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Notas

822 - Hoje a Albânia.
823 - Segundo Eusébio, D eucalião reinou no Parnaso 1542 A. C. O dilúvio que inundou a Grécia ocorreu treze anos mais tarde. Trata-se do dilúvio de Deucalião, e não do dilúvio universal, que teve lugar, segundo se calcula, 2344 A. C.
824 - Pausánias chama-o Taripo.
825 - É o seu nome, segundo Diodoro. Pausânias c hama-o Aribas.
826 - Os atenienses começaram esta guerra após a morte de Alexandre, o Grande.
827 - Plutarco esqueceu-se dessa referência, ou, então, o trecho cm que o fez desapareceu. Plínio, entretanto, remedeia este silêncio. Ele nos conta que o dedo de Pino foi colocado num relicário e conservado em um templo. (Plínio, VII, 2).
828 - Na Frígia, no ano 301 A. C. Segundo alguns autores, Pode-se escrever Ipse.
829 - Essa vida foi perdida. Plutarco narrou de modo diferente este julgamento de Aníbal na Vida de Flamínino, (cap. XLIII).
830 - No grego, Corcira.
831 - Eurípides, em sua tragédia intitulada "As Fenícias", v. 68.
832 - Ilíada. L. I, v. 491.
833 - No original grego: trezentos e cinquenta mil.
834 - Na tragédia "As Fenícias", 526.
835 - No grego: vinte e dois mil infantes, dois mil arqueiros e quinhentos besteiros.
836 - No ano 474, de Roma.
837 - O rio Serio, perto de Heracléia, no go lfo de Tarerto.
838 - Eis um dos mai ores oráculos políticos que conheço e bem digno dos mais belos tempos de Roma. Montesquieu não deixou de observar em sua bela obra " La Grandeur des Romains", onde escreve estás palavras memoráveis: "Acredito que a seita de Epicmo, que se introduziu em Roma no fim da República, contribuiu bastante para depravar o coração e o espírito dos romanos. Os gregos eníatuaram-se antes deles, e corromperam-se também mais cedo"’. (Cap.
 X).
839 - As Saturnais, que se celebravam n o mês de dezembro.
840 - No ano 4 76. de Roma.
841 - Asco li.
842 - Ptolomeu Cerauno, que foi morto no ano 474, de Roma, no decorrer de uma irrupção dos gauleses, na Macedônia, sob a Chefia de Bélgio. A derrota de que fala aqui P lutarco não é, assim, a de Ptolomeu, mas a de Sóstenes, um de seus sucessores, e que ocorreu quando os gauleses irromperam de novo na Macedônia, no ano 476 de Roma, c hefiados por Breno.
843 - Na costa ocidental da Sicília, hoje San Giuliano.
844 - Cornélio Merenda, que foi cônsul, juntamente com Mânio Cúrio Dentato, no ano 480, de Roma.
845 - No original grego lê-se «para defender Pirro». Este verso é uma paródia do verso 443 do livro XII da «Ilíada» e Pirro co locou o seu nome no lugar de «pátria», que figura em Homero.

Fontes   >    Grécia Antiga

Vidas Paralelas: Pirro, de Plutarco

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Busto de Pirro. Museu Arqueológico de Nápoles, Itália.

Sobre a fonte

Pirro (318-272 a.C.) foi rei do Epiro e da Macedônia, tendo ficado famoso por ter sido o primeiro adversário externo de Roma. Ele invadiu a Itália para auxiliar as cidades gregas da península, que, na época, estava sendo unificada pelos romanos. A biografia de Pirro faz parte de uma série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos. Pirro foi comparado ao cônsul e general romano Caio Mario.

I. Origem do reino do Épiro

I. Conta-se que, após o dilúvio, Faetonte, um dos que se dirigiram para o Épiro822 com Pelasgo, foi o primeiro rei dos tesprotos e dos molossos; porém, outros historiadores dizem que Deucalião823 e sua mulher, Pirra, depois de construírem o templo de Dodona, no país dos molossos, ali se estabeleceram.

II. Genealogia de Pirro

II. Seja como for, muito tempo depois, Neoptólemo, à frente de um exército numeroso, conquistou o país, deixando depois dele uma sucessão de reis, que foram chamados os pírridas, devido ao nome de Pirro, que recebera ainda em sua infância, e dado igualmente ao mais velho dos filhos legítimos que teve de Lanassa, filha de Cleódeo, filho de Hilo. Este o motivo por que Aquiles é honrado e reverenciado no Épiro como um deus, sendo ali chamado Aspetos, na língua do país. Mas como os que sucederam a estes primeiros reis caíram na barbárie, nenhuma memória deles nem de suas ações e poderio existe. O primeiro a que a história faz menção é Tárritas824, cujo nome passou à posteridade por ter dado às cidades de seu país os costumes dos gregos, polindo-as através do cultivo das letras e estabelecendo leis e normas civis. Este Tárritas deixou um filho, chamado Alcetas, e de Al cetas nasceu Arimbas825, e de Arimbas e Tróiade, sua mulher, nasceu Eácides; este desposou Ftia, filha de Menão, o Tessálio, que, tendo adquirido grande renome durante a chamada guerra Lamíaca826, gozou de maior autoridade, junto de Leóstenes, do que qualquer outro confederado.

III. Eácides, seu pai, é destronado pelos filhos de Neoptólemo

III. Eácides teve de sua mulher Ftia duas filhas, Deidâmia e Tróiade, e um filho, a quem deu o nome de Pirro. Entretanto, os molossos se rebelaram, expulsaram-no de seu reino e colocaram no trono, o filho de Neoptólemo. Todos os amigos de Eácides que não conseguiram fugir foram mortos. Pirro, que era ainda criança de peito, foi procurado por toda parte peles inimigos de seu pai, os quais queriam matá-lo, Andróclidas e Ângelo, porém conseguiram subtraí-lo às suas buscas, e fugiram. Levaram consigo alguns poucos servidores, bem como várias mulheres, para tratar e amamentar a criança. Como o grupo era numeroso, não podia caminhar rapidamente, e a fuga se tornou difícil. Andróclidas e Ângelo, vendo que os inimigos estavam prestes a alcançá-los, entregaram o menino a Androclião, Hípias e Neandro, três jovens robustos e dispostos, em quem confiavam, e ordenaram-lhe que se dirigissem o mais depressa possível para uma cidade do reino da Macedônia chamada Mégara. E, em seguida, em parte orando, em parte, combatendo., conseguiram conter os perseguidores até à tarde. Livrando-se destes, afinal, com muita dificuldade, foram correndo ao encontro dos jovens a quem haviam confiado Pirro. Ao pôr do sol, eles supuseram ter atingido o objeto de suas esperanças, mas logo verificaram que dele estavam mais distante do que nunca. O rio existente ao longo das muralhas da cidade corria com tal rapidez que amedrontava. Procuraram um lugar onde pudessem atravessá-lo a vau, mas verificaram que isto era impraticável: com o volume aumentado em consequência de chuvas abundantes, suas águas lamacentas rolavam com grande violência, e a escuridão da noite tornava as coisas ainda mais medonhas.

IV. Pirro, ainda criança, é subtraído às suas perseguições por Andróclidas e Ângelo

IV. Desesperavam já de poder atravessar sozinhos o rio com a criança e as mulheres que a ornamentavam, quando viram, na outra margem, moradores da região, aos quais suplicaram, em nome dos deuses, que os ajudassem a conduzir Pirro através da torrente, mostrando-lhe ao mesmo tempo, de longe, o menino. Porém, o ruído forte das águas impedia que fossem ouvidos, e assim, ficaram todos muito tempo parados junto às margens do rio, uns gritando e outros prestando atenção, sem que nada pudessem entender. Finalmente, um dos membros do grupo teve a ideia de arrancar, uma casca de carvalho, na qual escreveu com o fuzilhão de uma fivela várias palavras, expondo a situação da criança e a necessidade que tinha de ser socorrida. Em seguida, enrolou a casca numa pedra, a fim de dar-lhe peso e poder atirá-la ao outro lado do rio, o que fez. Há quem diga que ele espetou a casca na ponta de um dardo, e o arremessou. Os que estavam na outra margem leram os dizer os escritos na casca, ficando assim ao par do perigo que corria o menino, imediatamente, cortaram o mais depressa que puderam várias árvores, as quais amarraram juntas, e sobre elas atravessaram o rio. O primeiro a chegar se chamava, por acaso, Aquiles; ele pegou a criança e a levou para o lado oposto, enquanto seus companheiros fizeram o mesmo com as outras pessoas.

IV. Pirro, ainda criança, é subtraído às suas perseguições por Andróclidas e Ângelo

V. Salvos assim do perigo, e fora do alcance daqueles que os perseguiam, puseram-se todos a caminho, dirigindo-se para a Ilíria, junto ao rei Gláucias, o qual encontraram em sua casa, sentado ao lado da esposa. Colocaram a criança no chão, no meio da sala, diante do soberano. Este permaneceu pensativo durante muito tempo, sem nada falar, meditando sobre o que devia fazer, pois que temia Cassandro, inimigo mortal de Eácides. E, enquanto isso, o menino Pirro, engatinhando, alcançou com suas mãos a roupa do rei, e tanto fez que ficou de pé, junto aos joelhos de Gláucias. Este pôs-se a rir, mas logo depois se apiedou, pois pareceu-lhe achar-se diante de um suplicante que tivesse vindo atirar-se-lhe aos braços, para salvar-se. Outros autores dizem que não foi a Gláucias que ele se dirigiu, mas ao altar dos deuses domésticos, diante do qual se ergueu, abraçando-o com os dois braços. O rei, achando que isto fora feito através de uma determinação divina, colocou o menino entre os braços de sua mulher, e ordenou-lhe que o criasse com seus filhos.

VI. Coloca-o no trono

VI. Pouco tempo depois seus inimigos mandaram procurá-lo, tendo Cassandro chegado a oferecer duzentos talentos pela entrega do menino. Gláucias recusou-se a entregar Pirro, e, quando este atingiu a idade de doze anos, levou-o para o Épiro à frente de um exército, e o colocou no trono. Pirro tinha em seus traços um ar de majestade que inspirava mais terror do que respeito; e seus dentes superiores, em vez de serem separados, um do outro, formavam um osso contínuo, sobre o qual ligeiras incisões marcavam os lugares onde devia haver as separações. Atribuíam-lhe a virtude de curar as doenças do baço, para o que ele sacrificava um galo branco, e, com o pé direito deste tocava docemente a víscera do enfermo, que fazia deitar sobre o dorso. Por mais pobres que fossem as pessoas que o procurassem, ou per mais baixa que fosse a sua condição, ele não deixava de aplicar esse remédio, quando solicitado.
 Recebia como salário o galo sacrificado, presente que lhe era muito agradável. Afirmava-se que o dedo grande de seu pé direito tinha certa virtude divina; e, quando, após sua morte, seu corpo foi queimado e reduzido a cinzas, foi encontrado inteiro, sem nenhum sinal da ação do fogo. Mas disto trataremos mais adiante827.

VII. Nova revolta no Épiro. Pirro dirige-se para junto de Demétrio

VII. Ao completar dezessete anos, Pirro acreditando estar assegurada a posse de seu reino, decidiu realizar uma viagem à Ilíria, a fim de assistir às núpcias de um dos filhos de Gláucias, com o qual havia sido criado. Mal se ausentara, e os molossos rebelaram-se de novo, expulsaram os seus servidores e amigos, pilharam todos os seus bens, e entregaram-se depois ao seu adversário Neoptólemo. Pirro, despojado de seus territórios, e vendo-se abandonado por todos, retirou-se para junto de Demétrio, filho de Antígono, que tinha desposado Deidâmia. sua irmã. Esta princesa, quando ainda muito jovem, fora dada como noiva a Alexandre, filho de. Alexandre, o Grande, e de Roxana, e a tratavam mesmo como sua mulher. Porém, como toda aquela família, por infelicidade, extinguiu-se inteiramente, Demétrio casou-se com ela, ao chegar à nubilidade. E na grande batalha travada perto da cidade de Hipse828, da qual todos os reis participaram, Pirro, apesar de muito jovem, esteve sempre ao lado de Demétrio, distinguindo-se como um dos melhores combatentes, pois obrigou todos os que se encontravam à sua frente a fugirem. Demétrio foi derrotado, mas ele não o abandonou, conservando-lhe, fielmente, as cidades gregas que lhe haviam sido confiadas.

VIII. Regressa ao Épiro e partilha o trono com Neoptólemo

VIII. Depois do tratado concluído entre Demétrio e Ptolomeu, ele foi, como refém, seguindo para o reino do Egito. Durante a sua estada nesse país, deu tanto na caça como em vários exercícios, as maiores provas de sua força, paciência e resistência às canseiras. Verificando que, de todas as mulheres de Ptolomeu, Berenice era a que gozava de maior crédito junto do marido, e era também a mais prudente e a mais sensata, começou a fazer-lhe assiduamente a corte. Ele sabia humilhar-se perante os grandes, dos quais podia tirar proveito, e insinuar-se para conquistar-lhes as boas graças; ao mesmo tempo, mostrava-se cheio de desprezo pelos que pertenciam a categoria inferior à sua. E, como fosse honesto e moderado em sua conduta, foi o preferido, entre vários outros jovens príncipes, para marido de Antígona, filha de Filipe e da rainha Berenice, e nascida antes do casamento desta com Ptolomeu. Esta aliança tornou maiores os favores e a consideração de que gozava; e, com o apoio de Antígona, a qual se mostrava boa e afetuosa para com ele, conseguiu gente e dinheiro para voltar ao reino do Épiro e reconquistá-lo. Foi ali bem recebido pelo povo, pois este odiava Neoptólemo, que costumava tratar os seus súditos cem violência e crueldade. Entretanto, receando Pirro que ele fosse à procura de outros reis para convencê-los a assumirem a sua defesa, achou melhor concluir um acordo, ficando combinado que ambos reinariam juntos.

IX. Os dois reis tornam-se inimigos

IX. Com o passar do tempo, alguns cortesãos se puseram secretamente a irritar um contra o outro, através da desconfiança que semearam entre eles. Mas nada irritou tanto Pirro quanto, segundo se conta, este fato: os reis do Épiro tinham o costume, já muito antigo, de fazer um sacrifício solene a Júpiter Marcial, num lugar da Molóssia denominado Passarão, onde proferiam um juramento e recebiam outro dos epirotas: os reis juravam que governariam de acordo com as leis, e os estatutos do país, e os súditos que defenderiam o reino e nele viveriam de acordo, igualmente, com as leis. Os dois reis, acompanhados de seus amigos, dirigiram-se ao lugar da cerimonia, e ali trocaram presentes de grande valor. Gelão, que era um dos mais fiéis e dedicados servidores de Neoptólemo, após dar a Pirro os maiores testemunhos de amizade e afeição, presenteou-o com dois pares de bois, próprios para trabalhos agrícolas. Mirtilo, copeiro de Pirro, que por acaso, se encontrava na cidade, pediu os bois ao rei. Este negou-lhos, e deu-os a outra pessoa. A recusa magoou Mirtilo, e Gelão, percebendo-o, convidou-o para cear. Alguns autores dizem que, após embriagá-lo, Gelão abusou de Mirtilo, que era jovem e belo. Após a ceia, pôs-se a falar a princípio de coisas vagas, e em seguida concitou-o a colocar-se ao lado de Neoptólemo e a envenenar Pirro. Mirtilo simulou estar de acordo com essa sugestão, demonstrando contentamento. Mas logo depois procurou Pirro a quem tudo contou; o rei ordenou-lhe então que levasse Alexicrates, o chefe dos copeiros, à casa de Gelão, apresentando-o como se estivesse disposto a participar da trama. O que Pirro queria era dispor de várias testemunhas, a fim de provar a conspiração contra ele tramada.

