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Notas

1269 - Mil e duzentos escudos. — Amyot. 9.337 libras. 10 dinheiros franceses.
1270 - Havia, segundo Estêvão de Bizâncio, duas pequenas ilhas com esse nome, perto da de Salamina.
1271 - Doze mil escudos. — Amyot. 93.390 libras francesas.
1272 - Trinta mil escudos. — Amyot. 233.437 libras, 10 dinheiros franceses.
1273 - Cornélia, filha de Cina, que ele havia desposado, diz Suetõnio. depois de ter repudiado Cossucia que era apenas de família equestre, mas excessivamente rica.
1274 - Pilha de Quinto Pompe u e neta de Sila.
1275 - Setecentos e oitenta escudos. — Amyot. 6.089.385 libras francesas.
1276 - Em grego, cinco milhões e quinhentos mil sestércios. 1.049.411 libras, 14 dinheiros franceses.
1277 - Abra. não é um nome próprio e eu me admiro de que Dacier se tenha também enganado, pois essa palavra significa mais particularmente, o que nós dizemos, uma criada de quarto.
 Veja a Index du Trésor d’Henri Étienne. nessa palavra.
1278 - Novecentos e noventa mil escudos, Amyot. 3.875.062 libras e 10 dinheiros franceses.
1279 - Os suíços. César dá-lhes como limites o Reno, o monte Jura, o lago Lemano ou de Genebra e o Ródano.
1280 - É o cantão de Zurique.
1281 - O Saona.
1282 - O condado Franco, a Borgonha, etc.
1283 - A parte da Itália que então se chamava Gália Cisalpina como se verá pelo que se segue.
1284 - A Picardia e os Países-Baixos.
1285 - Eles habitavam a parte da Bélgica, situada hoje no departamento do Norte.
1286 - E m grego, os usupos, chamados em outros lugares usípios ou usipetas. Habitavam na margem ulterior da Reno, bem como as tsnterridas, que César chama de tencteres.
1287 - Povo vizinho, que habitava à margem de um pequeno rio denominado Lippe.
1288 - Que habitavam a região hoje chamada Arvorada.
1289 - Estes, o pais de Chartres.
1290 - Outros leem neste lugar prós tón Ázarin. isto é. até o rio Mona. — Amyot. É a melhor versão, com a qual estão de acordo os Bâtblos.
1291 - Entre o Saona, o Loira e o Sena. Sua capital era Autun.
1292 - Sua capital era Langres, mas seu território estendia-se muito longe.
1293 - Hoje, São Reno na Borgonha.
1294 - Seiscentos mil escudo.-. — Amyot. 4.668.775 libras francesas.
1295 - Como, depois chamada Novoco mo, quando César lá estabeleceu esses novos colonos, acima- do lago de Como, outrora, Lario. na parte da Itália chamada então Gália Transpadana, isto é, além do Pó.
1296 - Novecentos mil escudos. — Amyot. 7.003.125 libras francesas.
1297 - Vinte e cinco escudos. — Amyot. 194 libras, 10 soldos e 7 dinheiros franceses.
1298 - Veja as Observações no capítulo seguinte.
1299 - Cispadana, isto é aquém do Pó, parte da Cisalpina.
1300 - O grego diz, em sua maneira de falar: O dado seja lançado. Amyo t.
1301 - Hoje Sulmona. no cantão dos pellgnianos, ho je Abruaao, no reino de Nápole.
1302 - Estrabão. Tito Lívio. Plínio, chamam-no Aus ou Eas. Ele corre, segundo Estrabão. a dez estádios, um pouco menos de meia légua de Apolónia.
1303 - Túsculo estava a cinco léguas de Roma, a sudeste. Tal cantão possuía muitas casas de veraneio; o terreno ara muito fértil. Hoje chama-se Frascati: a antiga Túsculo" estava a meia encosta: Frascati está ao pé da montanha.
1304 - A primeira cidade da Tessália, saindo do Épiro, diz César.
1305 - O original grego é defeituoso neste ponto: e é necessário completá-lo com o que está escrito na vida de Pompeu. — Amyot. Veja-se a Vida de Pompeu, t. VI.
1306 - Na Vida de Pompeu ele é chamado de Craniano: César o chama Crastino.
1307 - Cidade da Ásia Menor, na Lídia.
1308 - A dez l éguas de Veneza.
1309 - Em grego dezessete milhões e quinhentos mil sestércios, 8.849.609 libras francesas.
1310 - Dava-se este nome às torres edificadas nas costa? ou nós portos de mar, onde se acendiam lumes para orientar os navios durante a noite. Em frente a. Alexandria, havia uma ilha. chamada Favo ou Paro», e cobre o promontório dessa ilha. um farol, construído por Ptolomeu Filadelfo. de tamanho e magnificência tais. que alguns o enumeraram entre as maravilhas do mundo.
1311 - Sabemos que Plutarco as escreveu em grego; as três palavras latinas, que são de César, foram postas por Amyot. para apresentar três palavras somente, o que o francês não permite, porque é sempre necessário juntar-se o pronome ao verbo.
 1312 - O que se diz aqui da casa de Pompeu. não tem relação com Cornificio, mas com Antônio, como veremos na sua vida e com o se vê nas Filípicas de Cícero e em outros lugares.
1313 - Deve-se escrever Tapso, como Ptolomeu, Estrabão e todos os outros escrevem.
1314 - O mesmo de que falamos há pouco em outro lugar. Augusto o restabeleceu em seguida no trono, dando-lhe em lugar dos Estadas de seu pai, uma parte da Getúlia e das províncias que tinham sido submetidas precedentemente a Boco e a Bogada.
1315 - No ano 709 de Roma, antes de J. C, ano 45.
1316 - Munda, na antiga Bética. hoje reino de Granada, a cinco léguas de Málaga, muito perto do estreito de Gibraltar.
1317 - No ano 710 d e Roma. antes de J. C. ano 44.
1318 - Diodoro da Sicília di-lo assim e Estrabão e Pausânias estão de acordo com ele com relação a Corinto; mas, quanto a Cartago, ela só foi restaurada por Augusto.
1319 - Na embocadura do braço esquerdo do Tibre, separado nesse lugar por uma pequen a ilha.
1320 - Este trecho é relatado na V ida de Bruto: mas com relação à pretura urbana, de que Plutarco fala algumas linhas antes, por estas palavras, a mais honrosa.
1321 - Deve-se ler, eu creio: ele o solicitou, ele mesmo, em particular; e suprimir: os que escreviam estes pequenos cartazes.
1322 - Na Vida de Bruto, é Caio Trebônio quem faz esse papel.
1323 - Em grego: no mesmo lugar.
1324 - Leia-se: e ele além disso, teve febre.
1325 - No ano 710 de Roma.

Fontes   >    Roma Antiga

Vidas Paralelas: Júlio César, de Plutarco

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Retrato de Tusculum. Acredita-se que esse seja o único busto de Julio César produzido durante a sua vida que ainda sobrevive. Museu de Antiguidades de Turim, Itália.

Sobre a fonte

Júlio César (100-44 a.C.) foi um patrício, líder militar e político romano que desempenhou um papel crítico na transformação da República Romana no Império Romano. Em seu testamento adotou como filho Otávio, que passou a se chamar César e depois disso se tornou Augusto. A biografia de Júlio César faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Júlio César foi comparado com Alexandre o Grande, conquistador macedônio.

I. Inimizade entre Sila e César

I. Sila, estando à frente do governo, quis que César repudiasse sua mulher Cornélia, filha de Cina, que durante certo tempo havia gozado do supremo poder em Roma: mas não tendo podido induzi-lo a isso, nem com promessas, nem com ameaças, confiscou-lhe o dote: o motivo pelo qual César queria mal a Sila, era o parentesco que tinha com Mário, o qual fora mando de Júlia, irmã do pai de César, da qual ele tivera o jovem Mário, que assim vinha a ser primo irmão de César. Mas Sila, no princípio de suas vitórias, estava preocupado com assuntos mais importantes e outrossim, em fazer morrer muitos dos seus adversários e não se importou de mandar procurá-lo: ele não se limitou a estar escondido, em segurança, mas se apresentou espontaneamente ao povo, pleiteando um cargo vago no sacerdócio, quando apenas havia entrado na adolescência, o que porém, não obteve, porque Sila ocultamente lhe era adverso: e como ele havia deliberado matá-lo, alguns de seus familiares disseram-lhe que não havia absolutamente motivo para fazer morrer tão futuroso rapaz: mas ele replicou, que eles não eram sensatos, se não percebiam que nesse rapaz havia muitos outros como Mário, Estas palavras foram referidas a César e ele retirou-se de Roma e ficou por muito tempo escondido no país dos sabinos, passando sempre de um lugar a outro.

II. César é aprisionado por corsários: altivez com que ele os trata durante seu cativeiro. Faz com que sejam enforcados

II. Mas um dia, quando ele se dirigia de uma casa a outra, por sentir-se doente, caiu nas mãos dos satélites de Sila, que o andavam buscando por toda a parte, e prendiam a todos os que encontravam; todavia, conseguiu subornar o capitão, que se chamava Cornélio, com dez talentos1269 ; tendo escapado, dirigiu-se para as costas marítimas, onde embarcou, fugindo para a Bitínia, foi à corte do rei Nicomedes, onde ficou algum tempo, para de novo se pôr ao mar, quando foi aprisionado por corsários, perto da ilha de Farmacusa1270, aqueles piratas dominavam todo o mar com uma grande esquadra, composta de um sem-número de navios. Tais corsários pediram-lhe imediatamente vinte talentos para seu resgate1271, mas ele zombou dos mesmos, porque não sabiam a quem haviam aprisionado e por própria conta lhes prometeu cinquenta1272 ; depois mandou seus homens uns para cá, outros para lá, para recolher o dinheiro, e ficou sozinho entre os ladroes cilícios, que são os maiores assassinos e os mais sanguinários do mundo, com um de seus amigos e dois escravos somente: e no entretanto ele fazia tão pouco caso que, quando queria dormir, mandava que se calassem.

Ficou durante trinta dias com eles, não como prisioneiro, guardado, mas como um príncipe seguido e acompanhado por eles, quase como se fossem seus satélites. Durante esse tempo, ele divertia-se e exercitava-se com eles, sem receio, com toda a tranquilidade; às vezes escrevia versos ou preparava discurses e depois os chamava para ouvi-los recitar; e se por acaso eles davam mostras de não gostar chamava-os a todos de ignorantes e bárbaros, rindose, os ameaçava de mandá-los enforcar: com isso muito eles se divertiam, porque tomavam tudo por brincadeira, pensando que aquela sua franqueza de falar tão livremente a eles, procedia de simplicidade e de ingenuidade; mas quando chegou o seu resgate da cidade de Mileto e tendo-o pago, foi posto em liberdade, armou imediatamente alguns navios no perto de Mileto, para ir combater aqueles ladrões, que encontrou ainda ancorados na mesma ilha; prendeu a maior parte deles e apoderou-se de seus bens; quanto às pessoas, porém, levou-as à cidade de Pérgamo onde as pôs na prisão, enquanto ia falar com o governador da Ásia, naquele tempo, um tal Junio, pois a ele competia fazer justiça contra aqueles malfeitores, porque era pretor da Ásia; ele, porém, desejando, ao invés, apoderar-se do dinheiro deles, pois havia uma boa soma, respondeu que deliberaria a seu tempo sobre os prisioneiros: César deixou-o lá, voltou a Pérgamo, onde mandou enforcar publicamente e crucificar a todos aqueles ladrões, como havia várias vezes predito e prometido na ilha, quando eles pensavam que estava apenas gracejando.

III. César ocupa o segundo lugar entre os oradores do seu tempo. Teria podido ser o primeiro

III. Depois, como o poder de Sila começasse a declinar, seus amigos mandaram lhe dizer que voltasse à sua casa: foi então primeiramente a Rodes, para estudar algum tempo com Apolônio, filho de Molon, que Cícero também ouvia, pois era um homem de bem e um grande mestre de retórica e de eloquência. Diz-se que César tinha muito felizmente nascido para falar e discursar ao povo e além da aptidão natural que tinha, havia se exercitado diligentemente, de maneira que sem dúvida alguma, ocupava o segundo lugar dentre os oradores do seu tempo; deixou o primeiro, para ser o primeiro nas armas, no poder e na autoridade, pois não havia atingido a perfeição na arte de falar, à qual sua natureza poderia levá-lo, para, de preferência exercitar-se na guerra e no desempenho dos cargos públicos, os quais, afinal de contas, tornaram-no senhor do império romano. Por esse motivo, no livro que ele escreveu depois, contra o que Cícero tinha escrito em louvor de Catão, ele roga aos leitores que não façam comparação entre o estilo de um homem de armas com a eloquência de um esplêndido orador, que naquele mister havia empregado a maior parte de sua vida. Voltando a Roma, citou Dolabela à justiça, acusando-o de ter procedido mal e violentamente no governo da sua província e várias cidades gregas mandaram-lhe testemunhas disso: no entretanto Dolabela foi absolvido e César querendo do mesmo modo retribuir aos gregos as provas de afeto que lhe haviam manifestado, em vista desta acusação, tomou nas suas mãos a causa, por eles, quando acusaram a Públio António de concussão, perante Marco Lúculo, pretor da Macedônia, quando o perseguiu tão insistentemente, que António foi obrigado a apelar para os tribunos do povo em Roma, alegando, para justificar o seu apelo, que ele não podia justificar-se, falando na Grécia, contra os gregos.

IV. Favor de César perante o povo

IV. César ao depois caiu nas boas graças de muita gente, em Roma, por meio de sua eloquência, porquanto, defendia sua casa nos julgamentos e era singularmente amado e querido do povo pela maneira graciosa que tinha, de saudar, tratar e conversar familiarmente com todos, sendo nisso mais cuidadoso e cortês do que sua idade o permitia e havia ainda algum favor, pela boa mesa e abundância em sua casa ordinariamente, como pela magnificência de que usava em todo o resto do seu modo de viver, o qual, pouco a pouco o fazia progredir e granjeava-lhe prestígio perante o povo. Os que lhe tinham inveja, julgando que aquele favor duraria pouco e logo diminuiria, pois ele não podia mais prover às despesas, não se importaram em diminuí-lo no começo e o deixaram pouco a pouco crescer e fortificasse; mas, por fim, tendo-se tornado grande e difícil de ser dominado, embora tendesse manifestamente a se movimentar e a mudar um dia todo o aspecto do governo, muito tarde perceberam, que não há início tão pequeno, em coisa alguma, que a continuidade e a perseverança não tornem forte e grande, quando, por desprezá-lo, não se lhe põe um obstáculo. O primeiro que, por conseguinte, parece ter tido desconfiança e temor, de seu modo de proceder no desempenho dos negócios do governo, como o sábio piloto, que teme uma bonança radiosa em alto mar e que percebeu a refinada malícia que ele ocultava sob o manto daquela familiaridade, cortesia e jucundidade que mostrava exteriormente, foi Cícero. "Quando eu considero, dizia ele, essa cabeleira tão bem penteada e tão esquisitamente adereçada e o vejo coçar a cabeça, apenas com a ponta de um dedo, eu imagino o contrário, que tal homem jamais poderia ter imaginado um infeliz empreendimento como o de querer destruir todo o império romano". Todavia isso aconteceu muito tempo depois.

V. Faz a oração fúnebre de sua mulher

V. De resto, a primeira demonstração que lhe deu o povo da benevolência que lhe dedicava, foi quando ele pediu o cargo de tribuno, isto é, comandante de mil soldados de infantaria, contra Caio Pompílio e o obteve, sendo eleito antes dele. A segunda e mais evidente ainda que a primeira foi quando a mulher de Mário, Júlia, que era sua tia, morreu: ele proferiu na praça, como seu sobrinho, um discurso fúnebre em seu louvor e no fim de suas homenagens teve a coragem de expor em público estátuas de Mário que pela primeira vez foram vistas desde a vitória de Sila, porque Mário e todos os seus companheiros e asseclas tinham sido julgados e declarados inimigos do governo. Como alguns murmurassem e clamassem contra ele por esse fato, o povo aplaudiu-o, ao contrário, com vigorosas palmas e mostrou que muito satisfeito estava e agradecia, por ele fazer voltar do inferno, por assim dizer, as honras de Mário à cidade de Roma, depois de terem estado enterradas por um longo espaço de tempo. Era costume, desde toda a antiguidade, de os romanos fazerem discursos fúnebres em louvor das senhoras idosas, quando vinham a falecer, não, porém, das jovens: e César foi o primeiro que louvou publicamente sua mulher1273 falecida, o que lhe aumentou a benevolência e fez com que o povo o amasse ainda mais, como homem bondoso e de natureza cordial.

VI. Casa-se com Pompeia. Despesas excessivas nas festas que dá ao povo

VI. Depois das homenagens de sua mulher ele foi feito questor, isto é, tesoureiro, sob o pretor Antistio Veto, o qual o honrou sempre, ao depois, de modo que, quando ele por sua vez foi feito pretor, fez eleger questor a seu filho, depois que deixou o cargo, desposou sua terceira mulher, Pompeia1274, tendo da primeira, Cornélia, uma filha que depois casou-se com Pompeu, o Grande. Mas fazendo estas grandes despesas parecia que ele adquiria uma nuvem de favor popular, curta e de pouca duração por um preço exorbitante, quando conquistava as coisas maiores do mundo por preços bem menores, diz-se que antes de ter algum cargo no governo ele estava devendo mil e trezentos talentos1275. E como havia sido encarregado de mandar restaurar o calçamento da estrada principal, que se chama a via Ápia, ele gastou nisso muito do seu próprio: e por outro lado, quando foi feito edil deu ao povo uma diversão, onde combateram trezentos e vinte pares de gladiadores, isto é, lutadores de morte: e em todas as outras solenidades de jogos e festas públicas, ele enterrou por assim dizer, a magnificência de todos os que as haviam imaginado e preparado antes: tornou o povo tão afeiçoado a ele, que todos iam imaginando novos cargos, novas honras e novas atividades para recompensá-lo.

VII. Coloca os quadros de Mário e de suas vitórias no Capitólio

VII. Havia em Roma duas ligas ou partidos, o de Sila que era forte e poderoso, e o de Mário, que não ousava erguer a cabeça, tanto estava depreciado e aviltado: mas César querendo levantá-lo, quando as festas, divertimentos e jogos públicos, de sua edilidade estavam em grande anualidade, mandou fazer secretamente estátuas de Mário de vitórias, com triunfos, as quais mandou colocar durante a noite, no Capitólio. No dia seguinte pela manhã, quando viram brilhar naqueles lugares as estátuas douradas, muito bem feitas e trabalhadas, testemunhando, pelas inscrições as vitórias que Mário havia conquistado contra os címbrios, todos se admiravam da ousadia daquele que lá as havia feito colocar, pois muito bem se sabia quem fora; espalhou-se imediatamente a notícia por toda a cidade e grande multidão acorreu para vê-las. Alguns clamaram contra César, que era uma ousadia, ressuscitarem-se, por assim dizer, honra s que tinham sido sepultadas por éditos e determinações públicas e que aquilo era uma prova e uma experiência, para sondar a vontade do povo que ele tinha logrado pela magnificência dos divertimentos públicos a fim de saber se ele estava bem adestrado e se toleraria que se jogasse semelhante partida ou se se perturbaria com semelhante novidade.

Os do partido de Mário, ao invés, animando-se uns aos outros, manifestaram-se em grande número, fazendo ressoar todo o monte Capitólio com seus gritos e aplausos; vieram as lágrimas aos olhos de muitos, pela grande alegria que sentiram quando viram as estátuas de Mário e César foi altamente elogiado e estimado por todos eles, como o personagem mais digno dos parentes de Mário: estando o Senado reunido por causa desse fato, Catulo Lutácio, o homem de maior autoridade em Roma, no momento, levantou-se e falou acremente contra César, dizendo que "ele não agia secretamente, mas abria logo suas baterias, procurando arrumar o governo às claras ; no entanto, César, no momento respondeu-lhe tão bem, que o Senado se deu por satisfeito e os que o estimavam sentiram-se mais esperançosos ainda e rogaram-no que tivesse ânimo e não cedesse a ninguém e pela vontade do mesmo povo, ele sobrepujaria a todos os demais e seria o primeiro homem da cidade.

