255 - Creio ser preciso corrigir com Xilandro: e todos os Valerianos, isto é, todas as outras famílias pertencentes à raça dos Valerianos. C.
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Depois de relatar as vidas do grego Sólon (c. 638-558 a.C.) e do romano Publícola (c.560-503 a.C.), Plutarco traça aqui uma comparação dessas duas personalidades do mundo antigo. Esse texto faz parte da série de biografias escritas por Plutarco (c. 46-120), um historiador grego que viveu no Império Romano. Na série Vidas Paralelas, o autor compara vários nomes da história grega com seus equivalentes romanos.
I. Ora, para fazer-se a comparação desses dois personagens, parece haver uma coisa própria de ambos e que não se encontra em nenhuma outra vida dentre as quais escrevemos até aqui: é que um foi testemunho e o outro imitador daquele ao qual se assemelha. E que seja isso verdade, a sentença que Sólon pronunciou diante do rei Creso, n o tocante à felicidade de Telo, convém muito melhor a Publícola do que a esse Telo, o qual julgou haver sido muito feliz, porque morto com honra, que tivesse vivido virtuosamente e deixado belos filhos, e todavia não faz menção dele em nenhuma passagem de seus poemas, como de personagem de excelente virtude; e assim não teve jamais em sua vida honroso encargo, nem deixou filhos que tivessem sido muito renomeados após a morte; ao passo que Publícola, enquanto viveu, foi sempre o primeiro homem dos Romanos em todo crédito e toda autoridade; e, depois de sua morte, algumas das mais nobres famílias e mais antigas casas ainda existentes em Roma até ao nosso tempo, há já seiscentos anos, como a casa dos Publícolas, a dos Messalas e255 a dos Valerianos, referem a glória de sua nobreza e de sua antiguidade nele. E, o que é mais, Telo foi morto por seus inimigos, combatendo valentemente como homem de bem e guardando bem sua linhagem; e Publícola morreu após haver matado os seus, o que é coisa maior e mais feliz do que haver sido morto; e, após ter visto seu país vitorioso sob seu comando e por sua conduta, tendo ainda em vida recebido as honras e os triunfos que lhe eram devidos, teve o fim de seus dias e a saída de sua vida como Sólon tanto desejava e reputava tão feliz. Ademais, assim ele exclama, à maneira de aspiração, na passagem em que contradiz a Mimnermo, no tocante ao curso e à duração da vida humana, dizendo: Não deixe pelos meus a minha morte De ser sentida com atroz transporte, E que eu morrendo aos meus amigos deixe De lamentos e lágrimas um feixe.
Se isso é felicidade, ela torna Publícola grandemente feliz, pois com sua morte não deixou somente aos parentes e amigos, mas a toda a cidade, e a tantos milhares de pessoas, lágrimas, lamentos e dor por sua morte: pois as mulheres Romanas o choram todas e por ele usaram luto nem mais nem menos do que se tivesse cada qual perdido o próprio pai, irmão ou marido.
Que ter bens eu deseje é bem verdade,
Mas por direito meus, com equidade.
Isso disse Sólon, porque a vingança seguiu-se depois,
II. E Publícola guardou-se não só de adquirir bens injustamente, mas aqueles que teve os despendeu com honestidade, socorrendo os que deles tinham carência; de sorte que, se em bom direito Sólon foi reputado sábio, é preciso confessarmos também que Publícola foi muito feliz, pois o que um deseja como sendo o maior, mais completo e mais perfeito bem que o homem poderia ter neste mundo, o outro a adquiriu, conservou e levou a efeito durante toda a vida até à morte. Por essa forma Sólon honrou Publícola, e Publícola reciprocamente fez honra a Sólon, dando tão perfeito exemplo e tão belo espelho onde se pode ver como é preciso governar uma coisa pública popular, quando tirou a seu consulado toda a pompa e toda a soberba aparência e se tornou generoso, cortês e amável com toda a gente. Serviu-se também de várias de suas leis, como naquela em que quis que somente o povo tivesse autoridade para eleger todos os oficiais e magistrados públicos, e que se pudesse apelar de todos os juízes para o julgamento definitivo do povo, como Sólon quando permitiu apelar do povo perante os juízes.