X. Pirro faz malograr a conspiração de Neoptólemo e se desfaz dele

X. Tendo sido Gelão assim enganado, Neoptólemo, que também de nada desconfiara, julgou que a conjura estivesse bem encaminhada, e tal era a sua satisfação que não conseguiu guardar o segredo, revelando-o a alguns de seus amigos. Um dia, achando-se em casa de sua irmã Cádmia, não conseguiu conter-se, certo de que não era ouvido por mais ninguém, e falou-lhe a respeito. Perto deles só estava Fenareta, esposa de Samão, intendente dos rebanhos do rei Neoptólemo. Deitada numa pequena cama, e voltada para o lado da parede, ela fingia dormir. Mas tudo ouviu, sem que os dois irmãos o percebessem; e, no dia seguinte, dirigiu-se a Antígona, esposa de Pirro, e contou-lhe com pormenores aquilo que Neoptólemo dissera à irmã. Pirro, informado de tudo, nada disse na ocasião; mas, tendo feito um sacrifício aos deuses, convidou Neoptólemo para vir cear em sua casa, e matou-o. Ele não ignorava que podia contar com a boa vontade das principais personalidades do reino; fazia já muito tempo que elas o exortavam a se desfazer de Neoptólemo, e a não se contentar apenas com uma pequena parte do Épiro, que lhe pertencia inteiro, concitando-o ainda a seguir a inclinação de sua natureza, a qual o destinara a grandes feitos. Diante de tudo isso, e sobrevindo a conspiração, decidiu desfazer-se de Neoptólemo, fazendo-o morrer em primeiro lugar.

XI. Vai em socorro de Alexandre, contra Antípatro, mediante a cessão de uma parte da Macedônia

XI. Gomo não tivesse esquecido os serviços que lhe haviam prestado Ptolomeu e Berenice, deu o nome deste príncipe ao. primeiro filho que teve de sua mulher, Antígona, e denominou Berenícide a cidade que mandou construir na península do Épiro. Logo depois, tendo em vista dar início aos grandes projetos que concebera, e sendo ilimitadas as suas esperanças, propôsse conquistar primeiramente aquilo que estava mais perto dele, e encontrou meios de intervir nos negócios da Macedônia. O filho mais velho de Cassandro, chamado Antípatro, provocara a morte de sua própria mãe, Tessalônice, e expulsara do país seu irmão Alexandre, tendo este mandado pedir a Demétrio que o auxiliasse, o mesmo fazendo em relação a Pirro. Como Demétrio se achasse ocupado com outras questões, e não pudesse ir prontamente em seu socorro, Pirro seguiu ao encontro de Alexandre, de quem exigiu, como preço de sua aliança, a cidade de Ninféia, e toda a costa da Macedônia, e, além disso, territórios que não faziam parte do patrimônio dos reis da Macedônia, mas que a ele haviam sido incorpados pelas armas: a Ambrácia. a Acarnânía, e a Anfilóquia. Como o jovem príncipe tudo lhe cedesse, Pirro tomou posse dos territórios, colocando guarnições nas cidades. Conquistou depois o resto da Macedônia em nome de Alexandre, e exerceu grande pressão sobre seu irmão Antípatro.

XI. Vai em socorro de Alexandre, contra Antípatro, mediante a cessão de uma parte da Macedônia

XII. Entrementes, o rei Lisímaco estava desejoso de socorrer Antípatro com suas forças. Mas, tendo de resolver outros assuntos, não podia fazê-lo. Sabendo, contudo, que Pirro não se esquecera dos benefícios recebidos de Ptolomeu, a quem nada recusaria, decidiu escrever-lhe, assinadas com o nome deste príncipe, cartas falsas, nas quais lhe pedia pusesse termo à guerra contra Antípatro, e aceitasse deste, como indenização às despesas porventura feitas, a Soma de trezentos talentos. Pirro, abrindo as cartas, verificou lego que se tratava de um ardil e de uma impostura de Lisímaco. Com efeito, em vez da saudação empregada habitualmente por Ptolomeu, no começo de suas cartas, que era: "A meu filho Pirro, salve", havia esta; "O rei Ptolomeu ao rei Pirro, salve". Ele, no momento, invetivou Lisímaco; todavia, fez depois as pazes com Antípatro, e os três reis acabaram reunindo-se, para jurar, durante um sacrifício, as condições de seu acordo. Três vítimas foram trazidas para ser imoladas: um bode, um touro e um carneiro. Mas este último morreu subitamente, antes que nele tocassem, o que provocou o riso dos presentes. Entretanto o adivinho Teodoto fez com que Pirro desistisse de jurar, dizendo-lhe que o ocorrido pressagiava a morte súbita de um dos três reis. E a paz não foi, assim, por ele concluída.

XIII. Começo das divergências entre Pirro e Demétrio

XIII, Não obstante os negócios de Alexandre já estarem em ordem, Demétrio dirigiu-se para junto dele, e verificou logo que o príncipe não necessitava mais de seu auxílio e que sua presença lhe inspirava medo. Poucos dias depois de estarem juntos, começaram as suspeitas recíprocas, procurando um surpreender o outro desprevenido. Demétrio, porém, aproveitando-se da primeira ocasião que se apresentou, matou Alexandre, que era ainda muito moço, e fez-se proclamar rei da Macedônia, Ora, ele já tivera antes algumas questões com Pirro, a quem censurava pelas suas incursões na Tessália, Além disso, a ambição de cada vez possuir mais, este vício próprio dos príncipes e dos grandes senhores, fazia com que sua vizinhança desse motivo a receios e suspeitas recíprocas, principalmente após a morte de Deidâmia. Mas quando, depois de ocupar, cada um deles, uma parte da Macedônia, puseram-se ambos a disputar a posse de todo o reino, muito maiores se tornaram os motivos de suas divergências.

XIV. Declara-se a guerra. Batalha na qual Pirro se distingue

XIV. Diante disso, Demétrio decidiu entrar com seu exército na Etólia, e, após conquistar o país, nele deixou seu lugar-tenente Pantauco com forças poderosas, marchando ele próprio contra Pirro, o qual, informado a respeito, também se pusera a caminho, para enfrentar o adversário. Porém, errando ambos o caminho, não se encontraram. Demétrio lançou-se através do Épiro, de onde se retirou com uma grande presa; Pirro, de seu lado, avançando até o lugar onde estava Pantauco, deu início à batalha. O combate foi renhido entre os dois exércitos, mas ainda mais vivo entre os dois chefes. Pantauco, que na opinião de toda gente era o primeiro dos capitães de Demétrio, pela sua coragem, força e habilidade, cheio de confiança em si mesmo, provocou Pirro, com quem queria se empenhar num combate singular. Pirro que, quanto ao valor e ao desejo de se assinalar, ocupava o primeiro’ lugar entre todos os reis de sua época, e que desejava apropriar-se da glória de Aquiles, mais por imitação de sua virtude, do que por ter saído de seu sangue, abriu caminho até à primeira fileira, a fim de atacar Pantauco. Depois de lançarem ambos os dardos, aproximaram-se um do outro, e, utilizando-se das espadas, trocaram golpes nos quais revelaram não somente agilidade como grande força. Pirro recebeu dois ferimentos, e atingiu, por sua vez, o adversário, duas vezes, uma na coxa e outra perto da garganta, obrigando-o assim a voltar as costas; e, aproveitando-se da oportunidade, derrubou-o por terra. Mas não pôde matá-lo, pois seus amigos acorreram e levaram-no. Entrementes, os epirotas, encorajados com a vitória de seu rei, e cheios de admiração pela sua coragem, redobraram, de esforços, e romperam finalmente a falange dos macedônios. Lançando-se em seguida na perseguição dos fugitivos, mataram grande número de inimigos, e fizeram cinco mil prisioneiros.

XIV. Declara-se a guerra. Batalha na qual Pirro se distingue

XV. Esta derrota não encheu tanto de cólera os corações dos macedônios pelas perdas sofridas, nem de ódio por Pirro, quanto de admiração e de estima pela sua bravura; ela constituiu, para todos os que no combate haviam sido testemunhas de seus altos feitos e tinham experimentado a força de suas armas, um assunto inesgotável. Acreditaram ver nele o olhar, a rapidez e os movimentos de Alexandre, o Grande, e como uma sombra, uma reprodução da impetuosidade, da violência que tornavam este tão temível no combate. Enquanto os outros reis imitavam Alexandre somente através do uso de roupas de púrpura, do número de guardas que os cercavam, na maneira de inclinar a cabeça e no modo altivo de falar, Pirro repetia-lhe os feitos e os atos de coragem.

XVI. Elogio de seu talento militar

XVI. Os livros que escreveu sobre a arte militar provam suficientemente a sua capacidade de dispor as tropas para a batalha e de comandá-las. Conta-se que. um dia, o rei Antígono, interrogado sobre quem lhe parecia o maior capitão, respondeu: "Pirro, mas sem a condição de que envelheça". Referia-se ele apenas aos capitães de seu tempo; mas Aníbal preferiu-o entre todos, colocando-o em primeiro lugar no que se refere à experiência e capacidade militar, Cipião em segundo, e ele próprio em terceiro. Já o dissemos na Vida de Cipião829. Aliás, parece que Pirro jamais fez outra coisa em sua vida, senão estudar a ciência da guerra; era a única que julgava digna de um rei, e considerava todas as outras ciências como objeto de puro divertimento, que não mereciam nenhuma estima. Conta-se, a propósito, que, um dia, num festim, perguntaram-lhe quem, na sua opinião, era melhor tocador de flauta, Pitão ou Cefésias, e ele respondeu: "Poliperchão, no meu modo de entender, é o melhor capitão que conheço". Ele quis dizer assim que a única arte digna de ser conhecida e sabida por um príncipe era a da guerra.

XVII. Doçura e bondade de seu caráter

XVII. Pirro era acessível e dócil com os parentes e amigos, perdoava com facilidade os que o encolerizavam e mostrava-se sempre pronto a retribuir, com generosidade, os serviços que lhe eram prestados. Assim foi que a morte de Eropo o afligiu vivamente, não que deixasse de reconhecer no acontecido um fato natural, inerente à condição humana, mas porque, censurando a si mesmo, lamentava ter perdido, devido a adiamentos e dilações, uma ocasião de recompensar os serviços dele recebidos. Com efeito, é verdade, sem dúvida, que um dinheiro emprestado se pode devolver aos herdeiros dos que o emprestaram; mas, para um homem de bons sentimentos, o não poder testemunhar o seu reconhecimento àquele de quem recebeu benefícios constitui motivo de constante pesar. Certa ocasião, estando ele em Ambrácia, alguns amigos o aconselharam a expulsar da cidade um maldizente, que não o poupava. "É preferível, disse ele, que esse homem fale mal de nós, aqui, entre um número reduzido de pessoas, do que, após ter sido expulso, se ponha a espalhar a sua maledicência por toda parte". De outra feita, levaram à sua presença alguns jovens que, bebendo juntos, haviam proferido a seu respeito palavras das mais ofensivas. Ele perguntou-lhes se, realmente, tais palavras haviam sido pronunciadas. "Sim, príncipe, respondeu um deles, e teríamos dito muito mais, se o vinho não tivesse faltado". Pirro pôs-se a rir e perdoou-os.

XVIII. Suas mulheres e filhos

XVIII. Depois da morte de Antígona, ele desposou várias mulheres, a fim de aumentar, com suas alianças, o seu poderio. Assim é que se casou com a filha de Auteleão, rei da Peônia, Bircena, filha de Bardilis, rei da Ilíria, e Lanassa, filha de Agátocles, tirano de Siracusa, que lhe trouxe como dote a ilha de Corfu830, da qual seu pai havia se apoderado. De sua primeira mulher, Antígona, ele teve um filho, chamado Ptolomeu; de Lanassa, outro, que recebeu o nome de Alexandre; e de Bircena, Heleno, o mais jovem de seus filhos. Por sua própria natureza e inclinação, eram todos bravos; não obstante, Pirro cultivou a tendência guerreira deles, educando-os na carreira das armas e estimulando sua coragem, desde a infância. Conta-se que um deles, quando ainda muito criança, perguntou-lhe a qual dos filhos deixaria seu reino. "Àquele que tiver a espada mais afiada", respondeu. Esta resposta pouco difere da imprecação trágica com que Édipo amaldiçoou seus filhos831:

Que a partilha laçam, com a espada afiada,
De toda a herança que lhes foi deixada.
Assim é insociável, cruel e bestial a natureza da ambição, a ânsia de dominar!

XIX. Ele se apodera de uma parte da Macedônia, que perde logo depois. Faz as pazes com Demétrio

XIX. Depois de sua vitória sobre Pantauco, Pirro regressou ao Épiro, cheio de alegria, de glória c de confiança. E, como os epirotas lhe dessem o cognome de Águia, ele lhes disse; "Se sou águia, isso o devo a vós, pois vossas armas são as asas que te permitiram voar tão alto". Passado algum tempo, tendo sido informado de que Demétrio estava gravemente doente, correndo sua vida perigo, entrou subitamente na Macedônia, com a intenção apenas de realizar uma incursão e pilhar o país. Mas por pouco, sem desferir qualquer golpe, ele não se tornou senhor do território macedônio, pois avançou até à cidade de Edessa sem encontrar resistência; ao contrário, muitos filhos do país se juntavam voluntariamente às suas forças, tornando-as mais fortes. O perigo forçou Demétrio a superar a fraqueza e a ignorar o estado de sua saúde. Por outro lado, seus amigos, servidores e capitães conseguiram, em pouco tempo, organizar um bom número de combatentes, e marcharam ao encontro de Pirro, dispostos a vencer. Este, que não penetrara no território macedônio senão para pilhar, não os esperou, pondo-se em fuga. Na retirada, perdeu uma parte de seus soldados, pois os macedônios os atacaram de perto, em vários pontos do caminho. Todavia, a facilidade e a rapidez com que Demétrio expulsara Pirro de seu país, não constituíram para ele uma razão para desprezar este príncipe; e como ele se propusesse reconquistar o reino de seu pai, com todas as suas terras, com um exército de cem mil homens e uma esquadra dê quinhentas velas, não quis perder tempo com uma guerra centra Pirro, e nem deixar os macedônios às voltas com tão perigoso vizinho. Deste modo, não lhe convindo empenhar-se numa guerra, fez as pazes com ele. a fim de poder mais à vontade marchar contra outros reis.