VIII. É nomeado grão pontífice

VIII. Nesse ínterim, faleceu o pontífice Metelo: dois dos principais personagens da cidade entraram em litígio para substituí-lo no cargo, tendo ambos grande prestígio no Senado, Isaunco e Catulo: César, no entretanto, não ficou atrás, mas apresentou-se ao povo e o pediu, como eles: sendo as partes querelantes iguais, Catulo, homem de mais dignidade, temendo a incerteza do resultado da eleição, mandou alguns homens a César, ocultamente, para entregar-lhe uma grande soma de dinheiro, se ele quisesse desistir da sua pretensão: mas ele lhe respondeu, que lhe cederia, se preciso, uma soma ainda maior, para continuar a questão contra ele. Quando chegou o dia da eleição, sua mãe acompanhou-o até a porta do aposento, com lágrimas nos olhos; ele disse-lhe, abraçando-a: "Minha mãe, verás hoje teu filho soberano pontífice ou exilado de Roma". Recolhidos por fim os votos do povo, debatida fortemente a questão, ele venceu e obteve o cargo; isto causou grande temor ao Senado e aos homens de bem, porque julgaram que, de ali por diante, ele obteria do povo tudo o que quisesse.

IX. Censura-se nessa ocasião a Cícero, por tê-lo poupado no momento da punição dos cúmplices de Catilina

IX. Por esse motivo, Catulo e Piso repreendiam acerbamente a Cícero, por tê-lo poupado, quando da rebelião de Catilina, quando o havia aprisionado. Pois Catilina tinha proposto não somente desorganizar o governo, mas também todo o império romano, implantando a desordem, mas escapou das mãos da justiça, por falta de provas antes que o essencial de seus desígnios fosse plenamente descoberto; mas deixou na cidade Lêntulo e Cétego, companheiros da conspiração, aos quais não se sabe se César deu secretamente algum auxílio ou amparo: mas é certo que, publicamente, em pleno Senado foram reconhecidos como culpados; Cícero, que então era cônsul, perguntou a cada senador sua opinião, como deviam ser castigados, todos os outros, menos César, foram de parecer que deveriam ser mortos: este quando lhe tocou falar, pondo-se de pé, pronunciou um discurso que havia preparado, no qual discorreu sobre o fato de não ser coisa habitual nem justa, fazer morrer os homens, mesmo da nobreza e revestidos de dignidade, sem que precedentemente lhes fosse movido um processo e eles fossem judicialmente condenados, a não ser em caso de extrema necessidade: mas os pusessem em uma prisão, em alguma cidade da Itália, como Cícero julgava melhor, até que Catilina fosse derrotado, então o Senado poderia, em paz, deliberar segundo a sua vontade, com calma, aquilo que deveria ser feito. Esta opinião parece mais humana, além de que foi exposta com muita graça e entusiástica eloquência, de modo que não somente os que opinaram depois dele, seguiram-na, mas também vários outros que já tinham dado antes o próprio parecer, desistiram da primeira sentença e aderiram à sua, até que chegou a vez de Catão e de Catulo; estes contradisseram-no violentamente, de modo especial, Catão, que falou de maneira a tornar o mesmo César suspeito de conspiração e se formalizou energicamente contra ele; e assim os criminosos foram entregues ao executor da justiça para serem mortos: quando César saiu do Senado, um grupo de moços, que acompanhavam Cícero, para garantir-lhe a vida, correram para ele de espadas desembainhadas: diz-se que Curió o cobriu com sua veste e o livrou de suas mãos e Cícero mesmo, como os moços olhassem para ele, fez-lhes sinal com a cabeça que não o matassem, quer porque temia o furor do povo, quer porque julgava esse ato, mau e injusto. Todavia se isso é verdade, eu me admiro muito de como Cícero não o referiu no tratado que fez de seu consulado: mas como quer que seja, ele foi depois censurado por não ter aproveitado a ocasião que se apresentara contra César e por ter temido demais o povo que confiava mui afetuosamente na sua proteção.

X. O Senado manda fazer uma distribuição de trigo ao povo, para contrabalançar o favor de César

X. Poucos dias depois, tendo ido ao Senado para se justificar das suspeitas e das dúvidas contra ele, foi asperamente maltratado; permanecendo no Senado por mais tempo do que de costume, o povo veio até a sala pedir em altas vozes que o deixassem sair; Catão temendo principalmente a revolta dos pobres e mendigos, que eram os agitadores do povo e tinham posto em César suas esperanças, persuadiu ao Senado que lhes fizesse distribuir gratuitamente trigo, por um mês embora essa distribuição viesse a custar novas despesas ao Estado, num total de quinhentos e cinquenta mil escudos1276. Esse conselho afastou no momento um grande temor e dissipou a parte principal do poder de César, em tempo muito oportuno, quando ele ia ser pretor e quando ele se tornaria temido mais que nunca, pela autoridade que lhe daria seu cargo na magistratura, durante o qual, porém, nada aconteceu de perturbação, no governo, mas sucedeu~lhe, sim, a ele mesmo, um sinistro acidente em sua casa.

XI. Clódio se introduz em casa de Pompeia, mulher de César, durante os mistérios da boa deusa

XI. Havia um moço de família nobre e patrícia, chamado Clódio, rico e eloquente, mas também de uma ousadia, insolência e temeridade iguais às daqueles que foram célebres pela sua maldade. Ele enamorou-se de Pompeia, mulher de César, que lhe não ficou indiferente, nem tão pouco descontente: ela era mui vigiada, e a mãe de César, Aurélia, mulher de bem e honrada, tinha os olhos sobre ela, tão de perto, que os dois amantes não se podiam encontrar senão com muita dificuldade e não menor perigo. Os romanos adoram uma deusa a que chamam de boa deusa, como os gregos têm também a sua Ginécia, isto é, a deusa das mulheres e os frígios, cultuam-na particularmente e chamam-na de mãe do lei Midas: mas os romanos a consideram uma Ninfa dos bosques, casada com o deus Fauno e os gregos querem que seja aquela das mães de Baco, que não se ousa nomear; no dia de sua festa fazem-se enramadas e tecidos de galhos de videira e há um dragão sagrado, perto da estátua da deusa, segundo a fábula; ademais, não é permitido a homem algum, seja quem for, assistir aos sacrifícios, mas nem mesmo estar no interior da casa em que eles se realizam: e diz-se, que as mulheres nessa ocasião fazem várias cerimônias que muito se assemelham aos sacrifícios de Orfeu. Quando chega o tempo da festa, o marido, na casa onde se realiza o sacrifício, que deve ser a de um cônsul ou pretor, e com ele todos os homens saem da mesma e fica só a esposa para governar a casa; a maior parte das cerimônias se fazem durante a noite e é toda entremeada de cantos e de música, que se prolongam por toda a madrugada. Pompeia, então, mulher de César, devia celebrar naquele ano a festa. Clódio, que ainda não tinha barba e por isso pensava não ser descoberto, disfarçou-se com as vestes de uma tocadora de instrumento, porque tinha o rosto parecido com o de uma moça: achando as portas abertas foi admitido por uma camareira que estava de combinação com ele e que foi logo avisar Pompeia da sua chegada. Ela demorou-se muito para voltar e Clódio não tendo paciência de esperá-la no lugar onde a havia deixado, foi andando a esmo pela casa, que era grande e espaçosa, sempre evitando a claridade; por acaso foi visto por uma das criadas de Aurélia, que julgando tratarse de uma mulher, pediu-lhe que fosse divertir-se com ela, mas ele recusou-se e a outra, então, continuou perguntando quem ela era. Clódio respondeu-lhe que esperava uma das servas de Pompeia de nome Abra1277, sendo então reconhecido pela voz, a criada de Aurélia correu Jogo para onde estavam as mulheres, dizendo que encontrara um homem disfarçado em mulher: por isso todas ficaram alarmadas, Aurélia mandou interromper imediatamente todos os atos do sacrifício e ocultar o que havia de secreto; mandou fechar as portas da casa e com tochas e archotes, procuravam o homem, o qual foi por fim encontrado no quarto da criada de Pompeia, com a qual ele havia fugido; sendo reconhecido pelas mulheres, foi expulso da casa.

XII. César repudia sua mulher e Clódio é absolvido pelo favor do povo

XII. Não deixaram as mulheres de contar o fato a seus maridos naquela noite mesma, quando voltaram a suas casas e logo no dia seguinte correu a notícia por toda a cidade, que Clódio tinha tentado uma coisa inaudita e má e que deveria sofrer o merecido castigo, não somente da parte daqueles aos quais havia ultrajado mas também do governo e dos deuses, e até mesmo um dos tribunos do povo, citou-o à justiça e o acusou de delito de lesa-majestade divina: alguns dos mais poderosos e dos mais influentes do Senado, levantaram-se também contra ele, acusando-o de vários outros crimes dissolutos, até de ter cometido incesto com sua irmã, que era casada com Lúculo: todavia o povo opondo-se às suas veementes acusações defendeu Clódio e isso serviu-lhe de muito, perante os juízes, que ficaram admirados e tiveram medo de irritar o povo. No entretanto César, imediatamente, repudiou sua mulher; tendo sido chamado pelo acusador para dar testemunho contra Clódio, ele respondeu que nada sabia a esse respeito, contra ele. Esta resposta foi julgada estranha e o acusador perguntou-lhe, como e porque então tinha repudiado sua mulher, ele respondeu: "Porque eu não quero que minha mulher seja nem mesmo objeto de suspeita". Dizem outros que César na verdade pensava assim, como afirmava: outros dizem que ele o fazia, para agradar ao povo, que queria salvar a Clódio, o qual foi absolvido do crime, porque a maior parte dos juízes deu a sentença em frases confusas, temendo, de um lado o perigo da parte do povo, se o condenassem e por outro, a má opinião dos nobres, se o absolvessem.

XIII. Palavras notáveis de César

XIII. Por fim, tendo tocado a César no fim do seu cargo de pretor o governo da Espanha, seus credores seguiram-no, exigindo que os pagasse antes de sua partida; não podendo satisfazê-los, foi obrigado a recorrer a Crasso, que era então o homem mais rico da cidade de Roma e tinha necessidade da sua ação e atividade, contra o poder de Pompeu, no governo do império. Crasso respondeu por ele aos seus credores, mais importunos e que mais o tinham em aperto, constituindo-se fiador da soma de oitocentos e trinta talentos1278, e assim eles o deixaram partir para o seu cargo e governo: naquela viagem, segundo se diz, atravessando os Alpes, passou por uma pequena cidade de bárbaros, habitada por alguns homens pobres e mal situados; os familiares que o acompanhavam, perguntaram-lhe, gracejando, se naquela terra também havia litígios e brigas por causa de cargos públicos e se havia rivalidade e inveja entre os principais por causa das honras. César respondeu-lhes: "Isso eu não sei, quanto a mim, porém, eu preferiria ser aqui o primeiro do que o segundo em Roma". Outra vez, semelhantemente, na Espanha, pôs-se a ler alguns fatos da vida de Alexandre; ficou depois muito apreensivo e depois, começou a chorar. Vendo-o, seus amigos -muito se admiraram e perguntaram-lhe o motivo. Ele respondeu: "Não vos parece bastante, para eu sentir, que o rei Alexandre, na idade em que eu estou agora, já tinha conquistado tantos povos e países e eu nada fiz até agora digno de memória?"

XIV. Seu proceder no governo da Espanha

XIV. E assim, logo que chegou à Espanha, começou a trabalhar ativamente e em poucos dias organizou dez novas divisões de infantaria, além das vinte outras que já lá estavam e as levou contra os calacianos e os lusitanos, realizando grandes conquistas, chegando a penetrar até o Oceano, subjugando todas as nações, que antes não reconheciam os romanos como senhores: e se organizou muito bem os assuntos militares não menor prudência e diligência empregou nos assuntos de paz, deixando as cidades em união e concórdia e principalmente pacificando as divergências e os litígios entre devedores, e credores por causa da usura; ele determinou que os credores, cada ano, teriam duas partes das rendas dos devedores, até que tivessem sido inteiramente pagos e os devedores sustentar-se-iam, apenas, com a terceira, e com isso deu bom nome ao seu governo, porque ele mesmo chegou a enriquecer, tendo enriquecido, outrossim, aos seus soldados, os quais por esse motivo deram-lhe o nome e o título de imperador, que significa comandante supremo.

XV. Pompeu e Crasso reconciliam-se por seu intermédio

XV. Como as leis e decretos romanos exigiam que, aqueles que aspiravam às honras do triunfo habitassem fora da cidade e os que pediam o consulado, fossem, ao contrário, moradores da cidade, encontrando-se nessa dificuldade, porque tinha precisamente chegado o tempo em que se deviam eleger os cônsules, ele mandou pedir ao Senado que lhe concedesse a graça, de, mesmo ausente, por intermédio dos seus amigos, poder concorrer à eleição dos cônsules; a este pedido Catão se opôs citando a lei expressa, que era formalmente contra: mas depois, vendo que não obstante sua oposição, vários senadores conquistados por César, se inclinavam a conceder-lhe a graça, ele tentou pelo menos anulá-la, diminuindo-lhe o tempo, gastando o dia todo em discursar. César então resolveu desistir do triunfo e preferiu o consulado: voltando, realizou uma proeza extraordinária, que enganou a todos, menos a Catão: foi a reconciliação de Crasso e Pompeu, os dois maiores e mais poderosos personagens de Roma que estavam incompatibilizados, um com o outro; César os fez reatar as relações, reunindo desse modo o poder de ambos num só, nele mesmo, sem que os demais percebessem, que este ato da mais agradável aparência e de título, o mais honesto do mundo, ele desmantelou todo o governo de Roma, pois não foi a dissensão entre Pompeu e César que suscitou a guerra civil, como se pensa geralmente, mas foi ao invés, a sua união, porque eles se aliaram, primeiro, para arruinar a autoridade do Senado e da nobreza, e depois entraram em luta um contra o outro. Catão, que o predisse e profetizou por várias vezes, no momento teve a fama de homem importuno e molesto, mas depois, foi considerado mais sensato que feliz em seus conselhos.

XVI. Pelo seu prestígio, é eleito cônsul. Seu proceder nesse cargo

XVI. Assim colocou-se César no meio dos dois personagens, que ele havia feito reconciliarem-se e foi logo eleito, sem contestação, e aclamado cônsul, com Calpurmo Ríbulo: logo que foi eleito, começou a promulgar éditos e leis mais próprias de um sedicioso tribuno do povo, que não de um cônsul: ele propunha divisões de terras e distribuição de trigo, sem despesas, a cada cidadão, para agradar ao povo: os homens de bem e honestos, do Senado, opuseram-se às suas pretensões; ele, que só esperava uma ocasião que lhe servisse de motivo, começou a protestar e a clamar, que a dureza e o rigor do Senado o afastavam, contra sua vontade e o obrigavam a recorrer às lisonjas para agradar o povo; e de fato assim fez; tendo aos seus lados, Crasso e Pompeu, ele perguntou-lhes em voz alta, em plena assembleia da cidade, se eles aprovavam os éditos que ele havia promulgado. Ambos responderam que sim. Rogou-lhes então César que o sustentassem com mão forte, contra os que ameaçavam impedi-lo, à ponta de espada; Crasso prometeu fazê-lo e Pompeu acrescentou ainda, que contra os que viessem de espada, ele iria de espada e de escudo. Estas palavras desagradaram muito aos membros do Senado, como não somente indignas da sua gravidade e inconvenientes à reverência que lhes era devida e ao respeito para com o Senado, mas também injuriosas e próprias de um jovem inconsiderado: o povo, ao contrário, ficou muito satisfeito.

XVII. Proceder odioso de César e de Pompeu

XVII. César, querendo ainda mais estreitamente absorver o poder de Pompeu, deu-lhe como esposa sua filha Júlia, que já fora casada com Servílio Cépio, prometendo-lhe em troca, dar-lhe a de Pompeu, que havia sido prometida a Fausto, filho de Sila; e pouco tempo depois, ele mesmo desposou Calpumia, filha de Piso, que ele fez nomear cônsul para sucede-lo no ano seguinte. Pelo que, Catão clamava e chamava os deuses como testemunhas, de que era coisa que não se devia permitir nem suportar, que eles fossem saqueando os três, todo o império romano, pela canalhice de tais núpcias, distribuindo entre si, cargos de governadores de províncias, ofícios de importância no exército por meio de seus casamentos. Bíbulo, companheiro de César no consulado, vendo que se opondo a essas leis ele nada ganharia, mas, ao contrário, corria perigo de ser morto com Catão, encerrou-se em sua casa até o fim do consulado. Pompeu, depois que desposou Júlia, encheu a praça de homens armados, fez passar e autorizou as leis, que César propusera em favor do povo, e depois confiou-lhe, como província, toda a Gália, tanto a de cá como a de lá dos montes, juntamente com a Eslavônia, com quatro legiões, durante cinco anos.

XVIII. César manda prender Catão e depois manda-o pô-lo em liberdade

XVIII. Como Catão se opusesse e protestasse, César mandou prendê-lo, por meio de seus homens e o pôs na prisão, pensando que ele apelaria para os tribunos do povo; mas ele não disse uma palavra; César, porém, vendo que não somente os homens do governo muito se admiravam disso, mas também o povo, pela reverência que tinham por Catão, e pela sua virtude, e mostravam rosto triste," e sofriam em silêncio, rogou ele mesmo, secretamente, a um dos tribunos que fosse libertá-lo. Depois disso, poucos senadores quiseram permanecer no Senado, sob sua presidência e não podendo tolerar o que ele fazia, iam para fora da cidade; dentre, estes, estava um ancião de nome Considio, que um dia lhe disse francamente: que era de medo de suas armas que os outros lá não ousavam comparecer: e César respondeu-lhe: "E por que não ficas tu também em tua casa pelo mesmo medo?" A isto Considio respondeu: "Porque minha velhice me tira o medo: tendo muito pouco tempo de vida eu não preciso mais precaver-me contra ele". A coisa mais vil porém, que se perpetrou durante todo o consulado de César, parece ter sido a eleição de Públio Clódio, tribuno do povo; este havia-lhe feito um grande ultraje, por causa de sua mulher, por ter poluído e violado as santas vigílias místicas das senhoras, que se realizavam em sua casa. Clódio só procurava fazer-se eleger tribuno do povo para arruinar a Cícero, e César mesmo não se afastou de Roma para se unir ao seu exército, sem antes ter ligado um ao outro, e expulsado Cícero para fora da Itália. Eis o que sabemos que ele fez antes das guerras da Gália.

XIX. Exposição sumária das suas guerras e das suas vitórias nas Gálias

XIX. O tempo das suas grandes manobras e conquistas, porém, e da guerra, com a qual dominou e submeteu toda a Gália, dando um outro rumo à sua vida e entrando numa fase totalmente diferente da anterior, no-lo apresentam como um grande cabo de guerra, um excelente general, mais ilustre, que qualquer dos outros, que antes eram tidos pelos mais sábios e valentes, como chefes de exércitos e que mais glória haviam conquistado com seus feitos guerreiros e atos de heroísmo. Quem quiser compará-lo com os Fábios, os Cipiões, os Metelos, e mesmo os do seu tempo ou um pouco mais antigos, como um Sila, um Mário, os dois Lúculos e o mesmo Pompeu,  cujo nome se eleva até os céus, achará que os feitos de César, na virtude militar e guerreira os superam a todos, inteiramente.

Quer nas asperezas da região onde ele realizou suas conquistas; quer, na extensão das terras que ele acrescentou ao império romano; quer na multidão e no poder dos inimigos que derrotou; quer na dureza e rigor dos homens com os quais teve de lidar, cujos costumes ele abrandou e depois civilizou; quer em mansidão, doçura e afabilidade, clemência e humanidade para com os que aprisionava; quer em liberalidade e beneficência para com os que combatiam sob seu comando nessas guerras; a todos superou também no número de vitórias que conquistou e na multidão de inimigos que matou em combates, pois em menos de dez anos, quanto durou a guerra nas Gálias, ele tomou de assalto ou à força oitocentas cidades, subjugou trezentas nações: teve diante de si em combate três milhões de homens armados, e em várias vezes, matou um milhão e fez outros tantos prisioneiros.