III. Verdade é que Publícola não criou um novo Senado como fez Sólon, mas aumentou o número do primeiro de tantas pessoas quase quantas havia antes. O estabelecimento dos tesoureiros para manejar as finanças veio também semelhantemente daí, a fim de que o soberano magistrado, se é homem de bem, não se divirta por ligeiro motivo em vacar-se a melhores e maiores negócios; e também, se é mau, não tenha tanto meio de executar sua má vontade, tendo na mão o manejo dos negócios e do dinheiro. Além disso, o ódio aos tiranos foi mais áspero e mais veemente em Publícola, pois Sólon puniu em suas leis aquele que tentasse fazer-se tirano, depois que disso fosse convencido; e Publícola permite matá-lo, antes que levá-lo à justiça. E, quanto a ser Sólon glorificado, justa e verdadeiramente, porque recusou fazer-se senhor até pelo consentimento de seus concidadãos, esse louvor não é menos devido a Publícola, o qual, achando tirânica a dignidade do consulado, tornou-a mais moderada e mais popular, não usando de toda a autoridade, como bem poderia fazê-lo. E parece que Sólon conheceu antes dele ser esse o verdadeiro meio de governar um estado político, pois diz numa passagem:
Os grandes e os pequenos obedecem, Quando nem pouco nem demais padecem,
IV. Há uma coisa própria e peculiar a Sólon: é a abolição de todas as dívi das, que foi inteira confirmação de liberdade, porque de nada servem as leis que pretendem haja igualdade entre os cidadãos quando as dívidas impedem os pobres de gozá-la; antes, quando parece que usam mais de sua liberdade, como no poderem ser eleitos juízes e oficiais, e no dizerem suas opiniões no conselho e darem seus votos, é onde se tornam mais servos e mais sujeitos, porque não fazem senão obedecerem a tudo o que lhes mandam os ricos. Mas ainda há nesse ato coisa mais maravilhosa e mais notável: é que ordinariamente essas abolições de dívidas costumam acarretar grandes tumultos e grandes sedições nas coisas públicas; e Sólon, tendo usado delas em tempo oportuno, nem mais nem menos do que de uma medicina perigosa e ousada, apaziguou a sedição já em curso, amortecendo, por sua glória e pela opinião que se tinha publicamente de sua probidade e de sua virtude, toda infâmia e toda calúnia que pudesse nascer desse fato.
V. Quanto à primeira entrada no governo dos negócios teve Sólon mais ilustre começo, pois marchou à frente e não seguiu outro; e sozinho, sem ser acompanhado de outros, fez e executou a maior parte de suas mais belas façanhas, Mas também a saída de Publícola foi muito mais gloriosa e mais feliz; pois Sólon, antes de morrer, viu sua coisa pública arruinada, ao passo que a de Publícola sempre se manteve depois intacta, até no tempo das guerras civis, Sólon, após haver feito e escrito suas leis em rolos de madeira, sem que tivessem nenhuma pessoa para defendê-las, retirou-se incontinente para fora da cidade de Atenas; ao passo que Publícola, ficando continuamente em Roma no manejo dos negócios, fundou e deu pé firme às suas. Ademais, Sólon, tendo bem previsto as manobras de Pisístrato, pelas quais ele aspirava ao principado e a fazer-se tirano, jamais pôde todavia impedi-las, antes ele mesmo vencido e oprimido pela tirania que se estabeleceu em sua vida, mal grado seu; ao passo que Publícola aboliu e arruinou uma poderosa realeza que havia longo tempo tomara pé e estava inteiramente estabelecida, tendo além disso a virtude igual e a intenção semelhante, fortuna próspera com poder suficiente para executar sua virtuosa vontade.
VI. Mas, quanto aos feitos de armas e proezas de guerra, há pouca conferência entre eles, pois o próprio Daimaco de Platéia não atribui a Sólon o feito de Mégara, como escrevemos; ao passo que Publícola, sendo chefe de exército e combatendo ele próprio em pessoa, ganhou várias grandes batalhas. E, ainda quanto às ações civis e negócios da paz, Sólon não ousou apresentar-se francamente para insuflar a empresa de Salamina, senão sob a cobertura de ter perdido o juízo, e sob uma forma de pilhéria e passatempo; ao passo que Publícola, jogando a sorte, desde o começo se declarou, sem nada dissimular, abertamente inimigo de Tarquínio e, depois, ainda descobriu a conjuração; e, tendo sido principal causa e autor da ordem de punição dos traidores conjurados, expulsou não somente as pessoas dos tiranos para fora de Roma, mas também tirou-lhes toda esperança de retorno. E, tendo-se portado assim generosa e virtuosamente, sem jamais curvar-se nem variar nos negócios que requeriam força, coragem e resistência aberta, portou-se ainda mais sabiamente nas coisas que tinham necessidade de prudência sem força, de razoáveis advertências e de prudente persuasão, quando destramente conquistou o rei Porsena, que era inimigo temível e invencível pela força, para com o qual fez tanto que ele se lhe tornou amigo.
VII. Todavia, também se poderia insistir nesse ponto, que Sólon recuperou para os Atenienses a ilha de Salamina, que eles queriam perder; e, ao contrário, Publícola entregou a Porsena as terras que os Romanos tinham antes conquistado dentro do país da Toscana. Mas é preciso sempre considerar os tempos nos quais as coisas foram feitas, pois um sábio governador de estado e homem político se governa diversamente segundo as ocasiões, tomando cada coisa pela extremidade em que ela se deixa manejar: bem frequentemente abandonando uma parte, salva o todo e, perdendo um pouco, muito ganha — como fez então Publícola, pois que, perdendo um pouco de território que havia sido usurpado de outrem, conservou tudo o que era certamente seu. E, quando os Romanos estimavam que seria muito para eles o poderem apenas salvar sua cidade, ele lhes adquiriu a maioria dos bens que estavam no campo dos inimigos que os mantinham sitiados; e, fazendo o inimigo juiz de sua diferença, ganhou-lhe a causa e assim adquiriu mais o que teria sido bem fácil dar para vencer e obter na judicatura de sua diferença; pois o rei inimigo não somente fez a paz com eles, mas ainda lhes deixou toda a sua equipagem e todas as provisões e munições de guerra, pela opinião da virtude, probidade e legalidade que o bom-senso do cônsul o fez estimar existirem em todos os outros Romanos.