XX. Novo motivo de guerra

XX. O acordo que concluíra por este único motivo, e os imensos preparativos que fizera, desvendaram os seus verdadeiros desígnios, e os outros reis, amedrontados, enviaram a Pirro cartas e embaixadores, manifestando a sua surpresa pelo fato de deixar ele escapar uma ocasião tão favorável, esperando que Demétrio lhe fizesse guerra quando lhe conviesse, e com maior facilidade; acrescentaram que lhe seria fácil expulsá-lo da Macedônia enquanto estivesse empenhado em tão vastos empreendimentos, e que, no entanto, queria dar-lhe tempo para aumentar suas forças, para se ver depois atacado na própria Molóssia, onde teria de combater para a defesa de seus templos e dos túmulos de seus antepassados; e isto tudo não obstante haver Demétrio se apoderado, pouco antes, de uma de suas mulheres, juntamente com a ilha de Corfu. Pois Lanassa, queixosa pelo fato de Pirro tratar melhor as suas outras mulheres, preferindo-as, embora fossem de origem bárbara, tinha se retirado para aquela ilha. E como quisesse casar-se de novo com um rei, dirigiu-se a Demétrio, que sabia ser, de todos os príncipes da época o mais fácil de convencer a contrair matrimônio. Demétrio, depois de se dirigir a Corfu, colocou uma guarnição na ilha.

XXI. Investe de novo contra Demétrio

XXI. Os outros reis, ao mesmo tempo que escreviam a Pirro, advertindo-o, procuravam inquietar Demétrio, o qual, não tendo ainda completado seus preparativos, adiava continuamente a partida, Ptolomeu, após organizar uma esquadra considerável, seguiu para a Grécia, sublevando várias cidades, que prestavam obediência àquele rei; Lisímaco, por sua ve z, penetrou na Alta Macedônia, pela Trácia, devastando-a e saqueando-a. Diante disso, Pirro armou-se também, e movimentou-se para atacar a cidade de Beréia, pois previu que Demétrio, para ir ao encontro de Lisímaco, deixaria a Baixa Macedônia sem defesa. Na noite que precedeu sua partida, ele julgou ver em sonho o rei Alexandre, o Grande, que o chamava; aproximou-se, então, do lugar onde ele estava, e o encontrou em seu leito, enfermo; foi no entanto, bem acolhido pelo rei, que lhe dirigiu palavras de amizade, fazendo-lhe ao mesmo tempo a promessa de auxiliá-lo. Pirro ousou então dizer-lhe: "Mas como podereis auxiliar-me, príncipe, se estais enfermo, no leito?" Alexandre respondeu-lhe: "Apenas com o meu nome". E, incontinente, montou um cavalo de Niséia, e colocou-se à frente de Pirro, para mostrar-lhe o caminho. Esta visão encorajou-o, animando-o a prosseguir em seu empreendimento.

Marchando rapidamente, em poucos dias percorreu todo o caminho que o separava de Beréia, da qual se apoderou; depois de guarnecer a cidade com a maior parte de seu exército, enviou seus capitães com as forças restantes para submeter as outras cidades da região. Demétrio recebeu estas notícias ao mesmo tempo que outras, segundo as quais se esboçavam movimentos sediciosos entre os macedônios de seu exército; não ousou por isso continuar a conduzi-los, receando que, ao se verem perto de Lisímaco, também macedônio, e que gozava da fama de ser um bom cabo de guerra, aderissem a ele.

XXII. Motim no acampamento de Demétrio. Pirro é proclamado rei da Macedônia

XXII Por este motivo, decidiu mudar de direção e marchar ao encontro de Pirro, que era um príncipe estrangeiro, odiado pelos macedônios. Entretanto, após estabelecer-se perto de Beréia, várias pessoas, procedentes dessa cidade, ingressaram no acampamento, onde fizeram os maiores elogios a Pirro, dizendo que se tratava de um príncipe magnânimo, invencível na guerra, e que acolhia com doçura e humanidade aqueles a quem submetia. Outras pessoas, enviadas ocultamente por Pirro, e apresentando-se como macedônios apesar de não o serem, diziam que havia chegado o momento de sacudir o jugo tirânico de Demétrio, e de apoiar Pirro, príncipe de índole dócil e bondosa, amigo dos soldados. Estas palavras excitaram e impressionaram a maior parte do exército de Demétrio, e os macedônios começaram a procurar Pirro com os olhos a fim de a ele se entregarem. Pirro, por acaso, tinha tirado o seu capacete; mas refletindo que os soldados desse modo poderiam deixar de reconhecê-lo, recolocou-o na cabeça. E foi logo reconhecido, devido ao penacho grande e brilhante e aos chifres de bode que lhe encimavam o morrião. Os macedônios, imediatamente, correram em grande número em sua direção, solicitando-lhe a palavra de ordem, tal como se dirigissem ao seu rei e general. Outros, vendo os soldados de Pirro coroados com ramos e folhas de carvalho, fizeram coroas idênticas, colocando-as em suas cabeças. Alguns ousaram dizer ao próprio Demétrio que ele nada podia fazer de mais acertado senão retirar-se e abandonar tudo a Pirro. Demétrio, vendo que estas palavras eram apoiadas por movimentos de sedição em seu exército, ficou de tal modo amedrontado que não viu outra saía senão fugir às escondidas, envolvendo-se numa capa velha e metendo na cabeça um chapéu macedônico, a fim de não ser reconhecido. Pirro, que logo depois chegou ao acampamento, deste se apoderou sem resistência, sendo proclamado rei da Macedônia.

XXIII. Partilha o trono com Lisímaco

XXIII. Entretanto, chega também Lisímaco, que, alegando ter contribuído para a fuga de Demétrio, reclamou a sua parte no trono da Macedônia. Pirro, como não confiasse ainda plenamente nos macedônios. suspeitando mesmo de sua lealdade, atendeu ao pedido de Lisímaco: e assim as províncias e as cidades do reino da Macedônia foram divididas entre ambos. Esta partilha teve a sua utilidade no momento, pois evitou a guerra que estava para ser iniciada entre eles; mas verificaram logo depois que o acordo concluído, longe de atenuar a sua inimizade, não se tornou senão numa fonte de divergências e de queixas recíprocas. Com efeito, príncipes cuja ambição nem os mares, as montanhas e os desertos poderiam conter, e cuja cupidez nem as fronteiras que separam a Europa da Ásia poderiam limitar, como haveriam de permanecer tranquilos em suas possessões, se seus confins se tocam? E poderiam recear a prática de injustiças para usurparem os territórios alheios? Não, de nenhum modo isso seria possível; pois, na verdade, o desejo de usurpar e a preocupação de se surpreenderem mutuamente, mantinha-os Sempre prontos para o ataque. A guerra e a paz para eles não eram senão palavras de que se utilizavam Como se fosse uma moeda, de acordo com os seus Interesses, tendo em vista, não o dever, a razão e a justiça, mas unicamente a sua conveniência. E eram mais dignos de estima quando confessavam abertamente que estavam guerreando, do que quando disfarçavam, sob os nomes de justiça ou de amizade, a trégua momentânea que faziam com a injustiça.

XXIV. Vai a Atenas

XXIV. Disto deu Pirro então uma prova impressionante: para impedir que Demétrio se reerguesse para conter o seu poderio que se restabelecia como um organismo após longa e perigosa enfermidade, correu em socorro dos gregos, e dirigiu-se a Atenas. Subiu à cidadela e, depois de fazer um sacrifício à deusa Minerva, desceu no mesmo dia à cidade, onde disse aos atenienses quão satisfeito estava ante a amizade e a confiança que nele depositavam. Disse-lhes ainda que, se quisessem agir sabiamente, não abririam mais a nenhum príncipe ou rei as portas de sua cidade. Concluiu em seguida um novo tratado de paz com Demétrio, o qual poucos dias depois, seguiu para a Ásia a fim de se empenhar numa guerra. Pirro, então, instigado por Lisímaco, suscitou uma rebelião na Tessália contra Demétrio, e atacou as guarnições que este tinha deixado nas cidades gregas; pois Pirro sentia-se mais senhor dos macedônios quando os mantinha em guerra do que em repouso; aliás, ele próprio não’ havia nascido para o repouso.

XXV. Abandona completamente a Macedônia

XXV. Finalmente, tendo sido Demétrio completamente derrotado na Síria, Lisímaco, que nada mais tinha a recear dele, e se achava desocupado, não tendo nenhuma questão a resolver, marchou incontinente contra Pirro, então em Edessa, onde passava uma temporada. Em seu caminho, encontrou um comboio com víveres destinados a esse príncipe, e atacou e destroçou os que o conduziam. Com esta ação reduziu Pirro a uma grande escassez de mantimentos. Em seguida, por meio de cartas e mensagens, corrompeu as principais personalidades da Macedônia, às quais disse que era grande vergonha para elas o terem escolhido para seu príncipe e senhor, um estrangeiro cujos antepassados tinham sido súditos e vassalos dos macedônios, censurando-os ainda por terem querido expulsar do país os familiares e os amigos de Alexandre, o Grande. Pirro, vendo que grande número de macedônios se deixava convencer, ficou de tal maneira impressionado que se retirou com suas forças, constituídas de epirotas e combatentes aliados, perdendo a Macedônia, do mesmo modo como a havia conquistado. Vê-se assim que os príncipes e reis não podem censurar os particulares quando estes mudam de partido para atender aos seus interesses; pois, assim agindo, não fazem estes senão imitá-los e seguir a lição de infidelidade e traição que deles recebem quando os veem persuadidos de que o êxito pertence àquele que menos observa os ditames do direito e da justiça.

XXVI. Retira-se para o Epiro

XXVI. Pirro retirou-se, assim, para o reino do Épiro, não se preocupando mais com a Macedônia; e a fortuna oferecia-lhe então todos os meios para viver em paz e sem aborrecimentos, desde que se contentasse em reinar sobre os seus súditos e vassalos. Mas este príncipe achava que se não tivesse alguém para fazer-lhe mal, ou alguém que lhe fizesse mal, não teria com que passar o tempo, tornando-se a vida insuportavelmente enfadonha. Ele não podia permanecer inativo, sentindo-se como Aquiles que, segundo Homero,

Cansado já de tanto vagar,
Não pensava senão em pelejar832.

E, como tinha necessidade de agir, aproveitou-se da primeira ocasião que lhe ofereceu a fortuna.

XXVII. Pensa em auxiliar os tarentinos contra os romanos

XXVII, Os romanos estavam então, em guerra com os tarentines, os quais, incapazes de sustentar a luta, e não podendo pôr-lhe termo, dominados que estavam pela insânia e maldade de seus governantes, decidiram chamar Pirro, para colocá-lo à sua frente, pois que nessa época era o menos ocupado dos reis, sendo, além disso, considerado um grande guerreiro. No entanto, entre os mais idosos e sensatos cidadãos, houve alguns que se opuseram abertamente a essa resolução. Mas as suas ponderações foram abafadas pelos gritos e pelo furor da populaça, que desejava a guerra; os demais cidadãos, afugentados pela desordem, desertaram as assembleias. Mas ao chegar o dia em que esta questão deveria ser resolvida pelo Conselho da cidade, e o decreto aprovado e ratificado, um particular, chamado Metão, homem de bem e muito honrado, colocou sobre a cabeça uma coroa de flores já murchas, empunhou um archote, como fazem os que saem embriagados de um jantar, e, precedido de um menestrel, dirigiu-se, em tal estado e dançando, até a assembleia. Não reinava ordem no meio da multidão, como acontece em geral nas reuniões populares, quando a turba se torna dona de si mesma; e uns começaram a bater as mãos, ruidosamente, e outros a soltar gargalhadas. E ninguém impediu que ele se aproximasse e fizesse o que entendesse; ao contrário, pediam todos ao menestrel, que tocasse e a ele que cantasse. Como se demonstrasse disposto a fazê-lo, seguiu-se um grande silêncio. Em voz alta e clara, Metão disse: "Fazei bem, tarentinos, em não impedir, àqueles que o desejem, tocarem seus instrumentos e dançarem, na cidade, enquanto isso ainda pode ser feito. E, quanto a vós próprios, se fordes sábios, devereis aproveitar, o mais que puderdes, a vossa liberdade, enquanto ela subsistir; pois, quando o rei Pirro chegar a esta cidade, ele vos fará levar um gênero de vida bem diferente".

XXVIII. Descrição do que então se passou em Tarento

XXVIII. Estas palavras de Metão impressionaram a maior parte dos tarentinos, e um rumor de aprovação percorreu toda a assembleia, asseverando-se de um modo geral, que ele dizia a verdade. Mas aqueles que receavam ser entregues aos romatios, por os terem ofendido, caso se fizesse a paz, insurgiram-se contra o povo, censurando-o por tolerar que o ludibriassem e dele zombassem com tamanha audácia. Diante destas palavras voltaram-se os presentes contra Metão, que foi expulso do teatro. O decreto foi assim aprovado, através dos votos dos membros da assembleia popular, e foram enviados embaixadores ao Épiro, os quais levaram presentes a Pirro, oferecidos não somente pelos tarentinos, mas também pelos outros povos gregos estabelecidos na Itália, os quais lhe mandaram dizer que necessitavam de um general hábil e experimentado, frisando que dispunham de um grande número de bons combatentes no país e que os lucanos, os messápios, os sanitas e os tarentinos poderiam pôr em pé de guerra vinte mil cavaleiros e trezentos mil833 soldados de infantaria.

XXIX. Retrato em Tarento e retrato de Cíneas

XXIX. Estas palavras dos embaixadores entusiasmaram não somente Pirro como todos os epirotas, inspirando-lhes um grande e vivo desejo de levar a efeito essa expedição. Havia, porém, na corte de Pirro, um tessálio, chamado Cíneas, homem de grande prudência. Fora discípulo de Demóstenes; e, de todos os oradores de seu tempo, ninguém conseguia melhor do que ele, reproduzir, para seus auditores, a veemência e o vigor da oratória do mais eloquente dos atenienses. Pirro, que o mantinha constantemente ao seu lado, costumava enviá-lo como embaixador às cidades cujo apoio desejava obter. E Cíneas, com seu talento, confirmava o que dissera Eurípides834:

Tudo aquilo que. a força consegue fazer
Pela eloquência também se pode obter.

Puro, por esse motivo, costumava dizer que Cíneas tinha conquistado mais cidades com sua eloquência do que ele com suas armas. Dedicava-lhe, por isso, grande estima, e o utilizava nas questões mais importantes que tinha de resolver.