XX. Extrema dedicação que ele inspira aos seus oficiais e soldados, provada com vários exemplos

XX. Fez-se amar, por seus soldados, de tal modo, que eles lhe eram ardentemente afeiçoados; procuravam servi-lo com devoção comum, nos deveres ordinários, se se tratava da sua honra ou da sua glória, então tornavam-se invencíveis, lançavam-se de cabeça baixa no meio dos perigos, com tanto ardor, que lhes era impossível resistir. Isso podemos avaliar, pelo exemplo de Acílio, que, em um dos combates navais, perto da cidade de Marselha, tendo saltado para dentro de um navio inimigo, teve a mão direita cortada com um golpe de espada e, no entretanto, nem por isso deixou o escudo que tinha na mão esquerda, e ferindo os inimigos no rosto, fê-los todos fugir, ficando senhor do navio; Cássio Sceva, num combate perto da cidade de Dirráquio, teve o olho vazado por um golpe de flecha, o ombro atravessado por um dardo e a coxa também ferida por outro; recebera ainda sobre seu escudo, trinta golpes de flechas; chamou então os inimigos, fingindo querer entregar-se; quando dois deles acorreram e ele então feriu o ombro de um, com um golpe de espada e o rosto do outro, fazendo-os fugir e por fim, ainda salvou-se, porque alguns de seus companheiros vieram em seu auxílio. Na Inglaterra, os chefes dos grupos, por primeiros lançaram-se num pântano, cheio de água e de lama; os inimigos os atacaram violentamente; um simples soldado, na presença de César, que observava o combate, lançou-se no meio dos inimigos e praticando atos admiráveis de bravura e coragem, pôs em fuga os bárbaros e salvou os oficiais dos grupos, que, do contrário, estariam em grande, perigo de vida; depois, atravessou por último, com grande dificuldade, pela água lodosa e suja, parte a nado, parte a pé e tanto fez que alcançou a outra margem, mas sem escudo; César, admirando-se de sua coragem, foi-lhe ao encontro, com grandes demonstrações de alegria, para recebê-lo e premiá-lo; mas o soldado, ao contrário, de cabeça baixa e com lágrimas nos olhos, lançou-se aos seus pés, pedindo-lhe perdão, por ter abandonado o escudo. Na Africa, Cipião surpreendeu um dos navios de César, no qual estava, entre outros, Gramo Petrônio, há pouco eleito questor; mandou matar a todos; mas, ao questor, disse que lhe dava a vida. Petrônio respondeu-lhe, que os soldados de César não estavam acostumados a receber a vida como presente, mas a dá-la pelos outros; dizendo isso, atravessou o próprio corpo com a espada e matou-se.

XXI. Como lhes ganha o afeto

XXI. Quem animava e aumentava essa grandeza e coragem, essa afeição veemente de fazer bem aos outros, era o mesmo César; primeiramente, presenteando-os, honrando-os largamente e fazendo-lhes conhecer assim, que não ajuntava riquezas na guerra para depois viver folgadamente, nem para satisfazer aos seus prazeres, mas era um prêmio e uma recompensa da virtude, que ele ajuntava para premiar os homens de valor e os soldados valentes de cujo salário ele não participava, a não ser para reparti-lo entre os soldados que o mereciam: e depois, expunha-se por primeiro e corajosamente ao perigo, jamais se cansava com um trabalho qualquer; sua coragem, levava-o a toda espécie de perigos; mas disso ninguém se admirava porque conheciam a ambição da glória que o inflamava e o incitava a feitos desse jaez; a firmeza que ele tinha em suportar todas as agruras, superiores às forças do corpo, é o que mais admiração lhes causava; pois ele era magro e de estatura medíocre, tinha tez clara e músculos relativamente fracos; era sujeito a dores de cabeça e às vezes, atacado de epilepsia, que contraíra, pela primeira vez, como se diz, em Córdova, cidade da Espanha: mas ele não se serviu da fraqueza do seu corpo, como de um pretexto para delicadeza e comodismo em sua vida, mas ao contrário, tomou as agruras da guerra como um remédio para fortificar sua pessoa, combatendo contra a doença, caminhando sempre, vivendo sobriamente, dormindo ordinariamente ao relento, pois a maior parte das noites, dormia num carro ou dentro de uma liteira, empregando sempre o descanso em fazer alguma coisa. De dia, caminhando visitava as cidades, as praças fortes, ou os campos fortificados, tendo sempre junto de si, dentro do carro, um secretário que costumava tomar notas, durante a viagem e um soldado atrás de si, que lhe trazia a espada, embora ele andasse sempre com tanta pressa, que na primeira vez, quando saiu de Roma, com um cargo público, ele chegou em oito dias ao rio Ródano. Andar a cavalo e com elegância, era para ele coisa muito fácil, porque desde criança ele havia aprendido a cavalgar, com perfeição, a correr a toda velocidade, tendo as mãos entrelaçadas às costas. Mas, na guerra da Gália, ele exercitou-se ainda em ditar cartas, cavalgando pelos campos e em ocupar dois secretários ao mesmo tempo, enquanto podiam escrever; Ópio diz que eram mais de dois e que ele foi o primeiro que inventou a maneira de falar com os amigos por meio das letras transpostas, quando não lhes podia falar oralmente, pela urgente necessidade de algum outro dever, pelo acumulo de ocupações ou. pela grande extensão da cidade de Roma.

XXII. Sobriedade de César

XXII. E para mostrar a grande simplicidade de sua vida ordinária cita-se este exemplo: Valério Leo, seu hóspede, deu-lhe um dia um jantar na cidade de Milão e serviu aspargos, no qual haviam posto óleo, de um cheiro diferente de óleo: ele comeu sem dar demonstração alguma e advertiu os amigos que se mostravam ofendidos, dizendo-lhes que lhes bastava não comer, se lhes causasse nojo, sem ofender o dono da casa e aquele que se queixasse daquela incivilidade, seria incivil ele também. Uma outra vez, foi obrigado por uma forte tempestade que desabou repentinamente, a se abrigar na choupana de um pobre camponês, onde só havia uma sala, tão pequena que só podia abrigar uma pessoa e bem magra: ele disse aos amigos que o acompanhavam: "Deve-se ceder o melhor lugar ao mais digno e o mais necessário, aos doentes". Por isso, ele quis que Ópio, que estava indisposto, se abrigasse dentro da choupana e ele com os outros amigos, ficaram sob a beira do telhado, do lado de fora da casa.

XXIII. Primeira guerra de César nas Gálias

XXIII. Por fim, a primeira guerra que travou, quando chegou à Gália, foi contra os helvécios1279 e contra os tigurinianos1280 que, tendo incendiado suas cidades, em número de doze, e mais ou menos quatrocentas aldeias, queriam atravessar àquela parte da Gália, que estava debaixo da dominação romana, como haviam feito antigamente os címbrios, aos quais não eram inferiores nem em coragem, nem em número, mais ou menos uns trezentos mil ao todo, dos quais cento e noventa mil soldados. Não foi ele em pessoa que derrotou os tigurinianos, mas Lahieno, um de seus lugar-tenentes, que ele mandou para lá e que os venceu, ao longo do rio de Arar1281: mas os helvécios vieram atacá-lo, repentinamente, a caminho, quando ele levava seu exército para uma cidade de seus aliados. Vendo isso, apressou-se em chegar a um lugar seguro, onde alinhou seus soldados: trouxeram-lhe seu cavalo de batalha e ele disse: "Quando eu tiver vencido os inimigos, eu montarei para persegui-los e expulsá-los; mas agora vamos atacá-los". Dizendo isso, marchou a pé c avançou para o campo da luta, onde ficou combatendo durante muito tempo, antes de conseguir derrotá-los; mas a maior dificuldade foi forçar-lhes o acampamento e as defesas que eles tinham feito com seus carros; ali, não somente os que haviam sido derrotados na batalha se haviam reunido e opunham resistência, mas também suas mulheres e filhos, combatendo até o último respiro, deixaram-se retalhar em pedaços, de modo que pela meia-noite é que terminou a luta. Se o feito desta vitória foi belo em si mesmo, a ele se deve. acrescentar outro mais belo ainda, e foi que ele reuniu os bárbaros, que haviam escapado da morte no combate, em número de mais ou menos cem mil e os obrigou a voltar ao país que haviam deixado, o às cidades que haviam queimado: o que ele fez de medo que os alemães, passando o Reno, viessem ocupar a região que estava vazia e abandonada.

XXIV. Segunda guerra de César contra Ariovisto

XXIV. A segunda guerra foi defendendo os gauleses contra os alemães, embora ele mesmo, não muito antes, tivesse recebido e declarado seu pai. Ariovisto, amigo e aliado do povo romano: mas eles eram insuportáveis aos seus vizinhos e apenas aguardavam que se apresentasse a ocasião para se expandirem, não se contentando com o que já tinham, mas querendo ocupar também todo o resto da Gália. Sabendo que alguns de seus comandantes se haviam recusado a prosseguir, vencidos pelo temor, jovens de nobres famílias romanas, que pensavam ter vindo à guerra com ele, por divertimento, para se enriquecerem e apenas passar agradável" mente o tempo, ele reuniu o conselho, e disse que aqueles que tinham medo, se retirassem e não mais se apresentassem à batalha, porque, tendo o ânimo fraco e covarde, recuariam no perigo, quanto a ele, tinha deliberado ir ao encontro dos bárbaros, embora tivesse apenas a segunda legião, "porque, disse, nem os inimigos, contra os quais devo combater, são mais valentes que os címbrios, nem Mário foi maior general que eu". Ouvindo isto, os soldados da segunda legião mandaram-lhe embaixadores, para agradecer-lhe o bom conceito que formara deles; as outras legiões censuraram os comandantes e todos juntos seguiram-no por várias jornadas, com imenso afeto, obediência e submissão, cumprindo o dever, até que chegaram a doze léguas do inimigo.

XXV. Obtém sobre ele uma vitória completa

XXV. A arrogância e a insolência de Ariovisto bem depressa esfriou, quando soube da chegada de César, porque os romanos vinham enfrentar os alemães, quando eles não os esperavam e julgavam que eles os aguardariam somente, e por isso, não tendo jamais suspeitado que isso poderia acontecer, eles admiraram muito a coragem de César-, mais ainda porque eles viam que seu exército estava todo desorganizado. O que mais ainda diminuía-lhe a coragem, eram as mulheres adivinhas, que entre eles faziam predições e presságios, considerando as curvas dos nos, os turbilhões e o barulho das águas debatendo-se nas pedras; consideradas todas aquelas coisas, foi-lhes vedado combater até a lua nova: César, avisado disso, vendo que por esse motivo os bárbaros não se moviam, julgou que seria melhor atacá-los enquanto eles estavam, assim desanimados, por essa superstição, em vez de perder tempo, aguardando outra oportunidade: atacou-os com escaramuças até mesmo dentro de suas defesas, pelas encostas e colinas, onde eles se haviam fortificado, irritou-os, provocou-os tanto, que por fim, eles furiosos desceram à planície onde foram derrotados e perseguidos numa distância de dezoito léguas, até o no Reno, e o campo que estava entre ambos, ficou coberto de mortos e de despojos. Mas Ariovisto, fugindo rapidamente, passou o Reno e salvou-se com alguns dos seus; diz-se que morreram nessa luta uns oitenta mil homens.

XXVI. Derrota os belgas

XXVI. Após esse feito, César deixou seu exército passando o inverno nos quartéis no país dos sequanianos1282 e ele, no entretanto, desejando informar-se dos negócios de Roma, passou a Gália1283 pela qual corre o rio Pó, a qual fazia ainda parte do governo que lhe haviam confiado, porque o rio chamado Rubicao marca o limite da Gália que está aquém dos Alpes com o resto da Itália: detendo-se aí, ia conquistando amigos em Roma porque muitos iam visitá-lo, aos quais ele dava tudo o de que eles precisavam e os despedia cheios de presentes e ainda mais, de promessas e esperanças para o futuro. Durante todo o tempo da conquista das Gálias, Pompeu não percebeu que ele subjugava os gauleses com as armas dos romanos e vice-versa conquistava os romanos com o dinheiro dos gauleses: mas tendo sabido que os belgas, que são os mais belicosos e os melhores soldados dos gauleses ocupavam a terça parte da Gália1284, se haviam sublevado, reunindo um grande número de homens armados, dirigiu imediatamente e a toda pressa sua comitiva para lá, e os encontrou saqueando e pilhando a região de seus vizinhos gauleses, aliados dos romanos. Atacou-os e os denotou; pois a maior parte de suas tropas comportou-se covardemente na luta, por isso ele os matou em tão grande número que os romanos passavam a pé os rios mais profundos, os lagos e os pauis, que estavam cheios de soldados mortos.

XXVII. Dizima os nérvios

XXVII. Depois dessa derrota, os que estão mais próximos do Oceano renderam-se sem luta; por isso ele levou seu exército contra os nérvios1285, os mais rudes e mais belicosos de todas aquelas marcas, que moravam em regiões cheias de bosques e tinham ocultado suas mulheres, seus filhos e seus bens, no fundo de uma floresta, o mais afastado que puderam dos próprios inimigos e eles, em número de mais de sessenta mil combatentes vieram atacar a César, quando ele, aquartelado, cuidava em fortificar o seu acampamento, não imaginando sequer ter de combater naquele dia. Romperam, no primeiro ímpeto, a cavalaria romana e cercando a décima-segunda e a sétima legiões, mataram todos os comandantes e chefes de grupos; e se César mesmo então não tivesse tomado um escudo no braço, rompendo a multidão que combatia diante dele, não se fosse arrojar no meio dos bárbaros com a décima legião, que o viu em perigo, e correu para aquele lado, do alto de uma colina onde se travara, a batalha, rompendo as linhas inimigas, naquele dia não teria sobrevivido um único homem dos romanos; seguindo o exemplo da coragem de César, eles combateram, como se diz em linguagem vulgar, acima de suas forças: e, no entretanto, não puderam desbaratar os nérvios, mas foi preciso que os dizimassem imediatamente; escreve-se que de sessenta mil combatentes, que tantos eram, só se salvaram uns quinhentos e três, de seus conselheiros, somente, de quatrocentos que eram. Sabendo disso o Senado romano ordenou que se sacrificasse aos deuses e se fizessem procissões e festas solenes durante quinze dias, o que jamais havia sido determinado em Roma, por vitória alguma obtida, porque o perigo tinha sido demasiado grande, havendo-se sublevado lautas nações ao mesmo tempo; mas ainda o amor e a benevolência que o povo dedicava a César, faziam a vitória mais gloriosa e mais ilustre; depois de ter organizado e posto em ordem os interesses da Gália Transalpina, ele veio passar o inverno perto do rio Pó, para dispor as coisas em Roma, segundo as suas aspirações.

XXVIII. Confiam-lhe ainda o governo das Gálias por cinco anos

XXVIII. Não somente os que ambicionavam os cargos eram eleitos por meio do dinheiro, que César lhes dava e com o qual subornavam e compravam os votos do povo, faziam depois, em seu Cargo tudo o que podiam para aumentar o seu prestígio e poder; mas também a maior parte dos grandes e dos mais nobres personagens foram até Luca, para estar com ele, como Pompeu, Crasso e Ápio, governador da Sardenha, e Nepos, vice-cônsul na Espanha, de modo que lá se encontraram, uma vez, cento e vinte beleguins dos que levam varas e machados diante dos magistrados e senadores, mais de duzentos, ali estavam reunidos, onde determinaram que Pompeu e Crasso seriam eleitos cônsules para o ano seguinte, pela segunda vez e que se daria ainda mais dinheiro a César para a manutenção do seu exército e se prolongaria o tempo do seu governo, por mais cinco anos. Isso pareceu muito estranho e assaz injusto, aos homens de bem e sensatos, pois aqueles mesmos aos quais César dava tanto dinheiro, insistiam e insinuavam ao Senado que este numerário lhe devia ser dado pelo povo, como se não o tivesse recebido, ou melhor, obrigavam o Senado a suspirar e a gemer, vendo as coisas que eles propunham. Catão não estava presente, pois o haviam mandado expressamente a Chipre, mas Faônio, que seguiu as pegadas de Catão, quando viu que nada conseguia em lhes resistir e contradizer saiu do Senado, raivoso, gritando no meio do povo, que aquilo era uma vergonha: mas ninguém lhe dava ouvidos, uns pela reverência que tinham por Pompeu e Crasso, outros, porque desejavam favorecer os interesses de César, porque nele tinham fundadas todas as suas esperanças: por isso não se incomodavam com nada.

XXIX. Faz a guerra aos usípios e aos tencteres

XXIX. Po r fim, César voltando à Gália Transalpina, encontrou uma guerra tremenda no país, porque duas grandes e poderosas nações da Alemanha tinham há pouco passado o Reno, para conquistar novas terras; chamavam-se, esses povos, os ipes1286 e os tenterridas: César mesmo escreve em seus comentários a respeito da batalha que com eles travou; foi assim: os bárbaros haviam mandado embaixadores a ele e feito tréguas por algum tempo: no entretanto, atacaram-no quando ele continuava o seu caminho de modo que uns oitocentos soldados deles derrotaram uns cinco mil dos seus porque eles não temiam nem receavam coisa alguma: mandara-lhe então outros embaixadores para enganá-lo segunda vez; a estes, porém, ele reteve, e mandou marchar todo o seu exército contra eles, julgando ser simplicidade manter a palavra ou lei com semelhantes bárbaros, tão desleais e infiéis; mas Canusio escreve que, como o Senado decretasse que se sacrificasse ainda e se fizessem novamente procissões e festas em honra dos deuses, para lhes dar graças por aquela vitória, Catão, ao contrário, foi de opinião que era preciso entregar César nas mãos dos bárbaros, para salvar o governo do crime de fé violada e fazer cair a maldição sobre aquele que lhe era o único autor. Superavam esses bárbaros o número de quatrocentos mil indivíduos, os quais foram quase, todos destruídos, exceto algumas pequenas tropas que se haviam salvado da derrota e passaram de novo o Reno.

XXX. Devasta as terras além do Reno

XXX. Os sicambros1287, outra nação da Alemanha, os receberam; César tomando essa oportunidade, com o desejo que tinha de conquistar a glória de ser o primeiro homem de Roma, a passar o no Reno com o exército, construiu sobre ele uma ponte. E um rio muito amplo, mesmo no lugar onde está a ponte: ali se alarga tanto de um lado como do outro e seu curso é rápido e forte, de modo que os troncos de árvores e grandes pedaços de madeira, lançados à correnteza, batiam fortemente contra as colunas que sustentavam a ponte; para resistir ao choque e também por reter e diminuir um pouco a impetuosidade das águas, ele mandou colocar, acima da ponte, reparos de grandes pedaços de madeira, que foram fixos fortemente no fundo do rio, e no espaço de dez dias, terminou a ponte adornando-a com belo trabalho de carpintaria e ostentando o mais engenhoso plano que jamais se poderia imaginar: passando seu exército por sobre a ponte, não encontrou resistência; os suévios, que eram os mais belicosos de toda a Germânia, tinham-se retirado com seus bens para vales profundos e abismos cobertos de bosques e de florestas: e assim, depois de ter incendiado o país de seus inimigos e tranquilizado os que sempre haviam seguido o partido dos romanos, voltou novamente para as Gálias, depois de ter passado oito dias ao todo na Alemanha, além do Reno.

XXXI. Ataca a Inglaterra

XXXI. A viagem que ele empreendeu, também à Inglaterra, foi de uma ousadia notável: ele foi o primeiro que navegou naquele Oceano Ocidental, com uma esquadra, e através do Atlântico, levando seu exército para ir fazer a guerra a essa ilha, tão grande, que vários dos antigos não quiseram acreditar que ela existia deveras e suscitou divergências entre vários historiadores, os quais afirmavam que isso era falso, inventado só para passatempo; ele foi o primeiro que começou a conquistá-la, e que estendeu o império romano além da circunferência da terra habitada: ele passou por aí duas vezes na costa fronteira, diante das terras da Gália e, em várias batalhas que travou, fez mais dano aos inimigos do que proveito aos seus mesmos homens, porque eles não sabiam tomar coisa alguma nem se apoderar de objetos de valor de homens pobres e necessitados; por isso sua guerra não teve o final que ele desejava, mas tomando somente reféns do rei e impondo-lhe certo tributo que ele pagaria todos os anos ao povo romano, voltou novamente à Gália, onde encontrou cartas recém-chegadas, pelas quais seus amigos lhe mandavam de Roma a notícia da morte de sua filha, por causa do parto, em casa de Pompeu; ele e Pompeu sentiram imensamente tal perda e seus amigos ficaram também muito apreensivos, pensando que a aliança que mantinha o governo, o qual não estava de todo firme, em certa paz e sossego, estava dissolvida e desfeita; mesmo porque a criança, depois de ter sobrevivido à mãe, alguns dias, morreu também. O povo tomou o corpo de Júlia, contra a vontade dos tribunos do povo, e o levou ao campo de Marte, onde foi sepultado.

