1,4 mil visualizações | 616 palavras | 0 comentário(s)
Mosaico na casa de Anfitrite, Bulla Regia, Tunísia.
Hoje estava fazendo uma pesquisas na internet sobre a instituição do colonato, quando li algo muito incorreto em um artigo do site Mundo Educação, sobre o tema do fim da escravidão na antiguidade romana. Confira abaixo:
Além disso, devemos considerar que a disseminação do ideário cristão foi de grande importância para que a libertação dos escravos se tornasse uma prática comum entre aqueles que eram convertidos a essa nova religião.
Qual o argumento defendido no trecho acima? Os cristãos eram bonzinhos, logo o fato da decadência da escravidão coincidir com a ascensão do cristianismo não foi mera coinscidência. Os cristãos bonzinhos devem ter pregado o fim da escravidão e por isso essa forma de relação de trabalho cruel acabou.
Essa falácia é conhecida pelo termo Post hoc ergo propter hoc (com isto, logo por causa disto). Ou seja, se duas coisas aconteceram juntas é porque uma é a causa da outra. É importante ficar atento para esse tipo de argumento, alguns autores cristãos tendem a manipular o passado de forma a mostrar o cristianismo como o responsável pelas grandes mudanças positivas da história.
A libertação dos escravos não era defendida pela igreja primitiva, e a própria igreja era dona de escravos durante os anos finais da antiguidade. Ao mesmo tempo, também é importante destacar que durante a Idade Média, período de auge do poder da igreja cristã, a escravidão continuou existindo, em menor quantidade é verdade, mas esteve presente. Ela era muito comum no império romano do oriente, o Império Bizantino, onde havia uma grande influência cristã na política.
Perry Anderson reforça o meu argumento no trecho abaixo, que foi retirado da obra Passagens da Antiguidade para o Feudalismo:
De imediato, a vitória da Igreja no final do Império nada fez para alterar as atitudes tradicionais em relação à tecnologia ou à escravidão. (...) Os padres da Igreja, de Paulo a Jerônimo, também aceitavam de modo unânime a escravidão, apenas aconselhando os escravos a serem obedientes a seus senhores, e os senhores a serem justos com seus escravos - a verdadeira liberdade não seria encontrada neste mundo, de qualquer maneira... Na prática, a Igreja destes séculos era muitas vezes uma grande proprietária institucional de escravos, e seus bispos, quando fosse o caso, poderiam ir ao encalço de seus direitos legais sobre uma propriedade fugitiva com um pouco mais do que o zelo punitivo comum. (p.128-129)
Mario Curtis Giordani, um escritor cristão, escreve algumas páginas tentando defender a igreja na questão da escravidão, mas finaliza o capítulo sobre o tema na Alta Idade Média, com os seguintes comentários:
A própria igreja mantinha escravos, ainda que, em muitas ocasiões favorecesse e estimulasse a prática da manumissão. Possuíam-se escravos, então, como, em outras épocas, serão possuídos empregados. (p.23)
Em um artigo futuro discutiremos mais a fundo a questão da escravidão na Idade Média.
Moacir tem 37 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.