XXX. Conversação de Pirro com Cíneas sobre esta guerra

XXX. Cíneas, vendo que Pirro se mostrava muito inclinado a guerrear na Itália, disse-lhe um dia, ao apresentar-se a oportunidade: "Senhor, os romanos passam por ser um povo muito belicoso e já colocaram sob seu domínio várias e aguerridas nações: e, se os deuses nos favorecerem, para que nos servirá esta vitória?" Pirro respondeu-lhe: "Perguntas-me uma coisa, Cíneas, que me parece evidente: pois, vencidos os romanos, não haverá mais nenhuma cidade grega ou bárbara capaz de resistir às nossas forças; e poderemos então conquistar, sem maiores dificuldades, todo o resto da Itália, cuja grandeza, riqueza e poderio ninguém melhor do que tu próprio conheces". Cíneas, após breve pausa, replicou: "Mas, senhor, que faremos depois de conquistada a Itália?" Pirro, que ainda não percebera aonde ele pretendia chegar, disse: "A Sicília, como sabes, está situada bem perto, e, por assim dizer, estende-nos seus braços; é uma ilha rica e populosa, e fácil de ser conquistada, pois,’ após a morte de Agátocles, todas as cidades, dominadas por oradores inquietos, são presas da desordem e da anarquia". "Tudo o que dizes parece verossímil, respondeu Cíneas; mas a ocupação da Sicília assinalará o fim da nossa guerra?" "Que Deus nos seja propício, que nos conceda a vitória e nos permita levar a bom termo tal empresa. E este êxito não será senão um encorajamento para feitos ainda maiores. Nada nos impedirá de passar em seguida para a África e Cartago, que ficariam, por assim dizer, ao alcance de nossas mãos. O próprio Agátocles, que deixou secretamente Siracusa, e atravessou o mar com poucos navios, por pouco delas não se apoderou. E, depois de conquistarmos todas estas terras, nenhum sequer de todos os inimigos que agora nos insultam e perseguem, ousará levantar a cabeça contra nós". "Não, certamente, respondeu Cíneas; cem um tão grande poderio, ser-vos-á fácil recuperar a Macedônia e reinar sem qualquer oposição sobre toda a Grécia. Mas depois de todas estas conquistas, que faremos?" Pirro pôs-se a rir, e disse: "Repousar-nos-emos, então; não faremos outra coisa senão organizar festas e banquetes, todos os dias, e entregarmo-nos às delícias da conversação, tratando dos assuntos mais alegres e agradáveis". Cíneas, interrompendo-o, pois que o levara até o ponto que desejara, disse-lhe: "E o que nos impede, senhor, de repousar e nos banquetear, todos juntes, desde agora, pois que temos, presentemente, sem que tenhamos de nos cansar, tudo aquilo que pretendemos pro curar, à custa de tanto derramamento de sangue humano e de tantos perigos? E ainda que não sabemos se atingiremos nossos objetivos, não obstante tudo o que teríamos de sofrer e fazer outras pessoas sofrerem".

XXXI. Pirro parte, não obstante suas advertências. Enfrenta uma tempestade que destrói sua esquadra

XXXI. Estas palavras de Cíneas afligiram Pirro, sem, todavia, convencê-lo ou fazê-lo mudar de propósito. Ele sabia bem que ia abandonar uma felicidade certa, mas não tinha a coragem de sacrificar seus desejos e suas esperanças. Cíneas foi enviado a Tarento com três mil soldados de infantaria. Em seguida, tendo os tarentinos lhe fornecido numerosos navios, chatos ou com cobertas, e de vários outros tipos, embarcou neles vinte elefantes, três mil cavaleiros e vinte e dois mil infantes, juntamente cem quinhentos arqueiros e besteiros835. Após terem sido feitos todos os preparativos, Pirro partiu. Mas apenas havia alcançado o mar alto, um extemporâneo vento do norte começou a soprar com violência, arrastando seu navio. Todavia, os esforços dos pilotos e marinheiros dominaram a impetuosidade do vendaval; e, depois de passar por grandes sofrimentos e perigos, atingiu as costas da Itália. O resto da esquadra foi impelido pelas vagas, dispersando-se os barcos: uns foram atirados aos mares da Líbia e da Sicília, após terem sido desviados da rota da Itália; outros, não tendo conseguido dobrar o promontório Iápige, foram surpreendidos pela noite, e o mar, em fúria, lançou-os violentamente contra as costas, em pontos eriçados de rochedos. Com exceção do naviocapitânea, todos foram destruídos ou danificados. Enquanto o navio-capitânea teve de suportar apenas o embate das vagas que vinham do alto mar, resistiu bem, pois era grande e poderoso; mas logo depois começou a soprar um vento vindo do continente, e a galera, já batida, na proa, pelas ondas, correu o risco de partir-se. Expo-la de novo a um mar agitado, a um vento que variava incessantemente de direção, era, de todos os males que se poderiam temer, o pior. Pirro, diante disso tudo, não hesitou em atirar-se ao mar.

XXXII. Aporta na Calábria

XXXII. Incontinente, seus guardas, servidores e amigos lançaram-se também ao mar, fazendo todos os esforços para socorrê-lo; mas a escuridão da noite e a violência das vagas que iam quebrar-se na costa com grande ruído, tornavam todo auxílio difícil. Finalmente, ao amanhecer, o vento amainou, e o rei foi ter à terra. Seu corpo, de tão cansado, parecia exaurido, mas seu espírito se mostrava sempre forte, sempre superior a todos os obstáculos. Os messápios, em cujo território fora ele atirado pela tormenta, acorreram em seu socorro, e fizeram diligentemente tudo o que estava ao seu alcance para salvá-lo; recolheram igualmente alguns dos navios que haviam escapado à tempestade, nos quais não havia senão poucos cavaleiros e cerca de dois mil soldados de infantaria, além de dois elefantes. Como estas forças, Pirro pôs-se a caminho, dirigindo-se por terra a Tarento; e Cíneas, tendo sido avisado de sua chegada, foi ao seu encontro, com as tropas que comandava.

XXXIII. Estabelece em Tarento uma disciplina severa

XXXIII. Após a sua chegada a Tarento, Pirro nada quis fazer, de início, de modo autoritário nem contra a vontade dos moradores, ficando à espera de que seus navios porventura salvos da fúria do mar aportassem; e esperou também que se reunisse junto dele a maior parte de seu exército. Depois disso, verificou que os tarentinos não poderiam salvar-se a si mesmos e nem serem salvos por outrem sem a mais severa coerção, pois supunham que, enquanto ele, Pirro, estivesse combatendo em sua defesa, poderiam continuar a banhar-se e a banquetear-se tranquilamente, em suas casas. Ordenou, por isso, em primeiro lugar, o fechamento de todos os ginásios, de todos os lugares públicos onde tinham o hábito de discutir, enquanto passeavam, os problemas da guerra, limitando-se assim a agir por meio de palavras, sem porem mão à obra; proibiu os festins, os bailes e todos os outros divertimentos deste gênero, que considerava extemporâneos. Fez com que todos se exercitassem no manejo das armas e mostrou-se de uma severidade inexorável quanto ao alistamento; de sorte que, muitos dentre eles, pouco acostumados à obediência, e considerando como uma servidão a privação da vida voluptuosa que até então levavam, abandonaram a cidade.

XXXIV. Acampa perto dos romanos, e observa a formação de suas tropas, que provoca a sua admiração

XXXIV. Entrementes, tendo sido Pirro informado de que o cônsul Levino836 marchava contra ele com forças muito numerosas, e que já atingira a Lucânia, onde se entregava a pilhagens, julgou que, sem desdobro, não podia deixar que o inimigo se aproximasse ainda mais; e, embora seus aliados ainda não -tivessem chegado com os reforços, pôs-se em marcha cem as tropas de que dispunha. Mandara na frente um arauto encarregado de propor aos romanos que se tentasse, antes de se dar início à guerra, resolver pelas vias da justiça, as pendências que tinham com todos os gregos residentes na Itália, escolhendo-o como árbitro. O cônsul Levino respondeu-lhe que os romanos não o queriam como árbitro, e que não o temiam como inimigo. Pirro decidiu, por este motivo, continuar a sua marcha e foi acampar na planície existente entre as cidades de Pandósia e Heracléia. Cientificado de que os romanos estavam acampados bem perto, do outro lado do Siris837, montou a cavalo e foi até às margens do rio, para ver o acampamento. Após examinar a disposição das tropas, os seus postos avançados e as posições ocupadas pelos romanos, dirigindo-se a um amigo, que estava ao seu lado, externou-lhe a sua admiração pelo que acabava de ver: "Mégacles, esta formação de bárbaros, nada tem de bárbara. Vamos ver, na prática, o que sabem fazer". Depois desta verificação, mostrou-se mais preocupado com o futuro, e decidiu aguardar a chegada de seus aliados. Deixou, no entanto, um contingente de tropas às margens do Siris, a fim de impedir que os romanos o atravessassem, no caso de uma tentativa nesse sentido. E foi o que eles fizeram: a fim de impedir a chegada dos reforços que Pirro esperava, apressaram-se a cruzar o rio. A infantaria atravessou-o a vau e a cavalaria em vários pontos onde a passagem era mais fácil. Os gregos, receando um envolvimento pela retaguarda, retiraram-se

XXXV. Empenha-se na batalha. Sua conduta reúne, a prudência de um general e toda a coragem de um infante

XXXV. Pirro, informado do que ocorria, mostrou-se surpreendido, e ordenou aos seus capitães que colocassem imediatamente a infantaria em ordem de batalha, e que aguardasse, prontos para o combate, as suas determinações. Ele, por sua vez, com a cavalaria, formada por cerca de três mil homens, pôs-se em marcha, supondo que ainda iria surpreender os romanos às margens do rio, disperses e em desordem; mas quando viu, aquém da torrente, rebrilhar grande quantidade de escudos e a cavalaria avançando em sua direção, ordenou que se cerrassem fileiras, e deu início ao ataque. Pirro destacou-se logo pela beleza e magnificência de sua armadura, ricamente estofada. Demonstrou, ao mesmo tempo, pelos seus feitos de armas, que o seu valor não era de nenhum modo inferior à sua fama. Entregava-se inteiramente ao combate, e, embora expusesse o próprio corpo e s e empenhasse em derrubar todos os que se colocavam à sua frente, não deixava de mostrar-se prudente e nem perdia o seu sangue frio, como convinha a um comandante de exército. E, como se não estivesse empenhado na ação, dava ordens e previa tudo, animando os combatentes com sua presença, correndo de um lado para outro, acudindo sempre aos lugares onde era maior a pressão do inimigo. No auge do combate, Leonato, o Macedônio, percebeu que um cavaleiro italiano estava empenhado em atingir Pirro, esporeando sempre seu cavalo para alcançá-lo, e mudando de direção sempre que ele mudava de lugar, seguindo todos os seus movimentos. "Senhor, disse então Leonato ao rei, estais vendo aquele bárbaro montado num cavalo preto de pés brancos? Ele está planejando alguma grande proeza: seus olhos estão sempre fixados nos vossos e não tem outro objetivo senão a vossa pessoa; cheio de ardor e coragem, ele ignora todos os demais; portanto, tomai cuidado". "Leonato, respondeu o rei, é impossível ao homem fugir ao seu destino; mas nem ele, nem qualquer outro italiano, não sentirá muito prazer em medir-se comigo".

XXXVI. Alternativas do combate

XXXVI. Pirro não havia ainda terminado de pronunciar estas palavras, quando o italiano, segurando sua lança pelo meio e esporeando o animal que montava, avançou sobre ele, desferindo-lhe no cavalo um golpe com sua arma. No mesmo instante. Leonato mergulhou sua lança no cavalo do italiano. Os dois animais tombaram por terra, e os amigos de Pirro aproximaram-se e o puseram a salvo imediatamente. O cavaleiro italiano foi morto, embora se defendesse com grande coragem. Era ele natural de Ferente, comandava uma companhia e chamava-se Oplaco. O perigo a que se expôs Pirro ensinou-o a melhor se precaver, no futuro. Vendo que sua cavalaria recuava, ele fez avançar a infantaria, lançando-a à batalha. Em seguida, após entregar sua capa e as armas a um de seus amigos, Mégacles, cuja armadura vestiu, para se disfarçar, voltou a enfrentar os romanos, que o receberam valentemente. O combate esteve durante muito tempo indeciso: os dois exércitos recuaram sete vezes, e sete vezes voltaram ao ataque, segundo se conta. A troca de armadura e de armas feita pelo rei foi das mais oportunas, no que se refere à sua segurança, pois que assim salvou a vida; porém, por pouco não pôs tudo a perder e não o privou da vitória. Um grupo de inimigos lançou-se sobre Mégacles, que trazia a armadura do rei; e o primeiro que o atingiu com sua arma, prostrando-o morto, um romano chamado Dexous, retirou-lhe rapidamente o capacete e a capa, e correu para junto de Lavino, gritando que havia morto Pirro, e mostrando-lhe, ao mesmo tempo, os despojos. Estes, que passaram de mão em mão, provocaram, entre os romanos indescritível alegria., fazendo-os soltar brados de vitória, enquanto que os gregos, ao contrário, caíram em grande abatimento e tristeza. Pirro, tendo sido advertido do que se passava, percorreu todas as fileiras com a cabeça descoberta, estendendo as mãos aos soldados e falando-lhes, a fim de que todos, ao ouvirem a sua voz, verificassem que era realmente ele.

XXXVII. Pirro, finalmente, põe os romanos em fuga, e apodera-se de seu acampamento

XXXVII. Foram os elefantes, finalmente, que decidiram do desfecho da batalha, rompendo as unidades dos romanos. Os cavalos destes com efeito, não pediam suportar o cheiro daqueles animais, e afastaram-se, assustados, para a retaguarda, com os cavaleiros, antes mesmo de sua aproximação. Pirro, aproveitando-se da desordem reinante no campo adversário, ordenou aos cavaleiros da Tessália que avançassem. Estes atacaram vigorosamente, pondo os romanos em fuga. A carnificina foi grande, pois Dicnísio conta que morreram pelo menos quinze mil romanos nesta batalha; Jerônimo, no entanto, fala em somente sete mil. Segundo Dionísio, Pirro perdeu treze mil homens, e um pouco menos de quatro mil, segundo Jerônimo; mas eram estes os melhores elementos de seu exército, seus amigos e capitães mais bravos, aqueles que gozavam de toda a sua confiança e eram por ele utilizados nos momentos difíceis. Pirro apoderou-se, todavia, do acampamento dos romanos, que o haviam abandonado. e fez com que várias cidades deixassem de apoiá-los. Percorreu em seguida todo o país, pilhando-o chegando até um ponto situado a trezentos estádios de Roma. Os lucanos e os sanitas, que chegaram em grande número após o combate, foram por ele censurados, pela sua lentidão: mas via-se pela sua fisionomia, que estava satisfeito, que considerava um motivo de glória, o ter somente com suas tropas e os tarentinos, derrotado um exército romano tão forte e numeroso.