XXXII. A Gália subleva-se. César volta para lá e derrota Ambiorix

XXXII. César foi então obrigado a dividir o seu exército em várias guarnições, para passar o inverno, porque eram muitos os soldados; durante o inverno, foi para as costas da Itália, como era seu costume; toda a Gália então de uma vez sublevou-se e tomou as armas, reunindo poderosos exércitos, que atacaram os soldados romanos e tentaram forçar as fortalezas onde eles estavam alojados com suas guarnições. O maior número e os mais belicosos dos gauleses que se haviam rebelado, eram comandados por um certo Ambiorix; dirigiram-se eles primeiramente às guarnições de Cota e Titurio, aos quais mataram, bem como a todos os soldados que estavam com eles: depois foram sitiar, com sessenta mil combatentes, a guarnição sob o comando de Quinto Cícero e pouco faltou que a não dominassem, porque os soldados todos estavam feridos: mas eles tiveram tanta coragem, que em se defendendo, fizeram mais, do que podiam. César recebendo essas notícias, estava muito longe, mas procurou regressar imediatamente; tendo reunido sete mil homens ao todo, apressou-se em socorrer Quinto Cícero, que estava em graves dificuldades. Os que o sitiavam foram avisados e levantaram imediatamente o cerco para ir contra César, imaginando que o derrotariam ao primeiro assalto, porque tinha mui poucos soldados. César para enganá-los, recuava sempre, fingia estar fugindo e procurando estabelecer-se em lugares favoráveis, para combater com poucos soldados contra um exército numeroso; proibiu a seus homens sair do acampamento para escaramuças obrigando-os a levantar as defesas de seu acampamento e fortificar-lhe as portas, como se tivessem medo, a fim de que os inimigos os tivessem em pouca conta e os desprezassem; esperou, enfim, a oportunidade; um dia eles vieram em desordem atacar as defesas do acampamento, tão cheios estavam de presunção e temeridade: fazendo então uma arremetida contra eles, César os pôs em fuga com grande número de mortos. Isso arrefeceu um tanto a rebelião dos gauleses naqueles lugares, ainda mais que ele mesmo em pessoa, ia, no coração do inverno, aos lugares onde sabia haver alguma agitação, porque lhe havia chegado da Itália um reforço de três legiões inteiras, no lugar das que ele tinha perdido: duas, que Pompeu lhe emprestara, das suas e uma, que havia recrutado na Gália das vizinhanças do Pó.

XXXIII. Outra rebelião nas Gálias sob o comando de Vercingetórix

XXXIII. Nesse ínterim, quase de repente, começou a maior e a mais terrível das guerras que ele sustentou em toda a Gália, preparada de longa data e secretamente pelos principais chefes, homens dos mais belicosos do país; tinham eles enorme poder, quer pelo numeroso exército e pelas muitas armas, que haviam reunido de vários lugares como por causa das riquezas que haviam acumulado, reunindo as próprias economias, bem como ainda pelas fortificações de várias cidades que haviam preparado, pelas dificuldades naturais da região, em que se haviam sublevado porquanto ainda era inverno, quando os rios ficam gelados, os bosques e as florestas cobertas de neve, as campinas alagadas pelas torrentes e os campos entulhados de neve alta, tornando-se impossível encontrar as estradas, os regatos, pântanos e nos transbordando ocultam ou impedem as vias públicas. Todas estas dificuldades eram, segundo eles pensavam, suficientes para impedir que César pudesse vir em auxílio dos seus, contra os revoltados. Várias nações tomavam parte nesta rebelião: mas as duas principais eram os árvermanos1288 e os camutos1289, os quais haviam escolhido por comandante e chefe e ao qual haviam dado a superintendência de toda a campanha, a Vercingétorix, cujo pai, antes, os gauleses haviam feito morrer pela justiça, porque pensaram que ele queria fazer-se rei. Vercingétorix então, dividindo suas forças em várias partes, entregou-as cada uma a oficiais de sua confiança e conseguiu atrair- para a sua liga todos os povos dos arredores, mesmo os que estão perto do mar Adriático1290, deliberando fazer tomar as armas, a toda a Gália de uma vez, ainda mais que fora avisado, que em Roma já se tramava contra o mesmo César, de modo que, se ele tivesse esperado um pouco mais, até que César tivesse começado a guerra civil, ele teria incutido tanto terror na Itália e também tão grande perigo, como no tempo dos címbrios.

XXXIV. César obriga-o a se encerrar na cidade do Alexia que ele sitia

XXXIV. Mas César, que dirigia sabiamente todas as suas guerras e, principalmente, sabia aproveitar todas as ocasiões de tempo e de lugar, logo que soube dessa sublevação, partiu imediatamente, voltando pelo mesmo caminho, por onde havia passado há pouco, mostrando aos bárbaros que eles tinham que se haver com uma força invencível e à qual lhes seria impossível resistir, por causa da extrema rapidez com que ele havia manejado seu exército, mesmo num inverno tão rigoroso; de fato, no espaço de tempo que um simples mensageiro levaria a chegar até eles, César chegou, deixando-os pasmados, quando o viram, com todo o seu exército, devastando e incendiando a planície, atacando e destruindo suas cidades e fortalezas, e recebendo benignamente os que se entregavam, até que os beduínos1291, tomaram as armas contra ele, os quais antes se costumavam chamar de irmãos dos romanos e eram por eles grandemente honrados: por essa razão, os soldados de César, quando souberam que eles se haviam aliado aos povos revoltados, ficaram desgostosos e desanimados. Por esse motivo, César afastando-se daí, passou pelo país dos lingões1292 para entrar no dos sequamanos, que eram amigos dos romanos e os mais próximos da Itália daquele lado, com relação ao resto da Gália. Lá, foram os inimigos atacá-lo e o rodearam de todos os lados, com um número infinito de combatentes: ele, porém, não se atemorizou e combateu com tanta coragem, que lhes incutiu temor e conseguiu submetê-los à sua vontade: mas, no começo, parece que ali sofreu alguns reveses, pois os arvernianos mostravam, em um dos seus templos, uma espada dependurada, que diziam ter sido tirada de César; ele mesmo, depois, passando por aí, viu-a e se pôs a rir; como seus amigos a quisessem tirar de lá, ele não consentiu, dizendo que não deviam tocá-la, pois era coisa sagrada; todavia nesse início, dos que se salvaram fugindo, a maior parte dirigiu-se com seu rei para a cidade de Alexia1293 diante da qual César preparou o cerco, ainda que parecesse ser ela inexpugnável, quer pela altura das muralhas, quer pela multidão de homens que a defendiam.

XXXV. Vence um numeroso exército que viera em socorro deles: Vercingetórix entrega-se com seus soldados

XXXV. Mas durante o cerco sobreveio-lhe um perigo, do lado de fora, muito maior do que se poderia imaginar; um exército de trezentos mil combatentes, os melhores de todas as nações da Gália, veio atacá-lo quando eles estavam acampados diante de Alexia; os que estavam dentro da cidade não eram menos de setenta mil: de tal sorte que, estando entre duas forças tão poderosas, ele foi obrigado a se fortificar com duas muralhas, uma contra a cidade e a outra contra os atacantes externos, porque se essas duas forcas se tivessem unido, certamente ele teria sido derrotado: por isso o cerco de Alexia e a batalha que ele ganhou depois, com razão granjearam-lhe mais honra e mais glória do que nenhuma outra, porque foi naquele perigo, que ele praticou mais atos de bravura, de coragem, de sabedoria e de prudência do que em qualquer outra empresa anterior. Mas o que nos causa mais admiração ainda, é que os da cidade jamais souberam do auxílio que lhes vinha de fora, a não ser depois que ele os havia derrotado e ainda mais, os mesmos romanos, que tinham o encargo de guardar a muralha construída contra a cidade, também de nada souberam, mas somente depois do fato, isto é, quando ouviram o clamor dos homens e as lamentações das mulheres, que estavam dentro de Alexia, e quando viram do outro lado da cidade muitos escudos adornados de ouro e de prata, muitas couraças e armaduras manchadas de sangue, muitos objetos e baixelas, tendas e pavilhões, feitos à maneira dos gauleses, que os romanos levavam, depois da derrota do inimigo, para o seu acampamento; todo aquele grande poder desapareceu quase de repente, como um fantasma num sonho, pois a maior parte foi sacrificada em um dia de batalha. Por fim, os habitantes de Alexia, depois de terem dado muito trabalho a César e a eles mesmos, entregaram-se; Vercingétorix, que havia suscitado e dirigido toda essa guerra, revestido de suas mais belas armas., adornando outrossim, do mesmo modo seu cavalo, saiu pela porta da cidade, dirigiu-se a César, deu uma volta a cavalo, em torno dele, que estava sentado em seu trono: depois, apeando, tirou todos os ornamentos do cavalo, despojou-se também de todas as suas armas, lançou-as por terra e foi sentar-se aos pés de César, sem proferir uma única palavra, até que este o entregou, como prisioneiro de guerra, para depois levá-lo ao seu triunfo, em Roma.

XXXVI. Começo das dissensões entre César e Pompeu. Pompeu é nomeado cônsul, sozinho

XXXVI. César há muito havia determinado arruinar Pompeu, bem como Pompeu, a ele; mas, tendo Crasso sido morto pelos partos, e sendo ele o único que podia desejar, que um dos dois caísse, só restava a César, para se tornar o maior, derrotar a Pompeu, e a Pompeu, para impedir que isso lhe sucedesse, tocava derrotar antes a César, o único a quem ele temia: e o temia há pouco tempo, porque até então, tinha feito pouco caso dele, julgando lhe seria muito fácil derrotar quando quisesse, àquele ao qual ele havia feito tal, como era. Mas César, ao contrário, tendo-se prefixado desde o princípio àquele objetivo, como um campeão de luta, que só estuda os meios de derrotar e aniquilar seus adversários, retirou-se ocultamente para longe de Roma; para se exercitar nas guerras da Gália, onde adestrou seu exército e aumentou a glória do seu nome, por grandes feitos de armas: de maneira que chegou a se igualar a Pompeu em seus triunfos e só lhe faltava para executar seu plano apenas um pretexto, o qual, em parte, o mesmo Pompeu lhe forneceu e em parte também o tempo, mas principalmente o mau governo da república e a má orientação das coisas públicas, em Roma, porque aqueles que tinham esse difícil encargo compravam os votos do povo a peso de ouro, que entregavam publicamente ao banco, sem temor nem vergonha alguma: o povo tendo vendido seus votos a bom preço vinha no dia da eleição combater por aquele que lhe havia pago, não com seus votos e sufrágios, mas com arcos, fundas e espadas, de tal modo que raramente a assembleia se dissolvia sem que a tribuna dos discursos não se manchasse de sangue e mortos e feridos não ficassem no meio da praça, enquanto a cidade ficava sem governante, como um navio, no meio da tempestade, sem a mão firme do piloto: os homens de bom senso e honestos, vendo tal confusão e furor, mostravam-se, porém, contentes, de medo não lhes sucedesse ainda pior, se viesse a monarquia, com o poder nas mãos de um só; alguns ousavam dizer publicamente que não havia mais meio de se remediar aos males do governo, a não ser por meio de um só chefe, ao qual se dessem plenos poderes, prestígio e autoridade soberana e que se devia receber esse remédio das mãos do mais manso e gracioso dos médicos, querendo dar a entender tratasse de Pompeu: e como ele com palavras belas e eloquentes, mostrasse fingidamente não querer, no entretanto, em segredo fazia todos os esforços e empregava todos os meios para isso, desejando, mais que qualquer outro, tornar-se ditador, Catão, percebendo-o muito bem e temendo que por fim ele obrigasse o povo a fazê-lo, persuadiu o Senado de que era melhor declará-lo cônsul, a ele sozinho, para que, contentando-se com essa justa e legítima autoridade, ele não ambicionasse outra; o Senado concedeu-lhe, não somente isso, mas ainda prolongou-lhe o tempo do governo em suas províncias, pois ele tinha duas, a Espanha e a África inteira, que ele governava e administrava por meio de seus lugar-tenentes, mantendo seu exército com os dez mil talentos1294 que o governo lhe concedia todos os anos.

XXXVII. César manda pedir o consulado e a continuação do seu governo

XXXVII. César, então mandou também amigos, para lhe pedir o consulado, e outrossim, a prorrogação do tempo de seu governo; no começo, Pompeu conservou-se calado: mas Marcelo e Lêntulo, que odiavam a César, opuseram-se-lhe firme e fortemente, objetando que era necessário dizer ou lazer outras coisas, que não haviam sido feitas e ditas, para causar-lhe raiva e aborrecimento; privaram do direito e privilégio da burguesia romana, os camponeses e os habitantes da cidade de Novocomo1295 na Gália, da parte da Itália, onde César há pouco os havia estabelecido: Marcelo, sendo cônsul, mandou açoitar um senador, que havia vindo para esse fim a Roma, dizendo que lhe imprimia de propósito aqueles sinais, a fim de que ele reconhecesse que não era cidadão romano e fosse mostrar-se a César. Mas depois do consulado de Marcelo, César deixava que usassem do cofre dos gauleses, a todos os que eram encarregados das coisas públicas, em Roma, quanto quisessem; havia perdoado a Cúrio uma dívida e dado ao cônsul Paulo mil e quinhentos talentos1296, com o qual fez construir aquele tão afamado palácio, que une a chamada Basílica de Paulo ao de Fúlvio: Pompeu começou a se atemorizar e dizia publicamente, ele mesmo ou por seus amigos, que se mandasse um substituto a César; depois, pediu-lhe a devolução dos soldados que lhe havia mandado por empréstimo, para a guerra e a conquista das Gálias.

XXXVIII. Pompeu tem ideias falsas sobre as disposições dos soldados com relação a César

XXXVIII. César os mandou, dando de presente a cada soldado duzentas e cinquenta dracmas de prata1297 : aqueles que os reconduziram a Roma, porém, quando lá chegaram, semearam entre o povo palavras mentirosas, contra César; enganaram a Pompeu, com falsas esperanças dando-lhe a entender, que ele era muito desejado no exército e no acampamento de César, e que se em Roma ele fazia com dificuldade o que queria, quer pela inveja que lhe votavam, quer pela má vontade oculta, dos encarregados dos negócios públicos, ele podia ter certeza de que lá, todo o exército estava às suas ordens; se os soldados transpusessem novamente os montes e voltassem à Itália, iriam todos a ele, tanto odiavam a César, porque os fazia trabalhar excessivamente e a combater sem tréguas, e ainda mais porque lhes era suspeito e eles desconfiavam de que ele queria fazer-se monarca. Estas notícias encheram a Pompeu de vã presunção e de pouco caso, de sorte que ele não se incomodou em fazer os preparativos para a guerra, como se não tivesse motivo para temê-la; imaginando resistir a César com palavras, somente, e com opiniões contrárias às suas pretensões no Senado, apenas com as palavras: “Eu sou de parecer que é assim ou não é assim"; mas César pouco se incomodava. Diz-se que um de seus generais, que ele havia mandado de propósito a Roma, para esse assunto, estando às portas do Senado e sabendo que não lhe haviam querido conceder a prorrogação do tempo do governo, que ele havia pedido, pondo a mão sobre o punho da espada, disse: "Visto que não lho quereis conceder, esta lho concederá".

XXXIX. César oferece-se a deixar as armas, com a condição de que Pompeu também as deixe

XXXIX. No entretanto, os pedidos que César fazia eram mui razoáveis e justos, dizia ele que consentiria em deixar as armas, contanto que Pompeu também as deixasse, e ambos, como pessoas particulares, procurassem obter a recompensa de seus cidadãos, provando que aqueles que lhes tiravam a força das armas e a concediam a Pompeu acusavam-no injustamente de se querer fazer monarca e, no entretanto, davam os meios de sê-lo a outro. Cúrio1298, fazendo essa oferta e essas declarações em nome de César, publicamente, diante do povo, foi ouvido com grande alegria e muitos aplausos, chegando mesmo alguns a atirarem-lhe flores, quando ele deixava o Senado, como se faz com os campeões, quando proclamados vencedores nas competições. Antônio, um dos tribunos do povo, trouxe uma carta que César lhe escrevera e a mandou ler publicamente, contra a vontade dos cônsules.

Mas no Senado, Cipião, sogro de Pompeu, propôs que, se dentro de um certo número de dias, César não depusesse as armas, seria declarado inimigo do povo romano. Então os cônsules perguntaram em voz alta aos senadores, se eles eram de opinião, que Pompeu também as deixasse: a esta pergunta poucos responderam ; logo depois perguntaram se eram de opinião que César as deixasse: e então quase todos disseram que sim. Antônio então pediu que ambos as deixassem; todos, a uma voz, foram da mesma opinião; todavia pela importuna violência de Cipião e de Marcelo, que clamavam que era necessário usar da força das armas e não de opiniões contra um ladrão, o Senado dissolveu-se, sem nada decidir e todos mudaram suas vestes na cidade, como se costuma fazer em luto público, por causa desta dissensão.

XL. Resigna-se a pedir o governo da Gália Cisalpina com duas legiões

XL. Depois vieram outras cartas de César, que pareciam ainda mais razoáveis; pois ele pedia que lhe entregassem a Gália, que está entre os Alpes e a Itália, com a Esclavônia e duas legiões, unicamente, deixando tudo o mais até que ele pudesse obter um segundo consulado. Cícero, o Orador, há pouco chegado da sua província, na Cilicia, procurava todos os meios de os reconciliar, acalmava a Pompeu, quanto possível; dizia ser de opinião que lhe concedessem o que pedia, contanto que depusesse as armas. Cícero solicitava ainda dos amigos de César, que eles se contentassem com aquelas duas províncias e seis mil homens, somente, para ter paz: Pompeu estava de acordo e lho concedia: mas o cônsul Lêntulo, não o quis e expulsou Cúrio e Antônio ignominiosamente para fora do Senado e com isso deram a César o melhor pretexto e o motivo mais honesto que ele podia desejar; assim ele irritou mais ainda seus soldados, mostrando-lhes esses dois personagens, constituídos em dignidade e cargo público, obrigados a fugir, disfarçados em escravos, em carros de mercadorias, para poderem sair de Roma.

XLI. Parte para Rímini

XLI. Não tinha ele então um efetivo de mais de cinco mil soldados de infantaria e trezentos de cavalaria, porque o resto de seu exército tinha ficado além dos montes, o qual porém, ele já tinha mandado buscar; mas, para a execução do seu desígnio c de sua empresa, de início não tinha necessidade de grande número de soldados, mas, da coragem, de ousadia e de rapidez em aproveitar a oportunidade, porque aterrorizariam mais facilmente seus adversários surpreendendo-os inesperadamente, quando menos eles pensavam que ele poderia atacá-los, do que indo investi-los com todo o seu poder, depois de lhes ter dado a oportunidade para se prepararem; ele ordenou então a alguns de seus oficiais e comandantes de grupos, que fossem, disfarçadamente só com suas espadas, sem outras armas, a Rímini, grande cidade, que se encontra por primeira, ao sair da Gália1299, e que dela se apoderassem sem matar nem ferir a pessoa alguma, sem provocar tumulto, o menos possível, porém: depois confiou o comando de todas as suas forças a um de seus familiares, de nome Hortênsio; ficou durante todo o dia, à vista de todos, assistindo ao espetáculo dos lutadores que se exercitavam na sua presença, até quase ao escurecer, quando entrou em casa, onde, depois de ter tomado um banho, ficou na sala, algum tempo com seus convidados, que tinham vindo cear com ele; chegando a noite, quando as horas já iam altas e nada mais se via, ele levantou-se e pediu aos amigos que continuassem alegres, que ninguém se ausentasse, pois ele voltaria imediata mente; havia antes avisado a alguns de seus amigos fiéis, em pequeno número, que o seguissem, não todos juntos, mas uns por um caminho e outros, por outro; subiu a um carro de transporte, fingiu ir a um lugar, a princípio, mas depois dirigiu-se para Rímini.

