autoridade dentro da cidade. Além disso, os cargos não eram escolhidos através de sorteio (como acontecia em outras cidades gregas), mas através da designação de autoridades.
Toda essa situação era suficiente para cumprir o seu propósito: garantir que Esparta tivesse um exército capaz de reprimir os povos dominados:
O exército espartano era melhor que qualquer outro, com mais resistência e maior capacidade de manobra, graças à condição física superior, melhor treinamento e disciplina, mais obediência. A organização militar parece ter sido objeto de preocupação; pelo menos é que nos levam a crer as frequentes mudanças na organização. Por outro lado, não há evidência da existência de interesse pelas táticas e armamentos além da manutenção de ambos no melhor nível tradicional. (FINLEY, p.31)
Nas demais cidades gregas, o soldado hoplita era o responsável por bancar o seu próprio armamento, fazendo a compra dos equipamentos necessários com a sua própria renda. Produzidos por artesãos locais especializados, esses armamentos eram feitos em níveis de qualidade diversos.
A pergunta que fica é: Os espartanos seguiam a mesma lógica? E se sim, como? Tendo em vista que sua economia interna não possuía mecanismos de mercado adequados. Ou era a própria cidade que fornecia para os Iguais os equipamentos a serem usados em batalha?
Não sabemos, embora Finley acredite que a última opção é que faz mais sentido. Mas podemos supor que quem produzisse o equipamento hoplita era a classe dos periecos. O autor faz também um breve comentário sobre os escudos espartanos:
(...) partindo dos escudos. Todos eram obrigados a ter uma lambda inscrito, mas muitos (senão todos) também tinham um brasão pessoal gravado. (FINLEY, p.31)
Em Esparta:
(...) não há vestígio do "hábito da guerra" característico, por exemplo, dos assírios, a tendência para sair e guerrear, simplesmente porque é para isso que são feitos os guerreiros. Depois da Segunda Guerra Messênica e da revolução do século VI, Esparta foi, no mínimo, menos rápida para se envolver em batalhas que muitos outros Estados gregos. (FINLEY, p.37)
Essa é uma situação que fica clara, por exemplo, durante as Guerras Médicas, quando Atenas teve que insistir muito, e mesmo insinuar que faria uma aliança com os persas para que os espartanos saíssem de seu refúgio no Peloponeso e liderassem os exércitos gregos em Platéia.
A reação inicial espartana sempre era a de ignorar guerras fora do Peloponeso, e só se preocupar com o controle dos seus hilotas. Não havia qualquer tipo de desejo de conquistas e expansão nos espartanos, provavelmente porque a sua própria limitação de habitantes o impedia de adotar tal política.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.