XXXVIII. Envia Cíneas a Roma a fim de negociar a paz

XXXVIII. Por outro lado, os romanos não quiseram destituir Lavino de seu cargo, não obstante as perdas sofridas e o fato de Caio Fabrício ter declarado publicamente que os romanos não haviam sido derrotados pelos epirotas, mas sim Lavino por Pirro, querendo dizer com estas palavras que esta vitória havia sido alcançada mais em virtude da habilidade do chefe inimigo do que do valor e da coragem de suas tropas. Os romanos procederam a novos recrutamentos para completar as legiões desfalcadas e criaram outras, referindo-se com orgulho e confiança a essa guerra, não se mostrando de nenhum modo abatidos. Diante disso, Pirro, surpreendido, resolveu enviar uma embaixada, para sondá-los c ver se estavam dispostos a receber propostas de paz. Ele sabia que ocupar Roma e subjugá-la não era empresa fácil, e que não podia ser levada a efeito com as forças de que então dispunha. Por outro lado, a conclusão de um tratado de paz e de aliança, após a vitória por ele alcançada, aumentaria sua fama e sua glória. Cíneas foi assim enviado a Roma, onde visitou as principais personagens da cidade e ofereceu-lhes, bem como às suas esposas, presentes, em nome do rei. Mas recusaram-se a aceitá-los, dizendo todos, inclusive as mulheres, que, caso a. paz fosse feita publicamente, não deixariam então de manifestar o seu reconhecimento ao embaixador de Pirro, cuja amizade aceitariam. Cíneas, tendo sido recebido em audiência pública pelo Senado, pronunciou um discurso, no decorrer do qual apresentou argumentos honestos e fez sedutoras propostas de paz; mas os senadores não se mostraram dispostos a aceitá-las, não obstante Pirro ter mandado dizer que entregaria, sem o pagamento de qualquer indenização, todos os soldados aprisionados na batalha, e ter prometido auxiliar os romanos a conquistar a Itália, pelo que não desejava outra recompensa senão a amizade deles e a garantia, para os tarentinos, de que nada lhes seria exigido em virtude do passado. Entretanto, vários senadores mostraram-se impressionados e inclinados a aceitar a paz, alegando que já haviam perdido uma grande batalha e que teriam de empenhar-se em outra maior, quando as forças dos povos confederados da Itália se juntassem às de Pirro.

XXXIX. Após Cláudio, o Cego, faz-se conduzir ao Senado, para a isso se opor

XXXIX. Mas Ápio Cláudio, uma das mais ilustres personagens de Roma, que, em parte devido à velhice, em parte por ter perdido a vista, não mais frequentava o Senado, e nem cuidava das questões públicas, quando ouviu falar das propostas feitas pelo rei Pirro, e soube dos rumores que corriam pela cidade, segundo os quais os senadores estavam dispostos a aceitá-las, ele não se pôde conter; chamou seus servidores e fez-se conduzir, numa liteira, até o Senado, passando pela grande praça da cidade. Quando chegou à porta do edifício, seus filhos e genros, saindo ao seu encontro, tomaram-no pelo braço, e levaram-no para a sala das reuniões. O Senado, em sinal de respeito e em honra de uma tão notável personagem, manteve-se em profundo silêncio. Ápio Cláudio, logo após chegar ao seu lugar, começou a falar: "Romanos, até o presente momento vinha suportando com dificuldade a perda de minha vista; agora, porém, lamento não ter perdido também a audição, a fim de não tomar conhecimento das vossas indignas e desonestas resoluções, tomadas em vossos conselhos, bem como destes decretos vergonhosos que macularão toda a glória e a reputação de Roma.

Onde estão aquelas palavras altivas que proferíeis antigamente, e que repercutiam em todo o mundo? Dizíeis então que, se Alexandre, o Grande, tivesse vindo à Itália quando nossos pais estavam na força da idade e nós no vigor de nossa juventude, não seria ele hoje decantado como invencível, mas teria aqui permanecido, morto em combate, ou teria sido forçado a fugir, e, com sua morte ou sua fuga, teria aumentado o renome e a glória de Roma. Tornais agora evidente que não se tratava senão de palavras vãs e de arrogante presunção, pois que receais os molossos e os caônios, que sempre foram a presa dos macedônios, e temeis um Pino, um cortesão, um bajulador assíduo de um dos satélites deste mesmo Alexandre. Ele veio agora guerrear destes lados, menos para socorrer os gregos residentes na Itália, do que para fugir dos inimigos que tem em seu reino; ele vos propõe conquistar a Itália com um exército que lhe não bastou para conservar uma pequena parte da Macedônia. Assim, não podeis acreditar que, concluindo a paz, ficareis livres dele; ao contrário, atraireis, contra vós, os seus aliados, que vos desprezarão e vos considerarão uma presa fácil ao verem Pirro se retirar da Itália sem ter sido punido de sua audácia, e levando consigo, como recompensa, esta superioridade: a de fornecer aos tarentinos e aos sanitas um motivo, para zombar, de agora em diante, dos romanos".

XL. Resposta do Senado às propostas de Pirro

XL. Após estas palavras de Ápio não houve mais ninguém no Senado que não preferisse a guerra à paz, e Cíneas partiu de Roma com esta resposta: "Caso Pirro deseje a amizade e a aliança dos romanos, deverá, antes de tudo, deixar a Itália; em seguida, poderá propor de novo a paz. Mas enquanto permanecer com suas forças em nosso território, os romanos o combaterão com todo o seu poderio, mesmo que ele conseguisse derrotar dez mil generais como Lavino". Conta-se que, enquanto Cíneas permaneceu em Roma, a fim de negociar a paz, estudou com grande diligência os costumes e a maneira de viver dos romanos, bem como a forma de seu governo, conversando frequentemente com as principais personalidades da cidade; e, depois, fazendo um relato a Pirro acerca de tudo o que havia visto e aprendido, disse-lhe que o Senado romano lhe parecera um consistório de reis. Acrescentou que, diante do número de habitantes, receava terem de combater contra um inimigo semelhante à hidra que vivia outrora nos lages de Lerna, à qual, quando se lhe cortava uma cabeça, nasciam-lhe sete: assim é que o cônsul Lavino já havia conseguido organizar um novo exército, duas vezes maior do que o primeiro, havendo ainda em Roma pessoas capazes de fazer uso das armas em número tal que vários outros exércitos poderiam ser formados.

XLI. Fabrício é enviado, com vários outros embaixadores, ao encontro de Pirro. Tentativas inúteis de Pirro para que ele aceitasse presentes, e para inspirar-lhe medo

XLI. Foram depois enviados ao encontro de Pirro embaixadores romanos, entre os quais Caio Fabrício, com o objetivo de tratar do resgate a ser pago para a libertação dos prisioneiros. Cíneas disse ao rei que Fabrício era um dos homens mais estimados em Roma pelas suas virtudes e pelo seu talento militar, não obstante a sua extrema pobreza. Pirro tratou-o com uma distinção particular, e. chamando-o à parte, ofereceu-lhe, entre outras coisas, ouro e prata, pedindo-lhe que as aceitasse, não em troca de qualquer serviço desonesto, mas como um testemunho de amizade e da boa hospitalidade que lhe queria proporcionar. Fabrício, no entanto, recusou-se terminantemente a aceitar tais presentes, e Pirro não insistiu no momento. Mas, no dia seguinte, a fim de surpreendê-lo e assustá-lo, pois sabia que ele jamais havia visto um elefante, ordenou aos seus servidores que trouxessem o maior desses animais ao lugar onde ambos estivessem conversando, em determinado momento, recomendando que o ocultassem atrás de uma tapeçaria. A ordem foi executada, e, a um animal combinado, a tapeçaria foi retirada; e o animal, erguendo sua tromba sobre a cabeça de Fabrício, soltou um grito medonho. O embaixador romano, sem dar qualquer sinal de emoção, voltou-se para Pirro, e disse-lhe, sorrindo: "Do mesmo modo como, ontem, o vosso ouro, o vosso elefante, hoje, não me impressionou".

XLII. Julgamento de Fabrício sobre Epicuro e sua doutrina

XLII. À noite, durante a ceia, vários assuntos foram tratados, falando-se em particular da Grécia e seus filósofos. Cíneas referiu-se a Epicuro, e expôs as ideias dos que seguiam este filósofo com relação aos deuses e ao governo. Disse que os epicuristas colocavam o bem supremo do homem na volúpia; frisou que eles fugiam a quaisquer encargos e à administração pública, pois que a consideravam como a inimiga da verdadeira felicidade; e afirmou que consideravam os deuses impassíveis, não se deixando mover nem pela piedade nem pelo ódio; e, não se incomodando com a sorte dos homens, levavam uma vida ociosa, entregando-se a todas as espécies de prazeres. Ele ainda falava quando Fabrício, interrompendo-o, disse: "Permitam os deuses838 que Pirro e os sanitas tenham tais ideias na cabeça enquanto estiverem em guerra contra nós.

XLIII. Generosa resposta de Fabrício a Pirro. O rei confia-lhe os prisioneiros de guerra, sob palavra

XLIII. Pirro, tomado de admiração pelo caráter e pela grandeza de alma deste romano, desejou mais do que nunca concluir um tratado de paz com Roma. Dirigiu-lhe, então, a palavra em particular, e insistiu com ele no sentido de negociar, primeiramente, um arranjo com os romanos, a fim de que, depois, pudesse vir viver em s ua corte, onde seria o primeiro de seus amigos e capitães. A essa proposta Fabrício deu a seguinte resposta em voz baixa: "Senhor, o que acabais de propor-me não resultaria em vantagem para vós, pois aqueles que hoje vos homenageiam e admiram, logo que me ficassem conhecendo na ação, desejariam ter-me como seu rei, de preferência a vós". Assim era Fabrício, e Pirro não se mostrou ofendido com essa resposta: e, longe de recebê-la com a irritação de um tirano, elogiou diante de seus amigos e familiares a grande coragem e o espírito magnânimo de Fabrício; e somente a este quis confiar os prisioneiros, a fim de que, caso o Senado recusasse a paz, eles lhe fossem devolvidos, depois de terem visitado e abraçado seus parentes e amigos e participado da festa de Saturno839. O Senado, com efeito, mandou-os de volta, após a festa, e propôs a pena de morte para todos os que deixassem de regressar ao acampamento de Pirro.

XLIV. Os cônsules romanos advertem Pirro da perfídia de seu médico

XLIV. No ano seguinte Fabrício foi eleito cônsul840; e um dia em que estava em seu acampamento, um homem foi entregar-lhe uma carta escrita pelo médico de Pirro, o qual lhe propunha envenenar este rei, desde que os romanos lhe garantissem uma recompensa à altura de tal serviço, pois a guerra terminaria assim sem perigo para eles. Fabrício, indignado com a maldade do médico, e fazendo com que seu companheiro de consulado partilhasse de seu sentimento, escreveu imediatamente a Pirro, para dizer-lhe que se acautelasse, pois estavam tramando a sua morte. Este era o teor da carta:- "Caio Fabrício e Quinto Emílio, cônsules dos romanos, saúdam o rei Pirro. Ao que parece. não acertais nem na escolha de vossos amigos, e nem na dos vossos inimigos: a leitura da carta que junto a esta vos enviamos, escrita por um dos vossos, convencer-vos-á de que fazeis a guerra a homens justos e bons e de que confiais em homens maus e em traidores. Não é para obter o vosso reconhecimento que vos denunciamos esta perfídia; mas para que vossa morte não dê lugar a calúnias contra nós e para que não se diga que, perdendo a esperança de vos vencer com o nosso valor, recorremos à traição para pôr termo a esta guerra".

XLV. Pirro envia aos romanos todos os prisioneiros de guerra, sem resgate. Empenha-se numa segunda batalha

XLV. Pirro, depois de ler a carta e de certificar-se da verdade do que nela se dizia, mandou castigar o médico; e, para testemunhar o seu reconhecimento a Fabrício e aos romanos, enviou-lhes todos os prisioneiros, sem resgate, e mandou de novo Cíneas a Roma como embaixador, para ver se era possível concluir a paz. No entanto, os romanos não quiseram qualquer recompensa da parte de um inimigo, pelo fato de não terem consentido numa injustiça, recusando-se por isso a receber gratuitamente os prisioneiros, e enviaram, assim, a Pirro, um número igual de tarentinos e de sanitas. Quanto à paz, eles não consentiram nem mesmo que Cíneas tratasse do assunto, e nem o consentiriam enquanto Pirro e suas tropas permanecessem na Itália e não tivessem tomado o caminho do Épiro, nos mesmos navios que os haviam transportado. Entrementes, como a situação de seus negócios exigisse uma segunda batalha, ele se pôs a caminho com. todo o seu exército e atacou os romanos perto da cidade de Asculo841. Comprimido num lugar onde a sua cavalaria não podia agir, e contido por um rio cujas margens pantanosas não permitiam a passagem dos elefantes, a fim de que pudessem juntar-se à infantaria, o seu exército teve grande número de mortos e feridos. A noite veio separar os contendores, após um combate que durara todo o dia. Na manhã seguinte, para obter a vantagem de combater num terreno mais plano, no qual os elefantes pudessem atacar o inimigo, Pirro mandou alguns contingentes ocuparem, logo às primeiras horas do dia, os lugares difíceis onde tinha combatido na véspera.

XLVI. Sai vitorioso

XLVI. Atraindo deste modo o inimigo para um terreno plano, colocou entre os elefantes um grande número de arqueiros e lanceiros, e, com as fileiras bem cerradas, marchou impetuosamente contra os romanos. Estes, que não tinham, como no dia anterior, meios de envolver e tolher os movimentos do adversário, foram forçados a combater num terreno plano e igual. Como quisessem romper a infantaria de Pirro antes da chegada dos elefantes, desenvolveram prodigiosos esforços para inutilizar com suas espadas as compridas lanças dos inimigos; e, sem se pouparem e sem se incomodarem com os ferimentos que recebiam, não cuidavam senão de derrubar os combatentes que tinham pela frente. Finalmente, após um longo combate, os romanos, já derrotados, começaram a recuar, do lado onde se encontrava Pirro, pois não puderam resistir ao ímpeto de sua falange e à força e à impetuosidade dos elefantes, que completaram a sua derrota; o valor e os esforços dos romanos tornaram-se inúteis diante destes animais, cuja massa os arrastava, do mesmo modo como a violência de uma onda ou de um tremor de terra, ante a qual acharam melhor ceder, pois de nada adiantaria esperar, sem poderem combater nem socorrer uns aos outros, uma morte inútil e cruel, que os transformaria nos maiores mártires do mundo.

XLVII. Diferença na maneira como Hierônimo narra este combate

XLVII. A perseguição não foi, entretanto, longa, pois que eles tiveram apenas de reganhar o seu acampamento. O historiador Jerônimo diz que os romanos perderam seis mil homens, e que, do lado de Pirro, segundo os próprios registros deste rei, as perdas elevaram-se a três mil, quinhentos e cinco. Todavia, Dionísio pretende que não houve duas batalhas perto de Asculo, e diz que não se pode ter como certa a derrota dos romanos. Segundo ele, foi travada apenas uma batalha, que durou até o pôr-do-sol; e os combatentes se separaram, contra a sua vontade, depois de Pirro ter sido ferido no braço por um golpe de chuço e sua bagagem ter sido pilhada pelos sanitas. Diz ainda o historiador que mais de quinze mil homens morreram nesta batalha, tanto do lado dos romanos como do de Pirro, retirando-se ambos, para os seus acampamentos, com perdas iguais.

XLVIII. Frase de Pirro por ocasião de suas vitórias

XLVIII. Conta-se que a uma pessoa que o felicitava pelo seu triunfo, Pirro respondeu: "Se alcançarmos outra vitória semelhante a esta, estaremos irremediavelmente perdidos". Com efeito, esta batalha custara-lhe a parte melhor das tropas que havia trazido do seu reino do Épiro, bem como quase todos os seus amigos e capitães, os quais não estava em condições de substituir; além disso, o que é mais importante, verificara que os seus aliados, na Itália, estavam desanimados. Os romanos, ao contrário, preenchiam com grande facilidade os claros que se abriam em suas legiões, recrutando em seu próprio país, como de uma fonte inesgotável, os novos combatentes; e, longe de se mostrarem abatidos com as derrotas, extraíam de sua própria cólera novas forças e novo ardor para continuar a guerra.