XLII. Apodera-se dessa cidade

XLII. Quando chegou ao pequeno rio Rubicão, que separa a Gália Cisalpina do resto da Itália, deteve-se; mais ele se aproximava do desfecho, mais lhe vinha à alma um remorso, ao pensar no que estava fazendo, e mais hesitava em seus desejos, considerando a grande ousadia do que intentava realizar. Fez vários planos, mentalmente, sem dizer uma palavra a ninguém, ora inclinando-se a uma parte, ora a outra; mudou seu projeto em várias partes, contrárias consigo mesmo: também conversou muito com os que o acompanhavam, amigos seus, entre os quais Asínio Pólio, sobre a multidão de males, para o mundo, de que seria causa a passagem daquele rio e de como seus sucessores e sobreviventes falariam um dia, no futuro, daquele acontecimento. Finalmente, como num ímpeto de coragem, afastou todo pensamento do futuro, dizendo as palavras, que costumamos dizer, comumente, quando nos aventuramos a empresas arriscadas e ao mesmo tempo perigosas: Para tudo perder basta um golpe perigoso1300. Adiante; ele passou o rio e depois começou a correr, sem parar em lugar algum, de medo que antes do amanhecer ele estava em Rímmi e dela se apoderou. Mas, diz-se que na noite anterior à que ele atravessou o no, teve um sonho terrível, isto é, lhe fora avisado que ele teria de se haver com sua própria mãe

XLIII. Temor que essa notícia infunde em Roma

XLIII. Logo divulgou-se a notícia da tomada de Rímmi, como se a guerra tivesse sido declarada, por mar e por terra, as fronteiras tivessem sido violadas, bem como todas as leis romanas e os limites de seu governo, completamente arruinados; dir-se-ia que as cidades inteiras, erguendo-se de seus lugares, fugiam umas após outras, de terror por toda a Itália, não os homens e as mulheres, como outrora, de maneira que a cidade de Roma ficou imediatamente cheia, como inundada por uma torrente de povos vizinhos, que a ela se lançaram de todos os lados, sem que magistrado algum pudesse governá-la com sua autoridade, nem pela razão, conter uma tão violenta tempestade e tormenta, e bem pouco faltou que ela não fosse totalmente destruída, porque não havia um lugar sequer onde não surgissem dissensões, rebeliões violentas e perigosas, porque quantos se alegravam com essas perturbações, não se detinham num só lugar, mas iam cá e lá pela cidade; e quando encontravam outros que se mostravam assustados ou desgostosos com o tumulto, como é possível de algum modo, numa cidade tão grande, entravam em luta cem eles e os ameaçavam atrevidamente para o futuro.

XLIV. Pompeu foge de Roma

XLIV. Pompeu, que além do mais, estava assustado, ficou ainda mais perturbado pelos maus comentários que uns faziam de um lado, e outros, de outro, censurando-o e dizendo que era bem merecido e que ele sofria justamente o castigo, por ter prestigiado a César contra si mesmo e contra o governo: outros censuravam-no por ter recusado as propostas honestas e as condições razoáveis que César lhe havia feito, deixando que injuriosamente Lêntulo o caluniasse. Por outro lado, Faônio dizia-lhe que ele batesse então contra a terra, porque um dia, em pleno Senado, Pompeu, falando com altivez, tinha dito que ninguém se preocupasse nem se incomodasse com seus preparativos para a guerra, porque, todas as vezes que ele quisesse, batendo com o pá na terra, ele encheria a Itália de exércitos. No entretanto, ele ainda era superior a César, em número de soldados: jamais, porém, o deixaram usar do seu parecer, mas deram-lhe tantas notícias falsas e causaram-lhe tanto temor, como se já tivessem os inimigos às portas, como vencedor que ele cedeu por fim e deixou-se levar pelos demais, deliberando, ao ver as coisas em tal perturbação" e tumulto, abandonar a cidade, ordenando aos senadores que o seguissem; não houve um só que ficasse, tanto eles preferiam a tirania à liberdade do governo. Os mesmos cônsules fugiram antes de fazer os sacrifícios ordinários que se costumam antes de sair da cidade; assim fez também a maior parte dos senadores, tomando às pressas em suas casas aquilo que lhes vinha às mãos, como se estivessem saqueando o alheio; alguns daqueles que sempre haviam aderido ao partido de César com entusiasmo, tiveram o juízo tão abalado por este temor, que fugiram também, e se deixaram levar pelo curso da agitação, sem que disso houvesse necessidade.

XLV. Sentimentos diversos de temor e de confiança na cidade de Roma

XLV. Mas era, sobretudo, digno de lástima, ver-se a cidade abandonada ao acaso, como um navio sem piloto, sem esperança de poder salvá-lo, em tão grande tormenta; todavia, embora a resolução fosse tão mesquinha, todos ainda julgavam que a fuga lhes era melhor, pelo amor que tinham a Pompeu; abandonavam Roma, como se fosse o próprio acampamento de César, porquanto Labieno, que era um dos maiores amigos de César, tendo sido sempre seu lugar-tenente na guerra da Gália e sempre se portara valentemente em todas as ocasiões, abandonou-o então, bandeando-se para o lado de Pompeu: César, porém, mandou-lhe seu dinheiro e toda a sua bagagem, e depois foi acampar diante da cidade de Corfínio1301, na qual se encontrava Domício, com tonta bandeiras: vendo-se sitiado, julgou-se perdido e, sem esperança de salvação, pediu a um escravo, que era médico, um pouco de veneno. O médico deu-lhe um bebida, que ele tragou imediatamente, pensando morrer; pouco depois, porém, ouviu contar de como César tratava com extraordinária clemência e humanidade, aos prisioneiros, arrependeu-se do seu gesto e começou a se lamentar, a mostrar-se arrependido de tão louca resolução. O médico tranquilizou-o, dizendo-lhe que ele apenas havia bebido um soporífero, com o que muito ele se alegrou e foi imediatamente entregar-se a César, que lhe concedeu a vida; no entretanto, o outro procurou evadir-se imediatamente, fugindo para Pompeu. Estas notícias foram levadas a Roma, reconfortaram e alegraram muito os que lá estavam: alguns mesmo que já haviam se retirado, tornaram a voltar.

XLVI. César vem a Roma

XLVI. No entretanto, César tomou a seu serviço os soldados de Domício e fez o mesmo nas outras cidades, onde surpreendeu os comandantes que recrutavam soldados para Pompeu, de sorte que tendo já reunido um poderoso exército, dirigiu-se diretamente ao seu destino, onde pensava encontrá-lo; mas Pompeu não o esperou, fugindo para a cidade de Brinmdisi, de onde fez os dois cônsules passarem a Dirráquio (Durazzo) com todas as suas tropas e ele mesmo passou, depois, quando soube que César havia chegado, como diremos mais amplamente na sua vida. César bem quisera ir imediatamente atrás dele e persegui-lo, mas por falta de navios, voltou para Roma, tendo ficado sessenta dias soberano de toda a Itália, sem derramamento de sangue. Encontrou Roma mais pacífica, do que esperava; esteve com vários senadores, aos quais falou gentil e humanamente, rogando-lhes que mandassem
 embaixadores a Pompeu, para acertarem a divergência entre eles, com condições justas e razoáveis: o que eles, porém, não fizeram, quer porque temiam o furor de Pompeu, pois o tinham abandonado, quer porque julgavam que César, no fundo de seu coração, não queria o que afirmava com os lábios, usando de tal linguagem por uma honesta conveniência somente: e como um dos tribunos do povo, Metelo, quisesse impedir-lhe tirar dinheiro dos cofres do tesouro e da reserva pública, citando algumas leis que o proibiam, ele respondeu: "O tempo das armas e o tempo das leis são dois: e, se o que eu faço, por acaso te desagrada, sai-te daqui, agora mesmo: pois a guerra não permite essa licença de contradizer tão francamente, com palavras; depois que tivermos deposto as armas e marcarmos uma reunião, então poderás vir discursar e falar quanto quiseres; eu ainda te digo isto por deferência, cedendo um pouco do meu direito, pois tu estás sob minha dependência, tu e todos os que, tendo-se rebelado contra mim, caístes nas minhas mãos". Dizendo estas palavras foi ao tesouro: como não tinha as chaves, mandou vir serralheiros e arrancar as fechaduras; Metelo opôs-se de novo, e alguns louvaram-no, dizendo que ele fazia bem; César, levantando a voz, ameaçou matá-lo se ele teimasse e ainda lhe disse: "Moço! Tu bem sabes que me é mais difícil dizer do que fazer". Estas palavras fizeram Metelo afastar-se com medo, não só: mas também m ais tarde ele lhe deu sempre, prontamente, tudo o de que ele precisava para a guerra.

XLVII. Passa à Espanha

XLVII. Queria César ir guerrear na Espanha, para de lá expulsar Petréio e Varro, lugar-tenentes de Pompeu e apoderar-se dos exércitos e das províncias que eles ocupavam a fim de, o mais depressa possível, ir contra o mesmo Pompeu, sem deixar atrás, inimigo algum. Durante a viagem, por várias vezes, esteve em perigo de vida, por causa das ciladas e emboscadas que lhe armavam em diversos lugares e de vários modos, e também em risco de perder todo o seu exército, por falta de víveres; no entretanto jamais deixou de provocar para o combate, de sitiar e ameaçar esses lugar-tenentes de Pompeu, até que, pela força, submeteu seus acampamentos e suas tropas; os chefes se salvaram, fugindo para Pompeu.

XLVIII. Enceta a perseguição a Pompeu

XLVIII. Depois que ele voltou a Roma, seu sogro Piso pediu-lhe que mandasse embaixadores a Pompeu, para tentar encontrar-se com ele: mas Isáurico, para agradar a César, o contradisse: e tendo sido criado ditador pelo Senado, mandou voltarem" imediatamente todos os exilados, restituiu todas as honras aos filhos dos proscritos, condenados e exilados do tempo de Sila, aliviou um pouco os devedores, diminuindo as usuras que pesavam sobre eles e ainda fez outras leis e determinações, mas poucas, porque conservou o soberano poder de ditador, por onze dias somente, e deixando-o, nomeou-se a si mesmo cônsul com Servílio Isáurico e depois continuou a guerra, deixando atrás de si, pelo caminho, o resto de seu exército, adiantando-se com seiscentos cavaleiros e cinco legiões de soldados de infantaria somente, no coração do inverno, mais ou menos pelo mês de janeiro, que corresponde ao que os atenienses chamam de Poseidon: depois de ter atravessado o mar Jónico e desembarcado seus soldados em terra, tomou as cidades de Onco e Apolónia: depois mandou os navios à cidade de Brindisi, para lhe trazerem o resto dos soldados, que não haviam podido marchar logo com ele, os quais, porém, durante a caminhada, sendo homens que já haviam passado a "flor da idade e perdido muito da força e do vigor, estavam cansados e esgotados, por terem travado tantas batalhas, queixavam-se de César, dizendo: "Quando isto terá fim? Quando deixará esse homem de nos arrastar pelo mundo atrás de si, servindo-se de nós como se fôssemos coisas insensíveis) Todo o ferro de nessas armas está gasto pelo grande número dos golpe? que desferimos: não deixaremos, depois de tanto tempo, de ter a couraça às costas e o escudo na braço? César não deveria pensar, pelo menos quando vê o nosso sangue, nossas fendas e nossas chagas, que nós somos homens mortais e sentimos também os males e as dores que sentem os outros homens? E agora no mais forte do inverno vai nos expor à mercê dos ventos e do mar, num tempo em que os mesmos deuses não nos saberiam obrigar, como se ele fugisse diante dos inimigos e não os perseguisse. Assim falando, os soldados iam caminhando em marchas pequenas, para a cidade de Brindisi. Mas, quando lá chegaram e souberam que César já havia partido, mudaram logo a linguagem e a vontade; censuraram-se a si mesmos e disseram injúrias aos seus comandantes também, porque não os haviam apressado um pouco na caminhada; sentando-se nos rochedos mais altos e nas pedras da costa, lançavam suas vistas para o alto mar, olhando para o reino do Epiro, para ver se os navios apareciam, a fim de transportá-los também.

XLIX. Determina passar a Brindisi numa nau: como encoraja o piloto

XLIX. No entretanto César, que estava na cidade de Apolónia, não tendo exército suficiente para combater, encontrava-se em grande aflição, porque o restante tardava a vir e ele não sabia o que fazer; mas, por fim, tomou uma deliberação muito perigosa, isto é, partir ocultamente numa fragata de doze remos, para regressar novamente a Brindisi: o que não se podia fazer sem grave perigo, visto que todo aquele mar era ocupado por grandes esquadras e poderosos exércitos inimigos. Embarcou certa noite, disfarçado em escravo; penetrou na fragata sem nada dizer, como se fosse um homem qualquer. A fragata estava no rio de Anio1302, cuja foz costumava ser ordinariamente calma e tranquila, por causa de um leve vento de terra que sopra todas as manhãs e leva para bem longe as ondas do alto mar; mas, naquela noite, por acaso, soprou um vento marítimo que amorteceu o vento da terra, de maneira que a rapidez do curso do no, combatendo contra o fluxo do mar e a violência das vagas, tornava a embocadura muito perigosa, porque as águas do no eram repelidas com enorme ruído e perigoso movimento das ondas; por isso, o piloto que dirigia a fragata, vendo que não podia sair daquela embocadura, ordenou aos marinheiros que remassem para trás para navegar contra a corrente do rio; ouvindo isso, César deu-se a conhecer ao piloto, que ficou a princípio quase fora de si, de surpresa, mas César tomando-lhe a mão, disse-lhe: "Meu amigo, coragem, vamos adiante sem temor, pois levas César e com ele, toda sua fortuna". Os marinheiros, então, esquecendo-se do perigo da tormenta, puseram-se a navegar para frente e fizeram todo esforço possível, para forçar o vento e sair da embocadura do rio: não foi possível, porém, porque a fragata começou a se encher de água e esteve prestes a ir a pique, de modo que César se viu obrigado, com grande pesar, a voltar atrás: regressando a seu acampamento, os soldados vieram-lhe ao encontro em massa, queixando-se e lamentando-se de que não confiava neles e julgava não poder vencer seus inimigos, somente com eles, mas se inquietava a ponto de expor sua pessoa a grave risco, para ir procurar outros e por não ter confiança neles.

L. Carestia no exército de César. Paciência de seus soldados

L. Nesse ínterim, António chegou trazendo de Brindisi o resto do exército: César então sentiu-se bastante reanimado e apresentou-se para dar combate a Pompeu, que estava aquartelado num lugar propício para se abastecer tanto por mar, como por terra: César, que desde o começo não tivera víveres em abundância, encontrou-se também em dificuldades a esse respeito; seus homens colhiam raízes que misturavam com leite e as comiam; faziam assim também com o pão e às vezes, combatendo em escaramuças com o inimigo, atacando as sentinelas, impeliam-nas até às suas trincheiras, dizendo que, enquanto a terra produzisse tais raízes, jamais levantariam o cerco de Pompeu. Pompeu proibiu que se divulgassem essas palavras e se semeasse esse alimento no seu acampamento, de medo que isso fizesse os seus perderem a coragem e sentissem medo quando considerassem o rigor e a aspereza dos inimigos, com que tinham de lutar, visto que eles não se cansavam de nada como os animais selvagens.

LI. Vitória de Pompeu da qual não sabe aproveitar

LI. Faziam-se ordinariamente incursões e escaramuças perto das trincheiras e fortificações do campo de Pompeu, nas quais César quase sempre levava vantagem, exceto uma vez, quando seus soldados fugiram mui assustados, havendo mesmo naquele dia grande perigo de perder, não só o acampamento, mas também todo o exército: porque Pompeu saiu a combate contra eles e eles lhe não puderam resistir, mas foram rechaçados até o próprio campo, cujas trincheiras ficaram abarrotadas de mortos, os quais eram sacrificados mesmo diante de suas portas e junto das defesas, tão veemente foi a perseguição. César apareceu diante dos fugitivos para obrigá-los a voltar atrás, mas nada conseguiu; pois quando ele pensava tomar as insígnias, para detê-los, os que as levavam lançavam-nas por terra, e assim os inimigos chegaram a apoderar-se de mais de umas trinta e duas delas e pouco faltou que César mesmo não fosse morto; pois, quando ele tentava deter um soldado alto e forte, que fugia, ordenando-lhe que parasse e se voltasse para o inimigo, o soldado, cheio de medo, levantou a espada para feri-lo; mas o seu escudeiro impediu que ele tivesse o ombro rachado por um golpe; César naquele dia ficou tão aflito e desesperado pelo seu infortúnio, que, quando Pompeu, por temor ou receio da sorte, pôs fim a este assunto e retirou-se para seu acampamento, contentando-se em ter repelido e rechaçado os inimigos até seu acampamento, César voltando-se aos seus amigos, disse em voz alta e clara: "A vitória hoje teria sido dos nossos inimigos se eles tivessem tido um comandante que soubesse vencer".

LII. César levanta o acampamento

LII. Voltando ao seu aposento, deitou-se e aquela noite foi a pior e a mais aborrecida de todas; não podia deixar de refletir, com tristeza, no grande erro que havia cometido por ter-se obstinado em ficar tanto tempo junto do mar, onde os seus inimigos eram os mais poderosos, quando ele tinha diante de si, um país extenso e abundante de todos os bens, cidades da Macedónia e da Tessália, e não tivera a ideia de levar a guerra para lá, enquanto perdia tanto tempo num lugar onde ele estava mais sitiado por seus inimigos, pela falta de víveres, do que ele mesmo os sitiava com a força de suas armas: assim, envergonhando-se e aborrecendo-se de se ver em tão grande penúria e seus negócios em tão mau estado, ele afastou-se dali e deliberou ir ter com Cipião, na Macedónia, imaginando que, ou ele atrairia Pompeu ao combate, contra a vontade, quando não tivesse mais o mar à sua disposição para lhe fornecer víveres em abundância, ou então, ele derrotaria facilmente a Cipião, quando estivesse sozinho e não fosse ajudado.

LIII. Pompeu deixa-se induzir, contra a vontade, a persegui-lo

LIII. O afastamento de César animou o exército de Pompeu e seus comandantes, os quais queriam a todo transe persegui-lo, imaginando-o já derrotado, por ter fugido; mas, ele não queria absolutamente arriscar a batalha, que seria de graves consequências, pois sentia-se muito bem provido de tudo, para esperar a oportunidade, queria prolongar essa guerra, a fim de esgotar, pela dilação do tempo, o pouco de vigor que ainda restava ao exército de César, cujos homens, assaz aguerridos, tinham uma coragem a toda prova para um dia de batalha; mas, andar errante pelo país, mudai tão frequentemente de acampamento, de um lugar para outro, atacar uma muralha, ficar de sentinela, ou de prontidão, em armas, toda a noite, isso eles não podiam fazer mais, na maior parte, por causa da idade, pois já estavam demasiado velhos para semelhante trabalho, de modo que a fraqueza do corpo diminuía-lhes também o ardor e a coragem. Além disso, havia se disseminado entre eles uma doença contagiosa, como uma peste, proveniente das carnes deterioradas que eles eram obrigados a comer, o que ainda era pior, não havia dinheiro suficiente, nem ele Unha meios para obter víveres, de sorte que parecia que em pouco tempo ele, derrotar-se-ia a si mesmo. Por essas razões Pompeu não quis absolutamente combater: mas somente Catão era do seu parecer, porque queria poupar o sangue de seus concidadãos; vendo os mortos no campo dos inimigos, na última escaramuça, mais ou menos uns mil homens, ele cobriu o rosto e se foi, chorando. Todos os outros, ao contrário, aconselhavam-no e até o censuravam porque ele hesitava em dar batalha; outros provocavam-no, chamando-o de Agamenon, e rei dos reis, dizendo que ele fazia a guerra continuar, porque não queria abrir mão da soberana autoridade e estava muito contente por ver sempre tantos generais ao seu lado, que lhe vinham fazer a corte em sua casa. E Faônio, um estouvado, que imitava o falar de Catão, fingia preocupar-se, dizendo: "Não é grande pena que não possamos comer ainda este ano os figos de Túsculo1303, pelo ambicioso desejo de reinar que domina Pompeu)" E Afrânio, há pouco chegado da Espanha, porque tinha sido mal sucedido ou porque o acusavam de ter traído e cedido a César, seu exército, por dinheiro, perguntava por que não se combatia a tal mercador, que dizia ter comprado dele a província da Espanha; Pompeu, por fim, impelido por essas palavras, foi, contra a vontade, em pós de César, para lhe dar combate.

LIV. A tomada de Gonfes restitui a abundância no exército de César

LIV. César achava-se em graves dificuldades, no começo, porque não encontrava quem lhe fornecesse víveres, pois era desprezado por todos, por causa da derrota sofrida recentemente; mas, depois que ele tomou a cidade de Gonfes1304, na Tessália, não somente teve víveres em abundância para alimentar seu exército, mas também o imunizou contra as doenças, porque os soldados encontraram grande quantidade de vinho, com que venceram a pestilência, à força de bebê-lo e de estar alegres; não faziam outra coisa que dançar, divertir-se, entregar-se a bacanais, por todo o caminho e assim curaram-se daquela enfermidade, por meio da embriaguez e fortaleceram-se bastante no corpo e no espírito.