XLIX. Embaixadores da Sicília junto a Pirro. Notícias que lhe chegam da Grécia sobre a situação na Macedõnia. Segue para a Sicília

XLIX. No meio de suas dificuldades e inquietações, Pirro viu-se diante de novas empresas e novas esperanças, que se lhe ofereciam, levando a hesitação ao seu espírito. De um lado, chegaram da Sicília embaixadores que lhe propuseram colocar em suas mãos as cidades de Agrigento, Siracusa e Leontinos, pedindo ao mesmo tempo que ajudasse a expulsar os cartagineses da ilha e a libertá-la de seus tiranos; de outro lado, mensageiros vindos da Grécia trouxeram-lhe a notícia de que Ptolomeu, cognominado o Raio842, tinha sido morto numa batalha contra os gauleses, e de que seu exército fora desbaratado, surgindo assim uma ocasião das mais favoráveis para se apresentar aos macedônios, que necessitavam, de um rei.

Pirro maldisse então a fortuna, que lhe apresentava ao mesmo tempo duas oportunidades para fazer grandes coisas; e vendo com pesar que não podia optar por uma sem perder a outra, hesitou durante muito tempo antes de fazer a escolha. Finalmente, as dificuldades da Sicília pareceram-lhe muito mais importantes, por motivo da proximidade da África, decidindo-se então per este empreendimento. Assim, após tomar tal resolução, enviou Cíneas, conforme costumava fazer, às cidades da ilha, a fim de entabular negociações. Entrementes, a guarnição que colocara na cidade de Tarento, a fim de mantê-la submissa, provocara grande descontentamento entre os seus moradores. Estes mandaram-lhe dizer que, ou ele permanecia no país a fim de sustentar a guerra contra os romanos, de acordo com o compromisso assumido ao dirigir-se à cidade, ou caso decidisse abandonar a Itália, que deixasse Tarento na situação em que a havia encontrado. Pirro, porém, respondeu-lhes secamente, dizendo-lhes que não lhe falassem mais em tal assunto, que esperassem por uma oportunidade. E, dada esta resposta, seguiu para a Sicília, onde viu, logo após a chegada, todas as suas esperanças se realizarem. Com efeito, as cidades apressaram-se em se entregar, e, em todos os lugares onde teve de empregar a força, não encontrou nenhuma resistência séria. Com um exército de trinta mil homens de infantaria e dois mil e quinhentos cavaleiros, e uma esquadra de duzentos navios, ele ia expulsando por toda parte os cartagineses e conquistando as regiões que estavam sob o seu domínio.

L. Ocupa a cidade de Erix

L. A cidade de Erix843, entre as que os cartagineses conservavam em seu poder, era a dotada de melhores fortificações, e a que contava o maior número de defensores; Pirro decidiu ocupá-la pela força. Quando tudo estava pronto para o assalto, tomou todas as suas armas, e, ao aproximar-se da cidade, prometeu a Hércules um sacrifício solene, bem como jogos públicos, em sua homenagem, caso lhe concedesse a graça de mostrar-se, aos olhos dos gregos que moravam na Sicília, digno de seu nascimento e dos grandes recursos de que dispunha. Feito este voto, ordenou que as trombetas soassem, dando o sinal de ataque. Quase todos os bárbaros que se encontravam sobre as muralhas retiraram-se logo às primeiras flechadas. Foram em seguida colocadas as escadas, sendo ele o primeiro a subir. No alto da muralha um grupo de inimigos ousou enfrentá-lo; atacando-os, forçou uns a se atirarem de ambos os lados da muralha, e abateu outros a golpes de espada, sem que recebesse qualquer ferimento. Com efeito, ele parecia tão terrível aos bárbaros, que estes não ousavam olhá-lo de frente e sustentar o seu olhar; e ele provou que Homero julgou a bravura como homem sábio e experimentado ao dizer que, de todas as virtudes, era a única cujos transportes são de inspiração divina e que, por vezes se aproximam do furor. Após a ocupação da cidade, ele fez a Hércules um sacrifício magnífico e promoveu festas com jogos e combates de todas as espécies.

LI. Recusa-se a conceder a paz aos cartagineses. Modifica-se a sua atitude em relação aos sicilianos

LI. Havia nas imediações de Messina uma nação de bárbaros chamados mamertinos, que causavam grandes tribulações aos povos gregos, obrigando mesmo alguns deles a lhes pagarem impostos e tributos. Estes bárbaros, numerosos e aguerridos, deviam ao seu valor a denominação de mamertinos, que, em língua latina significa marciais. Pirro chefiou suas forças contra eles e os derrotou num renhido combate, arrasando várias de suas fortalezas; além disso, mandou matar todos os que entre eles se encarregavam da coleta dos impostos. Os cartagineses, que desejavam fazer as pazes com Pirro, ofereceram-lhe, como prova de amizade, prata e navios; mas, como visava a coisas ainda maiores deu-lhes uma breve resposta, dizendo que havia um único meio de ser estabelecida a paz: a evacuação de toda a Sicília, de modo que o mar da África passasse a constituir a zona de separação entre os gregos e eles. Os êxitos alcançados e a confiança que depositava em suas forças encorajavam-no e o incitavam a tornar uma realidade as esperanças que o tinham levado à Sicília; e aspirou, assim, em primeiro lugar, a conquista da África. Para levar a efeito esta vasta empresa ele possuía um número suficiente de navios; mas faltavam-lhe marinheiros e remadores. Entretanto, para obtê-los das cidades, em vez de agir com habilidade e brandura, passou a tratá-las com excessivo rigor, constrangendo seus moradores e castigando com severidade os que não obedeciam às suas ordens. Ele não agira desse modo ao chegar; soubera então, melhor do que ninguém, conquistar a boa vontade de toda gente, dirigindo palavras cativantes a todos, mostrando-se confiante e não molestando ninguém. Porém, transformando-se, subitamente, de príncipe popular em tirano violento, ele adquiriu, em consequência de sua severidade, a reputação de homem ingrato e pérfido. Entretanto, por mais descontentes que estivessem, eles cediam à necessidade e lhe forneciam tudo aquilo que deles era exigido.

LII. Toda a Sicília se une contra ele

LII. Mas a sua conduta em relação a Tenão e Sóstrato fez com que todos se voltassem contra ele. Eram os dois principais capitães de Siracusa, os quais tinham sido os primeiros a chamálo à Sicília. À sua chegada, entregaram-lhe a cidade e, em seguida, secundaram-no com todo o seu prestígio em todos os seus empreendimentos. Pirro, nutrindo suspeitas contra ambos, não queria nem levá-los em sua companhia, nem deixá-los em Siracusa durante a sua ausência. Sóstrato, que receava ser vítima de alguma cilada, saiu da cidade; quanto a Tenão, Pirro mandou matá-lo, pois temia que ele fizesse a mesma coisa que Sóstrato. Tudo então se modificou, generalizando-se a oposição contra ele; e isto não se verificou aos poucos, cada coisa por sua vez. Ao contrário, subitamente, todas as cidades, tomadas de um violento ódio, aliaram-se, umas aos cartagineses, outras aos mamertinos, para lutar contra o inimigo comum. Toda a Sicília era teatro de rebeliões, defecções e conspirações, quando Pirro recebeu cartas dos sanitas e dos tarentinos, nas quais diziam estes que, tendo sido expulsos dos campos, e não podendo mais defender-se nas cidades e praças fortes, necessitavam com urgência de seu auxílio.

LIII. Volta à Itália. É atacado durante a viagem, e perde parte de sua esquadra. Aporta na Itália, onde os mamertinos o atacam de novo

LIII Estas cartas, chegando num momento oportuno, forneceram-lhe um pretexto para justificar a sua retirada, pois pôde dizer que não era a impossibilidade de realizar os seus projetos que o levava a deixar a Sicília. Mas, na verdade, ele não conseguia manter esta ilha sob seu domínio, a qual parecia um navio batido pela tempestade; e, desejando abandoná-la, estava à procura de uma desculpa, e este foi o motivo verdadeiro por que voltou à Itália. Conta-se que, ao partir da Sicília, voltou os olhos para a ilha e disse àqueles que o rodeavam: "Meus amigos, que belo campo de batalha deixamos aos romanos e aos cartagineses, para nele lutarem uns centra os outros!". Isto aconteceu pouco tempo depois, realizando-se assim a sua previsão. Os bárbaros, no entanto, coligaram-se contra ele, e os cartagineses, que ficaram à sua espera, ofereceram-lhe batalha no mar, no estreito de Messina. Pirro perdeu vários navios e com os que lhe restavam fugiu para as costas da Itália. Os mamertínos, em número de dez mil combatentes, que já ali se encontravam, não ousaram enfrentá-lo em campo raso, aguardando-o em certas passagens da montanha e em lugares difíceis, de onde o atacaram de improviso, levando a desordem às suas fileiras. Perdeu nesse combate dois elefantes e a maior parte dos combatentes da retaguarda. Pirro teve então de deixar a vanguarda e correr em socorro dos que ainda combatiam e, arrostando todos os perigos, lançou-se no meio dos bárbaros, homens destemidos e cheios de valor; recebeu, no entanto, um golpe de espada na cabeça, e foi obrigado a afastar-se um pouco do local do combate. Com sua ausência tornou-se ainda maior a ousadia dos adversários, um dos quais, homem de grande estatura, que se distinguia entre os demais, saiu das fileiras, todo armado, e, com uma voz cheia de audácia, chamou o rei e o desafiou para um combate, homem contra homem, caso ainda estivesse vivo.

LIV. Combate singular de Pirro com um bárbaro; ele o fende ao meio com um golpe de espada

LIV. Pirro, irritado ante tal atrevimento, não obstante os rogos de seus oficiais, voltou ao local do combate, acompanhado de sua guarda. Com o rosto coberto de sangue, seu aspecto era terrível; e, inflamado de cólera, avançou através de suas fileiras e aproximou-se do bárbaro que o havia desafiado, e desferiu-lhe na cabeça um golpe tão violento que, em consequência tanto da força do braço como da excelência da tempera do aço da arma, fendeu-lhe o corpo de alto a baixo, caindo as duas metades, uma de cada lado. Um tão terrível feito conteve os bárbaros, impedindo que avançassem. Paralisados pelo terror e pela admiração, eles olharam Pirro como* a um deus, e não o molestaram mais em sua marcha.

LV. Ataca os romanos

LV. Prosseguindo em seu caminho, sem perda de tempo, ele chegou à cidade de Tarento, com vinte mil homens de infantaria e três mil cavaleiros; com essa força, e com a parte melhor dos combatentes tarentinos, ele marchou incontinente contra os romanos, que estavam acampados em terras dos sanitas. Encontravam-se estes em situação das mais desfavoráveis: derrotados em várias batalhas pelos romanos, mostravam-se desencorajados. Estavam, por outro lado, descontentes com Pirro, a quem não perdoavam a viagem a Sicília. Por este motivo, não foram muitos os que se dirigiram ao seu acampamento. Pirro, após dividir as suas tropas em dois corpos, "enviou o primeiro à Lucânia para conter um dos cônsules de Roma844, que ali se encontrava, e impedir que socorresse seu colega; chefiando o outro corpo, marchou contra Mânio Cúrio, que, ocupando uma posição das mais vantajosas perto da cidade de Benevento, estava à espera de reforços enviados de Lucânia. Havia ainda os prognósticos dos adivinhos, através de pássaros e sacrifícios, os quais o aconselhavam a não afastar-se dali. Pirro, ao contrário, ansiava por combater esse exército, antes da chegada dos reforços esperados; pondo-se à frente de suas melhores tropas, com seus elefantes mais aguerridos, iniciou a marcha ao cair da noite, a fim de atacar o acampamento de Mânio. No entanto, como era muito longo o trecho a ser percorrido, numa região toda coberta de florestas, as tochas, utilizadas para alumiar o caminho vieram a faltar, e a maior parte dos soldados se extraviou. O tempo necessário para reuni-los consumiu o resto da noite; e, ao amanhecer, o inimigo avistou-os quando desciam as montanhas, mostrando-se, de início, perturbado. Mânio, entretanto, diante dos presságios favoráveis e, forçado pelas circunstâncias, saiu de seu acampamento, e atacou os primeiros adversários que teve pela frente, pondo-os em fuga; os outros foram tomados de tal pavor que deixaram grande número de mortos no local, tendo sido, ainda, capturados alguns elefantes.

LVI. É derrotado

LVI. Esta vitória fez com que Mânio saísse de suas posições e fosse combater com todo o seu exército em pleno campo; ele deu início ao combate, conseguindo romper uma das alas do inimigo; mas foi repelido na outra, devido a uma violenta investida dos elefantes, sendo forçado a recuar até o seu acampamento, onde tinha deixado numerosos soldados encarregados de guardá-lo. Enviou então estas tropas, que se achavam bem armadas, ao campo de batalha, onde atacaram os elefantes com uma chuva de dardos, forçando-os a fugir; os animais, atirando-se sobre as próprias unidades a que pertenciam provocaram grande desordem e confusão, resultando a completa vitória dos romanos e, com esta vitória, a consolidação da grandeza de seu império. Com efeito, com os êxitos alcançados, a confiança em seu próprio valor aumentou ao mesmo tempo que suas forças, e, adquirindo a reputação de combatentes invencíveis, eles conquistaram logo depois o resto da Itália, e, em seguida, a Sicília.

LVII. Deixa a Itália e segue para a Macedõnia a fim de atacar Antígono, que o derrota

LVII. Foi assim que Pirro viu desvanecerem-se todas as suas esperanças de conquista da Itália e da Sicília. Consumiu nestas guerras seis anos inteiros e seu poderio enfraqueceu-se consideravelmente; entretanto, no meio das derrotas a sua coragem permaneceu invencível, e adquiriu a fama de ultrapassar em experiência, valor e audácia, todos os reis de seu tempo. Mas o que ele ganhava com seus feitos, perdia com sua ambição; e o desejo daquilo que não possuía impedia-o de assegurar a posse do que tinha. Antígono, por este motivo, comparou-o a um jogador de dados muito favorecido pelos lances, mas que não sabia aproveitar-se de sua boa fortuna. Tendo regressado ao Êpiro com oito mil homens de infantaria e quinhentos cavaleiros, os quais não podia pagar, ele pôs-se à procura de uma nova guerra, a fim de conseguir recursos. Após receber o reforço de certo número de gauleses, entrou com suas tropas no reino da Macedônia, onde reinava Antígono, filho de Demétrio, sem outra intenção senão pilhar e levar uma grande presa de guerra do país. No entanto, a conquista de algumas cidades e a defecção de dois mil macedônios, que se juntaram às suas forças, fizeram-lhe conceber mais altas esperanças, e decidiu marchar contra Antígono. Atacando-o num desfiladeiro, provocou grande confusão em suas fileiras, pois os gauleses que o rei da Macedônia colocara na retaguarda de suas tropas, e que eram muito numerosos, ‘após sustentarem valentemente o primeiro ataque, foram quase todos dizimados, após rude combate. Em seguida, os soldados que dirigiam os elefantes, tendo sido cercados por todos os lados, renderam-se com seus animais. Pirro, vendo suas forças assim reforçadas, confiando mais nos favores da fortuna, do que na voz da razão, decidiu atacar a falange macedônia, a qual, após ‘a derrota de sua retaguarda, ficara desorganizada e amedrontada. Os macedônios, porém, não quiseram combater contra Pirro, que, por sua vez, estendendo-lhes as mãos, e chamando pelos seus nomes os capitães e chefes de grupos, fez com que a ele aderisse toda a infantaria de Antígono. Este, que se pôs rapidamente em fuga, com alguns cavaleiros, ficou apenas cem algumas cidades marítimas do reino.