LV. Posição dos dois exércitos, frente um ao outro, em Farsália

LV. Depois que ambos chegaram a Farsália e os dois acampamentos se defrontaram, Pompeu voltou à sua primeira deliberação, ainda mais porque tivera sinistros presságios e más revelações, em sonho: pois, certa noite, ele sonhara que entrava no teatro, onde os romanos o receberiam com grandes aplausos1305 ; mas os seus amigos eram tão presunçosos e temerários e contavam tanto com a vitória, que já Domício e Espínter e Cipião discutiam e disputavam o supremo pontificado que César tinha; vários outros mandaram homens a Roma para alugar as casas mais próximas da praça, como sendo as mais cómodas para pretores e cônsules, pois já faziam seus cálculos, que esses cargos não lhes poderiam escapar e deles seriam no fim daquela guerra. Mas, acima de todos os outros, inflamavam-se em desejo de combater contra os jovens e gentis-homens cavaleiros romanos, bem montados e revestidos de armaduras reluzentes, cavalos gordos e descansados; eram eles em número de sete mil, e os de César, apenas mil.

LVI. Os soldados de César incitam-no a travar combate

LVI. O número de soldados de infantaria também não era equivalente pois eles eram quarenta e cinco mil contra vinte e dois de César: por isso este mandou reunir os seus, aos quais disse que Cornifício estava perto dali e lhe daria duas legiões completas e ele tinha quinze coortes sob o comando de Caleno, que ele mandara estacionar em redor de Megara e de Atenas: depois perguntou-lhes se eles queriam esperar aquele reforço ou se se animavam a travar combate, sem ele; os soldados clamaram bem alto que não diferisse mais, ao contrário, que imaginasse algum estratagema para atrair os inimigos à luta, quanto antes.

LVII. Diferentes presságios. Disposições de César

LVII. Quando ele sacrificava aos deuses para a purificação do seu exército, a primeira vítima não tinha ainda de todo sido imolada, quando o adivinho lhe garantiu que, dentro de três dias se travaria a batalha. César perguntou-lhe se via nos sacrifícios algum presságio feliz, com relação ao êxito final: e o adivinho respondeu-lhe: "Darás tu mesmo melhor a resposta a isso, que não eu: pois os deuses nos prometem uma grande mudança no estado presente para o contrário; pelo que, se agora estás bem, espera então ter uma sorte pior: e se estás mal, tranquiliza-te, que hás de melhorar". Na noite precedente à batalha, quando pela meia-noite foi fiscalizar as sentinelas, viu um como grande archote, aceso no ar, que, passando por cima do campo de César foi dissipar-se no de Pompeu: na hora em que se faz a troca das sentinelas, de manha, ouviu-se um falso alarme, sem motivo aparente, o que costumamos chamar de terror pânico, que se manifestou no acampamento dos inimigos: não tencionava, porém, combater naquele dia, mas tinha determinado mover-se dali para ir à cidade de Escotusa; estavam já as tendas e os pavilhões desarmados, quando seus inimigos se preparavam para dar combate; com isso muito ele se alegrou e depois de ter feito aos deuses a sua oração, para que o ajudassem naquele dia, reuniu seus homens, dispo-los em ordem de batalha, divididos em três grupos; deu o comando do centro a Domício Calvino, o da ala esquerda a António e ele se pôs à frente do da direita, escolhendo para combater na décima legião; vendo que os inimigos tinham dirigido contra ela toda a sua cavalaria, teve medo, quando os viu em tão grande número e com equipagem tão perfeita; por isso, mandou vir da retaguarda de suas alas seis coortes, que pôs de emboscada por trás da ala esquerda, tendo antes instruído bem os soldados, a respeito do que tinham de fazer, quando a cavalaria dos inimigos iniciasse o ataque.

LVIII. Disposições de Pompeu

LVIII. Por outro lado, Pompeu colocou-se também na ala direita de suas tropas, confiando a esquerda a Domício e Cipião, sogro de Pompeu, comandava a do meio. Toda a cavalaria romana se lançara contra a ala esquerda, como já dissemos, com intenção de envolver a direita de César, pela retaguarda e de empregar o máximo da força no lugar onde estava o chefe dos inimigos, imaginando que ele não tinha soldados suficientes para resistir ao ataque de uma cavalaria tão numerosa e que, ao primeiro ataque todos se dispersariam, e eles passar-lhe-iam por cima. Quando de ambos os lados as trombetas deram o toque de batalha, Pompeu ordenou aos seus soldados de infantaria que se conservassem fumes, bem cerrados, juntos, e que esperassem, sem se mover, o ataque dos inimigos, até o momento de lançarem seus dardos. César, depois, disse que tinha cometido uma falta grave, não se lembrando de que luta que se trava correndo, com rapidez, além de aumentar o ímpeto e a força dos primeiros golpes, ainda inflama a coragem dos soldados, porque o impulso comum de todos os combatentes que correm juntos, é como um sopro, que os incendeia.

LIX. César obtém a vitória

LIX. Quando César já fazia marchar seus homens, para começar a carga, viu um dos seus generais, homem valente e experimentado na guerra e em quem ele muito confiava, o qual discursava aos soldados que tinha sob seu comando, exortando-os a cumprir bem seu dever, combatendo valentemente. Chamou-o pelo nome e disse-lhe: "Bem! Caio Crassínio1306 que esperança devemos ter? E com que disposição vamos combater hoje?" Então Crassínio, levantando a mão, respondeu-lhe bem alto: "Venceremos gloriosamente hoje, César, e prometo-te que me louvarás morto ou vivo, antes que o dia termine". Ditas estas palavras, ele foi o primeiro que avançou correndo para os inimigos, levando em pós de si os seus homens, mais ou menos uns cento e vinte, rompendo as primeiras filas, fazendo grande mortandade, até que, por fim, foi atingido por um golpe de espada que lhe entrou pela boca, com tal violência, que a ponta lhe saiu pela nuca. Estavam já os soldados de infantaria no meio da batalha, combatendo corpo a corpo; uma cavalaria da ala esquerda de Pompeu atacou furiosamente, alargando suas fileiras, para envolver a ala direita de César, pela retaguarda: mas antes que começassem o ataque, as seis coortes, que César havia colocado de emboscada atrás dele, dirigiram-se a toda velocidade contra eles, sem lançar de longe seus dardos, como costumavam fazer, nem ferindo-lhes a coxa ou as pernas, mas procurando atingi-los nos olhos e feri-los no rosto, segundo César lhes havia dito: porque ele esperava que esses moços, que jamais haviam manejado as armas, nem estavam acostumados a se verem ensanguentados e estavam na flor da idade e de sua beleza física, tinham horror aos ferimentos e não resistiriam mais, quer pelo temor do perigo de perder a vida, como pela dúvida de que seus rostos ficassem deformes para o futuro: o que de fato aconteceu; não quiseram continuar a lutar quando viram que os inimigos lhes visavam o rosto com a ponta dos dardos e, atónitos, vendo luzir diante dos olhos o ferro inimigo, voltaram-lhe as costas, cobrindo o rosto de susto e de medo que os ferissem: e assim dispersaram-se eles mesmos, puseram-se a fugir covardemente, pondo todos os demais na iminência da derrota: pois os que os haviam desbaratado foram imediatamente atacar os batalhões de infantaria, pela retaguarda e os dizimaram completamente.

LX. Palavras e proceder de César depois da vitória

LX. Pompeu, então, vendo da outra ala de seu exército sua cavalaria desbaratada, deixou de ser o que era, nem se lembrou de ser ele o grande Pompeu, mas como um homem vulgar, aos quais os deuses haviam privado do juízo, atónito por causa de uma desgraça sucedida, com a permissão dos deuses, retirou-se para sua tenda, sem dizer uma palavra, onde se sentou, esperando o que desse e viesse, até que todo seu exército foi completamente denotado e os inimigos vieram escalar as muralhas de defesa do seu acampamento e combater contra os que as defendiam; então, voltando a si, disse somente estas palavras: "Como! Até no nosso acampamento!" Trocando então de vestuário, cingiu uma túnica modesta e saiu ocultamente; de como ele procedeu depois desta infelicidade e de como tendo caído nas mãos dos egípcios foi por eles maldosamente morto, nós o diremos na sua vida. César, entretanto no acampamento de Pompeu e vendo os corpos dos mortos e de outros que ainda lutavam, pôs-se a dizer, suspirando: "Eles mesmos assim o quiseram e a isso me obrigaram!

Caio César, depois de tantas e tão grandes conquistas, depois de terminar vitoriosamente, tantas e tão grandes guerras, no entretanto teria sido condenado se tivesse renunciado ao seu exército. Asímo Pólio diz que ele pronunciou essas palavras em língua romana, que ele transcreveu para o grego, diz ainda que a maior parte daqueles que foram passados a fio de espada, dentro do acampamento, eram criados e servidores e que em toda a batalha não morreram mais de seis mil soldados. Quanto aos prisioneiros, César incluiu muitos deles no seu exército e perdoou também a muitos personagens da nobreza; diz-se que Bruto foi um deles, aquele mesmo que o deveria assassinar, mais tarde; diz-se ainda, que ele ficou muito penalizado quando, depois da batalha, não o encontraram logo; mas, depois soube que ele estava vivo e viera por si mesmo apresentar-se a ele e ficou muito contente.

LXI. Presságios e predições de Caio Cornélio

LXI. Vários sinais prognosticaram o resultado dessa batalha; o mais notável, porém, foi o que aconteceu na cidade de Trales1307, onde havia um templo da vitória, e nele, uma estátua de César: a terra em redor era muito dura, pavimentada de pedra ainda mais dura, e no entretanto, diz-se, que aí nasceu uma palmeira, bem junto à base da estátua. Na cidade de Pádua1308, Caio Cornélio, homem perito na arte da adivinhação, cidadão e amigo íntimo de Tito Lívio, o Historiador, estava por acaso, naquele dia, contemplando o voo dos pássaros, como o mesmo Lívio o narra; ele soube do momento exato em que a batalha se travara e assim falou aos que estavam junto dele: "A estas mesmas horas começa a luta; neste mesmo instante os exércitos se chocam". Depois, acalmando-se, para observar o voo dos pássaros, após ter examinado os presságios, levantou-se e gritou bem alto, como inspirado e impelido por uma força divina: "A vitória é tua, César!" Todos os presentes se admiraram, ele tirou a coroa que tinha na cabeça e fez um juramento, de que jamais a recolocaria, se o fato que ele tinha predito não lhe trouxesse o testemunho da veracidade de sua arte. Lívio afirma que assim se fez.

LXII. César chora vendo a cabeça de Pompeu

LXII. De resto, César depois de ter dado inteira liberdade à nação Tessália, em consideração à vitória que obtivera naquele país, pôs-se a perseguir Pompeu; passando à Ásia, libertou também os gnídeos, em atenção de Teopompo, que fez a coletânea das fábulas e perdoou aos habitantes da Ásia a terça parte dos tributos que eles pagavam: quando chegou a Alexandria, Pompeu já tinha sido morto; ficou horrorizado quando Teódoto lhe apresentou a cabeça e voltou o rosto para outro lado, para não vê-la; mas tomou o seu sinete e olhando-o, se pôs a chorar; a todos os seus familiares e amigos, que o rei do Egito tinha feito aprisionar e andavam errantes pelo país, fez muitos benefícios e os conquistou todos à sua amizade: depois de assim ter feito, ele escreveu aos amigos de Roma, que o fruto maior e mais doce que ele recebera de sua vitória fora, certamente, todos os dias salvar a vida de algum dos cidadãos que tinham usado das armas contra ele.

LXIII. Cleópatra se faz levar à casa de César num volume de roupas

LXIII. Quanto à guerra, que ele travou em Alexandria, uns dizem que não era necessário e que ele a empreendeu de boa vontade, por amor a Cleópatra: e nisso pouca honra obteve e se pôs em grave perigo. Outros lançam-lhe a culpa sobre os ministros do rei do Egito e sobre o eunuco Potino, que tendo a autoridade principal entre os servidores do rei, depois de ter feito assassinar Pompeu e expulsado Cleópatra da corte, imaginava ainda, secretamente, fazer o mesmo a César; este, tendo suspeitado de algo começou a passar as noites inteiras em banquetes e festins, a fim de garantir sua vida e sua pessoa. Mas, além disso, Potino ia dizendo e fazendo, às claras, muitas coisas inconvenientes, para envergonhar a César e suscitar inveja contra ele; mandava distribuir aos seus soldados o trigo mais velho e de pior qualidade, e, se estes reclamavam, ele lhes respondia que deviam ter paciência e contentar-se com aquele, pois estavam comendo à custa alheia; na mesa fazia servir em vasilhas de madeira e de barro, dizendo que César havia levado as de ouro e de prata para pagar dívidas, porque o pai do rei, que então governava o Egito, devia a César um milhão, setecentos e cinquenta mil escudos1309, dos quais, antes César havia dado setecentos e cinquenta mil a seus filhos; mas depois ele pediu o milhão que restava para pagar seus soldados, ao qual Potino respondeu, que por então seria melhor que ele fosse tratar de outros assuntos que lhe seriam de maior vantagem e depois voltasse, com sua comodidade, e cobrasse a dívida, com as boas graças do rei. César replicou-lhe que não aceitava conselho dos egípcios, para seus negócios mas queria ser pago; secretamente mandou chamar a Cleópatra, que estava no campo: ela, tomando a Apolodoro Siciliano em sua companhia, dentre seus amigos, pôs-se em um pequeno barco, no qual veio até junto da fortaleza de Alexandria, quando já era noite, completamente escura: não tendo podido entrar lá sem ser reconhecida, ela deitou-se no meio de peças de roupa, que Apolodoro enrolou, atando com uma correia e depois, carregou-a à cabeça e a levou à presença de César, dentro da fortaleza.

LXIV. Ele a coloca no trono do Egito

LXIV. Foi esse o primeiro passo, segundo se diz, que levou César a amá-la, porque esse expediente fê-lo saber que ela era dotada de espírito gentil: mas, depois, quando conheceu também sua doçura e sua graça, ficou mais preso e a recolocou na boa amizade do rei, seu irmão, com a condição de que ela reinaria também com ele. Por motivo dessa reconciliação preparou-se um grande, banquete, no qual o barbeiro de César, que era um de seus escravos e a pessoa mais tímida do mundo, mas que tudo escutava e espionava, pela sua desconfiança natural, descobriu que o Potmo e Áquilas preparavam uma emboscada para matar seu amo.

César de fato verificou tudo, pôs guardas de confiança perto de si, na sala onde se dava o banquete, de modo que ele mesmo matou a Potino: mas Áquilas salvou-se, e fugindo refugiou-se no acampamento do rei, onde suscitou uma perigosa e difícil guerra centra César, porque com bem poucos homens, que então ele possuía, tinha de combater uma grande e poderosa cidade. O primeiro perigo, em que ele se encontrou, foi pela falta de água, porque seus inimigos fizeram entupir e fechar os canais, por onde a água vinha do rio para a fortaleza. O segundo foi este: vendo que seus inimigos vinham para tirar-lhe os navios, foi obrigado a afastá-los com o fogo, o qual incendiou o arsenal onde estavam os navios, bem como a grande e afamada biblioteca de Alexandria. O terceiro foi na batalha naval que se travou perto da torre do Far1310, onde ele, querendo socorrer os que combatiam no mar, saltou de cima do cais para dentro de um bote; vendo-o, os egípcios correram de todos os lados para aquele lugar, mas ele, lançando-se ao mar, salvou-se nadando com grande dificuldade. Diz-se que então, tendo vários papéis numa das mãos, não os deixou, mas conservou-os sempre fora da água, nadando com a outra mão, embora lhe atirassem uma infinidade de dardos, pelo que ele foi obrigado a mergulhar várias vezes: mas o barco foi imediatamente a pique. Finalmente o rei, tendo voltado para seus soldados, que faziam guerra a César, foi-lhe ao encontro e lhe deu a batalha que ganhara, com grande derramamento de sangue: o rei, porém, depois não foi mais visto: por esse motivo ele declarou rainha do Egito a Cleópatra, irmã dele, que estando grávida de César, pouco tempo depois teve um filho a que os alexandrinos chamaram Cesário.

LXV. Rapidez de suas vitórias na Ásia

LXV. Foi depois para a Síria e de lá, passando pela Ásia, teve notícias de que Domícío fora derrotado, por Fárnaces, filho de Mitrídates, e havia fugido do reino do Ponto, com poucos homens; e o rei Fárnaces, prosseguindo em sua vitória, com ambição insaciável, não se contentava em ter ocupado a Biiínia e a Capadócia, mas desejava ainda a Arménia, a Menor, incitando lodos os reis, príncipes e potentados dessa marca, contra os romanos. César dirigiuse imediatamente para aqueles lugares, com três legiões e apresentou-lhe grande batalha perto da cidade de Zela, na qual desbaratou todo seu exército e o expulsou do reino do Ponto; para dar a conhecer a rapidez dessa vitória, escrevendo a Roma, a Anício, um de seus amigos, disse-lhe estas três palavras somente: VENI, VIDI, VICI, isto é, cheguei, vi, venci1311. Estas palavras, porém, têm quase uma cadência semelhante, à da língua romana, uma graça de brevidade mais agradável ao ouvido do que em qualquer outra língua.

LXVI. Insolência de António e de outros amigos de César

LXVI. Depois voltou à Itália, regressando a Roma; estava terminando o ano, para o qual tinha sido eleito ditador, pela segunda vez; esse cargo, antes dele, sempre fora anual, mas ele foi escolhido para cônsul, para o ano seguinte; censuraram-no muito, porém, porque seus soldados, num motim, haviam matado dois personagens de dignidade pretorial, Coscômo e Galba e ele não lhes dera castigo algum, mas ainda, em vez de chamá-los de soldados, chamou-os de cidadãos e deu a cada um a importância de cem escudos e grandes extensões de terra, na Itália. Censuraram-no também muito pelas insolências violentas e loucas, que Dolabela cometia, pela avareza de Anício e as bebedeiras de António e de Cornifício1312, que mandou demolir e reconstruir a casa de Pompeu, como não sendo suficiente para ele, o que muito aborreceu os romanos. César não ignorava tudo isso e bem teria desejado que não tivesse sido tal; mas, para chegar ao fim por ele visado, era obrigado a se servir de tais ministros, que o secundavam em seus desígnios.

LXVII. Passa à Africa

LXVII. Depois da batalha de Farsália, Catão e Cipião fugiram para a África; o rei Juba uniu-se a eles e conseguiram reunir um grande exército, forte e poderoso; por isso César, decidiu-se ir fazer-lhes guerra. Passou o coração do inverno na Sicília, onde, para tirar aos seus soldados a esperança de um longo descanso, foi acampar mesmo nas costas do mar e ao primeiro vento propício, embarcou com três mil soldados de infantaria e um pequeno número de cavaleiros; desembarcou-os e antes que o tivessem percebido, tornou a embarcar, para ir buscar os outros, temendo que lhes sucedesse alguma desgraça na passagem e tendo-os encontrado pelo caminho, levou-os todos ao acampamento; avisado de que os inimigos acreditavam num antigo oráculo, que afirmava como coisa fatalmente reservada à família dos Cipiões, serem vitoriosos na África, não se sabe se ele o fez por zombaria, ou por desprezo pelo chefe dos seus inimigos, Cipião, ou então se foi de propósito, para atribuir-se o presságio do nome; mas, como quer que fosse, em todas as lutas, escaramuças, e batalhas dessa guerra, ele sempre deu o comando de seu exército a um personagem de pequena projeção e do qual fazia pouca conta," porque, oriundo da família dos Cipiões africanos e de fato chamava-se Cipião, cognominado Salúcio, ao qual ele dava a preeminência, como supremo comandante, todas as vezes que se devia combater.

LXVIII. Carestia e outros prejuízos de César

LXVIII. César era obrigado, frequentes vezes, a ir provocar o inimigo, porque, nem os homens em seu acampamento tinham fartura de trigo, nem os animais, de forragem, mas eram os soldados obrigados a apanhar musgo e algas que crescem no mar e depois de as lavarem e tirarem o sal com água doce, davam-nas a comer aos cavalos, misturadas com um pouco de erva, daquela a que chamam de dente de cão, apenas para lhe dar o gosto, porque os nômades, que são cavaleiros muito hábeis e ligeiros, homens decididos e em grande número, podiam aparecer de um momento para outro, pois ocupavam todos os campos dos arredores; ninguém pois ousava afastar-se do acampamento para ir forra gear. Um dia, quando alguns soldados se divertiam observando um africano, que dançava e tocava flauta, sentados, tranquilamente e haviam entregue seus cavalos aos ajudantes, os inimigos surpreenderam-nos repentinamente e os envolveram de todos os lados; mataram-nos no mesmo instante, uma parte, e, expulsando os outros, puseram-nos em fuga, perseguindo-os até que entrassem confusamente em seu campo; não tivesse sido César em pessoa e também Asínio Pólio, que vieram em seu auxílio, detendo os fugitivos a guerra, naquele dia, teria terminado. Houve ainda outro embate, em que os inimigos levaram a melhor, e no qual, diz-se, que César, agarrando pelo pescoço o porta-bandeira, que levava a insígnia, deteve-o à força e fazendo-o voltar o rosto, disse-lhe: "É lá que estão os inimigos"

LXIX. Derrota no mesmo dia a Cipião, Afrânio e Juba e toma os três acampamentos

LXIX. Estas vantagens animaram a Cipião e deram-lhe a coragem para arriscar a batalha: deixando de um lado Afrânio e do outro, o rei Juba, acampados perto um do outro, começou a fortificar um lugar perto da cidade de Tapsaco1313, acima do lago, para servir de forte e de retiro seguro em toda a batalha; mas, enquanto ele trabalhava, César, tendo atravessado, com incrível rapidez, uma grande região de bosques, por avenidas, das quais ninguém suspeitava, surpreendeu alguns pela retaguarda e atacou os outros pela frente, inesperadamente, pondo-os em fuga; depois, seguindo esta primeira oportunidade e o curso de sua boa sorte, foi diretamente atacar o campo de Afrânio, que conquistou também ao primeiro assalto e os dos nômades, do mesmo modo, pois o rei Juba havia fugido; assim numa pequena parte de um dia somente, ele tomou três acampamentos, matou uns cinquenta mil homens dos inimigos, sem perder mais que cinquenta soldados. Assim narram, em resumo, o desenrolar desta batalha alguns historiadores; mas, outros, escrevem que ele não assistiu em pessoa à sua execução, porque, quando ele preparava seus soldados, teve um ataque de epilepsia, de que sofria; percebendo que ia sentir-se mal, antes de ter o juízo perturbado totalmente, fez-se levar a uma fortaleza, perto do lugar onde se deu a batalha onde ficou em repouso, até que o acesso da doença passou completamente.

LXX. Porque César escreveu o Anti-Catão

LXX. Os que escaparam desta batalha, pessoas de posição, pretores ou cônsules, muitos suicidaram-se, quando se viram prisioneiros e a vários, também, César mandou matar: mas, desejando poder apanhar principalmente a Catão, vivo, ele dirigiu-se imediatamente a toda pressa, à cidade de Útica, que Catão tinha o encargo de defender, pelo que, não se encontrara na batalha: todavia tendo-se certificado, a caminho, de que ele se havia suicidado, mostrou-se deveras bastante admirado; mas quando e porque, não se sabe. É verdade que ele então disse: "Ó Catão, eu invejo tua morte, pois que tu me invejaste a glória de te salvar a vida". No entretanto, o livro que ele escreveu contra Catão, depois de morto, não mostra um coração brando, nem compadecido, para com ele. Como lhe teria perdoado, se o tivesse vivo em suas mãos, se depois de morto, contra ele externou tão violenta cólera? Todavia julga-se que ele o perdoou pela humanidade, de que usou para com Cícero, com Bruto e muitos outros, que tinham usado das armas contra ele; diz-se que ele escreveu esse livro, não tanto por rancor contra o falecido, mas por um desejo simples, por este motivo: Cícero tinha escrito um livro em louvor a Catão e o havia intitulado Catão. Tal livro, como se pode pensar, foi muito bem recebido por ser escrito por um mui eloquente orador e pelo argumento, também muito belo. César ficou muito descontente, porque louvar aquele de cuja morte ele fora culpado, outra coisa não era que acusar a si mesmo e por isso escreveu um livro contra, no qual reúne várias acusações contra Catão: o livro é intitulado Anti-Catão. Um e outro têm ainda até hoje muitos partidários que os defendem, uns pela amizade, que conservam à memória de César, e outros, à de Catão.

LXXI. Recenseamento que prova o enorme despovoamento causado pela guerra civil

LXXI. Mas, voltando da África para Roma, primeiramente fez um discurso perante o povo, no qual elogiou a sua última vitória, dizendo que ele havia conquistado para o império romano tantos países, que poderia fornecer para os cofres públicos duzentas mil medidas de trigo de renda por ano e dois milhões de libras de óleo: depois, fez três entradas triunfais, uma do Egito, outra do reino do Ponto e a terceira da África, não por lá ter derrotado Cipião, mas o rei Juba; o filho deste que também tinha o nome de Juba1314 , e era criança, foi levado como escravo, no cortejo do triunfo. Esse cativeiro foi-lhe muito ú til, pois fez dele, não um bárbaro nomadiano, porque, por meio dos estudos que fez na prisão, tornou-se um dos mais sábios historiadores dos gregos. Depois desses três triunfos César deu grandes presentes aos seus soldados e para granjear a simpatia do povo, promoveu também festas públicas de regozijo; ele festejava todo o povo romano, ao mesmo tempo, em vinte e duas mil mesas; proporcionou-lhe ainda divertimento, exibindo-lhes lutadores de morte, e batalhas navais em memória de Júlia, sua filha, que havia morrido muito tempo antes; depois de todos estes divertimentos mandou fazer a revisão do recenseamento costumeiro entre o povo, quando se constatou, em vez de trezentos e vinte mil chefes de cidadãos, que tantos eram antes, somente cento e cinquenta mil, tão grande calamidade de perda de vidas trouxera a guerra civil ao Estado, a tantos havia arrebatado ao povo romano, do seio da sua população, sem se falar ainda dos males e misérias que causara ao resto da Itália e às outras províncias do império romano.

LXXII. César derrota na Espanha os filhos de Pompeu

LXXII Terminado tudo isto, ele foi eleito cônsul pela quarta vez1315 e partiu para a Espanha para fazer a guerra aos filhos de Pompeu, que ainda eram moços; no entretanto, tinham eles reunido um poderoso e mui aguerrido exército e mostravam coragem e ousadia dignas de comandar tal potência, pondo mesmo a César em extremo perigo de vida. A maior batalha que se travou entre eles durante a guerra, foi perto da cidade de Munda1316, na qual César, vendo seus homens mui apertados e em muitas dificuldades, para resistir ao inimigo, lançou-se na confusão dos combatentes, gritando aos seus, se não tinham vergonha de se deixaram vencer, que o tomassem e o agarrassem a ele com suas próprias mãos e o entregassem àqueles moços e assim, com o máximo do seu esforço, e grande dificuldade fez recuar o inimigo e matou no mesmo combate mais de trinta mil e perdeu mil dos seus melhores soldados. Depois desta batalha, retirando-se para seu aposento, disse aos seus familiares que muitas vezes ele tinha combatido pela vitória, mas que nessa última, ele tinha lutado para salvar sua própria vida. Conquistara tal vitória, no dia da festa das Bacanais, no qual, se diz, que Pompeu, o pai, tinha saído de Roma, para ir começar essa guerra civil, tendo decorrido quatro anos inteiros, de permeio. Quanto aos seus filhos, o mais moço salvou-se da morte: mas poucos dias depois, Didio trouxe a cabeça do mais velho.

LXXIII. É nomeado ditador perpétuo

LXXIII. Esta guerra foi a última de César; a entrada triunfal que ele fez em Roma, desagradou muito mais aos romanos do que qualquer outra coisa que antes ele tivesse feito, porque ele não tinha derrotado um chefe estrangeiro, nem reis bárbaros, mas tinha vencido os filhos do maior personagem de Roma, ao qual a fortuna tinha sido adversa; tendo-lhes extinguido a descendência, julgava-se que lhe não ficava bem tripudiar assim sobre as calamidades do seus país, regozijando-se com uma coisa, para cuja defesa ele só tinha uma desculpa, ante os deuses e os homens, isto é, o que ele fazia, fazia-o obrigado, tanto que antes ele não havia mandado nem cartas, nem mensagens ao público, por vitória alguma obtida em todas essas guerras civis, mas lhes tinha sempre, de vergonha, rejeitado a glória. Não obstante os romanos, dobrando-se à sua sorte, receberam o freio na boca, porque julgavam que o governo de um só, lhes daria o ensejo de respirar um pouco, depois de tantos males e misérias, suportados durante a guerra civil, eles o elegeram ditador1317 perpétuo, por toda a vida. Isso era perfeita tirania, porque se acrescentava ao soberano poder, a plena força da ditadura e o temor de não ser jamais deposto. Cícero então, propôs ao Senado que lhe decretassem honras, de algum modo humanas, mas havia outras, excessivas, que lhe acrescentaram depois; e fazendo-o à porfia, exageraram e por isso, tornaram-no odioso e aborrecido àqueles mesmos que lhe eram os mais justos pela excelência excessiva, pela inoportunidade das honras, preeminências e prerrogativas que lhe decretaram; também se diz, que os que o odiavam, não favoreceram nem lhe estenderam menos a mão, do que os que o adulavam, a fim de que tivessem maiores motivos de conspirar contra ele e parecesse que com as mais justas querelas eles tinham atentado contra sua pessoa.

LXXIV. Belo proceder de César depois do fim da guerra

LXXIV. Afinal, depois de ter terminado as guerras civis, ele procedeu de modo que nada lhe puderam recriminar nem censurar e parece-me que merecidamente e com razão foi-lhe decretado, entre outras honras, que lhe fariam construir um templo da Clemência, para render-lhe graças pela humanidade de que tinha usado na vitória, porque perdoou a muitos dos que tinham tomado as armas contra ele, e o que é mais, concedeu honras e cargos do governo a alguns deles, como a Cássio e a Bruto, entre outros, pois ambos foram pretores. E tendo as estátuas de Pompeu sido derrubadas, ele as mandou reerguer e por isso Cícero disse, que César, reerguendo as estátuas de Pompeu, tinha garantido as suas. Como seus amigos o aconselhassem a se acautelar e a tomar guardas para a sua pessoa e alguns se apresentassem para defendê-lo, ele não os quis aceitar, dizendo que era preferível morrer uma vez do que estar esperando a morte constantemente: para conseguir o amor e a benevolência do povo, como a mais honrosa e a mais segura defesa deu novamente festas públicas, banquetes, distribuiu presentes e mandou repartir trigo: para recompensar os soldados, repovoou várias cidades, que no passado tinham sido destruídas, onde ele estabeleceu os que não tinham residência, dos quais os mais nobres eram de Cartago e de Corinto1318 e aconteceu que, havendo sido tomadas e destruídas ao mesmo tempo, foram repovoadas também ao mesmo tempo. Quanto aos homens de posição, ele os conquistou prometendo a uns preturas e consulados, a outros, honras e preeminências e a todos, em geral, muitas esperanças, procurando de todos os meios fazer que cada qual ficasse contente com o seu governo: tanto que, um dos cônsules, chamado Máximo, por acaso morreu um dia antes de terminar o tempo do seu consulado e ele declarou cônsul para o único dia que faltava, em seu lugar, a Canínio Rebílio: e como todos fossem à sua casa para cumprimentá-lo e regozijar-se com ele pela nomeação, segundo o costume para com os magistrados recém-eleitos, Cícero, gracejando, disse: "Apressemo-nos, antes que o seu consulado termine."

LXXV. Projetos de César para novas conquistas

LXXV. De resto, César tendo nascido para realizar grandes coisas e tendo por natural, uma inclinação ambiciosa para as honras, a prosperidade de suas conquistas e feitos passados, não o excitavam a querer gozar em paz e na tranquilidade do fruto dos seus labores, mas ao contrário, animavam-no e o encorajavam a empreender novas guerras para o futuro; ele as andava imaginando e arquitetando e em sua mente formava as mais perigosas e audaciosas empresas, sempre com um desejo de novas glórias, como se a presente já lhe fosse inteiramente passada. Essa paixão, outra coisa não era que ciúme e emulação de si mesmo, como de outra pessoa e uma obstinação em querer vencer a si mesmo, combatendo sempre nele a esperança do futuro com a glória do passado e a ambição do que ele desejava fazer, com o que ele já tinha feito. Ele tinha determinado, e já fazia os preparativos para ir guerrear os partos, e, depois de os ter submetido, passar à Hircânia, rodeando o mar Cáspio e o monte Cáucaso, voltar ao reino do Ponto, para depois entrar na Cítia; e depois de ter percorrido todo o país e todas as nações e províncias vizinhas da grande Germânia e a mesma Germânia, voltar então, finalmente, pela Gália, à Itália, e estender o império romano todo em redor, de modo que de todos os lados fosse limitado pelo Oceano.

LXXVI. Trabalhos que empreende e projeta

LXXVI. Enquanto preparava essa viagem, ele tentou cortar o istmo do Peloponeso, no lugar onde está a cidade de Corinto e fez cavar um canal dos rios do Teveron e Tibre começando na cidade de Roma, dirigindo-se diretamente à cidade de Circeu, por um fosso largo e profundo, que mandou fazer, o qual ia desaguar na costa de Terracina, para dar segurança e comodidade maior aos negociantes que vinham a Roma, para seu comércio. Além disso, determinou também extravasar a água que produz as lagoas, que estão entre as cidades de Nomento e de Sécio para secar a terra e torná-la aproveitável para a lavoura, dando trabalho a milhares de homens e na costa marítima mais próxima de Roma, mandar erguer bem na frente, grandes e fortes molhes; mandou ainda limpar toda a baía em redor de Óstia1319, dos rochedos e pedras ocultas sob a água ao longo da costa e retirar todos os outros obstáculos que tornavam mal segura a navegação para os navios e construir portos, armazéns e abrigos dignos dos tantos navios que visitavam ordinariamente o porto e ali vinham de longes terras.

LXXVII. Reforma o calendário

LXXVII. Todas estas coisas estavam em preparação, sem se realizarem. A composição do calendário e a reforma do ano, para obviar a toda confusão no tempo, foi sabiamente ideada e realizada por ele, sendo então de uso cómodo, fácil e agradável; pois não somente nos tempos mais anitos, os romanos não tinham formulário certo, nem regra fixa para determinar a sequência dos meses com o curso do ano, e por isso, às vezes havia grande confusão, tanto que os sacrifícios e as festas anuais, vinham a cair pouco a pouco em estações totalmente contrárias para as quais haviam sido instituídas: mas então os povos não sabiam como se dava o curso e a revolução solar e só os sacerdotes é que disso entendiam e tinham conhecimento: por isso eles acrescentavam sem mais, quando lhes parecia bem, sem que ninguém, a não ser eles o quisesse, o mês supranumerário e intercalável, que antigamente se chamava de Mercedônio. Diz-se que o rei Numa Pompílio foi o primeiro a inventar essa maneira de interpor um mês; todavia foi um remédio insignificante e que pouco durou para corrigir os erros que se cometiam no cômputo do ano e acertá-los deveras. César propondo a matéria aos mais ilustres filósofos e matemáticos peritos do seu tempo, inventou e publicou por meio das ciências, que já existiam, uma reforma singular e mais cuidadosamente calculada do que nenhuma outra e da qual os romanos usam ainda hoje, parecem errar menos que as outras nações, na redução dessa desigualdade dos meses e dos anos: todavia não pôde ele fazer esta inovação, que os invejosos e os revoltosos contra sua dominação, não lhe movessem guerra. Cícero, o Orador, encontrando-se na companhia de um deles que dissera: "Amanhã se vai tirar a estrela da Lira", ele retrucou: "Sim, por um edito", como se os homens recebessem aquilo também por ordem e em força de uma determinação.

LXXVIII. Torna-se odioso querendo fazer-se nomear rei

LXXVIII. O que, porém, granjeou-lhe um ódio mais patente ainda e mais mortal, foi o desejo de se fazer nomear rei, o qual deu o primeiro motivo de lhe querer mal ao povo e àqueles que de longa data ocultavam contra ele a sua má vontade, e deu o pretexto mais honesto que podiam eles desejar. Todavia, os que lhe queriam proporcionar essa honra, semearam a notícia entre o povo, de que estava escrito nos livros proféticos da Sibila, que os romanos venceriam o poder dos partos, quando lhes fizessem a guerra sob o comando de um rei, do contrário, nunca o teriam conseguido; tiveram um dia a coragem de chamá-lo de rei e de saudá-lo como tal, quando ele voltava de Alba para Roma; com isso o povo se aborreceu e ele, admirado, então disse que não se chamava absolutamente rei, mas César, ao que ninguém ousou replicar, mas se fez grande silêncio em toda a multidão: ele então, agastado, aborrecido e enervado , continuou seu caminho. Tendo-lhe sido decretadas no Senado certas honras, que superavam a dignidade humana, os cônsules e os pretores, seguidos por toda a assembleia dos senadores, foram ter com ele na praça, onde ele estava na tribuna dos discursos, para cientificá-lo e comunicar-lhe o que na sua ausência havia sido decretado em sua honra: ele, porém, não se dignou nem mesmo levantar-se à sua chegada, mas falando-lhes, como se fossem homens vulgares, respondeu-lhes que suas honras precisavam ser diminuídas, que não acrescidas ainda mais. Esse ato não somente desgostou o Senado, mas foi também julgado de mau gosto, pelo povo, que pensava que a dignidade das coisas públicas eram desprezadas e depreciadas por ele, pelo pouco caso que ele fazia dos seus principais magistrados e do Senado, e todos os que ali estavam retiraram-se de cabeça baixa, taciturnos e tristes, a tal ponto que ele mesmo o percebeu e também dirigiu-se imediatamente para sua casa, onde, retirando a túnica de volta do pescoço, disse bem alto aos seus amigos, que ele estava pronto a apresentar sua garganta a quem lha quisesse cortar. Todavia, diz-se, que depois para se desculpar dessa falta, ele alegou enfermidade, porque o juízo não pertence todo, aos que, como ele, estão sujeitos à epilepsia, quando falam diante do povo, mas perturba-se facilmente e ataca-lhes em seguida uma alucinação: mas tudo isso não era verdade. Bem tinha ele desejado levantar-se então, diante do Senado, mas Cornélio Balbo, um de seus amigos, ou melhor, dos seus bajuladores, que estava ao pé dele, impediu-lho, dizendo-lhe: "Não te queres lembrar, de que és César e não queres que eles te prestem a reverência e a homenagem a que tens direito?"

LXXIX. António, na festa das Lupercálias apresenta o diadema a César, que o recusa

LXXIX. Além desses motivos de malevolência e descontentamento do povo, sobreveio ainda a injúria que ele fez aos tribunos do povo, deste modo: Era a festa das Lupercais, que alguns dizem ter sido outrora própria dos pastores e parecer-se em alguma coisa, com a dos liceenses, na Arcádia. Como quer que seja, naquele dia vários homens e moços, mesmo dos que têm cargos na magistratura, correm nus, pela cidade, batendo por brincadeira, com correias de couro, em todos os que encontram pela rua; muitas senhoras e damas da sociedade, propositalmente se põem diante deles, apresentando-lhes suas mãos, para que as batam, como fazem as crianças na escola, ao mestre, julgando que aquilo é útil para as que estão grávidas, a fim de mais facilmente darem à luz e as que são estéreis, para conceber.

César assistia a esse passatempo sentado na tribuna dos discursos, numa cadeira de ouro, revestido dos hábitos próprios do triunfo: Antônio, sendo cônsul, era um dos corredores dessa festa sagrada. Quando ele apareceu na praça, o povo que lá estava abriu-lhe caminho para que pudesse correr; ele foi então apresentar a César um diadema real, em feitio de coroa, ornado com um ramo de loureiro; alguns aplaudiram esse ato de António, com palmeis não muito entusiásticas, da parte de alguns populares, expressamente contratados para esse fim: ao contrário, porém, quando César recusou, todo o povo unanimemente aplaudiu, com palmas prolongadas; e como Antônio insistisse em apresentar-lho, muito poucos igualmente manifestaram o seu contentamento, com novos aplausos: mas quando César o recusou pela segunda vez, todo o povo num só gesto, aplaudiu com mais veemência ainda, batendo palmas.
 César então, sabendo com certeza que aquilo não agradava ao povo, levantou-se do seu assento, ordenando que levassem aquele diadema a Júpiter, no Capitólio: mas depois, encontraram algumas das suas estátuas, pela cidade que tinham a cabeça coroada de diademas à maneira dos reis; dois dos tribunos do povo, porém, Flávio e Marulo, as foram arrancar e o que é mais, encontrando alguns dos que antes haviam saudado a César, como rei, os mandaram para a prisão e o povo em massa os seguiu aplaudindo, batendo palmas em sinal de alegria, chamando-os de Brutos, porque fora Bruto quem antigamente expulsara os reis de Roma e transferira a soberana autoridade das mãos de um único príncipe, ao povo e ao Senado. César ficou tão irritado e irado com isso, que depôs Marulo e seu companheiro de seus cargos e acusando-os, injuriava também ao povo, dizendo que eles eram
 verdadeiramente Brutos e Cumanos, isto é, animais e estúpidos.