LVIII. Consagra os despojos dos gauleses no templo de Minerva Itonéia, com uma inscrição

LVIII. Pirro, nesta fase de prosperidade, considerava a vitória, sobre os gauleses como o mais glorioso de seus feitos, e, por este motivo, ofereceu os mais belos e os mais ricos de seus, despojes ao templo de Minerva Itonéia, com esta inscrição:

Vencedor dos gauleses, Pirro, agradecido,
A Minerva oferece estes ricos escudos
Depois de abater, de Antígono, o poderio,
Os seus mais valentes soldados derrotando.
E que esta bela vitória, após tantos feitos,
Não seja motivo de espanto ou maravilha,
Pois rio coração dos nossos soberanos
Vive ainda o valor dos filhos de Éaco.

LIX. Coloca na cidade de Egas uma guarnição de gauleses, que pilham os túmulos dos antigos reis da Macedõnia

LIX. Após esta batalha, Pirro recuperou as cidades da Macedônia, e, entre outras, a de Egas, cujos moradores tratou com muita severidade, nela colocando uma guarnição constituída pelos gauleses que tinha a seu soldo. Os gauleses, gente ávida e sedenta de dinheiro, deram disto uma prova ao violar os túmulos dos r eis da Macedônia, sepultados naquela cidade; depois de se apoderarem de todas as riquezas que encontraram, agindo de modo insolente e sacrílego, dispersaram os despejos. Pirro foi disso cientificado, mas não deu muita atenção ao ocorrido, nem mesmo se manifestando a respeito, seja porque as questões do momento o levassem a adiar a punição, seja porque não ousasse castigar aqueles bárbaros. Mas esta indiferença desagradou muito aos macedônios, que o censuraram vivamente. Embora o seu domínio no país não estivesse ainda bem assegurado, o seu cérebro começou a elaborar novos planos; e, caçoando de Antígono, dizia que ele era um desavergonhado, pelo fato de vestir-se de púrpura como um rei, quando deveria trazer a simples capa dos particulares.

LX. Segue com um forte exército para Esparta, a pedido de Cleônimo

LX. Nessa época, Cleônimo, rei de Esparta, convidou-o a seguir com seu exército para a Lacedemônia, convite este que aceitou sem hesitar. Cleônimo era de família real; mas sendo um homem violento e despótico, não gozava nem da afeição, nem da confiança dos espartanos; e por isso Areus reinava tranquilamente, em seu lugar. Era este o seu velho motivo de queixa contra seus concidadãos; mas, nesta oportunidade, apresentava ele outro motivo; tinha casado, em sua velhice, com uma bela e jovem mulher, chamada Celidônides, também de sangue real, filha de Leotiquides. Apaixonou-se ela perdidamente por Acrótato, filho do rei Areus, príncipe de grande beleza e na flor da. idade, paixão esta que o encheu de desespero, pois muito a amava, e, ao mesmo tempo, de vergonha, pois ninguém ignorava em Esparta o desprezo que a mulher lhe votava. Suas desventuras domésticas juntaram-se assim, às desventuras políticas, e, não dando ouvidos senão à sua cólera e ressentimento, foi, com a intenção de vingar-se, pedir a Pirro que se dirigisse a. Esparta, a fim de colocá-lo em seu trono; e, com efeito, Pirro para ali o levou com seus vinte e cinco mil homens de infantaria, dois mil cavaleiros e vinte e quatro elefantes. Com uma força tão formidável não era difícil chegar à conclusão de que Pirro tinha em vista menos proporcionar a Cleônimo a posse do trono de Esparta do que tornar-se ele próprio senhor do Peloponeso. É verdade que negava que essa fosse a sua intenção, em todas as respostas dadas aos lacedemônios, os quais lhe enviaram uma embaixada quando se encontrava em Megalópolis. Afirmava, ao contrário, que se dirigia ao Peloponeso para libertar as cidades que Antígono mantinha na servidão; declarou mesmo que desejava, caso isso lhe fosse permitido, enviar a Esparta os mais jovens de seus filhos, a fim de que fossem educados de acordo com as instituições dos lacedemônios, proporcionando-lhes, assim, sobre todos os outros príncipes, a vantagem inestimável de uma excelente educação.

LXI. Entra na Lacônia, e acampa perto de Esparta

LXI Recorrendo à dissimulação e enganando todos os que iam ao seu encontro, na estrada, ele penetrou no território de Esparta, pondo-se, logo de início, a pilhar o país. E como os embaixadores dos espartanos o censurassem e lamentassem o fato dele começar a guerra sem a haver previamente declarado, respondeu: "Sabemos perfeitamente que vós, espartanos, não tendes também o costume de anunciar com antecipação o que pretendeis fazer". Um deles, Mandricidas, replicou-lhe, em sua linguagem lacônica: "Se és um deus, nada temos a recear de ti, pois que não te ofendemos; se és um homem, encontrarás outros mais valentes". Pirro continuou seu caminho e chegou diante de Esparta; Cleônimo aconselhou-o a atacar imediatamente, mas Pirro, receando, ao que se diz, que seus soldados pilhassem a cidade, caso nela entrassem à noite, resolveu adiar o assalto, alegando que haveria tempo de sobra no dia seguinte. Sabia que a cidade dispunha de pequeno número de defensores, os quais, além de poucos, não estavam bem preparados para o combate. O próprio rei Areus estava ausente, pois tinha seguido para Cândia, para auxiliar os gortínios, que estavam guerreando. Mas foi o desprezo de Pirro pela fraqueza de Esparta e pelo número reduzido de seus defensores que salvou a cidade; persuadido de que não haveria ninguém ali em condições de combater, estabeleceu seu acampamento diante da cidade, no interior da qual os amigos e servidores de Cleônimo já haviam preparado e ornamentado a sua casa, certos de que Pirro naquela mesma noite ali iria cear.

LXII. Os espartanos abrem durante a noite uma trincheira diante de sua cidade. As mulheres ajudam os homens

LXII. Quando chegou a noite, os lacedemônios reuniram-se e decidiram enviar secretamente suas mulheres, acompanhadas de seus filhos menores, para Cândia; mas elas recusaram-se a partir. Arquidâmia, uma delas, dirigiu-se ao Senado, com uma espada na mão, e, fazendo uso da palavra, em nome de todas as outras mulheres, lamentou o fato de terem os homens acreditado serem elas tão covardes a ponto de desejarem sobreviver à ruína de Esparta.

Resolveu-se em seguida cavar um fosso paralelo ao acampamento do inimigo, e enterrar, nas extremidades desse fosso, até a metade das rodas, um certo número de carros, a fim de conter e impedir a passagem dos elefantes. Mal a escavação havia sido começada, e surgiram, as mulheres, umas com suas saias erguidas, outras trazendo apenas suas túnicas, para partilharem do trabalho dos homens mais idosos. Ao mesmo tempo, obrigaram os mais jovens, que deviam combater, a repousarem durante a noite; e, medindo o comprimento que deveria ter o fosso-, elas se encarregaram de escavar a terça parte. O fosso tinha seis côvados de largura, quatro de profundidade e oitocentos pés de comprimento, segundo Filarco, ou um pouco menos, segundo Jerônimo. Quando, ao amanhecer, o inimigo começou a se movimentar para dar início ao ataque, as mulheres foram buscar as armas e as entregaram aos jovens, confiando-lhes a defesa da trincheira, exortando-os ao mesmo tempo a defendê-la valentemente, e dizendo-lhes que era doce morrer aos olhos de todos os concidadãos em defesa da pátria, e que era uma grande glória ter nos braços de suas mães e esposas uma morte digna de Esparta. Celidônides, entretanto, retirou-se para um canto, e amarrou um cordão no pescoço, a fim de estrangular-se, caso a cidade fosse tomada, pois não queria cair nas mãos de seu marido.

LXIII. Começo do ataque

LXIII. Pirro, pondo-se à frente de sua infantaria, avançou contra os espartanos, os quais, com seus escudos cerrados, o esperavam do outro lado da trincheira. Além de ser esta difícil de atravessar, a terra, revolvida durante a noite, cedia sob os pés dos soldados, impedindo que se mantivessem firmes nas bordas do fosso. Ptolomeu, filho de Pirro, levando consigo os seus dois mil gauleses e os melhores combatentes caônios, decidiu, então, marchar ao longo da trincheira, e tentou atravessá-la por uma de suas extremidades, aquela onde se encontravam os carros. Mas estes estavam tão bem enterrados e tão presos uns nos outros, que não somente continham o inimigo como impediam os próprios lacedemônios de se aproximarem dos atacantes para se defender. Afinal os gauleses já começavam a desprender as rodas dos carros e a lançá-los ao rio, quando o jovem Acrótato, vendo o perigo, atravessou rapidamente a cidade com trezentos guerreiros, jovens como ele. e envolveu, pela retaguarda, Ptolomeu, sem que o pressentissem, pois se utilizara de caminhes escavados e baixos. Atacando as últimas fileiras dos gauleses, obrigou-os a se voltarem a fim de se defender, chocando uns contra os outros e caindo dentro do fosso e sob os carros. Seguiu-se uma grande confusão e a carnificina foi grande, sendo os soldados de Ptolomeu finalmente repelidos.

LXIV. Proeza de Acrotato

LXIV. Os anciãos e as mulheres, do outro lado da trincheira, testemunharam os grandes feitos de Acrótato. Viram-no depois atravessar de novo a cidade, a fim de reganhar o seu posto, todo coberto de sangue, e transbordante de alegria e orgulho pela vitória. As mulheres de Esparta acharam-no então maior e mais belo do que nunca, e todas julgaram Celidônides bem feliz por ter um amante tão corajoso. E alguns velhos que o acompanhavam diziam-lhe em altas vozes: "Vai, bravo Acrótato, e te delicies com o amor de Celidônides, dando a Esparta filhos generosos".

LXV. Feito e morte de Filio

LXV. No lugar onde se encontrava Pirro o combate foi também dos mais rudes, e numerosos espartanos deram provas de grande valor; mas ninguém se distinguiu tanto quanto Filio, que, depois de haver morto um grande número de adversários, sentindo que suas forças se esvaíam em consequência dos numerosos ferimentos recebidos, chamou um soldado que estava na fileira de trás, e, cedendo-lhe seu lugar, foi tombar morto entre as armas dos companheiros, a fim de não deixar seu corpo em poder dos inimigos.

LXVI. Pirro recomeça o ataque na manhã do dia seguinte

LXVI. O combate que durara todo o dia, Cessou ao anoitecer; e Pirro, depois de conciliar o sono, teve uma visão, durante a qual se viu lançando raios sobre a Lacedemônia, que se tornou inteiramente presa das chamas; e tal foi sua alegria que acordou. Ordenou imediatamente aos seus capitães que mantivessem as tropas prontas para recomeçar o ataque e contou aos seus familiares o sonho, considerando-o um presságio, certo de que tomaria a cidade de assalto. Todos concordaram entusiasmados com essa interpretação, exceto um certo Lisímaco, o qual dizia que a visão não lhes parecia favorável, e isto porque os lugares atingidos pelos raios eram sagrados, e neles ninguém podia entrar; receava que os deuses, com esse sonho, tivessem querido cientificar Pirro de que ele não entraria na cidade de Esparta. Pirro respondeu-lhe: "Trata-se de um assunto apropriado para se discutir nas assembleias populares, pois estas espécies de visão são sempre cheias de obscuridades. Mas, agora, o que cada um deve fazer é tomar as armas e dizer a si mesmo:

Melhor presságio não há que combater
A fim de que seu general possa vencer845.

Após proferir essas palavras, nas quais fez uma alusão aos versos de Homero, ele ergueu-se, e, ao clarear o dia, levou suas tropas ao combate.

LXVII. Acidente que obriga Pirro a bater em retirada

LXVII. Os lacedemônios fizeram maravilhas para se defender, revelando uma coragem e um ardor superiores às suas forças; as mulheres mantiveram-se ao seu lado, fornecendo-lhes os dardos com que combatiam, davam de comer e beber aos que o pediam e retiravam da linha de combate os feridos a fim de tratar deles. Os macedônios, por sua vez, faziam tudo o que estava ao seu alcance para encher a trincheira com pedaços de madeira e outras coisas, que lançavam sobre os corpos e as armas dos mortos. Os lacedemônios, de seu lado, tudo faziam para impedi-lo, quando em determinado momento, viram Pirro a cavalo procurando entrar na cidade após ter transposto a trincheira, do lado onde se achavam os carros. Os combatentes encarregados da defesa daquele ponto começaram a soltar gritos, aos quais as mulheres responderam com o seu clamor, pondo-se a correr como se tudo estivesse perdido. Pirro continuava a avançar, derrubando com seus golpes todos os que tentavam contê-lo, até que seu cavalo, atingido num dos flancos per um dardo candiota, saiu do lugar de combate, tal a dor que sentira, e ao expirar, lançou-o num terreno em declive, expondo-o a uma perigosa queda. Seus servidores e amigos que se encontravam nas proximidades acorreram para socorrê-lo, enquanto os espartanos, incontinente, atacaram-nos a. flechadas, repelindo-os para além da trincheira.

LXVIII. Chegam socorros a Esparta

LXVIII. Pirro, persuadido de que os lacedemônios, que se encontravam quase todos feridos e cujo número de mortos fora muito grande nos dois dias de combate, acabariam se rendendo, ordenou a cessação do combate em todos os pontos. Mas a boa fortuna da cidade, seja que ela tivesse querido por à prova a virtude dos espartanos, seja que tivesse resolvido esperar até o momento em que todas as suas esperanças estivessem desfeitas, a fim de mostrar o que é capaz de fazer nas situações mais difíceis, neste mundo, fez vir de Corinto, em seu socorro, Amínias, o Fócio, um dos generais de Antígono, com tropas estrangeiras. Mal haviam estas forças entrado na cidade, chegou também o rei Areus, procedente de Cândia, com dois mil combatentes. As mulheres, vendo que não havia mais necessidade de participarem, dos combates, retiraram-se para suas casas. Os anciãos, por sua vez, após terem sido forçados a tomar as armas pela necessidade, foram dispensados a fim de que pudessem repousar, ocupando os seus postos os recém-chegados.

LXIX. Pirro deixa a Lacônia e segue para Argos. Um contingente escolhido de lacedemônios ataca-o no caminho

LXIX. A chegada deste duplo reforço não fez senão inflamar ainda mais a ambição de Pirro e inspirar-lhe um mais ardente desejo de se apoderar da cidade. Todavia, quando viu que não sofreria senão reveses, deixou a posição que ocupava diante de Esparta, e pôs-se a pilhar e devastar o país, decidido a nele passar o inverno. Mas não pôde fugir ao seu destino. Na cidade de Argos, verificou-se uma divergência entre Aristéias e Arístipo; e como acreditasse o primeiro que o segundo era apoiado por Antígono, apressou-se em chamar Pirro a Argos a fim de anular o efeito desse apoio. A natureza de Pirro levava-o a conceber sempre novas esperanças, e os êxitos que alcançava faziam-no aspirar a êxitos ainda maiores; e procurava, invariavelmente, reparar as perdas com novos empreendimentos. E assim, nem as suas derrotas, nem as suas vitórias assinalavam o termo dos males que causava ou daqueles de que era vítima. Não hesitou por isso em seguir logo para Argos. Areus, entretanto, armou-lhe diversas emboscadas, e ocupou as passagens mais difíceis, atacando os gauleses e molossos, que formavam à retaguarda de seu exército, dizimando-os.

LXX. Ele os dizima, mas seu filho é morto

LXX. Nesse dia, o adivinho de Pirro, que encontrara no decorrer de um sacrifício um defeito no fígado da vítima imolada, predissera-lhe a perda de uma pessoa que lhe era muito cara. Mas no meio do tumulto e da desordem provocados pelo ataque, ele não deu atenção ao augúrio, e encarregou seu filho, Ptolomeu, de ir, com um contingente, em auxílio da retaguarda, enquanto ele próprio se esforçava para tirar o seu exército daquele difícil desfiladeiro. O combate foi dos mais vivos em volta de Ptolomeu, que teve de enfrentar os melhores combatentes lacedemônios, comandados por um bravo capitão chamado Evalco. No entanto, quando a luta ia mais acesa, um soldado candiota, da cidade de Aptera, chamado Oreso, homem ligeiro e ágil, deslisando-se até junto do jovem príncipe, que combatia com o maior ardor, desferiu-lhe um golpe num dos flancos, prostrando-o morto. Com a morte de Ptolomeu seus soldados puseram-se em fuga, e os lacedemônios lançaram-se à sua perseguição com grande ímpeto; e só perceberam que estavam a grande distância de sua infantaria, quando já se encontravam na planície. Pirro acabava de ser informado da morte do filho; cheio de ira e de dor, ele avançou contra os lacedemônios com seus cavaleiros molossos, e, tomando a iniciativa do combate, fez correr muito sangue. Embora sempre temível, sempre invencível quando com as armas nas mãos, ele se excedeu a si mesmo nesta ocasião, dando as maiores provas de valor, força e audácia. Logo que viu Evalco, lançou seu cavalo contra ele; mas o inimigo, desviando, desferiu-lhe um golpe de espada, por pouco não lhe decepando a mão que segurava as rédeas, as quais foram cortadas. Pirro aproveitou-se da oportunidade para nele cravar a sua lança, transpassando-lhe o corpo; e, descendo do cavalo, dizimou, num combate medonho, todos os lacedemônios, soldados selecionados, que procuravam defender o corpo de Evalco.

LXXI. Continua em sua marcha para Argos

LXXI Assim, foi a ambição dos chefes que, estando já a guerra terminada, causou à Lacedemônia, gratuitamente, esta perda. Pirro fizera deste combate, por assim dizer, um sacrifício aos manes de seu filho, e como uma espécie de embate fúnebre com que quis honrar seus funerais. Após aliviar sua dor, transformando-a em ira e rancor contra seus inimigos, continuou em sua marcha na direção de Argos. Ao chegar, foi informado de que Antígono já se apoderara das alturas que dominavam a planície; e, tendo acampado perto da cidade de Nauplia, enviou na manhã seguinte um emissário ao encontro de Antígono, com a incumbência de censurar-lhe a perfídia e de desafiá-lo a descer à planície para disputar, com as armas nas mãos, o título de rei. Antígono respondeu-lhe que contava menos com as armas do que com o tempo, e que, se Pirro estivesse cansado de viver, tinha diante de si muitos caminhos abertos para ir de encontro à morte. Entrem entes, de Argos foram enviados embaixadores a ambos, a fim de pedir-lhes que se retirassem, que consentissem em que a cidade não pertencesse a nenhum deles e permanecesse amiga dos dois. Antígono concordou, e deu seu filho como refém aos argivos. Pirro também prometeu retirar-se; todavia, como não tivesse dado qualquer garantia de sua promessa, suspeitou-se de sua boa fé.

LXXII. Diversos presságios. Pirro entra com suas tropas em Argos

LXXII. Aconteceram, então, tanto a Pirro como aos argivos, prodígios singulares. No decorrer de um sacrifício que o rei fizera, pusera-se de lado as cabeças dos bois imolados, quando, subitamente, viram-se as línguas saírem para fora da boca e começarem a lamber o sangue derramado em redor. No interior de Argos, a profetisa do templo de Apoio, chamada Apolônida, pôs-se a correr pelas ruas dizendo aos gritos que via a cidade cheia de cadáveres e de sangue, e que uma águia, por ela vista no meio do combate, desaparecera subitamente, não sabendo para onde tinha ido. Quando escureceu completamente, Pirro aproximou-se das muralhas de Argos; e verificando que a porta chamada Diamperes lhe tinha sido aberta por Aristéias, teve tempo de introduzir os gauleses na cidade, os quais ocuparam a praça pública, sem que os moradores de nada percebessem. Mas como a porta era muito baixa para dar passagem aos elefantes, foi preciso tirar-lhe as torres, e recolocá-las depois. Esta dupla operação, feita tumultuosamente e no meio das trevas, levou bastante tempo, e os argivos, vendo finalmente o que se passava, correram à fortaleza denominada Áspis e ocuparam outros pontos fortificados da cidade, enviando ao mesmo tempo emissários a Antígono, a fim de que viesse socorrê-los. Este príncipe, atendendo ao apelo, aproximou-se das muralhas, permanecendo do lado de fora em observação; enviou logo depois seu filho ao interior da cidade, acompanhado de seus principais capitães e de um’ numeroso contingente de soldados.

LXXIII. Combate noturno. Pirro é tomado de espanto ao ver figuras de cobre representando o combate de um lobo e de um touro

LXXIII. Areus, rei de Esparta, chegou ao mesmo tempo, com mil candiotas, e um grupo de valentes espartanos; estas tropas atacaram juntas os gauleses que se achavam na praça pública, provocando grande confusão entre eles. Pirro, avançando pelo bairro denominado Cilabáris, soltava brados de vitória; mas vendo que os gauleses não lhe respondiam com um tom de confiança e audácia, conjecturou que eles estivessem sendo atacados e enfrentassem dificuldades. Apressou-se assim em socorrê-los, levando consigo sua cavalaria, a qual caminhava em terreno difícil e perigoso, devido aos buracos dos esgotos subterrâneos e dos encanamentos de água., de que a cidade estava cheia. Era grande a confusão, como é fácil imaginar, tratando-se de um combate travado à noite, e no decorrer do qual os combatentes não viam as pessoas com quem se tinham de haver e não se ouviam as ordens dos chefes. Os soldados, separando-se uns dos outros, perdiam-se nas ruas estreitas; no meio das trevas e dos gritos perplexos dos combatentes, os oficiais não podiam ordenar qualquer manobra; e ambas as partes aguardavam o despontar do dia sem nada fazer. Ao amanhecer, Pirro viu a fortaleza de Ápis cheia de armas do inimigo, e perturbou-se; e sua perturbação aumentou ainda mais quando, ao atingir a praça pública, viu, entre as obras de arte que a ornavam, um lobo e um touro de bronze, na atitude de animais em luta. Esta visão lembrou-lhe uma antiga profecia segundo a qual o seu destino era morrer quando visse um lobo lutar com um touro.

LXXIV. Origem desta representação

LXXIV. Os argivos contam que estas duas figuras foram colocadas no lugar onde se encontravam para perpetuar a lembrança de um acontecimento de que fora outrora teatro o seu país. Quando Danão entrou pela primeira vez na Argólida, passando pelo caminho da Tireatides, que vai de Pirâmia a Argos, viu um lobo que enfrentava um touro. Supôs que o lobo estava de seu lado, porque, sendo um estrangeiro, vinha fazer guerra aos naturais do país, do mesmo modo como aquele animal. Ele parou para assistir ao combate, e, tendo o lobo saído vencedor, dirigiu uma prece a Apoio Lido; e, prosseguindo em sua empresa, provocou um levante contra Galanor, que reinava em Argos, e o expulsou do país. Eis porque, segundo se diz, as figuras do lobo e do touro foram colocadas na praça de Argos.

LXXV. Obstáculos que Pirro encontra em sua retirada

LXXV. Pirro, desencorajado por esta visão, e vendo suas esperanças se desvanecerem, pensou em retirar-se. Todavia, receando ser contido junto às portas da cidade, por serem muito estreitas, mandou dizer a seu filho Heleno, o qual havia permanecido do lado de fora com a maior parte do exército, que destruísse um lanço da muralha a fim de seus soldados poderem sair, e que os recolhesse caso fossem perseguidos pelo inimigo. Entretanto, devido à precipitação e ao barulho que se fazia, o oficial encarregado da missão não ouviu bem a ordem que lhe fora dada, relatando a Heleno o contrário do que Pirro dissera. O jovem príncipe, diante do que ouvira, tomou consigo os melhores combatentes de suas forças, e o resto dos elefantes, e entrou na cidade a fim de socorrer seu pai, o qual já começara a retirar-se. Na medida em que a largura da praça o permitia, defendia-se bem, repelindo o inimigo enquanto se retirava, e contra ele investia de quando em quando. Mas ao passar da praça para a rua estreita que conduzia à porta da cidade, ele deu de encontro com as tropas que vinham do outro lado em seu socorro, às quais gritou inutilmente que deixassem o caminho livre a fim de poder passar. Os soldados não o ouviam devido ao barulho; e mesmo se os primeiros o ouvissem, não poderiam obedecer-lhe as ordens devido aos que, atrás deles, entravam em grande número na cidade. Além disso, o maior dos elefantes caíra junto à porta, e, soltando gritos medonhos, fechava a saída aos que queriam deixar o local. Com efeito, um dos paquidermes que haviam entrado, chamado Nicão, querendo salvar seu condutor, o qual caíra no chão em virtude de ferimentos recebidos, voltou-se contra aqueles que recuavam e nele pisavam, derrubando tanto amigos como inimigos, até que, encontrando o corpo do cornaca morto, ergueu-o com a sua tromba, e, colocando-o sobre suas defesas, tomou, furioso, o caminho da porta, esmagando com os pés tudo o que encontrava à sua passagem.

LXXVI. Uma mulher fere-o com uma telha e um soldado corta-lhe a cabeça

LXXVI. Os soldados de Pirro, comprimidos uns contra os outros, não se podiam movimentar, e nem a si mesmos podiam auxiliar. Todos eles formavam, por assim dizer, uma única massa, e tão unida que somente podia avançar ou recuar como se fosse apenas um corpo. Eles quase não lutavam com os inimigos que os molestavam pela retaguarda, faziam uns aos outros mais mal do que os argivos. Com efeito, se algum deles, conseguia tirar a espada ou erguer a lança, não podia mais recolocar na bainha a primeira arma e nem abaixar a segunda, e com elas atingia o primeiro que tivesse pela frente, ferindo-se e matando-se, assim, uns aos outros. Pirro, vendo esta tormenta que desabara com violência sobre suas tropas, tirou a coroa que distinguia seu capacete dos demais, e a deu a um de seus amigos; e, confiando na bravura de seu cavalo, lançou-se sobre os inimigos que o perseguiam de perto, recebendo então através de sua couraça um golpe de lança, não sendo, no entanto, nem profundo nem perigoso o ferimento resultante. Voltou-se incontinente contra o adversário que o golpeara: era um argivo de família obscura, filho de uma pobre e velha mulher, a qual naquele momento, estava sobre o teto de uma casa, como todas as outras mulheres da cidade, para assistir ao combate.

Ao ver que era contra seu filho que Pirro investia, ela apanhou uma telha com as duas mãos e a lançou sobre o rei, tal o pavor de que foi tomada. A telha caiu sobre a cabeça de Pirro, que no momento não se encontrava protegida pelo capacete, e deslizando até o pescoço, partiu-lhe as vértebras. Sua vista perturbou-se imediatamente, as rédeas lhe escaparam das mãos e ele caiu do cavalo perto da sepultura de Licínio, sem ser reconhecido pela multidão. Todavia, um soldado chamado Zopiro, que estava a soldo de Antígono, e dois ou três outros, tendo corrido ao local reconheceram-no e o arrastaram até a uma porta, no momento em que ele começava a recuperar os sentidos. Zopiro já desembainhara a espada ilíria que trazia, para cortar-lhe a cabeça, quando Pirro lhe lançou um olhar terrível; Zopiro, amedrontado e com a mão tremente, tentou degolá-lo; mas, na perturbação e no pavor em que se encontrava, não desferiu o golpe com precisão, atingindo-o sob a boca e partindo-lhe o queixo; e, após matá-lo, levou muito tempo para separar-lhe a cabeça do corpo.

LXXXVII. Honras fúnebres que lhe são prestadas por Antígono. Envia este Heleno, filho de Pirro, ao Épiro

LXXVII. A notícia do ocorrido espalhou-se rapidamente, e Alciônio, filho de Antígono, dirigiu-se ao local, e pediu a cabeça de Pirro, como se fosse para reconhecê-la; mas, logo que a teve em suas mãos, foi a galope ao encontro do pai, o qual, nesse momento, palestrava com alguns amigos, e a atirou ao chão, diante dele. Antígono, reconhecendo-a, expulsou seu filho do local a bastonadas, chamando-o de assassino cruel e bárbaro desumano; e, cobrindo os olhos com a capa, chorou uma morte que lhe lembrava a de seu antepassado Antígono e a de seu pai Demétrio, os quais eram para ele dois exemplos domésticos dos caprichos da fortuna. Depois de haver preparado convenientemente a cabeça e o corpo de Pirro, ele os mandou queimar e inumar, de modo honroso. Algum tempo depois, tendo Alciônio encontrado Heleno, num estado miserável e coberto com uma pobre capa, ele o acolheu com muita humanidade e o levou à presença de seu pai. Ao vê-lo, Antígono disse: "Meu filho, esta ação vale mais e agrada-me mais do que a primeira; mas não fizeste tudo o que devias, pois não tiraste de seus ombros esta capa que a ele causa menos vergonha do que aos vencedores". Pronunciadas estas palavras, abraçou Heleno, e, depois de dar-lhe uma equipagem honrosa, mandou-o para o reino do Épiro. Quando, logo depois, apoderou-se do acampamento de Pirro, e de todo o seu exército, ele tratou com grande humanidade os amigos e servidores desse rei.

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