LXXX. Começo da conjuração de Bruto e de Cássio

LXXX. O povo então, por isso, voltou-se para Marco Bruto, o qual, pelo lado paterno era descendente da família daquele primeiro Bruto e do lado materno, era da família dos Servílios, uma das mais nobres e das mais antigas de Roma e era também sobrinho e genro de Marcos Catão. Mas as grandes honras, grandes graças e favores que César lhe fazia, o moderavam e o continham, e por ele mesmo, não tentaria a destruição e o fim da monarquia porque, não somente César salvou-lhe a vida depois da jornada de Farsália, e da derrota e fuga de Pompeu, concedendo-a também a seu pedido a vários outros dos seus familiares e amigos: mas ainda mostrou, que confiava muito nele: pois já lhe havia dado a mais honrosa pretona naquele ano e já tinha sido designado para cônsul, de ali a quatro anos, tendo-o preferido a Cássio, que o disputava contra ele, pelo favor de César, o qual disse nesse litígio, como ficou escrito: "É verdade que Cássio alega as mais justas razões e provas, mas não passará ele na frente de Bruto1320 ". Um dia, como alguns o acusassem, quando já se urdia e tramava a conspiração, ele não lhes quis prestar fé, mas tocando o corpo com a mão, respondeu-lhes: "Bruto esperará esta pele", querendo dizer que Bruto pela sua virtude, era bem digno de governar, no entretanto pela ambição de dominar, jamais se mostraria ingrato, nem cometeria uma má ação. Todavia, os que desejavam a mudança e só olhavam para ele, ou pelo menos, olhavam-no mais que a qualquer outro, não ousavam se dirigir a ele para dizer-lhe de própria boca, o que desejavam, mas, à noite, enchiam sua tribuna e sede pretorial, onde dava audiência, de pequenos cartazes e letreiros, que mais ou menos, na maior parte diziam isto: "Tu dormes, Bruto, e não és verdadeiro Bruto". Por causa desses escritos, Cássio, sentindo que o desejo da honra cada vez mais se inflamava nele, solicitou mais insistentemente do que nunca, aos que1321 escreviam aqueles dizeres tendo, ele mesmo, alguns motivos particulares de ódio, contra César, de que já falamos na Vida de Bruto. Também César o tinha como suspeito; e um dia, falando aos seus mais fiéis, perguntou-lhes: " Que vos parece que Cássio quer fazer. A mim não me agrada absolutamente vê-lo tão pálido". Outra vez , caluniaram a António e Dolabela de maquinar uma conjuração contra ele, aos quais ele respondeu: "Eu não desconfio muito desses gordos, tão bem penteados e adornados, mas, muito mais, daqueles magros e pálidos, entendendo falar de Bruto e de Cássio".

LXXXI. Presságios que anunciam a César, sua morte

LXXXI. Mas, certamente o destino pode-se muito mais facilmente prever, que não evitar, mesmo porque apareceram sinais, e presságios extraordinários: os fogos celestes, figuras e fantasmas que se viam correr cá e lá, pelo ar; também os pássaros solitários, que, em pleno dia, vinham pousar na praça tais prognósticos não merecem ser notados e declarados num acidente como este. Mas Estrabão, o Filósofo, escreve que foram vistos homens todos de fogo e um soldado semeava fogo com suas mãos, de modo que quantos o viram pensaram que ele estava todo queimado, mas cessando o fogo, constataram que ele nada havia sofrido. César, sacrificando aos deuses, encontrou uma hóstia imolada, que não tinha coração, coisa estranha e monstruosa na natureza, porque um animal não pode viver sem coração; muitos, ainda, dizem que um adivinho lhe predissera há muito tempo, que ele estivesse bem em guarda, com relação ao dia dos Idos de Março, que é o décimo-quinto, porque ele se encontraria em grande perigo de vida. Chegando esse dia, ele saiu de sua casa para ir ao Senado; saudando o adivinho, disse-lhe, rindo-se: "Os Idos de Março chegaram", e o adivinho respondeu-lhe baixinho: "Deveras, chegaram, César, mas ainda não passaram". No dia anterior, em casa de Marco Lépido, que lhe dera um banquete, ele assinava por acaso algumas cartas, como fazia frequentemente e escutava uma conversa dos outros sobre que espécie de morte seria a melhor e a mais desejável, ele disse bem alto, antecipando-se aos demais: Aquela que menos se espera". Depois d a refeição, estando ao leito, com sua esposa, como era seu costume, todas as portas e janelas de seu quarto abriram-se sozinhas e ele despertou sobressaltado, assustado pelo barulho e pela claridade da lua, que iluminava o quarto e ouviu sua mulher Calpúrnia, dormindo em sono profundo, que pronunciava palavras confusas e gemidos mal articulados, que não se podiam entender, porque ela sonhava, que o tinham matado e o chorava , tendo-o morto, em seus braços: todavia alguns dizem que não foi essa visão que ela teve, mas por ordem do Senado, ele havia sido exaltado ao auge de sua linhagem como ornamento ou majestade, um como pináculo, segundo o que o mesmo Tito Lívio diz: "Calpúrnia, dormindo, sonhou que o via atacar e ferir; parecia-lhe que ela o chorava, pelo que, de manhã, quando amanheceu, ela pediu a César, que naquele dia, não saísse de casa, se possível e adiasse a reunião do Senado para outro dia, ou então, se ele não queria acreditar nos sonhos, pelo menos indagasse de alguma outra maneira de adivinhação o que lhe deveria acontecer naquele dia, mesmo pelos sinais dos sacrifícios. Isso deixou-o apreensivo e algo desconfiado, porque jamais, antes ele não havia percebido em Calpúrnia superstição alguma e agora via que ela se atormentava, por causa do sonho: mais ainda quando viu que, depois de ter feito imolar várias vítimas, umas após outras, os adivinhos respondiam-lhe sempre que os sinais e os presságios nada lhe prometiam de bom, ele resolveu mandar Antônio ao Senado para suspender a assembleia.

LXXXII. Vai ao Senado não obstante os avisos que lhe dão

LXXXII. Nesse ínterim chegou Décimo Bruto, cognominado Albino, no qual César muito confiava, tanto que, por testamento o havia constituído seu segundo herdeiro e, no entretanto, era da conjuração de Cássio e de Bruto; temendo que se César adiasse a assembleia do Senado para outro dia a conspiração fosse descoberta, zombou dos adivinhos e incitou César a ir, afirmando que assim dana motivo ao Senado de ficar descontente com ele e de julgar mal de sua pessoa, porque tomariam o adiamento, como um desprezo, porque os senadores naquele dia se haviam reunido por sua ordem e eles estavam todos prontos a declarar-lhe, por seus votos, rei de todas as províncias do império romano, fora da Itália, permitindo-lhe usar o diadema real em toda parte, tanto por terra como por mar e se alguém lhes fosse dizer então, de sua parte, que naquele momento todos se retirassem para suas casas, que se reuniriam outra vez, quando Calpúrnia tivesse tido melhores sonhos, que diriam os seus inimigos, os invejosos e os que lhe queriam mal e como poderiam ter em conta as razões de teus amigos, que lhes procurariam dar a entender, que aquilo não era servidão para eles e a ti, dominação tirânica? Todavia, disse ele, se de todo resolveste abominar e detestar este dia, seria melhor, pelo menos, que saindo de casa, fosses até lá, para saudá-los e comunicar-lhes que adias a assembleia para outra ocasião. Dizendo-lhe estas palavras, tomou-o pela mão e o levou para fora. Ele não estava longe de seu palácio, quando viu um servo estrangeiro, que tudo fez para falar-lhe e quando viu que não podia se aproximar, por causa do povo e da grande aglomeração em redor dele, foi à sua casa e procurou Calpúrnia, dizendo-lhe que o vigiasse até que ele estivesse de volta, porque tinha grandes coisas a lhe dizer: e um certo Artemidoro, nativo da ilha de Gnidos, mestre de retórica, em língua grega, que pela sua profissão tinha familiaridade com alguns satélites de Bruto, por meio dos quais ele sabia quase tudo do que se tramava contra César, veio -trazer-lhe em um pequeno memorial, escrito por sua própria mão, tudo o que lhe queria manifestar: vendo que ele recebia bem todos os pedidos que se lhe apresentavam, mas os entregava imediatamente aos auxiliares, que estavam junto dele, aproximou-se o mais possível e disse-lhe: César, lê este memorial, que te apresento, sozinho, agora mesmo, pois nele encontrarás grandes coisas, que te dizem respeito, mui de perto". César tomou-o, mas não o pôde ler, por causa da multidão de pessoas que falavam com ele, embora por várias vezes tivesse tentado fazê-lo: todavia tendo o papel sempre nas mãos e lendo, ele entrou no Senado. Alguns dizem que foi um outro que lhe apresentou o memorial e que Artemidoro, por mais esforços que fizesse, não pôde aproximar-se dele, pois era sempre afastado, durante todo o caminho.

LXXXIII. É ferido primeiro por Casca

LXXXIII. Todas estas coisas podem bem ter acontecido por acaso, mas, o lugar, onde então estava reunido o Senado, tinha uma estátua de Pompeu e era um dos edifícios, que ele tinha dado ao governo, com seu teatro, mostrava evidentemente que era por certo alguma divindade que guiava a empresa e que a levava à execução, principalmente naquele lugar. A esse respeito conta-se que Cássio, um pouco antes que pusessem mãos à obra, olhou para a estátua de Pompeu que lá estava e invocou baixinho o seu auxílio, não obstante outrora ele ter sido partidário das opiniões de Epicuro: mas a iminência do perigo presente o despertou e o pôs fora de si gerando nele uma paixão repentina em vez dos discursos que o moviam e aos quais assentia quando estava com o espírito calmo. Sendo Antônio fiel a César, forte e robusto de corpo, Bruto Albino1322 o reteve fora do Senado, fazendo-lhe expressamente muitas recomendações. Quando César entrou, todo o Senado levantou-se para saudá-lo; então alguns dos conjurados puseram-se por trás de sua liteira e outros foram-lhe ao encontro; falaram-lhe como querendo interceder por Metelo Cimber, que pedia a volta de seu irmão, que estava no exílio e o seguiram assim, sempre rogando-o, até que ele se sentou em seu trono: como ele rejeitasse seus pedidos e se irritasse, uns após outros começaram a importuná-lo ainda mais, com violência até que Metelo, tomando sua túnica com ambas as mãos, arrancou-a de redor do pescoço; era o sinal combinado: os conjurados haviam-se acercado, prontos para executar o golpe: Casca, então, deu-lhe por trás um golpe com a espada na altura do pescoço; mas a ferida não foi grave, nem mesmo mortal, porque ele estava nervoso, como é de se imaginar, ante tão perigosa empresa e não teve força, nem firmeza, para feri-lo mortalmente. César voltando-se para ele, empunhou sua espada com firmeza e ambos se puseram a gritar: o ferido, em latim: "Ó Casca, vil traidor, que estás fazendo?" E o agressor, em grego: "Meu irmão, ajuda-me!"

LXXXIV. É depois morto por Bruto e por outros conjurados

LXXXIV. Ante este princípio de motim, os presentes que nada sabiam da conspiração, ficaram tão fora de si de espanto e de horror, ante o que presenciavam, que nada souberam fazer: nem fugir, nem socorrê-lo, nem mesmo abrir a boca para gritar: aqueles, porém, que tinham maquinado sua morte, rodearam-no com suas espadas, de sorte que, para onde quer que ele se voltasse, encontraria sempre quem o poderia ferir, pois as espadas reluzentes visavam-lhe o rosto e os olhos e ele debatia-se entre suas mãos, como o animal selvagem acuado pelos cães: eles haviam combinado que cada um lhe daria um golpe, participando assim do assassínio: Bruto deu-lhe o primeiro, no lugar das partes naturais; alguns dizem que ele se defendia sempre e resistia, saltando para cá e para lá, clamando a plenos pulmões, até que viu Bruto de espada em punho; então ele envolveu a cabeça com o manto, e sem resistir mais, foi empurrado, por acaso, ou por expressa intenção dos conjurados, até o pedestal, sobre o qual estava a estátua de Pompeu, que ficou toda ensanguentada: assim, parecia mesmo que ela estava presidindo à vingança e ao castigo do seu inimigo, atirado por terra, aos seus pés, quase morto pelo grande número de ferimentos recebidos, pois dizem que foram vinte e três golpes de espada; vários conjurados, golpeando todos no mesmo corpo, feriram-se reciprocamente, eles também.

LXXXV. Bruto e Cássio apresentam-se diante do povo

LXXXV. Assim César foi morto: o Senado, embora Bruto lá se tivesse apresentado para dar razão do fato sucedido, não teve coragem de ficar; mas fugiram todos apressadamente, enchendo toda a cidade de tumulto, de espanto e de terror; o povo fechava as portas de suas casas, os negociantes abandonavam suas lojas e corriam para a rua a fim de ver o que se estava passando, outros, tendo já sabido do fato, voltavam às pressas para suas casas. Antônio e Lépido que eram os dois maiores amigos de César, esconderam-se e depois ocultamente fugiram, para outras casas, que não as próprias. Bruto e seus companheiros, ainda excitados pelo assassínio, mostrando suas espadas ensanguentadas, saíram juntos do Senado e foram à praça pública, não como homens, que fugiam, mas ao contrário, mui alegres e seguros, conjurando o povo a defender a sua liberdade, a mantê-la, detendo-se para falar com os que encontravam pelo caminho, alguns dos quais os seguiram, misturando-se com eles, como se também fossem conjurados, para usufruir se possível, com falsas insígnias, parte da honra: dentre estes estavam Caio Otávio e Lêntulo Espínter que depois foram castigados por essa vã ambição de glória, por Antônio e pelo jovem César, que os mandaram matar; e assim eles não gozaram da glória, por cuja ambição morriam, porque ninguém acreditou que eles eram do número dos conjurados; aqueles mesmos que os castigavam, vingavam mais, neles, a vontade do que o efeito. No dia seguinte, Bruto com seus comparsas veio à praça para falar ao povo, que o escutou, não manifestando se reprovava ou aprovava o que havia sido feito: mostrava um silêncio morno, que de um lado, indicava compaixão que sentia por César, e de outro, reverenciava a virtude de Bruto. Mas o Senado decretou um perdão geral, quanto ao passado e para contentar a todos, ordenou também que a memória de César seria honrada como a de um deus e que nada se mudaria de tudo o que ele, em vida, havia determinado e concedeu também províncias e honras convenientes a Bruto e aos seus companheiros, de modo que todos se julgavam contentes e fora restituída a boa ordem da situação.

LXXXVI. Furor do povo contra os assassinos de César

LXXXVI. Quando se abriu o testamento de César e se constatou que ele legava a cada cidadão romano um honesto presente em dinheiro, e o povo viu seu corpo levado pela praça, todo retalhado pelas espadas, ninguém mais pôde conter a multidão, que fez um monte de objetos em redor do seu corpo; eram mesas, bancos, balcões e palanques que iam buscar cá e lá, pela praça: puseram fogo em tudo e o queimaram1323, quando o fogo estava bem aceso, tomaram tições ardentes e foram às casas dos que o tinham matado, para incendiá-las: outros correram pela cidade, procurando-os para fazê-los em pedaços; todavia, não os puderam encontrar, porque eles se haviam escondido e estavam bem defendidos em suas casas. Um dos familiares de César, de nome Cina, na noite precedente tivera uma estranha visão, na qual César o convidava para cear; ele não queria ir, no entretanto, César tomando-o pela mão o tinha levado contra vontade. Tendo ele sabido de como o povo queimava o seu corpo na praça, saiu de casa, para preparar o funeral do falecido, embora a visão da noite precedente o tivesse em alguma dúvida1324, a ponto de causar-lhe febre. Chegando à praça, alguém do povo perguntou-lhe quem ele era: ele deu o nome; este disse-o a um terceiro, seu nome foi correndo de boca em boca, e em pouco tempo se divulgou entre o povo, como sendo ele um dos que haviam matado a César, porque, dentre os conjurados, um havia com aquele mesmo nome; pensando que era ele, agarraram-no com tal furor que o partiram em pedaços ali mesmo. Isso causou medo a Bruto e a Cássio, mais que qualquer outra coisa, pelo que, poucos dias depois, eles saíram da cidade: o que eles sofreram e o que fizeram até a morte, nós já dissemos amplamente na Vida de Bruto.

LXXXVII. Morte de Cássio

LXXXVII. César morreu na idade de cinquenta e seis anos1325, sobrevivendo a Pompeu, apenas quatro anos, só tendo como fruto daquele poder, que ele tinha com tanto ardor se esforçado por obter durante toda sua vida e à qual por fim chegara com tantas dificuldades e tantos perigos, um nome vão e uma glória inútil, que lhe suscitara a inveja e o ódio de seus concidadãos; todavia, aquela grande fortuna e favor do céu que o acompanhara durante todo o curso de sua vida, continuou ainda na vingança de sua morte, perseguindo por mar e terra os que haviam conspirado contra ele, tanto que não ficou um só a ser castigado, de todos os que ou com o conselho, ou de fato haviam participado da conspiração. Mas, de todas as coisas que aconteceram aos homens da terra, a mais estranha, foi a de Cássio, que depois de ter sido derrotado na batalha de Filipes, matou-se com a mesma espada que havia ferido a César: no céu, então, o grande cometa que apareceu, em grande evidência, durante sete noites consecutivas, depois de sua morte e também o escurecimento do sol, o qual durante todo aquele ano, sempre surgiu pálido e nunca com aquela claridade luminosa que lhe é peculiar, cujo calor foi igualmente muito fraco e consequentemente durante todo o ano, o ar pesado, tenebroso e espesso, pelo pouco calor que o não podia saturar nem sutilizar; foi isso causa de que os frutos da terra ficassem duros e verdes, apodrecendo antes de amadurecerem pela frialdade do ar.

LXXXVIII. Morte de Bruto

LXXXVIII. Mas, de modo especial, a visão que apareceu a Bruto, mostrou evidentemente que sua morte não tinha sido agradável aos deuses: assim foi a visão: Bruto, estando para passar seu exército da cidade de Abidos para a costa fronteira, descansava como de costume à noite, em sua tenda, não ainda adormecido, mas pensando em seus negócios e no seu futuro: diz-se que ele foi um dos generais mais vigilantes e menos sujeitos ao sono de quantos existiram e que por costume vigiava sempre: pareceu-lhe escutar um ruído à porta de sua tenda; observando-a, à luz de uma lâmpada, ele percebeu uma visão horrível, como um homem de tamanho e estatura enormes, feiíssimo de rosto; a princípio sentiu medo, mas quando viu que tal fantasma nada fazia nem dizia, mas estava diante dele, quieto, perto de seu leito, perguntou-lhe por fim, quem ele era: o fantasma respondeu-lhe: "Eu sou o teu an jo mau, Bruto, e tu me verás perto da cidade de Filipes". Bruto replicou: "Pois bem, ver-te-ei então lá".

Imediatamente o espírito desapareceu. Depois, encontrando-se na batalha perto da cidade de Filipes, contra António e César, na primeira vez, ganhou a batalha e rompendo tudo o que encontrou diante de si, chegou até o acampamento do jovem César, que ele saqueou: mas na noite precedente ao dia em que se deveria travar a segunda batalha, o mesmo fantasma apareceu outra vez, sem lhe dizer palavra; Bruto compreendeu que sua hora havia chegado, lançou-se de cabeça baixa nos lugares mais perigosos da luta e, no entretanto, não morreu combatendo; vendo seus soldados, porém, derrotados e desbaratados, diante de si, retirou-se apressadamente para o pico de uma rocha onde, lançando-se sobre a ponta de sua espada, com o auxílio de um de seus amigos, segundo se diz, atravessou o corpo de lado a lado e morreu imediatamente.

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